CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º: 295/2015-T
Tema: IRC – Momento da dedutibilidade de encargos financeiros; Artigo 31º-2/EBF de 2005; SGPS; Circular nº 7/2004, da DSIRC.
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DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A… SGPS, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede no Lugar…, doravante designada por Requerente, apresentou, na qualidade de sociedade dominante do grupo B…, pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º n.º 1 a) e 10.º n.º 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), peticionando a declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento parcial de Recurso Hierárquico e, consequentemente, da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2009…, de 28 de maio de 2009, que se traduziu na correção à matéria coletável do grupo apurada em 2005, no valor de € 574.753,01.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 22-05-2015.
3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 07-07-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24-07-2015.
6. A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu ao requerimento inicial apresentado, defendendo que o pedido da Requerente deve ser julgado improcedente.
7. Atenta a circunstância de, no caso, não se verificar qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada.
8. As partes apresentaram alegações escritas finais.
9. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
10. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
11. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
12. No essencial, alega a Requerente para fundamentar o pedido:
12.1. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2008…, de 3.11.2008, de âmbito parcial, foi efetuado um procedimento de inspeção externa aos elementos contabilísticos-fiscais da declaração de rendimentos (modelo 22) de IRC à Ora Requerente, com referência ao exercício de 2005.
12.2. Conforme relatório de inspeção, os Serviços da Administração Tributária desconsideraram determinados encargos financeiros, supostamente suportados na esfera individual da A…, com a aquisição de participações sociais susceptíveis de beneficiar do regime previsto no artigo 31.º n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)[1], na redação em vigor à data, e acresceram, consequentemente, ao resultado líquido do exercício de 2005, o montante de € 574.753,01 (quinhentos e setenta quatro mil e setecentos e cinquenta e três euros e um cêntimo), com a consequente alteração da matéria coletável declarada pela Requerente.
12.3. A Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRC n.º 2009…, emitida em 28 de maio de 2009.
12.4. A Requerente por discordar das correções propostas à matéria coletável pela AT veio a apresentar em 21 de setembro de 2009 reclamação graciosa.
12.5 A AT veio a deferir parcialmente, em sede de reclamação graciosa, parte das correções propostas ao lucro tributável, conforme decisão notificada à ora Requerente, pelo Ofício n.º …/…, de 15/12/2010, convertendo, em definitivo o projeto de decisão de deferimento parcial da reclamação, que havia sido notificado pelo Ofício n.º …/…, de 23/11/2010.
12.6 Na decisão de deferimento parcial, a AT alega “ser de manter a correção ao lucro tributável do exercício de 2005 da A… pela inclusão no mesmo de encargos financeiros considerados incorridos na aquisição de participações e que não concorrem para a formação do lucro tributável de acordo com o estabelecido no n.º 2 do artigo 31.º do EBF, no montante de € 574,753,01”.
12.7. A Requerente continuou a discordar da decisão da AT de indeferimento parcial da reclamação graciosa, pois a Requerida decidiu manter a correção ao lucro tributável da A… e, consequentemente, à matéria coletável do grupo, pela inclusão no mesmo de encargos financeiros considerados incorridos na aquisição de participações na A… e que na opinião da Requerente não concorrem para a formação do lucro tributável, e, consequentemente, da matéria coletável do grupo, pelo que deduziu Recurso Hierárquico dessa decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa, pelo Serviço de Finanças de ...-… .
12.8. A Requerente foi notificada pelo Oficio n.º…, de 2 de fevereiro de 2015 da decisão de deferimento parcial do referido Recurso Hierárquico, da Direção de Finanças do Porto.
12.9. A Autoridade Tributária decidiu ser atendível apenas parte dos argumentos apresentados pela Requerente, em sede de Recurso Hierárquico, tendo concluído pela manutenção da correção ao lucro tributável do exercício de 2005, da A…, pela inclusão no mesmo de encargos financeiros considerados incorridos na aquisição de participações e que não concorrem para a formação do lucro tributável de acordo com o estabelecido no n.º 2 do artigo 31.º do EBF.
12.10. A Requerente continua a não concordar com a decisão da AT pelos motivos que se sumariam de seguida:
i) Os encargos financeiros não devem ser corrigidos no período em que ocorrem. A regra é a sua dedutibilidade. Apenas “no momento da verificação da condição suspensiva e se verificada tal condição suspensiva caberia proceder aos devidos acertos para efeitos de apuramento do lucro tributável nos termos previstos no n.º 2 do artigo 31.º do EBF (artigos 18.º a 26.º do RI);
ii) O artigo 31.º do EBF tem subjacente uma afetação direta. A Administração deveria ter provado a afetação direta. A Administração deveria ter apurado “se existiu recurso ao financiamento para aquisição das participações alienadas”. A Administração, no entanto, limitou-se a aplicar o método da quantificação indireta previsto na Circular 7/2004, recorrendo a presunções. O artigo 31.º não estabelece a possibilidade de recurso a métodos alternativos de imputação de encargos financeiros não dedutíveis. A Circular 7/2004 veio fixar “critérios e métodos através dos quais define a incidência do imposto”, pelo que enferma de inconstitucionalidade” (artigos 18.º a 26.º do RI).
iii) As “participações sociais resultantes da entrada de ativos para realização do respetivo capital social, identificados na parte I, artigo 4.º, nunca poderão ser considerados participações sociais adquiridas às quais se aplicasse a provisão do artigo 31.º do EBF (atual artigo 32.º), o que no seu entender resulta da informação emitida pelos Serviços da AT no âmbito do Processo n.º 2799/2009, de 19.11.2009 (onde se explicita o conceito de “aquisição” para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 31.º do EBF”. (artigos 83.º a 88.º do RI).
12.11 Entende, ainda, a Requerente que “os encargos financeiros não devem ser corrigidos no período em que ocorreram, mas devem ser no momento da verificação da condição suspensiva e se verificada a condição suspensiva”.
12.12. A Requerente adianta ainda que:
“Dado que a redação do n.º 2 do artigo 31.º (atual n.º 2 do artigo 32.º) do EBF foi introduzida pela Lei 32-B /2002, de 30 de dezembro (Orçamento de Estado para 2003), (…) esta alteração entrou em vigor a partir de 1/1/2003, a mesma deverá ser aplicável apenas às participações adquiridas a partir de 1/1/2003.
A sujeição das participações financeiras adquiridas antes de 1/1/2003 ao novo regime constituiria uma aplicação retroativa de uma norma de incidência fiscal, em violação da proibição constitucional conforme n.º3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa”.
Resposta da Requerida
13. Na Resposta apresentada nos termos e prazo legais, alega a Requerida:
13.1 Em primeiro lugar a correção efetuada ao lucro tributável, na esfera individual da A…, e consequente liquidação é da exclusiva responsabilidade da Requerente já que não acresceu ao resultado líquido os encargos financeiros imputáveis à aquisição de partes de capital.
13.2 Apurou a inspeção que “o contribuinte suportou, no exercício em causa, a título de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital (participações) - € 574.753,02 - que nos termos do n.º 2 do art. 31.º (atual 32.º) do EBF, não concorrem para a formação do lucro tributável, os quais foram acrescidos, por aplicação da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, aplicável a factos praticados a partir de 1 de janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data” (artigo 5.º da Resposta).
13.3 Entende a Requerida que como o n.º 2 do artigo 31.º do EBF não estabelece qual o método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais, a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, “mais não pretende que dar cumprimento à lei, determinando o método e a forma de cálculo dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes sociais.”.
13.4 Neste sentido, como se referiu no Proc. 21/2012-T do Tribunal Arbitral, “ (...) o que importa aqui retirar é que o ato tributário de autoliquidação aqui em causa não está viciado ou enfermado de qualquer ilegalidade (por violação de qualquer princípio constitucional) que lhe possa ser assacada com base nesta questão de afectação dos encargos financeiros, tanto assim que, tal como aduz a Requerida na resposta, associada à emanação da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, inexiste qualquer intenção legislativa por parte da AT, ou pelo menos, não a conseguimos descortinar (...).”
13.5 Não é a Circular n.º 7/2004 que cria normas de incidência, mas é a própria lei, interpretada nos termos acima expostos, que afasta a dedutibilidade, para efeitos de apuramento do lucro do exercício em que são incorridos, os encargos financeiros suportados com financiamentos ligados à aquisição das participações sociais alienadas e que realizam, ainda que potencialmente, mais-valias excluídas de tributação.
13.6 Pelo que a interpretação constante da Circular n.º 7/2004 está conforme à letra a lei, na medida em que mais não faz do que empreender a descoberta do seu mais preciso significado, em respeito, aliás, pela teoria geral da interpretação da lei e do quadro normativo que a conforma.
13.7 Assim, a Circular n.º 7/2004 não alterou nem desvirtuou a estatuição legal do n.º 2 do artigo 31.º do EBF, mas apenas uniformizou a interpretação e aplicação da norma, na adequada defesa do interesse público e respeito pelos direitos e interesses dos contribuintes – artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT.
13.8 Acresce ainda que a explanação na circular do método a utilizar contribui para a realização efetiva das finalidades extrafiscais que presidiram à sua criação e obstar a que os contribuintes utilizem o normativo para prosseguirem fins alheios aos visados na lei.
13.9 No caso concreto, não tendo sido fornecida pela Requerente qualquer informação relativa à quantificação da realidade consubstanciada na existência, no período em causa, de encargos financeiros imputáveis às partes de capital por si detidas, os Serviços de Inspeção Tributária procederam ao cálculo dos mesmos tendo em conta o carácter fungível da moeda e a consequente dificuldade de imputação direta dos encargos financeiros, foi a mesma efectuada com base nos seguintes critérios: os passivos remunerados foram imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados concedidos pelo S.P. às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participação sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.
13.10 Este é, aliás, o método utilizado pela generalidade das SGPS que o empregam, atendendo à extrema complexidade e subjetividade da afectação direta.
13.11 Com efeito, como se referiu na citada decisão arbitral, proferida no Proc. n.º 12/2013-T, “a lei fiscal não contém qualquer regra concreta ou principio específico de desconsideração fiscal dos custos, se os fundos deles obtidos não gerarem proveitos tributados. E não o contém por razões de simplicidade e de adesão à verdade. A simplicidade ancora-se na dificuldade de estabelecer uma relação causal direta entre um custo e um proveito financeiro, numa organização, como uma sociedade comercial, cujos financiamentos concedidos se destinam, por regra, à totalidade da sua atividade e que se socorre indistintamente de fundos próprios e de terceiros para prosseguir o seu escopo e é impossível aferir, por isso, se os fundos das prestações sem juros concedidos às dominadas provêm de financiamento de terceiro ou próprio e em que proporção ocorreu cada um deles…é este o motivo que preside, aliás, à Circular 7/2004, para as SGPS (…)”.
13.12 A utilização do método de imputação utilizado pela Circular 7/2004 visa a tributação o mais próxima possível ao lucro real, não existindo qualquer entorse ao princípio constitucional de tributação pelo lucro real.
13.13 Quanto ao específico preceito constitucional de tributação do rendimento real, o n.º 2 do artigo 104.º admite e incentiva – em nome, designadamente, dos princípios da operacionalidade e da praticabilidade do sistema – a existência de regimes especiais de tributação, como o das SGPS.
13.14 Assim, determina a circular que caso se conclua, “no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo” no exercício fiscal em que foram incorridos.
13.15 Reitera, por fim, que, em nenhum momento, a Requerente demonstrou, em concreto, as pretensas falhas dos cálculos efectuados pela Requerida, nomeadamente por oposição aos valores que efetivamente teriam de ser acrescidos ao resultado líquido.
Ambas as partes apresentaram as respetivas alegações finais, por escrito, concluindo, no essencial pela forma que já o tinham feito nos articulados.
Tudo visto, cumpre proferir decisão final.
II. FUNDAMENTAÇÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos provados
Com base nos elementos que constam do processo (processo administrativo, factos consensualizados pelas partes e documentos incorporados nos autos e que não foram impugnados), consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
1. Em cumprimento da Ordem de Serviços n.º OI2008… de 3 de novembro de 2008, foi promovida uma ação de inspeção externa aos elementos contabilísticos-fiscais da Declaração de Rendimentos (Modelo 22) de IRC do grupo B…, ora designada de Requerente, tendo como referência o exercício de 2005, com o seguinte motivo: “o contribuinte suportou, no exercício em causa, a título de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital (participações) - €574.753,01, que nos termos do n.º 2 do art. 31.º (posteriormente renumerado - 32.º) do EBF, não concorreram para a formação do lucro tributável, os quais foram acrescidos, por aplicação da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, aplicável a factos praticados a partir de 1 de janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data.”
2. Em 2005, a Requerente integrava, para efeitos de tributação em IRC, um grupo fiscal sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), previsto nos arts. 63.ºe ss. (atual 69° e ss.), do CIRC, do qual era sociedade dominante;
3. A A…, enquanto sociedade dominante do RETGS, foi notificada através do Ofício n.º…, de 18 de maio de 2009, do relatório de inspeção tributária e das correções em sede de IRC operadas na esfera do grupo B…, resultantes das ações inspetivas efetuadas a algumas das empresas integrantes do perímetro fiscal do grupo B…, nomeadamente, das correções, em sede de IRC, operadas na esfera individual da C… e da A… (Doc. 1 junto à RI);
4. A 31/12/2005, a A… detinha as seguintes participações (em euros):
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Data aquisição
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2005
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V. Y.
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Prest. Acess.
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Total
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D…
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1997
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101.379,62
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101.379,62
|
E…
|
1997
|
434.550,27
|
|
434.550,27
|
F…
|
1997
|
1,65
|
|
1,65
|
G…
|
1997
|
3.692.071,03
|
900.000,00
|
4. 592.071,03
|
H…
|
1998
|
29.927.873,82
|
18.954.320,09
|
48.882.193,91
|
I…
|
1998
|
7.481. 968,46
|
1.000.000,00
|
8.481. 968,46
|
J…
|
1999
|
142.157,40
|
600.000,00
|
742.157,40
|
K…
|
1999
|
1.350.000,00
|
|
1.350.000,00
|
L…
|
1998
|
419.713.49
|
|
419.713,49
|
M… S.A
|
Anterior a 1997
|
2.849.771,58
|
|
2.849.771,58
|
N…
|
1999
|
12.097,36
|
|
12.097,36
|
O…
|
Mterior a 1995
|
259. 374,91
|
|
259.374,91
|
P…
|
1999
|
118.177,59
|
|
118. 177,59
|
Q…
|
Ariterior a 1995
|
2.000.000,00
|
5.172.918,13
|
7.172.918,13
|
R…, SA
|
1996
|
6.234.973,71
|
11.970.000,00
|
18.204.973,71
|
S…
|
1998
|
88.721,02
|
|
88.721,02
|
T…
|
1999
|
2.319.736,93
|
|
2.319.736,93
|
U…
|
1998
|
2.458.442.43
|
|
2.458.442.43
|
V…
|
1999
|
10.000,00
|
|
10.000,00
|
W…
|
Anterior a 1995
|
39,90
|
|
39,90
|
X…
|
Anterior a 1995
|
169,59
|
|
169,59
|
Y…
|
Mterior a 1995
|
11.132,08
|
|
11.132,08
|
Z…
|
Mterior a 1995
|
175,71
|
|
175,71
|
AA…
|
2001
|
325.000,00
|
|
325.000,00
|
BB…
|
1997
|
1.923,84
|
|
1.923,84
|
C…
|
Anterior a 1995
|
99.759,58
|
|
99.759,58
|
Totais
|
|
60.339.211,97
|
38.597.238,22 98.936.450,19
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5. Em resultado das correções constantes do Relatório de Inspeção Tributária, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRC n.º 2009…, de 28 de maio de 2009, com um valor a pagar no montante de € 145.258,94, respeitante a imposto o valor de € 144.672,33 e € 586,61 a juros compensatórios (Doc. 2 junto à RI);
6. Por discordar das correções efetuadas pela Autoridade Tributária, a Requerente deduziu (tempestivamente) em 21 de setembro de 2009, Reclamação Graciosa relativamente à nota de liquidação n.º 2009…, de 28 de maio de 2009 (Doc. 3 junto à RI);
7. Essa Reclamação graciosa foi parcialmente deferida, tendo sido comunicado à Requerente o projeto de decisão de deferimento parcial da reclamação através do Ofício n.º …/…, de 23 de novembro de 2010 (Doc. 4 junto à RI), tendo mantido inalterada a correção em apreço nos presentes autos.
8. Essa decisão de deferimento parcial da reclamação foi convertida em definitiva e notificada à Requerente pelo Ofício n.º …/…, de 15 de dezembro de 2010.
9. A Requerente apresentou Recurso Hierárquico tempestivo, (Doc. 5 junto à RI), por não-aceitação fiscal de parte dos encargos financeiros suportados pela A…, tendo a Requerida mantido inalterada a correção em apreço nos presentes autos.
10. O recurso hierárquico obteve deferimento parcial por despacho que, mantendo a correção, aceitou como novo valor a importância de €571.058,64 (e não €574.753,01 como constava do relatório de inspeção e da reclamação graciosa);
11. A Requerente incorreu em gastos ou encargos financeiros durante o ano de 2005 (que entendeu considerar fiscalmente relevantes em sede de aplicação do disposto no artigo 31.º, n.º 1, do EBF então em vigor).
12. As participações/partes de capital adquiridas pela Requerente estão classificadas contabilisticamente na Classe 4 -Investimentos, e reconhecidas na Conta 41 - Investimentos Financeiros, o que revela que a intenção do detentor não é a sua alienação no curto prazo, pois nesse caso teriam sido classificadas na Classe 1 - Meios Financeiros Líquidos.
13. Para cobrança coerciva das liquidações referidas supra em 5., foi instaurada pela Requerida contra a Requerente a Execução Fiscal nº …2009… .
14. Tendo a Requerente, para suspensão dos termos dessa Execução, apresentado a garantia bancária nº…, emitida pela DD…em 12-11-2012, na importância de €162.341,24 (Doc 8, junto com o RI).
A.2. Factos não provados
Não ficou demonstrado:
- que parte dos encargos financeiros mencionados supra, em 11., do elenco de factos provados, respeitassem à aquisição de participações sociais
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada (cont.)
Relembra-se preliminarmente que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 659.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
À luz do exposto, o quadro factual relevante no caso sub juditio é o que se deixou descrito.
Para o estabelecer, ponderou o Tribunal, as posições das partes nos respetivos articulados bem como todo o acervo documental incorporado no processo, incluindo a cópia do processo administrativo instrutor junta pela AT.
Ponderou-se ainda, designadamente, que as participações sociais detidas pela Requerente em 31-12-2005 foram adquiridas em datas anteriores a 2001, ficando por saber quais as participações sociais concretas adquiridas com recurso aos financiamentos ou encargos financeiros assumidos no ano de 2005 (Cfr supra, 4, dos factos provados).
E tal ónus probandi competia à AT na medida em que se tratava de factos constitutivos do direito da administração tributária – Cfr artigo 74º, da LGT.
Daí a consideração como não provado que “(...)a Requerente tivesse incorrido em gastos ou encargos financeiros durante o ano de 2005 (...) fiscalmente relevantes em sede de aplicação do disposto no artigo 31.º, n.º 1, do EBF então em vigor (...)”
Certo que no âmbito do direito fiscal, o ónus probatório não tem a dimensão subjectiva doutros ramos do direito, mas sim objectiva, no sentido de que o que interessa para a decisão do mérito da causa, quer no procedimento administrativo quer no processo judicial, é o que relevar da verdade dos factos alcançados, independentemente da parte que tenha o ónus de tal prova, atenta a predominância do princípio do inquisitório constante dos art.ºs 99.º da LGT e 13.º do CPPT; todavia, quando tal prova se não alcança e na impossibilidade de o tribunal ficar por um non liquet – cfr. art.º 8.º, n.º1 do Código Civil – então a causa tem de ser decidida contra a parte onerada com esse ónus probatório ( in casu e como se viu, a AT).
Assim, tendo em consideração o exposto e as posições assumidas pelas partes, a prova documental e a cópia do Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
II. FUNDAMENTAÇÃO
B. O Direito
1- Como abordagem preliminar para a fundamentação jurídica, assinale-se o que há muito vem sendo o entendimento da Jurisprudência quanto ao dever de apreciação dos argumentos apresentados pelas partes e que se traduz na não obrigatoriedade (sublinhado nosso) de os Tribunais apreciarem todos os argumentos formulados pelas partes (Cfr., inter alia, Ac do Pleno da 2.ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Sec – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094).
2- O objeto destes autos reconduz-se a sindicar a (i)legalidade dos atos de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico e o ato de liquidação adicional (consequente desses indeferimentos) de IRC nº 2009 … de 28-5-2009, relativo ao período de tributação de 2005, designada e concretamente se é devido (como pretende a AT) um ajustamento ao lucro tributável do exercício de 2005, na esfera da Requerente, da importância de €571.058,64, relativo a gastos de financiamento obtido para a aquisição de participações sociais no entendimento de que tais gastos não concorreram para a formação do lucro tributável à luz do disposto no artigo 31º-2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais ( DL nº 215/89, de 1 de Julho, na redação vigente em 2005).
3- Segundo a redacção do n.º 2 do artigo 31.º do EBF, em vigor à data dos factos em apreciação, "(...)as mais e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por um período não inferior a um ano, e bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades (...)”.
4- Por sua vez, o n.º 3 do referido artigo estabelece uma norma anti-abuso relativa à tributação das mais-valias e dos encargos financeiros relacionados com as participações financeiras que tenham sido adquiridas a entidades relacionadas ou a entidades com domicilio, sede ou direção efetiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, quando essas participações, tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos ou, ainda, quando a alienante tenha resultado de transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o regime previsto no n.º 2 do artigo 31.º do EBF, relativamente às mais-valias das partes de capital objeto de transmissão, desde que, neste último caso, tenham decorrido menos de três anos entre a data da transformação e a data da transmissão.
5- A AT contesta o comportamento da Requerente consubstanciado na adopção de um princípio de dedutibilidade, por entender que "considerando que, em regra, não caberá às SGPS procederem à alienação das participações sociais antes de decorrido um ano sobre a sua aquisição, parece adequado entender-se que as partici pações detidas pela s SGPS cumprirão, no momento da respetiva alienação, os requisitos necessários à aplicabilidade do regime especial em causa. E, assim sendo, é de concluir dever proceder-se, no período em que os mesmos ocorrem, ao ajustamento do lucro tributável relativo aos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações de capital que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no nº 2, do art. 31º, do E BF.
6- Ou seja e mais concretamente: subjacente à liquidação adicional de IRC ora sindicada, está a interpretação e aplicação, pela AT, do disposto no artigo 31º- 2, do EBF (redacção de 2005) no sentido de que “os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital (participações) - €571.058,64, (...) não concorreram para a formação do lucro tributável, os quais foram acrescidos, por aplicação da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, aplicável a factos praticados a partir de 1 de janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data”.
7- Sendo pacífico que a Requerente reunia os pressupostos legais necessários para usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 31º-1, do EBF vigente em 2005, a questão está em saber se enferma de ilegalidade por violação desse normativo o ato de liquidação que desconsiderou, para efeitos de formação do lucro tributável em IRC, os encargos financeiros incorridos na alegada aquisição de participações sociais detidas por período não inferior a um ano.
8- O período temporal de detenção das participações, sempre que as mesmas houvessem sido adquiridas a uma entidade relacionada ou com domicílio em território sujeito a regime fiscal mais favorável, constante de Portaria do Ministro das Finanças era de três anos e já não de um, conforme resultava do nº 3 do mesmo artigo 31.º do EBF.
9- Ora, no entender da Requerente, citando Tiago Caiado Guerreiro (Revista Fiscalidade, nº 26, O Novo Regime das SGPS), a dificuldade quanto ao momento da definição do regime “(…) prende-se com o facto de no final do exercício em que os encargos financeiros começaram a ser suportados, poderem ainda não estar reunidos os pressupostos que permitam afirmar que a participação social vai ser mantida na titularidade da SGPS pelo período mínimo de um ano (ou de três e no caso de ser enquadrada no regime anti-abuso) e, consequentemente, que os encargos financeiros suportados com a aquisição da participação, irão ou não ser considerados para a formação do lucro tributável.
Com efeito, a sociedade só poderá afirmá-lo com certeza depois de decorrido o período de um ano sobre a aquisição, nos termos gerais, ou de três anos no caso de ter sido adquirida a uma entidade numa das situações indicadas pela norma anti-abuso”.
10- Donde, conclui a Requerente, esta sempre pautou o seu comportamento pela adoção ab initio da dedutibilidade, consistindo tal comportamento em considerar, em regra, que os encargos financeiros são dedutíveis e apenas no momento da verificação da condição suspensiva e se verificada tal condição suspensiva, proceder aos acertos devidos nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 31.º do EBF.
11- São duas, por conseguinte, as questões decidendi: (i) Se os encargos financeiros suportados pela requerente são ou não dedutíveis em termos fiscais, nos termos do art. 31.º, n.º 2, do EBF (atual art. 32.º, n.º 2, do EBF) e (ii) se pode o método de determinação dos encargos financeiros não dedutíveis ser concretizado através da Circular 7/2004, de 30 de março.
12- Como se deixou já assinalado, a Administração Tributária acresceu o valor de € 571.058,64 ao resultado líquido declarado pela Requerente no exercício de 2005, por considerar que esta deveria ter desconsiderado - para efeito de determinação do lucro tributável - os encargos financeiros alegadamente suportados com a aquisição de participações sociais suscetíveis de beneficiar do regime previsto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF (na redação em vigor em 2005)
13- A Administração Tributária fundamentou os atos tributários de IRC, ora em crise, respeitante ao ano de 2005, bem como a sua posterior decisão de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, na estrita obediência à Circular n.º 7/2004, de 30 de março, entendendo não considerar como custos dedutíveis ao lucro tributável os encargos financeiros imputáveis às partes de capital de sociedades participadas determinados de acordo com as regras previstas naquela circular.
14- A Lei n.º 32-B/2002, de 20 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado de 2003, veio alterar mais uma vez o regime de tributação das mais-valias realizadas pelas SGPS, passando estas a estarem isentas de concorrer para a formação do lucro tributável em IRC, e paralelamente decidiu excluir a dedutibilidade das menos-valias e dos encargos financeiros suportados por tais sociedades, com base no seu objeto contratual, que é no caso das SGPS a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.
15- As razões que presidiram a esta alteração legislativa encontram-se explicitadas no Relatório do Orçamento do Estado para 2003. Sob o título “Principais alterações em sede de IRC,” e a epígrafe “Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade”, aponta-se a isenção de tributação em IRC das mais-valias realizadas pelas SGPS com a alienação de partes de capital detidas há mais de um ano, acompanhada de medidas conducentes a evitar o planeamento fiscal abusivo, aproximando o regime nacional do modelo holandês, medida essa associada ao estabelecimento de regime de desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável de tais sociedades, dos encargos de natureza financeira diretamente associados à aquisição das participações sociais correspondentes (relatório acessível em www.dgo.pt).
16- Visava-se, em concreto, com esta nova orientação legislativa desconsiderar para efeitos fiscais as mais-valias/menos-valias obtidas na alienação das participações financeiras pelas SGPS, desconsiderando, simultaneamente, os encargos financeiros que viessem a ser suportados em resultado da necessidade de procurar meios financeiros junto de terceiros para financiar a aquisição dessas participações sociais. Esta não consideração dos encargos financeiros visava contrabalançar o benefício fiscal concedido às mais-valias das SGPS.
17- A base legal para suportar a correção efetuada pela Administração Tributária e Aduaneira (AT) foi o disposto no n.º 2 do art. 32.º: “As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”.
18- Esta norma procurou assegurar o eventual equilíbrio da situação, ou seja, na não dedução, por um lado, de juros no cálculo do lucro tributável sujeito a imposto, e, por outro, não sujeição a imposto sobre o ganho das mais-valias resultantes da alienação de participações sociais, de modo a garantir a não violação dos princípios da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da igualdade e neutralidade (estes dois últimos por via da comparação com sujeitos passivos que não assumem a figura jurídica de SGPS).
19- O aproveitamento desse benefício, nas condições definidas na lei, vai impor uma limitação à dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com os financiamentos necessários à aquisição desse tipo de investimentos.
20- A questão central aqui em causa é, reafirma-se, a desconsideração dos encargos financeiros do ponto de vista fiscal face a um benefício fiscal que o legislador resolveu conceder a um determinado tipo de entidade jurídica, as SGPS.
21- A outra questão decidendi é relativa ao método a utilizar para a determinação dos encargos financeiros que devam ser excluídos da determinação do lucro tributável e, mais exactamente, se aquele (método) se pode concretizar, sem violação da Lei, através da Circular nº 7/2004, de 30-4, da Autoridade Tributária e Aduaneira
22- No âmbito do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, e das dificuldades da sua aplicação prática, a AT sentiu a necessidade de publicar uma circular - Circular n.º 7/2004 - que visava esclarecer a forma de repartição dos encargos financeiros, atendendo ao modo de afetação dos financiamentos que originavam os encargos financeiros, considerando a sua aplicação, ou seja, os ativos que tinham sido adquiridos através desses recursos pelas SGPS. Neste sentido, e segundo a AT, a sobredita Circular mais não faz que densificar o disposto no n.º 2 do artigo 32.º, permitindo ultrapassar as dificuldades práticas de imputação direta dos encargos.
23- A Requerente, no entanto, coloca em crise o papel jurídico dessa Circular, alegando que a AT não se limitou a interpretar o n.º 2 do artigo 32.º do EBF, mas criou um método substitutivo do método previsto no preceito legal. Neste sentido, as normas contidas nos pontos 7. e 8. da Circular da DSIRC n.º 7/2004, de 30 de março, mais concretamente a fórmula que aí se prevê, com pretensão de aplicação imperativa, de segregação dos encargos financeiros a que se refere o (à data dos factos) artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (atual artigo 32.º, n.º 2), é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade ou da reserva de lei, em matéria fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.
24- Assim sendo importa, em primeiro lugar, aferir qual o exato alcance da Circular e, de seguida, atentos ao papel jurídico que cabe às Circulares, concluir se foi violado ou não o princípio da legalidade.
25- Dispõe o n.º 7 dessa Circular que: "dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e das SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos as empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição”.
26- Assim, segundo a AT, o n.º 2 do artigo 32.º do EBF, suportaria uma interpretação no sentido da admissão de uma fórmula de cálculo indireta que permita aos contribuintes determinar a possível repartição dos encargos financeiros totais suportados, entre encargos financeiros dedutíveis e não dedutíveis para efeitos fiscais, numa SGPS, tal resultando do facto de não existir, em regra, uma relação factual direta entre os fundos totais obtidos pela SGPS, e que implicaram o pagamento de juros, e os fundos investidos na aquisição das participações sociais.
27- A este propóstio, refere-se no processo 738/2014-T, do CAAD que: “(...)a Administração entendeu precisar a forma de estimar os encargos que podem ser imputados à aquisição dessas partes sociais, através da Circular 7/2004, com base na ideia da fungibilidade do dinheiro. Avança nessa circular com a adoção de uma fórmula matemática muito simples - ainda que complicada do ponto de vista dos pressupostos usados na classificação das rúbricas a ponderar -, no sentido de se apurar, na aplicação do art. 32.º, n.º 2, do EBF, quais os “encargos financeiros suportados” com a aquisição de partes de capital, face aos encargos financeiros totais suportados pela entidade no período contabilístico, dado que o legislador fiscal optou pela sua desconsideração fiscal para efeitos de apuramento do lucro tributável de cada um dos períodos económicos”.
28- Em questão semelhante à colocada pela Requerente, no âmbito do processo n.º 21/2012-T, onde a recorrente questionava a conformidade constitucional da aplicação de fórmula pro rata na determinação dos encargos financeiros associados à aquisição de participações, excluídos da formação do lucro tributável, por oposição ao método de afetação direta ou real, discorreu-se no seguinte sentido: “(...)63. Ainda assim, sempre se dirá que, concordando com a hermenêutica defendida pela Requerente, nada na letra do n.º 2 do artigo 31.º do EBF permite retirar a vigência e, por isso, necessária aplicação, do método indirecto de afectação de tais encargos financeiros. 64. Considera-se que nos casos em que há possibilidade de afetação direta, ela não deve ser afastada, que se a ratio legis da norma prevista no n.º 2 do art. 31.º do EBF, passa a acautelar a vigência de um regime de neutralidade dos proveitos e custos associado às mais-valias excluídas de tributação, garantindo-se que a rendimento não relevante fiscalmente deve corresponder, correspectivamente, custo que lhe esteja associado também ele irrelevante fiscalmente, então, assim sendo, para se alcançar tal desiderato, qualquer método (direto ou indireto) é bom uma vez garantida a salvaguarda da aludida ratio legis (...)”.
29- Veja-se, a título de exemplo, o referido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, Processo n.º 02312/08, em que se afirma: “(...)a Circular além de ser ilegal por falta de habilitação legal para interpretar extensivamente normas de incidência tributária, seria ilegal, por abusiva desvirtuação de norma comunitária e respetiva transposição ilegal. Nesse sentido, também a referida Circular, ao limitar a norma de incidência seria inconstitucional por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, al. i) e no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, ferindo o princípio de separação dos poderes. Por essa via, a administração havia usurpado as funções do legislador
30- Entende, por isso, a Requerente que a Circular n.º 7/2004, de 30 de março utilizada pela Administração Tributária para proceder à correção sob apreciação, extravasa a mera interpretação da lei tributária, não tendo qualquer assento no artigo 31.º, nº 2 do EBF.
31- Do exposto, resulta que o legislador considera que só os encargos diretamente suportados com a aquisição das partes de capital são afastados de tributação. Por outro lado, não considerou o legislador de instituir um critério distinto que, face às reais dificuldades práticas de distinção, permitisse apurar, ainda que de forma indireta ou estimada, os encargos financeiros com a aquisição das partes de capital isentas
32- Assim sendo, o método aplicado pela Circular viola o disposto no n.º 2 do artigo 31.º do EBF, pois não atende aos encargos efetivamente suportados com a aquisição de participações sociais não tributadas, mas a valores aproximados e presunções que carecem de fundamento legal.
33- Com efeito, a aplicação da fórmula prevista na Circular não permite percecionar quais os encargos suportados com a aquisição de partes sociais não tributadas, mas estabelece uma afetação proporcional entre o conjunto dos passivos remunerados e os empréstimos às participadas e o restante que financia os demais ativos (incluindo participações sociais), da qual resulta uma estimativa dos encargos (que podem ou não corresponder aos encargos reais).
34- Mais - e conforme decidido no Acórdão do CAAD de 21/12/2012, Proc. 24/2012 -, “(...) a Circular n.º 7/2014, ao fixar critérios e métodos, através dos quais se verifica a incidência de imposto, é, na medida em que a sua aplicação reveste eficácia externa, nomeadamente em liquidações corretivas de imposto, inconstitucional, por violação do princípio da legalidade plasmado no artigo 103.º, e da reserva de lei formal constante do artigo 165.º, n.º 1 al, i), ambos da Constituição. Isto não obstante a mera ilegalidade que sempre resultaria do confronto entre aquela Circular e o artigo 8.º da Lei Geral Tributária (...)”.
35- Neste mesmo sentido, se pronunciou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15 de Janeiro de 2015, Proc. 00946/09.0BEPRT onde se refere:“(...) O facto de na sua metodologia ter usado os critérios preconizados na circular n.º 7/2004, de 30 de Março, em especial seus pontos n.ºs 7 e 8 não salva a legalidade da operação, pois os critérios e pressupostos de imputação dos passivos remunerados das SGPS ultrapassam manifestamente o conteúdo do art. 31º/2 do EBF criando presunções e apuramentos proporcionais que o legislador manifestamente não assumiu nem consentiu (...)”.
36- Ou seja: a Circular nº 7/2004 não pode traduzir uma interpretação válida e aceitável do disposto no artigo 31º/2, do EBF na medida em que não obedece às regras e princípios básicos que presidem à hermenêutica jurídica à luz, designadamente, do princípio estabelecido no artigo 11º-1, da LGT (“na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”).
37- Com o objetivo de desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais, o intérprete lança mão dos fatores interpretativos que são essencialmente o elemento gramatical (o texto, ou a “letra da lei”) e o elemento lógico, o qual, por sua vez, se subdivide em elemento racional (ou teleológico), elemento sistemático e elemento histórico. (Cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador p. 181; Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 2ª Ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 361).
38- É o artigo 9º do Código Civil (CC) que fornece as regras e os elementos fundamentais à interpretação correta e adequada das normas.
39- Daqui resulta que se a interpretação deve reconstituir o “pensamento legislativo”, deve, no entanto, o intérprete ou aplicador fazê-lo sempre partindo do pressuposto necessário da existência dum mínimo de correspondência com a letra da Lei.
40- Ou seja: o elemento literal ou gramatical (texto ou “letra da lei”) “é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei (Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado – vol. I, Coimbra ed., 1967, p. 16)
41- Ora, do exposto parece resultar suficientemente evidenciado que a Circular nº 7/2004, “interpreta” o disposto no artigo 31º-2, do EBF em termos que violam as sobreditas regras de hermenêutica na medida em que nela se surpreende matéria legislativa inovadora e não uma mera interpretação válida do texto da Lei.
Subsumindo:
42- Perante a alegada falta de informação do sujeito passivo, a Requerida procedeu à aplicação do método previsto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, atendendo, para o efeito, à informação constante do balancete analítico e da IES.
43- Ora, da análise do processo administrativo e do relatório de inspeção resulta que, face à inexistência de qualquer correção fiscal na declaração modelo 22 de encargos imputáveis a partes de capital que não concorrem para o lucro tributável, a AT presumiu a sua omissão e procedeu à determinação dos respetivos encargos através do método previsto na Circular n.º 7/2004.
44- Sem prejuízo do juízo de avaliação da legalidade do método utilizado, a Autoridade Tributária e Aduaneira, tal como já anteriormente se afirmou aquando da fundamentação da matéria de facto, teria de comprovar os pressupostos da correção fiscal operada, nomeadamente a existência de encargos financeiros não tributados com a aquisição de partes de capital.
45- E, a este respeito, não se argumente com a inexistência de correções fiscais na declaração modelo 22 porquanto tal não significa, de per si, a comprovação de uma omissão ou erro imputáveis ao contribuinte, mas tão só que inexistem encargos financeiros não aceites fiscalmente, atentos à presunção de veracidade e boa-fé das declarações do contribuinte (artigo 75.º da LGT). Existindo indícios de que tal declaração não correspondia à verdade, competia à AT demonstrar e provar a existência de encargos financeiros não dedutíveis, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, o que não aconteceu no relatório de inspeção.
46- Pelo contrário, em vez de tal prova e apesar da Requerente não ter realizado investimentos financeiros (aquisição de partes de capital ou constituição de novas sociedades) durante o ano de 2005, a AT limitou-se a proceder à correção de um certo montante de encargos financeiros, sem cuidar de provar a existência dos pressupostos factuais da sua atuação.
47- Assim, a AT ao aplicar o método previsto no parágrafo 7 da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, violou o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, que prevê a não dedutibilidade dos encargos financeiros dos encargos efetivamente suportados com a aquisição de partes de capital.
Da indemnização por prejuízos resultantes da prestação da garantia bancária
48- A requerente prestou garantia bancária na importância de €162.341,24, em 12 de novembro de 2012 destinada a assegurar o pagamento e suspender a execução fiscal da sobredita e ora impugnada liquidação adicional [cfr factos provados – “(...) 13. Para cobrança coerciva das liquidações referidas supra em 5., foi instaurada pela Requerida contra a Requerente a Execução Fiscal nº …2009…, ... (...)14. ...tendo a Requerente, para suspensão dos termos dessa Execução, apresentado a garantia bancária nº…, emitida pela DD… em 12-11-2012, na importância de €162.341,24 (Doc 8, junto com o RI) (...)”].
49- Dispõe a LGT:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
49 – Esta liquidação enferma de ilegalidade imputável aos Serviços: o sujeito passivo obterá vencimento na impugnação e o fundamento da anulação não lhe é imputável.
50 – É assim aplicável, in casu, o prazo de 3 anos a que alude o nº 1, do citado artigo 53º, da LGT.
51 - Sendo público e notório que pelo serviço de prestação de garantia bancária são pagos encargos/comissões aos Bancos em função, designadamente, do risco, valor e prazo da garantia, há que concluir que, pese embora não ter sido alegado, a requerente suportou [e certamente continua a suportar] encargos pela manutenção dessa garantia.
52 - Ou seja: reconhecem-se reunidos os pressupostos que conferem à requerente direito a indemnização nos termos do citado artigo 53º, da LGT.
53 - Certo que não foi concretizado o quantum indemnizatório.
54 - Tal, porém, não teria obrigatoriamente de ser alegado porquanto quem exige indemnização não necessita de indicar a importância exata dos danos – Cfr artigo 569º, do C. Civil.
55 - A liquidação da indemnização terá assim de se processar em sede de execução de julgado.
56 - O pedido indemnizatório pode ser requerido no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda – Cfr. artigo 171º, CPPT.
III – DECISÃO
Em consequência do exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Anular os sobreditos despachos proferidos em sede de reclamação e recurso hierárquico na parte em que, nos termos expostos, indeferiram o pedido ora objeto destes autos;
b) Anular a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2009…, de 28 de maio de 2009, que se traduziu na correção à matéria coletável do grupo B… apurada em 2005, no valor de € 574.753,01 e na consequente liquidação adicional de IRC com um valor a pagar no montante de € 145.258,94 [€144.672,33, respeitante a imposto e € 586,61 respeitante a juros compensatórios ;
c) Julgar indevida a garantia bancária prestada na Execução Fiscal nº …2009…;
d) Julgar procedente o pedido de indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação, ora julgada indevida, dessa garantia bancária;
e) Condenar a Administração Tributária e Aduaneira no pagamento de indemnização à Requerente, nos termos e com os limites previstos no artigo 53º, da LGT e a liquidar em execução de julgado, decorrente da procedência do pedido a que aludem as alíneas anteriores e
f) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas deste processo
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Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do CPC e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 145.258,94
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Custas: Fixa-se o montante das custas em € 3.672,00 (tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), ficando o respetivo pagamento a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira (artigo 22º-4, do RJAT).
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Lisboa e CAAD, 2-3-2016
O Tribunal Arbitral Coletivo
José Poças Falcão
(Presidente)
Ana Maria Rodrigues
(Vogal)
Vasco Valdez
(Vogal)
[1] Ao longo do presente acórdão a referência à legislação aplicável será efetuada por referência à legislação em vigor à data dos factos tributários, i. e, no exercício de 2005.