Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 621/2015-T
Data da decisão: 2016-03-15  IRS  
Valor do pedido: € 1.661.073,48
Tema: IRS – Ajudas de custos
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Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Maria Cristina Aragão Seia e Dr.ª Mariana Vargas, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 09-12-2015, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A…, LDA., número de identificação de pessoa colectiva…, com sede na Rua…, Edifício…, … andar, …-… … (doravante designada como "Requerente " ou "A…"), veio, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a), e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do acto de liquidação adicional de retenção na fonte em sede de IRS n.º 2014…, e respectivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2015…, 2015 …, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, identificadas na demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR n.º 2015…, relativas ao ano de 2012, dos quais resultou um saldo a pagar de € 1.661.073,48.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 09-10-2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 23-11-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 09-12-2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido.

No dia 17-02-2016, teve lugar uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e acordado que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral é competente e foi regularmente constituído.

 Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e a Requerente tem legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas excepções.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A A… é uma empresa de trabalho temporário;

b)      Em cumprimento do respectivo objecto social, a referida sociedade contrata trabalhadores, sendo a entidade patronal destes, que posteriormente cede a terceiros ("Utilizadores");

c)      A esmagadora maioria destes trabalhadores exerce as suas funções em locais de trabalho situados fora do território nacional;

d)     Residindo habitualmente em Portugal, todos os referidos trabalhadores que exercem funções no estrangeiro têm que se deslocar das suas residências habituais e do convívio das respectivas famílias, de modo a poderem prestar o seu trabalho às ordens dos Utilizadores junto dos quais foram colocados;

e)      Em muitos casos, o trabalhador destacado para junto de um dado Utilizador não exerce as suas funções sempre no local de trabalho definido no contrato de trabalho temporário;

f)       Em regra, depois de celebrado o contrato de trabalho e ao abrigo do mesmo, o trabalhador presta os seus serviços ao Utilizador onde quer que este necessite e sem que para tal se celebrem novos contratos;

g)      Por estas razões, a Requerente decidiu atribuir aos seus trabalhadores, em conjunto com o respectivo salário, uma quantia monetária (ajudas de custo) como forma de os compensar pelos transtornos causados pelas mencionadas deslocações;

h)      Por opção e por economia de recursos, a Requerente não disponibiliza aos seus trabalhadores colocados no estrangeiro qualquer tipo de alojamento ou alimentação;

i)         As despesas de alojamento e alimentação dos trabalhadores referidos não são idênticas às que eles teriam de suportar se continuassem a exercer as suas funções em Portugal e são suportadas pelos próprios trabalhadores;

j)         Os montantes pagos aos trabalhadores destacados a título de ajudas de custo variou de acordo com um conjunto de factores, nomeadamente, o local em que o trabalhador se encontrava destacado, por o preço do alojamento e habitação não ser o mesmo em todos os países e poder haver variações conforme o período do ano em que o destacamento ocorria, uma vez que a maior afluência de pessoas a uma zona turística, numa determinada época do ano, pressionou em alta o preço do alojamento e da alimentação;

k)      Após os trabalhadores se deslocarem para os locais de tinham de exercer funções, comunicaram à Requerente as despesas que tinham de suportar com alojamento e alimentação, após o que a Requerente as pagou, repercutindo o seu custo nos adquirentes dos serviços;

l)         A Requerente foi objecto de um procedimento inspectivo, na sequência da OI2014…, de âmbito geral, referente ao exercício de 2012;

m)    No referido procedimento inspectivo, foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

II.5. DESENVOLVIMENTO DA ANÁLISE DA ATIVIDADE

II.5.1. O trabalho temporário. Legislação

O sujeito passivo é uma empresa de trabalho temporário (ETT), cuja atividade consiste na prestação de serviços de cedência temporária de trabalhadores a outras empresas.

O exercício e licenciamento da atividade das ETT encontram-se regulados pelo Decreto-Lei n.º 260/2009, de 25 de setembro, o qual revogou o Decreto-Lei n.º 124/89, de 14 de abril, e a Lei n.º 19/2007, de 22 de maio, na parte não revogada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou o novo Código do Trabalho.

A alínea d) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 260/2009, define como "empresa de trabalho temporário" a pessoa singular ou coletiva cuja atividade consiste na cedência temporária a utilizadores da atividade de trabalhadores que, para esse efeito, admite e retribui.

Nos termos dos artigos 5.º e 8.º daquele diploma, o exercício desta atividade encontra-se sujeito a licença. A A…ETT encontra-se licenciada para o exercício da atividade de ETT, sendo detentora do alvará n.º …/2000.

O trabalho temporário encontra-se regulamentado nos artigos 172.º e seguintes do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7 /2009, de 12 de fevereiro.

Define-se como uma relação triangular, em que uma entidade empregadora (a ETT) contrata, remunera e exerce o poder disciplinar sobre um trabalhador temporário, colocando-o a prestar a sua atividade numa outra entidade (utilizador) que o recebe e exerce, de forma delegada, os poderes de autoridade e direção.

Para o efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 260 /2009, é obrigatoriamente celebrado, entre a ETT e o utilizador, um contrato de utilização de trabalho temporário.

Nos mesmos termos é obrigatória a celebração, entre a ETT e o trabalhador, de um contrato de trabalho temporário ou um contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Por exigência dos artigos 181.º e 183.º do Código do Trabalho, o contrato de trabalho temporário e o contrato de trabalho por tempo indeterminado, estão sujeito à forma escrita e devem conter, entre outros elementos, a atividade contratada ou descrição genérica das funções a exercer e o local de trabalho ou a área geográfica na qual o trabalhador está adstrito a exercer funções.

II.5.2. Atividade do SP como ETT

No ano de 2012 o sujeito passivo registou um volume de negócios, relativo à sua atividade de ETT, superior a 10 milhões de euros, destacando-se os seus principais clientes:

 

Quadro 6 - Peso do volume de negócios por cliente

Localização do Cliente

(1)

Cliente

(2)

%

(3)

 

Mercado nacional

B… Lda

54%

C… S.A

9%

D… Lda

6%

 

 

 

Mercado comunitário

E…

8%

F…

7%

G… S.A

6%

H…

3%

I…

3%

J…

1%

 

Mercado extra-comunitário

K… Lda

2%

L…

1%

 

 

O cliente B…, Lda., com o NIF/NIPC…, é uma sociedade detida pelos mesmos sócios do SP, e encontra-se inscrita para o exercício da atividade a que corresponde o CAE "…-Outras atividades especializadas de construção diversas, n.e.".

O sujeito passivo fatura à sociedade B…, Lda., a cedência de pessoal temporário para as suas obras. Existindo relações especiais entre o SP e o cliente B… Lda., encontram-se definidos os respetivos preços de transferência, nos termos do artigo 63.º do Código do IRC.

Foi solicitado ao SP que nos apresentasse os contratos de utilização celebrados com os seus clientes. Em resposta, o mesmo comunicou-nos que não possuía os mesmos, nos mesmos termos em que não possuía os contratos de trabalho feitos com os trabalhadores.

De facto, em auto de declarações redigido em 2014-07-07,aquando da primeira visita às instalações do SP, o técnico oficial de contas e representante nomeado nas relações com a AT durante o procedimento inspectivo, afirmou não possuir em arquivo os contratos de trabalho feitos com os trabalhadores.

Dos registos do sujeito passivo, em 2012 constam remunerações a 411 empregados, contando-se aqui todos os empregados, incluindo funcionários da empresa e trabalhadores temporários.

Conforme os mapas de "Ajudas de custo" cujas cópias nos foram disponibilizadas pelo SP, uma grande parte daqueles empregados foi colocada a trabalhar fora de Portugal: em França, Argélia, Angola, Congo, Estados Unidos da América e Singapura.

Da análise da estrutura de custos da empresa sobressaem os gastos com o pessoal, que atingem 94% do volume de negócios. Os fornecimentos e serviços externos correspondem a 2,6% do volume de negócios.

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1. IRS-RETENÇÕES NA FONTE

III.1.1. Gastos com o pessoal

Conforme foi referido no ponto 5.2 do capítulo II, da estrutura de custos da empresa a rubrica com maior valor é a de gastos com o pessoal, registados na conta 63, no montante global de 9.871.188,56 EUR e que correspondem a cerca de 96% de todos os gastos e perdas registados na contabilidade na classe 6.

Dos gastos com o pessoal destacamos as despesas com os trabalhadores temporários cujo local de trabalho se situa fora do território nacional, registadas nas contas de gastos:

i)63.2251 – Gastos com o pessoal, remunerações do pessoal, pessoal locação, ajudas de custo s/IRS, no montante de 1.989.793,28 EUR;

ii)63.81 – Gastos com o pessoal, outros gastos com o pessoal, alojamento, alimentação e deslocação, no montante global de 2.973.659,36 EUR.

Na conta 63.2251 encontram-se registadas as despesas com alegadas "ajudas de custo" pagas no final de cada mês, a trabalhadores temporários deslocados no estrangeiro, incluídas nos recibos de vencimento.

Na conta 63.81 encontram-se registadas:

a) Outras denominadas "ajudas de custo (parcial)", pagas a trabalhadores temporários deslocados no estrangeiro e que não constam dos recibos de remuneração;

b) Outras despesas com trabalhadores temporários deslocados no estrangeiro, denominadas "viagens (parcial)".

De acordo com o que consta dos registos contabilísticos e dos recibos de vencimento, as alegadas "ajudas de custo" pagas aos trabalhadores temporários, quer as que foram registadas na conta 63.2251 quer as registadas na conta 63.81, não foram sujeitas a retenção na fonte de IRS.

III.1.2. Conceitos e definições

Dispõe o n.º 1 do artigo 2.º do Código do IRS que se consideram rendimentos do trabalho dependente, sujeitos a imposto, todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular, provenientes de trabalho cor conta de outrem.

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, aquelas remunerações compreendem as outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não.

A atribuição de ajudas de custo visa compensar o trabalhador pelas despesas por si suportadas quando deslocado do seu domicílio necessário ao serviço da entidade empregadora e pressupõe a deslocação efetiva do beneficiário, tendo por finalidade fazer face aos encargos suportados pelo trabalhador com alojamento e refeições.

De acordo com o Decreto-Lei n.º 106/98 de 24 de abril, sem prejuízo do estabelecido em lei especial, considera-se como domicílio necessário, para efeitos de abono de ajudas de custo:

a) A localidade onde o trabalhador aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço;

b) A localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa;

c) A localidade onde se situa o centro da sua atividade funcional, quando não haja lugar certo para o exercício das funções.

Sobre o conceito de domicílio necessário foi elaborada uma informação vinculativa, sobre o enquadramento jurídico-tributário das remunerações auferidas pela celebração do contrato de trabalho temporário e que, apesar de vincular apenas a AT relativamente ao contribuinte que a requereu, serve de orientação a casos semelhantes.

Essa informação vinculativa, em que a AT se pronuncia no mesmo sentido que o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido no processo n.º 01006/04.6BRBRG, trata exatamente da mesma situação do caso concreto do SP, e refere o seguinte:

O contrato de trabalho temporário é meramente instrumental do contrato de utilização: a empresa de trabalho temporário celebra os contratos de trabalho quando tem a perspetiva de celebração de um contrato de utilização e neste tem de ser identificado o local de trabalho.

Assim, e ainda que estes trabalhadores não tenham qualquer vínculo contratual com o utilizador, é o local em que este pretende que seja cumprido o contrato de utilização que constitui o seu local de trabalho e que, como tal deve ser identificado no contrato de trabalho temporário, como a lei exige, devendo este ser assumido como o seu domicílio necessário.

É, exatamente, este o conceito de domicílio necessário que justifica o pagamento de ajudas de custo aos trabalhadores que, tendo o centro da sua atividade previamente definido, são ocasionalmente enviados para entidade empregadora fora da localidade onde o mesmo se situa, para ai realizarem a sua prestação, suportando encargos que a remuneração não tem em conta.

Essencial para a aferir a existência de uma deslocação está sempre uma prévia determinação de um local para a realização da prestação, pelo que, considerar que este corresponde à sede da empresa de trabalho temporário, constituiria uma forma de ficcionar uma deslocação.

Tal entendimento levaria a que se considerasse que quase todos os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário teriam direito a ajudas de custo, acabando por receber parte da contrapartida pelo seu trabalho sob aquela designação.

Atendendo a que a celebração do contrato de trabalho temporário tem sempre como pressuposto a existência de um cliente com quem a empresa de trabalho temporário celebrou um contrato de utilização, no momento da celebração daquele, a Empresa de Trabalho Temporário já conhece o local de trabalho do trabalhador contratado pelo que a remuneração terá que ser acordada em função das despesas adicionais que o mesmo vai ter de suportar, nomeadamente, se o local trabalho for em pais diverso

A remuneração, assim determinada, é considerada retribuição e, como tal, está sujeita a tributação como rendimento da categoria A do IRS.

Neste sentido, também, a recente Jurisprudência constante do acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido no Processo n.º 01006/04.6BEBRG, 2.ª Secção Contencioso Tributário, em 2007-11-08.»"

III.1.3. Contratos de trabalho

No caso em concreto, o trabalhador temporário aceita exercer as suas funções no local definido no contrato de trabalho celebrado com a empresa de trabalho temporário, assinado pelo próprio trabalhador.

No início da ação de inspeção o SP foi notificado para apresentar "cópias dos contratos de trabalho de todos os trabalhadores ao serviço em 2012". Em declarações reduzidas a termo, datado de 2014-07-24, o TOC e representante do SP declarou que «não os apresenta porque não existem porquanto ao fim de um ano são destruídos, por questões de espaço e de direito do trabalho porque só são obrigatoriamente mantidos durante um ano».

Como ficou referido no ponto 2.2 do capítulo II, deste relatório, esta ação de inspeção decorreu em conjunto com ação dos serviços de inspeção da Segurança Social. No âmbito da ação conjunta e de acordo com o disposto nos artigos 63.º da LGT e 9.º do RCPIT foram trocadas informações e elementos entre a AT e os serviços da Segurança Social.

Na troca de informação foi possível recolher cópias dos contratos de trabalho temporário, a termo incerto, efetuados entre o SP e os trabalhadores temporários deslocados em 2012, nomeadamente para França, cujas fotocópias se juntam a este relatório.

Nos contratos de trabalho temporário, assinados pela empresa de trabalho temporário e pelo trabalhador contratado, encontra-se definido o local de trabalho tal como a lei o exige, sendo que, para os trabalhadores destacados para exercer funções fora do território nacional, o local de trabalho é a localidade do país para onde serão destacados.

Na imagem seguinte apresenta-se um extrato de imagem de um contrato, onde uma seta indica o campo do contrato onde está pré-determinado o local de trabalho:

Aquando da celebração do contrato de trabalho com o trabalhador contratado, o sujeito passivo já sabe qual o local em que o utilizador pretende que esse trabalhador exerça as suas funções, uma vez que tal facto se encontra previamente e obrigatoriamente contratado entre o sujeito passivo e a empresa utilizadora.

No contrato de utilização, celebrado com o cliente que procura trabalhadores para exercerem funções em países estrangeiros, é identificado o local de trabalho, que é o local em que o utilizador pretende que seja cumprido o contrato de utilização, conforme se encontra definido no contrato de trabalho efetuado entre o sujeito passivo e o trabalhador que será destacado para o país pretendido.

Esse local de trabalho em país estrangeiro é assumido como o seu domicílio necessário, não se justificando, deste modo, o pagamento de ajudas de custo a esses trabalhadores destacados que têm o seu local de trabalho previamente definido.

Por outro lado, dada a obrigatoriedade da menção do local de trabalho no contrato, caso a empresa utilizadora necessite de um trabalhador em outro local terá que ser elaborado novo contrato de trabalho e nunca advogar a atribuição de ajudas de custo com caráter fixo, regular e permanente que consubstanciam verdadeiras retribuições, e assim, sujeitas a IRS.

No ano de 2012, foram destacados pelo SP trabalhadores para França, Argélia, Angola, Congo, Estados Unidos e Singapura, sendo nestes países o seu local de trabalho.

Sendo já conhecido o local de trabalho do trabalhador contratado para exercer funções em países estrangeiros, definido entre o sujeito passivo e a empresa utilizadora, a remuneração desses trabalhadores destacados é acordada em função das despesas adicionais que o mesmo vai ter que suportar, tais como a deslocação, alimentação e alojamento, sendo essas remunerações consideradas como retribuição e, como tal, sujeitas a tributação como rendimento da categoria A do IRS.

Deste modo, os encargos registados pelo sujeito passivo, nas contas 63.2251 e 63.81 da contabilidade, como "ajudas de custo", são considerados remunerações de trabalho dependente, de acordo com o disposto no artigo 2.º do Código do IRS e, como tal, sujeitas a tributação como rendimento da categoria A do IRS.

III.1.4. Mapas de ajudas de custo

No início da ação de inspeção, em 2014-07-07, o SP foi notificado para apresentar os "Cópias dos boletins itinerários / mapas de ajudas de custo por cada trabalhador e por cada mês, em 2012", ou seja, mapas através dos quais fosse possível efetuar o controlo das ajudas de custo.

Em 2014-07-24 o SP apresentou cópias de mapas denominados "Ajudas de Custo de 2012 –A…", contendo um mapa por cada um dos 253 trabalhadores destacados, dos quais consta a indicação, por mês, do local de trabalho, número de dias de trabalho, valor das "ajudas de custo" registadas na conta 63.225, "ajudas de custo (parcial)" registadas na conta 63.81 e gastos com viagens (parcial) registados na conta 63.81.

Juntam-se a este relatório uma cópia da primeira folha, a título exemplificativo, contendo os mapas correspondentes a seis empregados, (os seis primeiros ordenados alfabeticamente), e uma tabela em "Excel" que contém os dados recolhidos de todos aqueles mapas.

O montante total que consta na coluna das alegadas ajudas de custo, nos mapas de todos os trabalhadores deslocados, atinge os 1.989.808,00 EUR e corresponde ao valor anual registado na contabilidade na conta 63.2251, no montante de 1.989.793,28 EUR. Existe uma diferença de 14,72 EUR, materialmente irrelevante, que o TOC do sujeito passivo admitiu ser um erro material na contabilidade: «... a única explicação que encontro é a de um erro de contabilização. O valor do mapa é o correcto. O movimento contabilístico está errado, relevando-se um custo inferior ao real».

O montante total que consta nas colunas das alegadas ajudas de custo "parcial conta 63.81" e viagens "parcial 63.81", nos mapas de todos os trabalhadores, totaliza o valor de 2.958.444,00 EUR, estando a diferença para o total do extraio contabilístico da conta 63.81, no valor de 15.218,09 EUR, registada na conta "78.8882 -Acerto custos pessoal", existindo uma divergência materialmente irrelevante de 2,73 EUR.

III.1.5. Análise dos mapas de "Ajudas de custo"

Nos mapas denominados "Ajudas de Custo de 2012 - A…", apresentados pelo SP, encontram-se discriminados, por cada um dos trabalhadores destacados cujo local de trabalho se situa fora de Portugal, o local de trabalho, o valor mensal do encargos registados como "ajudas de custo", na conta 63.2251 e na conta 63.81 e os encargos registados na conta 63.81 como deslocações, alimentação e alojamento.

Ajudas de custo (conta 63.2251): Os gastos registados na conta 63.2251 encontram-se incluídos nos recibos de vencimento dos trabalhadores, são pagos com a restante remuneração e não têm qualquer documento de suporte.

Uma vez que o local de trabalho está definido como sendo nos países para os quais foram destacados e pelo conceito de domicílio necessário, estas remunerações não poderão ser consideradas como ajudas de custo, mas sim como retribuição a título de rendimento do trabalho dependente.

Ajudas de custo (parcial conta 63.81): Pagamentos efetuados aos trabalhadores temporários, quase sempre através de transferência bancária. Definido pelo SP como "ajudas de custo", não existem documentos de suporte do tipo de despesa paga.

Nos termos do artigo 258.º do Código do Trabalho, a retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas.

Analisando os mapas "Ajudas de Custo de 2012 - A…" que o SP nos apresentou, se atentarmos nos valores constantes da coluna das alegadas ajudas de custo (conta 63.2251) e da coluna das alegadas ajudas de custos (conta 63.81), verifica-se que os valores pagos mensalmente a cada empregado são díspares, variando de um período para outro.

No entanto, se fizermos o exercício de somar os valores que constam de ambas as colunas das alegadas ajudas de custo (conta 63.2251 + conta 63.81) e em seguida dividirmos este valor total pelo número de dias de trabalho do mês a que corresponde, obtemos um valor diário exato e constante.

Então, nos termos do n.º 2 do artigo 258.º do Código do Trabalho, (transcrito em rodapé), estes valores correspondem a retribuição do trabalho.

A título exemplificativo apresentam-se no quadro seguinte os cálculos efetuados referentes a um empregado. Nos mapas em Anexo III – "Ajudas de Custo", apresenta-se o mesmo cálculo relativamente a todos os empregados que constam dos mapas em causa.

Por outro lado, pela análise do quadro anterior, e dos outros (ver Anexo III - "Ajudas de custo"), verifica-se que os trabalhadores não trabalharam todos os dias de alguns meses, embora se tenham mantido fora de Portugal.

No entanto, conforme se comprova, a título de exemplo, pela leitura do quadro anterior, relativamente aos meses de fevereiro, maio e setembro, as alegadas "ajudas de custo" não foram pagas relativamente a todo o mês, mas apenas aos dias em que o trabalhador esteve em utilização.

Para esclarecimento do conceito de "utilização" temporal do trabalhador, vejamos uma fatura emitida pelo SP, onde se pode ler: «Mise à disposition de MONTEUR du 5 au 31 Janvier/12».

Verifica-se que o trabalhador, embora deslocado o mês todo, apenas recebeu alegadas "ajudas de custo" relativamente aos períodos em que esteve a ser utilizado, ou seja, aquelas alegadas "ajudas de custo" não tinham por fim compensar o trabalhador em função da deslocação, mas são de facto uma remuneração do trabalho, apenas paga relativamente aos dias em que está a ser utilizado no trabalho.

Mesmo quando, de acordo com os mapas de "Ajudas de custo" apresentados pelo SP, o local onde o trabalhador presta o trabalho possa variar entre localidades do mesmo país, (no caso França), o trabalhador só teria a compensação pela deslocação entre localidades, o que não sucedeu, pois como se pode comprovar, a ajuda de custo é sempre a mesma.

Além do que, relativamente às despesas com viagens e deslocações, elas constam dos mapas apresentados pelo SP em coluna à parte ou são mesmo contabilizadas em contas diferenciadas, e nem uma nem outras são postas em causa neste relatório.

Assim, fica comprovado que aquelas remunerações, a que o SP atribuiu a denominação de "ajudas de custo" são, efetivamente, prestações regulares e periódicas, pelo que as mesmas são necessariamente incluídas no conceito de remuneração, nos termos do já referido artigo 258.º do Código do Trabalho.

III.1.6. Alguma jurisprudência

Conforme conclusão no acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, no processo n.º 6785/02: «A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, (...), e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho». O contrário verifica-se no caso em apreço, conforme ficou demonstrado.

O acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, no processo n.º 00699/03, conclui numa situação idêntica às que aqui estão em causa, que: «Com efeito, ao assinar o contrato de trabalho, sabiam o impugnante e o seu empregador que o local de trabalho iria ser num país estrangeiro. pelo que tiveram a oportunidade de ajustar o salário em função dessa condicionante, estipulando, por isso, um complemento de remuneração correspectivo da sua prestação de trabalho, o qual não pode, à luz do nosso sistema jurídico, designadamente do conceito de retribuição constante do citado artigo 82º da LCT, ser qualificado como "aludas de custo".»

E no processo n.º 00700/03, «(...) E tanto assim é que o valor daquelas verbas era regular e periodicamente processado nos recibos de vencimento e a quantia foi previamente fixada como verba fixa e permanente por cada dia de trabalho efectivo no contrato de trabalho, variando mensalmente, conforme se pode verificar pelos recibos, variação essa que se devia a variações da quantidade de trabalho efectuada em cada mês pelo trabalhador. Temos então de concluir que as referidas verbas estão sujeitas a IRS, de acordo com o disposto no artº 2º do C/RS, não havendo sequer lugar à aplicação do disposto no art. 2º n.º 3 e) do mesmo diploma (tributação das ajudas de custo apenas na parte que excedam os limites legais), por estar totalmente afastada a natureza de ajudas de custo das referidas verbas, ou seja, as questionadas vertias não assumem natureza compensatória de ajudas de custo mas sim a natureza remuneratória.».

O facto de as alegadas "ajudas de custo" pagas pelo SP não constarem do contrato de trabalho e de parte delas não serem mencionadas nos recibos, não altera a substâncias dos factos analisados e demonstrados nem das conclusões atrás fundamentadas.

III.1.7. Viagens (parcial conta 63.81)

As despesas até aqui designadas pelo SP como "ajudas de custo" e analisadas nos parágrafos anteriores não compreendem as outras despesas que o SP suportou e registou separadamente como gastos referentes as viagens dos trabalhadores:

a) Na conta 63.81, descritas como "Viagens (parcial conta 6381)";

b) Na conta "62.52 -Transportes de pessoal";

c) Na conta "63.871 - Documentos destacamento".

Solicitado a apresentar documentos comprovativos dos gastos com ajudas de custo registados na conta 63.81, o SP respondeu por intermédio do seu TOC, em mensagem de correio electrónico datada de 2014-11-05; «(...), em principio, todos os documentos justificativos das despesas que estejam em poder da A…, são os indicados na coluna "Viagens - Parcial da 6381".

Verifica-se, portanto, que o SP suportou e registou na contabilidade como gastos as despesas com as deslocações dos trabalhadores e que são aceites como gasto fiscal.

III.1.8. Responsabilidade solidária

Conforme estipulado no n.º 4 do artigo 103.º do Código do IRS, referente à responsabilidade em caso de substituição, "tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido".

O n.º 4 do artigo 103.º do Código do IRS foi aditado pelo artigo 46.º da Lei n.º 53-A /2006, de 29 de dezembro – Lei do Orçamento do Estado para 2007, visando combater situações como a que está em apreço.

Salienta o Relatório do Orçamento de Estado para 2007, publicado pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública, em outubro de 2006, a "Instituição de um regime de responsabilidade solidária do substituto pelo imposto não retido aos beneficiários dos rendimentos em situações qualificadas como práticas fraudulentas relacionadas com a omissão ou redução do montante das remunerações pagas, seja pela sua não contabilização, seja pela sua caracterização como rendimentos não sujeitos a tributação (v.g. ajudas de custo).".

De acordo como o artigo 20.º da Lei Geral Tributária, a substituição tributária verifica-se quando a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte e é efetivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto.

O rendimento de trabalho dependente pago aos trabalhadores destacados, sujeito a tributação, registado nas contas 63.2251 e 63.81, no valor total de 4.645.067 EUR, não foi contabilizado pelo SP como tal, mas antes caracterizado como rendimento não sujeito a imposto, a título de "ajudas de custo".

Esse rendimento, sujeito a tributação, registado nas contas 63.2251 e 63.81, também não foi comunicado como tal aos trabalhadores temporários destacados, conforme consta das declarações entregues pela entidade patronal a esses trabalhadores, referentes às importâncias devidas no ano de 2012 e respetivo imposto retido na fonte, de acordo com a aliena b) do n.º 1 do artigo 119.º do Código do IRS.

As declarações referidas, estão conformes com os valores indicados na declaração modelo 10, a que se refere a alínea c) do mesmo normativo legal, relativa ao ano de 2012, que contém os rendimentos de trabalho dependente, anuais, devidos aos mesmos trabalhadores em 2012, sujeitos a tributação em sede de IRS.

Em face do exposto conclui-se que o SP, substituto dos trabalhadores no apuramento e na entrega da retenção na fonte, é responsável solidário pelo imposto não retido, nos termos do n.º 4 do artigo 103.º do Código do IRS.

Deste modo, o SP deverá entregar as guias de pagamento das retenções na fonte, relativamente a cada um dos meses do ano 2012, com o código "101 – IRS, trabalho dependente", referentes ao imposto não retido, sobre rendimento de trabalho dependente – categoria A, no montante global anual de 1.515.328,00 EUR, (conforme ponto III.1.7 e Anexo IV).

Sobre os valores das retenções em falta, são devidos juros compensatórios, desde a data em que deveriam ter sido entregues nos cofres do Estado, (coluna 4 do quadro 8), nos termos do artigo 35.º da LGT.27

III.1.9. Cálculo das retenções na fonte em falta

Concluindo-se que os encargos registados na contabilidade, como alegadas "ajudas de custo", nas contas 63.2251 e 63.81 constituem rendimentos de trabalho dependente pagos aos trabalhadores temporários destacados, cujo local de trabalho e domicílio necessário se situam fora do território nacional, aqueles rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte de IRS.

Esses rendimentos não foram registados na contabilidade do SP como remunerações do trabalho dependente sujeitas a imposto, pelo que não foi efetuada a respetiva retenção de IRS.

De acordo com o estipulado nos artigos 98.º e 99.º do Código do IRS e no Decreto-Lei n.º 42/91, de 22 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico das Retenções na Fonte, as entidades devedoras de rendimentos de trabalho dependente são obrigadas a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respetivos titulares.

As quantias retidas devem, nos termos daquelas normas, ser entregues ao Estado até ao 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas.

No apuramento do IRS a reter sobre as remunerações do trabalho dependente, pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares, ter-se-á em conta a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos de acordo com as tabelas de retenção individualizadas.

A retenção de IRS é efetuada sobre as remunerações pagas ou postas à disposição dos seus titulares, mediante a aplicação das taxas que lhe correspondam, constantes da respetiva tabela. As tabelas de retenção na fonte são anualmente aprovadas por despacho do Ministro das Finanças.

As tabelas com as taxas de retenção na fonte sobre o trabalho dependente para o ano de 2012 foram aprovadas pelo Despacho n.º 2075-A /2012, de 10 de fevereiro.

O cálculo das retenções na fonte de IRS, sobre os rendimentos de trabalho dependente em causa, tem por base os valores das remunerações pagas constantes dos recibos de remunerações e os valores constantes dos mapas "Ajudas de Custo de 2012 - A…", cujas cópias nos foram entregues pelo SP.

Foi apurado o total da remuneração mensal de cada trabalhador sujeita a imposto. Aos rendimentos constantes dos recibos de remunerações que foram sujeitos a imposto, foi adicionado o valor das denominadas "ajudas de custo" registadas na conta 63.2251, que constam dos recibos de remunerações, e o valor das denominadas "ajudas de custo" registadas na conta 63.81, que não constam dos recibos de remunerações.

Das bases de dados da AT e dos elementos constantes dos cabeçalhos dos documentos designados "Conta Corrente de Empregado" relativos a cada empregado e cujas cópias nos forem entregues pelo SP, foi verificada a situação pessoal e do agregado familiar dos trabalhadores, para efeitos do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 42 /91, de 22 de janeiro.

A situação pessoal e familiar de cada trabalhador foi verificada e atualizada ao longo dos doze meses do ano, tendo em conta os dados constantes do cabeçalho "Conta Corrente do Empregado", a verificação da taxa aplicada em cada mês através do respetivo "Recibo de Remunerações" e outras informações prestadas pelo SP.

Apurado o total da remuneração mensal de cada trabalhador e a situação pessoal e familiar, pode-se determinar a taxa que lhe corresponde, de acordo com as tabelas de retenção na fonte, e que deveria ter incidido sobre o total dos rendimentos recebidos pelos trabalhadores.

As taxas de retenção aplicadas relativamente aos subsídios de férias e de Natal foram calculadas autonomamente, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 42 /91.

Relativamente ao mês de janeiro de 2012, e dado que as tabelas de retenção na fonte para 2012 só foram publicadas em 2012-02-10, manteve-se o procedimento utilizado pelo SP de aplicar as tabelas correspondentes em vigor para o ano de 2011.

Os valores das retenções corretas a efetuar a cada trabalhador, em cada mês, estão calculados nos mapas anexos a este relatório, em Anexo IV - "Cálculo das retenções".

Dos valores resultantes dos cálculos apresentados nesses mapas, podemos concluir que o total mensal das retenções na fonte sobre o rendimento do trabalho dependente em falta, nos termos dos artigos 98.º e 99.º do Código do IRS, é o que se sintetiza no quadro seguinte:

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO

O sujeito passivo foi notificado, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60.º do RCPIT, através do ofício n.º…, de 2014-11-14, para o exercício do direito de audição sobre o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, remetido para o seu domicílio fiscal.

Em 2014-12-10 deu entrada nestes serviços da Direção de Finanças de … uma exposição do SP exercendo o direito de audição prévia.

Conforme consta da referida exposição, o SP discorda das correções propostas, pelas razões que a seguir se transcrevem:

 

Conforme ficou devidamente fundamentado, no ponto III. 1.2, deste relatório, a atribuição de ajudas de custo visa compensar o trabalhador pelas despesas por si suportadas quando deslocado do seu domicílio necessário.

Não se coloca aqui em causa se o trabalhador tem ou não residência em Portugal, mas sim qual é o seu domicílio necessário.

De acordo com o Decreto-Lei n.º 106/98, considera-se como domicílio necessário, para efeitos de abono de ajudas de custo:

a) A localidade onde o trabalhador aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço;

b) A localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa;

c) A localidade onde se situa o centro da sua atividade funcional, quando não haja lugar certo para o exercício das funções.

Nos contratos de trabalho temporário, assinados pela empresa de trabalho temporário e pelo trabalhador contratado, encontra-se definido o local de trabalho tal como a lei o exige, sendo que, para os trabalhadores destacados para exercer funções fora do território nacional, o local de trabalho é a localidade do país para onde serão destacados.

No caso em concreto, o trabalhador temporário aceita exercer as suas funções no local definido no contrato de trabalho celebrado com a empresa de trabalho temporário, assinado pelo próprio trabalhador.

Esse local de trabalho em país estrangeiro é assumido como o seu domicílio necessário, não se justificando, deste modo, o pagamento de ajudas de custo a esses trabalhadores destacados que têm o seu local de trabalho previamente definido.

Alega ainda o SP, que:

Relativamente a este ponto e seguintes, a sua análise está prejudicada, dado que que as remunerações em causa não são ajudas de custo, como já ficou antes demonstrado, mas são prestações regulares e periódicas e, como tal, incluídas no conceito de remuneração, nos termos do já anteriormente referido artigo 258.º do Código do Trabalho.

 

n)       Na sequência da inspecção, em 29-04-2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação n.º 2014…, relativa a retenções na fonte de IRS do ano de 2012, no montante de € 1.516.328,00 e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, no montante global de € 145.745,48, dos quais resultou um saldo a pagar de € 1.661.073,48.

o)      Em 28-09-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos que constam do processo administrativo e na prova testemunhal.

As testemunhas inquiridas aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que referiram.

 

4. Matéria de direito

 

A Requerente é uma empresa de trabalho temporário que, no ano de 2012, contratou trabalhadores em Portugal, passando a ser a sua entidade patronal, que posteriormente cedeu a terceiros, na maior parte dos casos para exercer as suas funções em locais de trabalho situados fora do território nacional, designadamente em França, Argélia, Angola, Congo, Estados Unidos da América e Singapura.

Segundo resulta da prova produzida os trabalhadores que prestaram serviço no estrangeiro, no ano de 2012, residiam e continuaram a residir habitualmente em Portugal, tendo-lhes a Requerente efectuado pagamentos destinados a compensar as despesas que eles suportaram com a estadia nos países onde prestaram serviço, pagamentos esses que variaram conforme o custo real dessa estadia em cada um dos locais tendo em conta, inclusivamente, a época do ano em que a estadia ocorria, no caso de locais em que esse custo varia conforme a época do ano.

Provou-se ainda que os locais onde os trabalhadores exercem as suas funções nem sempre coincide com o que é indicado nos contratos de trabalho, variando conforme as necessidades da entidade para quem o serviço foi prestado.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, no Relatório da Inspecção Tributária subjacente à liquidação impugnada, entendeu que é aplicável à situação o conceito de domicílio necessário que consta do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril, e partiu do pressuposto de que «aquando da celebração do contrato de trabalho com o trabalhador contratado, o sujeito passivo já sabe qual o local em que o utilizador pretende que esse trabalhador exerça as suas funções, uma vez que tal facto se encontra previamente e obrigatoriamente contratado entre o sujeito passivo e a empresa utilizadora» e de que «dada a obrigatoriedade da menção do local de trabalho no contrato, caso a empresa utilizadora necessite de um trabalhador em outro local terá que ser elaborado novo contrato de trabalho e nunca advogar a atribuição de ajudas de custo com caráter fixo, regular e permanente que consubstanciam verdadeiras retribuições, e assim, sujeitas a IRS».

Da prova produzida concluiu-se com segurança que esta suposição da Autoridade Tributária e Aduaneira de que o serviço é sempre prestado nos locais que consta dos contratos não corresponde à realidade e que há prestação de serviços em locais diferentes dos indicados nos contratos, conforme as necessidades ocasionais das empresas que adquirem os serviços, sem que sejam celebrados novos contratos.

Por outro lado, provou-se também que não corresp0ndeu à realidade a afirmação que a Autoridade Tributária e Aduaneira faz no referido Relatório da Inspecção Tributária de que «a remuneração desses trabalhadores destacados é acordada em função das despesas adicionais que o mesmo vai ter que suportar, tais como a deslocação, alimentação e alojamento, sendo essas remunerações consideradas como retribuição e, como tal, sujeitas a tributação como rendimento da categoria A do IRS».

Na verdade, provou-se que as despesas de alojamento de alimentação dos trabalhadores não são acordadas antecipadamente entre a Requerente e os trabalhadores, sendo apenas acordada a remuneração, só sendo fixado o valor da compensação por despesas de alojamento e alimentação depois da confirmação pelos trabalhadores, nos locais de destino, dos custos que realmente têm de suportar, que variam conforme o custo de vida nos respectivos locais e, por vezes, conforme a época do ano.

Assim, tem de se concluir que, ao contrário do que concluiu a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária, as quantias recebidas pelos trabalhadores destinadas a compensarem as despesas de alojamento e alimentação não cabem no conceito de «retribuição», à face da definição fornecida pelo artigo 258.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Trabalho, pois provou-se que não se está parente prestações regulares e periódicas auferidas como contrapartida do trabalho prestado, tendo, assim, sido ilidida a presunção que constitui «retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador», que consta do n.º 3 do mesmo artigo.

Por isso, as quantias em causa são consideradas ajudas de custo, para efeito da alínea a) do n.º 1 do artigo 260.º do Código do Trabalho.

Como vem sendo jurisprudência assente do Supremo Tribunal Administrativo, relativamente a situações similares de trabalhadores contratados em Portugal para prestarem serviço no estrangeiro, «é à Administração Tributária que compete demonstrar a existência dos factos constitutivos dos seus direitos, ou seja, que ocorreram situações susceptíveis de serem tributadas, designadamente ao abrigo do artigo 2° do Código do IRS» e «cabe à AT dar satisfação ao ónus que lhe incumbe de “apontar elementos factuais demonstrativos ou seriamente indiciantes de que os abonos recebidos (pelo Impugnante, aqui recorrente) não tinham qualquer fim compensatório» ( [1] ).

Como se referiu no acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 08-11-2006, proferido no processo n.º 01082/04:

Na estrutura do IRS visa-se tributar apenas o rendimento efectivo dos contribuintes, embora esses rendimentos efectivos possam ser presumidos.

Por isso, o artigo 2.° do CIRS que define os rendimentos do trabalho, tem de ser interpretado a esta luz, como abrangendo apenas hipóteses em que as atribuições pecuniárias feitas aos trabalhadores por conta de outrem visem proporcionar-lhe um acréscimo patrimonial, afastando a incidência do imposto relativamente a atribuições patrimoniais que visam apenas compensar o trabalhador de despesas que teve de suportar para assegurar o exercício adequado da função.

É certo, porém, que sob a capa da atribuição de "compensações" deste tipo podem, por vezes, estar a esconder-se atribuições de verdadeiras remunerações, o que justifica que se estabeleçam limites a essas atribuições patrimoniais nas alíneas c), d), e e) do n.º 3 do artigo 2.° do CIRS na redacção anterior à Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro.

Mas só na parte excedente a esses limites.

Resulta daqui claro que as ajudas de custo só têm natureza remuneratória na parte em que excederem os apontados limites, tendo natureza compensatória na parte que os não excedam».

 

            No caso em apreço, resultou da prova produzida que as quantias em causa se destinaram a compensar os trabalhadores das despesas acrescidas que efectivamente tiveram de suportar para prestarem serviço nos locais em que exerceram as funções, pelo que, não tendo sido excedidos os limites legais, se está perante prestações atribuídas aos trabalhadores que não são consideradas rendimento para efeitos de IRS, por força do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS.

            Por outro lado, embora esta norma faça também depender a não qualificação das ajudas de custo como rendimento da observância dos «pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado», esta limitação tem em vista evitar que, abusivamente, se atribua a qualificação de ajudas de custos a atribuições patrimoniais que não tenham a natureza compensatória de despesas suportadas pelos trabalhadores, pois seria uma solução materialmente inconstitucional, por ofensa do princípio da igualdade [artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP], tributar como rendimento, com a correlativa diminuição da retribuição do trabalho, atribuições patrimoniais efectuadas com aquela finalidade em situações em que se justifica que as despesas sejam compensadas como tal.

            Ora, para o específico caso das situações de trabalho temporário em que o trabalhador é cedido a utilizador no estrangeiro, existe lei especial que expressamente regula a atribuição de ajudas de custo e fixa o seu limite (artigo 185.º do Código do Trabalho de 2009), pelo que, relativamente às prestações atribuídas aos trabalhadores que se encontrem nessas condições, há um reconhecimento legislativo expresso de que se está perante ajudas de custo e, por isso, se está perante atribuições pecuniárias que não constituem rendimento, para efeitos de IRS. Aliás, é evidente a razoabilidade desta opção legislativa, pois, é normal que a deslocação temporária do trabalhador para local distante da sua residência habitual implique despesas que não teria de suportar se se mantivesse nesse local de residência ou se transferisse a sua residência habitual para o estrangeiro.

Por isso, é claro o erro da Autoridade Tributária e Aduaneira ao entender que o «local de trabalho em país estrangeiro é assumido como o seu domicílio necessário, não se justificando, deste modo, o pagamento de ajudas de custo a esses trabalhadores destacados que têm o seu local de trabalho previamente definido», pois, na perspectiva legislativa, justifica-se o pagamento de ajudas de custo mesmo que o trabalhador exerça funções apenas no local de trabalho indicado no respectivo contrato, desde que se trate de uma deslocação temporária, como se prevê naquela norma.

Por outro lado, constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou o conceito de domicílio necessário previsto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril, para apurar se se verificam, quanto às quantias consideradas pela Requerente como ajudas de custo, «os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado», a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, mas essa utilização não se afigura adequada, nos casos em que está em causa prestação de serviço no estrangeiro.

  Na verdade, o Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril, não tem em vista as situações em que o local em que devem ser exercidas funções se situa no estrangeiro, como se conclui do artigo 15.º do mesmo diploma, em que se refere que «0 abono de ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro e por deslocações no estrangeiro é regulado por diploma próprio».

De resto, como se disse, provou-se que os trabalhadores nem sempre exerceram funções no estrangeiro nos locais indicados nos respectivos contratos, pelo que, mesmo que se entendesse aplicável o conceito de domicílio necessário previsto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 106/98, teria de se reconhecer que a liquidação impugnada, ao pressupor que as funções foram exercidas sempre nesses locais, enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto.

Para além disso, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo (e se vê pela jurisprudência citada), para haver incidência de IRS sobre quantias pagas a título de ajudas de custo, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem de provar que os abonos recebidos não tinham qualquer fim compensatório, pelo que, para estar assegurada a legalidade da liquidação de IRS que é impugnada neste processo, seria necessário demonstrar que nenhuma das quantias pagas aos trabalhadores teve natureza compensatória.

Pelo exposto, conclui-se que a liquidação impugnada enferma de erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito, que justificam a sua anulação [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 2015, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT].

As liquidações de juros compensatórios integram-se na próprio dívida de imposto, que é o se pressuposto (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enfermam dos mesmos vícios.

 

5. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)Anular a liquidação de IRS n.º 2014 … as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, identificadas na demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR n.º 2015…;

 

6. Valor do processo

 De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.661.073,48.

 

7. Custas

 Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 22.032,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 15 de Março de 2016

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 (Maria Cristina Aragão Seia)

 

 

 (Mariana Vargas)

 

 

 

 



[1] Acórdão do STA de 22-05-2013, proferido no processo n.º 0146/13, que cita, no mesmo sentido, os acórdãos de 06-03-2008, proferidos nos processos n.ºs 01043/07 e 01063/07; de 12-03-2008, proferidos nos processos n.ºs 01042/07 e 01065/07; e de 23-04-2008, proferidos nos processos n.ºs 01055/07 e 01044/07.