DECISÃO ARBITRAL
– RELATÓRIO
1. A… SGPS, S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua …, …, Piso … …-… Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou, na qualidade de sociedade dominante do grupo fiscal …, pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º n.º 1 a) e 10.º n.º 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT) e dos artigos 1º. e 2º. da Portaria nº.112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), peticionando a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento de reclamação graciosa da autoliquidação e, consequentemente, da manutenção da autoliquidação de 2013 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, que se traduziu, na ótica da Requerente, num apuramento excessivo em sede de tributações autónomas do grupo nesse ano no valor de € 730.987,61.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 1-10-2015.
6. A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu ao requerimento inicial apresentado, defendendo que o pedido da Requerente deve ser julgado improcedente.
7. Atenta a circunstância de, no caso, não se verificar qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada.
8. As partes apresentaram alegações escritas finais.
9. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
10. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
11. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
12. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral do Requerente são, em súmula, as seguintes:
Alegações da Requerente
1. A…, SGPS S.A. (anteriormente denominada B…, SGPS, S.A. – doravante B… SGPS é a sociedade dominante de grupo, o grupo B, sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto desde 2010 até hoje nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC (Grupo Fiscal B).
2. O Grupo Fiscal B era constituído em 2013, para além da própria requerente na qualidade de sociedade dominante, pelas seguintes sociedades, entre outras:
• C… – …, S.A. que alterou o seu nome para D… – … S.A;
• E…, S.A.;
• F… – …, S.A.;
• G…, S.A.;
• H…, S.A.;
• I…, SGPS, S.A.;
• J…, SGPS, S.A.
3. A ora requerente procedeu, na qualidade de sociedade dominante do Grupo Fiscal B…, à apresentação da sua declaração agregada de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2013, tendo aí procedido à autoliquidação das tributações autónomas desse mesmo ano.
4. Vem por este meio, a ora Requerente, suscitar a ilegalidade parcial daquele mesmo acto de autoliquidação de tributações autónomas do exercício de 2013.
5. A requerente apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação de tributações autónomas do referido exercício de 2013, tendo sido notificada em 8 de Maio de 2015 do indeferimento da reclamação graciosa, por despacho de 6 de Maio de 2015 proferido pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes.
6. Conclui-se, assim, que o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, contado a partir do indeferimento da reclamação graciosa, terminou em 6 de Agosto de 2015, pelo que, atenta a data de apresentação deste pedido de constituição de Tribunal Arbitral se impõe a conclusão de que o mesmo é tempestivo.
7. No mais, a Direcção Geral dos Impostos, a quem sucedeu a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, AT), vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais nos termos do artigo 1.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, relativamente a pretensões deduzidas, como é o caso, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011.
8. No caso de actos de autoliquidação de imposto é ainda exigido o recurso prévio à via administrativa (cfr. artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), pressuposto que se encontra aqui verificado.
9. O acto objecto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral é o indeferimento da reclamação graciosa supra identificado e, consequentemente, o acto de autoliquidação de tributações autónomas relativo ao exercício de 2013 na medida correspondente à aplicação do agravamento das taxas em 10 pontos percentuais com respeito a sociedades integrantes do Grupo Fiscal B que, nos exercícios em causa, não tiveram prejuízos fiscais.
10. A ora requerente submete à apreciação do Tribunal Arbitral (i) a legalidade deste indeferimento da reclamação graciosa, na medida em que desatende o reconhecimento da ilegalidade daquela parte da autoliquidação de tributações autónomas referentes ao exercício de 2013 do Grupo Fiscal B e, bem assim, (ii) a legalidade desta parte da autoliquidação de tributações autónomas referentes ao exercício de 2013 cujo montante (conforme se demonstrará infra) ascende a € 730.987,61.
11. Na referida autoliquidação de IRC do exercício de 2013, a então B… SGPS (hoje, A… SGPS) procedeu também à autoliquidação de tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC, num total, em termos finais, de € 4.760.180,90.
12. Entre as tributações encontravam-se tributações autónomas num total de € 2.108.179,51, respeitantes às seguintes sociedades integrantes do seu Grupo Fiscal:
• C… – …, S.A.;
• E…, S.A.;
• F… – …, S.A.;
• G…, S.A.;
• H…, S.A.;
• I…, SGPS, S.A.;
• J…, SGPS, S.A.
O valor quer do IRC, incluindo derrama estadual, quer das tributações autónomas, encontra-se pago.
13. As tributações autónomas respeitantes a estas sociedades foram apuradas aplicando-se às despesas e encargos que constituem as suas bases tributáveis as respetivas taxas legalmente previstas, a que se acresceu ainda o agravamento de dez pontos percentuais previsto no artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, não obstante nenhuma destas sociedades ter incorrido em prejuízos fiscais em 2013.
14. Sem esse (indevido) agravamento de taxas em 10 pontos percentuais, as tributações autónomas aqui em causa teriam sido de apenas € 1.377.191,87, e não de € 2.108.179,52, pelo que a diferença, para mais, que aqui se contesta com respeito ao exercício de 2013, é de € 730.987,62.
15. Mais se refira que a aplicação deste agravamento de taxas das tributações autónomas de sociedades que não incorreram em prejuízos fiscais, reflectiu o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) relativamente à aplicação do disposto no n.º 14 do artigo 88.º do Código do IRC nos casos em que os sujeitos passivos integram um grupo de sociedades sujeito ao RETGS.
16. Com efeito, de acordo com a posição assumida pela AT no âmbito do e tornada pública através de ficha doutrinária, “para efeitos de aplicação do disposto no n.º 14 do art.º 88.º do CIRC, nos casos em que os sujeitos passivos integram um grupo abrangido pelo regime especial de tributação das sociedades (RETGS), deve ser considerado o resultado (lucro tributável ou prejuízo fiscal) apurado na declaração do grupo referente ao período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários passíveis de tributação autónoma e não o lucro tributável ou o prejuízo fiscal apurado por cada uma das sociedades que integram o perímetro de consolidação abrangido pelo regime”.
17. E o sistema de transmissão electrónica de dados através do qual se processa a entrega da declaração periódica de rendimentos de IRC encontra-se parametrizado no sentido de considerar que o agravamento das taxas de tributação autónoma deve ter por referência o resultado fiscal apurado pelo grupo de sociedades sujeito ao RETGS em detrimento do resultado fiscal apurado individualmente por cada uma das sociedades que o integram.
18. Em face da parametrização do sistema de transmissão electrónica de dados e vendo-se impossibilitada de aplicar o que lhe parece (claramente) resultar do disposto no n.º 14 do artigo 88.º do Código do IRC, não restou outra alternativa à requerente que não proceder à autoliquidação da tributação autónoma de acordo com os ditames da AT.
19. Em sede de matéria de Direito, refira-se, antes de mais, que o acórdão arbitral proferido no processo n.º 239/2014-T já sancionou o entendimento de que é irrelevante o prejuízo fiscal apurado em sede de grupo fiscal (RETGS) para efeitos de IRC (sobre o lucro), relevando antes em sede de tributação autónoma (e para efeitos do n.º 14 do artigo 88.º, aqui em causa) saber se cada sociedade sujeita individualmente a tributações autónomas apurou, ou não, prejuízo fiscal.
20. Por outro lado, os factos tributários nas tributações autónomas são maioritariamente despesas e encargos e, em qualquer caso, nunca rendimento ou lucro. É isso que resulta de uma simples leitura do artigo 88.º do CIRC.
21. As tributações autónomas são conceptualmente diferentes do IRC que tributa o lucro, com tudo o que isso em concreto acarreta: diferente objecto, diferente nome, total estanquicidade entre os dois impostos de tal maneira que desde os respectivos apuramentos até às eventuais isenções e exclusões de tributação, nada passa deste último para as tributações autónomas, conforme defendido pela AT noutros fora, muito mais do que pelos tribunais, que se limitaram a sancionar em variados casos aquilo que a AT defendia, e que se apoiava nesta constatação simples e evidente: não são IRC que tributa o lucro, pelo que não é preciso norma expressa para se concluir que não se lhes aplicam disposições, nem vão beber a regimes, como o RETGS, pensadas/os para o funcionamento do IRC que tributa o lucro.
22. Não pode, pois, sustentar-se que, para efeitos do agravamento das taxas de tributações autónomas previsto no artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, relevaria o resultado fiscal do grupo de sociedades, por oposição à situação individual da sociedade que vê oneradas as suas despesas ou encargos com tributações autónomas.
23. Não é que o legislador não o possa fazer. Este, como é sabido, praticamente tudo pode e tudo tem podido, pelo que se a AT lhe pedir para legislar nesse sentido, este certamente assim o fará.
24. Mas o legislador não legislou (para já) nesse sentido contra-corrente, pelo que o que aqui está em causa é simplesmente interpretar uma lei, no contexto da lógica (imune às lógicas, quaisquer que elas sejam, do IRC que tributa o lucro) intrinsecamente individual das tributações autónomas (por oposição à lógica de colectivização do RETGS), papel que a AT desempenhou julga-se que de modo deficiente a propósito desta temática, enxertando administrativamente nas tributações autónomas um corpo (o RETGS) que lhes é estranho, um corpo que não joga com a natureza e lógica de funcionamento (individual) das tributações autónomas.
25. O regime do grupo não é para aqui chamado pela razão simples de que não há RETGS em sede de tributações autónomas, i.e., não há tributação de “despesas e encargos do grupo” em sede de tributações autónomas. O RETGS é uma outra lógica (de grupo, por oposição a individual), exclusiva (como tantas outras) do IRC que tributa o lucro.
26. Mais ainda, agora da pespectiva constitucional: o simples facto de a entidade que incorre nas despesas ou encargos sujeitos a tributação autónoma estar integrada num grupo fiscal para efeitos de tributação do diferente facto tributário que é o rendimento, não constitui, minimamente, elemento diferenciador bastante para afastar a consideração dos seus eventuais prejuízos para efeitos de agravamento das taxas de tributação autónoma, e substituí-lo pela consideração dos eventuais prejuízos fiscais de entidades terceiras, pelo que a norma do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, na interpretação de que em caso de existência de RETGS o que relevaria para efeitos do agravamento das taxas de tributações autónomas seria o eventual prejuízo fiscal apurado ao nível do grupo fiscal em sede de IRC (tributação sobre o rendimento), por oposição ao eventual prejuízo fiscal apurado pela sociedade que incorre na despesa tributável em sede de tributações autónomas, viola os princípios da proporcionalidade (exigência de justa/adequada medida) e da igualdade, e os princípios com este relacionados da coerência e da proibição de arbitrariedades: cfr. artigos 2.º (Estado de Direito democrático, com os inerentes princípios da proporcionalidade, igualdade e coerência), 13.º (princípio da igualdade) e 18.º, n.ºs 2 e 3 (princípio da proporcionalidade) da Constituição.
27. A requerente pagou imposto em montante superior ao legalmente devido pelo que, declarada a ilegalidade da (auto) liquidação de tributações autónomas na parte aqui peticionada (agravamento da taxa de 10% com respeito a tributações autónomas de sociedades que nenhum prejuízo fiscal tiveram), a requerente tem direito não só ao respectivo reembolso, mas, também, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), a juros indemnizatórios, calculados sobre o montante do imposto indevidamente pago que ascende a € 730.987,62, e contados, até ao integral reembolso dos mesmos, desde o termo da data para o reembolso oficioso do imposto (cfr., na numeração dos anos dos exercícios aqui em causa, o artigo 104.º, n.º 3, do Código do IRC), isto é, contados desde 1 de Setembro de 2014.
Resposta da Requerida:
1. Não é plausível que pretenda a Requerente individualizar (na esfera da sociedade dominada) o agravamento dos dez pontos percentuais da aplicação das taxas de tributação autónoma em caso de apuramento de prejuízo fiscal por essa mesma sociedade, quando esta integra um grupo de sociedades, sob a égide do REGTS.
2. A Requerente pretende que, não obstante a anuência de um conjunto de sociedades em serem tributadas como se de uma única entidade se tratasse, - com a manifesta possibilidade de fazer diluir os lucros tributáveis (apurados na esfera de umas sociedades do grupo) nos prejuízos fiscais (apurados por outras do grupo) – apenas as sociedades dominadas que apurem prejuízos fiscais sejam “sancionadas” com o agravamento das taxas de tributações autónomas em 10%.
3. Pois, na sua óptica, como as tributações autónomas são distintas do IRC, e por isso, distintas do imposto sobre o rendimento, não devem ser consideradas numa lógica de grupo, mas antes de modo casuístico, sociedade a sociedade.
4. Historicamente, o reconhecimento dos grupos societários como realidade jurídico-tributária autónoma no nosso ordenamento jurídico deu-se com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 414/87, de 31 de dezembro.
5. Mais tarde, viria a ser revogado, em favor do actual Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, previsto nos artigos 69.º e seguintes do CIRC.
6. Desde logo se diga que o RETGS se baseia na soma algébrica dos lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais das sociedades do perímetro, onde, num grupo de sociedades, as que têm créditos fiscais (prejuízos) poderão cedê-los às empresas do grupo que apresentem ganhos (e que apurem lucro tributável), de modo a reduzir o imposto a pagar por estas.
7. Deste modo, tudo o que faça aumentar o património líquido inicial de cada empresa, pertencente ao grupo, é rendimento tributável dessa empresa, concorrendo para o apuramento do resultado fiscal do grupo.
8. Em diametral oposição, as diminuições registadas no valor do capital investido numa empresa, no fim do período fiscal, consubstanciam-se no prejuízo fiscal individual de uma empresa que, também ele, concorrerá para o apuramento do resultado fiscal do grupo de sociedades onde aquela se insere.
9. Independentemente da eventual complexidade das estruturas societárias, a análise de gestão, financeira, contabilística, fiscal e até legal é efectuada com uma visão global do grupo de empresas em que se inserem.
10. O REGTS tem por objectivo a junção de uma ou mais entidades que juridicamente são independentes, mas que, de modo facultativo, se apresentam à tributação como se de uma singela entidade económica se tratasse, sob o controlo de uma sociedade-mãe, em que o controlo ganha o significado de “poder gerir as políticas financeiras e operacionais de uma entidade ou de uma actividade económica a fim de obter benefícios da mesma”.
11. Por outro lado, corroborando a nossa tese, o acórdão arbitral no âmbito do processo n.º 209/2013-T CAAD refere que:
«Entende-se, assim, em suma, que uma coisa é o tipo de facto tributário que está na base de determinada imposição. Outra coisa é o título a que tal imposição é devida, no fundo, a causa da obrigação de imposto. E no caso das tributações autónomas em sede de IRC, essa causa, o título a que o imposto é exigido, será, ainda, o IRC.
Neste sentido, dever-se-á atentar, desde logo, que o regime legal das tributações autónomas em questão apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas, por completo, de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.
De fato, e ao contrário do que afirmam as Requerentes, as tributações autónomas ora em análise, pertencem, sistematicamente ao IRC, e não ao IVA (como se viu), ao IS, ou a qualquer novo imposto. (…) as tributações autónomas do género que ora nos ocupam estão fortemente ligadas aos sujeitos do imposto sobre o rendimento respectivo e, mais especificadamente, à actividade económica por eles levada a cabo.
Este aspecto torna-se ainda mais evidente se se atentar num outro dado fundamental: a circunstância de as tributações autónomas que ora nos ocupa apenas incidirem sobre despesas dedutíveis!
Esta circunstância, crê-se, é elucidativa da imbricação existente entre aquelas e o IRC (no caso), e justificativa não só da sua inclusão no CIRC, mas, igualmente, da sua integração, de pleno direito, como parte do regime jurídico do IRC.»
12. Por seu turno, a decisão arbitral nº 659/2014-T dispôs:
«Tal censurabilidade, aos olhos da lei (n.° 14.° do art.0 88.° do CIRC), resulta acrescida quando os sujeitos passivos de IRC, ou os grupos económicos no quadro do RETGS, relevam este tipo de encargos como gastos, considerados abusivos ou anómalos, e apresentam prejuízos fiscais. Defende a Requerente que o grupo económico onde se insere pagou IRC sob a forma de derramas estadual e municipal, para além de outras tributações autónomas. E que, com isso, não deveria ficar sujeita à elevação em 10 pontos percentuais da taxa de tributação autónoma prevista na al. b) do n.° 13 do mesmo preceito.
Ora, em primeiro lugar, parece-nos claro que, pelas razões interpretativas apontadas no ponto anterior, a lei é clara ao referir-se a “prejuízos fiscais” e não somente a “prejuízos” ou a “prejuízos económicos”. Ao empregar a expressão “prejuízos fiscais” a lei é suficientemente clara para, na determinação do seu sentido, não deixar margem para dúvidas de que são estes e só estes que relevam para a aplicação do critério de elevação das taxas de tributação autónoma.
Por outro lado, parece-nos claro que a referência naquele n.° 14 aos “prejuízos fiscais” toma como ponto de partida o processo de determinação do lucro real e efetivo no IRC e se reporta ao resultado líquido do exercício depois de adicionadas ou deduzidas as variações patrimoniais e as correções fiscais do IRC a que aludem os artigos 15.° a 17.° do Código. Isto é, refere-se à questão de saber se a pessoa coletiva em causa apresenta um lucro tributável ou um prejuízo fiscal. E tem bem presente que a contabilidade e a fiscalidade prosseguem fins diferentes, no quadro do apontado princípio da dependência parcial, em termos tais que se toma necessário introduzir correções na base, acrescendo gastos contabilísticos que não são aceites para efeitos fiscais e os rendimentos fiscais que não são refletidos na contabilidade e deduzindo os rendimentos contabilísticos que não relevem para efeitos fiscais e os gatos fiscais que não foram relevados contabilisticamente ao período (neste sentido, ver HELENA MARTINS, O IRC, in Lições de Fiscalidade, 3.a edição, almedina, 2014, coord. por João Ricardo Catarino / Vasco Guimarães e Manuel Pereira, Fiscalidade, Almedina, 2009).
Sendo assim, não restam dúvidas que o preceito sob apreço não pode ser interpretado senão com o sentido de que o critério que efetivamente nele se estabelece é o do “prejuízo fiscal” e não o de outro prejuízo ou lucro económico, financeiro, contabilístico ou qualquer outro.
Certo que até à entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2011, somente as empresas que apresentassem prejuízo fiscal nos dois exercícios anteriores ficariam sujeitas à taxa agravada de tributação autónoma de 20%, a incidir sobre as despesas dedutíveis [respeitantes, por exemplo, a viaturas ligeiras de passageiros e mistas cujo valor de aquisição fosse superior a 40 mil euros] e que a partir de 2011 as taxas de tributação autónoma passaram a ser agravadas em dez pontos percentuais, sempre que o contribuinte apresente prejuízo fiscal no próprio exercício a que os encargos respeitem.
E igualmente certo que, aliando esta nova regra ao facto de a taxa de 20% de tributação autónoma ter passado a ser aplicada, por exemplo, às despesas com viaturas de valor superior a 30 mil euros (para as adquiridas no próprio ano 2011), independentemente de a empresa apresentar prejuízos fiscais ou não, veio fazer com que a taxa final de tributação autónoma pudesse ascender a cerca 30%, podendo acontecer efetivamente que as empresas que apresentem prejuízo fiscal a partir de 2011 venham, nalguns casos, a ser mais penalizadas, do ponto de vista fiscal, do que aquelas que apresentem lucro tributável.
Todavia, este é um lado da questão que ignora ou esquece a sobredita natureza dissuasora das tributações autónomas relativamente a consumos ou gastos que, no mínimo, são de muito discutível essencialidade ou imprescindibilidade empresarial.
Ou seja: a questão pode reconduzir-se a saber, em termos simples, se é justo ou não penalizar quem, em situação de prejuízo fiscal, opta, usando o exemplo anterior, por aquisição de viaturas ligeiras de passageiros para uso dos seus administradores, de custo acima de um limite razoável.
E relativamente a esta material não há especificidades ou exceções a assinalar para o caso, como o dos autos, de empresas tributadas, por opção própria, no âmbito do RETGS (artigos 69° e ss., do CIRC).
Na verdade, pese embora ocorra neste caso uma aferição de prejuízos fiscais por declaração do Grupo fiscal, a verdade é que tal ocorre por opção própria do contribuinte que aceitou que o cálculo respetivo se processasse não de forma individual mas através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de modo a que, no final, apenas houvesse um único sujeito passive para efeitos de IRC.
Se desse regime de tributação resultar, num caso ou noutro, em tributação final mais gravosa do que aquela que poderia resultar da tributação final individual, tal consequência só ao contribuinte pode ser imputada.
Uma nota relativamente às derramas, para lembrar que estas foram desde há muito qualificadas pela Doutrina como impostos acessórios, embora autónomos. A Derrama Estadual e Municipal configuram hoje impostos acessórios e não meros impostos dependentes (pois elas são devidas ainda que o imposto principal, do qual dependem, não o seja), resultando do respetivo regime que incidem sobre o lucro tributável do imposto principal, mas não são nem se configuram como parte integrante, incindível, do próprio imposto principal - o IRC. As Derramas gozam pois, no ordenamento fiscal, de autonomia científica, seja sob a forma de impostos acessórios ou de adicionamentos, como é o caso das Derramas sob apreço, embora se trate de uma autonomia mitigada já que, de certo modo, vivem na dependência do imposto principal. Não configuram, todavia, o próprio IRC. (neste sentido ver CARDOSO MOTA, LEMOS PEREIRA, Teoria e Técnica Fiscal, 7.a ed. P. 46; SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, Coimbra editora, 1993, p. 215; CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, Almedina, p. 61, 62;ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, Princípios de direito fiscal português, col. 1, ed. Ática, 1964, p. 59).
Já as tributações autónomas, como muito o bem o refere a Requerente, são efetivamente, IRC, no sentido anteriormente definido como, de facto, inúmeras Decisões Arbitrais o têm confirmado e aqui se reafirma. Mas o artigo 88.° n.° 14 do CIRC não elege como critério para o agravamento o do pagamento de IRC, muito menos por tributações autónomas. Como se disse, esse critério é um só, a saber, o do “prejuízo fiscal”. São, pois os prejuízos relacionados com a atividade comercial que relevam e só estes. Pode é, certo, argumentar-se que algum IRC foi pago pelo grupo onde a Requerente se insere (cfr. artigo 150.° da p. i.), mas o facto é que esse IRC, não é um IRC sobre lucros mas um IRC por tributações autónomas. Isto é, um imposto por factos fiscalmente relevantes - gastos aceites como tal - que a lei deseja desincentivar. É, assim, um IRC devido pela relevação de gastos ou outras realidades sujeitas a tributação autónoma e, nessa medida, não se pode aferir que o grupo haja pago IRC sobre lucros no exercício sob consideração na justa medida em que apresentou “prejuízos fiscais”. Podem discutir-se, é também certo, os fundamentos dessa lógica, mas a verdade é que ela se nos apresenta de um modo claro, coerente e que não ofende de forma intolerável a ordem de valores que se pretende preservar. Assim, nada tem de estranho, ilegal ou inconstitucional o facto de haver “prejuízos fiscais” e, ao mesmo tempo, lugar ao pagamento de IRC por tributações autónomas atento o facto de uma e outra realidade se reportarem a aspetos diferenciados dessa ordem de valores que visam justamente preservar.»
13. Por tudo exposto, vai soçobrada a pretensão da Requerente, não merecendo censura o despacho que indeferiu a reclamação graciosa apresentada, nem, consequentemente, deve ser declarado parcialmente ilegal o acto de autoliquidação, nas partes correspondentes aos valores de € 730.987,62, relativamente ao exercício 2013.
14. Quanto aos juros indemnizatórios peticionados, ambiciona, ainda, a Requerente, como consequência da procedência do pedido principal que formula – declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de imposto - seja determinada a anulação (parcial) da liquidação e, consequentemente proceda a Administração ao reembolso das quantias que (alegadamente) terão sido suportadas em excesso, acrescida de remuneração a título de juros indemnizatórios.
15. Cômputo esse que, segundo a Requerente, deverá ter como termo inicial as datas de 01.09.2014, por ser coincidente com aquela que seria o termo da data para o reembolso oficioso do imposto por parte da Administração.
16. Na situação dos autos, o apuramento do imposto foi efectuado pela ora Requerente.
17. De acordo com o ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais, Áreas Editora, Lisboa 2010, pág. 52 «Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta), bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos». (sublinhado nosso).»
Ou seja, mesmo que fosse configurável, que não é, o pagamento de juros indemnizatórios na situação em apreço nos autos, o seu cômputo teria como termo inicial a data em que ocorreu a notificação da decisão que indeferiu o procedimento de reclamação graciosa e, nunca, o momento indicado pela Requerente no seu pedido.
Factos provados:
1. A ora requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) sujeita ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (REGTS).
2. Nessa qualidade submeteu a sua autoliquidação agregada de IRC relativa ao exercício de 2013.
3. No âmbito da autoliquidação relativa ao IRC de 2013, a Requerente apurou um total de tributações autónomas de 2.108.179,51€ respeitante às sociedades integrantes do Grupo Fiscal B, calculado na base de aplicação do agravamento fiscal de dez pontos percentuais previsto no artigo 88.º, nº 14 do CIRC aplicável a todas as sociedades do Grupo.
4. Se fosse somente aplicado à socieade ou sociedades com prejuízos fiscais, as tributações autónomas seriam de 1.377.191,87€, ou seja, menos 730.987,62€.
5. A ora Requerente apresentou reclamação graciosa (obrigatória) do ato de autoliquidação tendo sido indeferida a referida reclamação, sendo dessa reclamação que a Requerente formulou o pedido de constituição de tribunal arbitral, tudo dentro dos prazos legais para o efeito.
Factos não provados:
Com relevo para a decisão não existem factos não essenciais não provados.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Ainda relativamente à matéria de facto:
O Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 659.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os fatos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
DO DIREITO
O regime sub judice, objeto de apreciação no presente processo, pode entender-se que visa desincentivar comportamentos que, visando total ou principalmente evitar o encargo do IRC, se apresentam como passíveis de crítica por abusarem dos regimes legais da consagração dos gastos no imposto e, com isso, provocarem desequilíbrios sistémicos relevantes.
Tal censurabilidade, aos olhos da lei (n.º 14.º do art.º 88.º do CIRC), resulta acrescida quando os sujeitos passivos de IRC, ou os grupos económicos no quadro do RETGS, relevam este tipo de encargos como gastos, considerados abusivos ou anómalos, e apresentam prejuízos fiscais. Defende a Requerente que o grupo económico onde se insere pagou IRC sob a forma de derramas estadual e municipal, para além de outras tributações autónomas. E que, com isso, não deveria ficar sujeita à elevação em 10 pontos percentuais da taxa de tributação autónoma prevista na al. b) do n.º 13 do mesmo preceito.
Ora, em primeiro lugar, e como se disse na decisão arbitral nº 659/2014-T, que se seguirá de perto, parece-nos claro que, pelas razões interpretativas apontadas no ponto anterior, a lei é clara ao referir-se a “prejuízos fiscais” e não somente a “prejuízos” ou a “prejuízos económicos”. Ao empregar a expressão “prejuízos fiscais” a lei é suficientemente clara para, na determinação do seu sentido, não deixar margem para dúvidas de que são estes e só estes que relevam para a aplicação do critério de elevação das taxas de tributação autónoma.
Por outro lado, parece-nos claro que a referência naquele n.º 14 aos “prejuízos fiscais” toma como ponto de partida o processo de determinação do lucro real e efetivo no IRC e se reporta ao resultado líquido do exercício depois de adicionadas ou deduzidas as variações patrimoniais e as correções fiscais do IRC a que aludem os artigos 15.º a 17.º do Código. Isto é, refere-se à questão de saber se a pessoa coletiva em causa apresenta um lucro tributável ou um prejuízo fiscal. E tem bem presente que a contabilidade e a fiscalidade prosseguem fins diferentes, no quadro do apontado princípio da dependência parcial, em termos tais que se torna necessário introduzir correções na base, acrescendo gastos contabilísticos que não são aceites para efeitos fiscais e os rendimentos fiscais que não são refletidos na contabilidade e deduzindo os rendimentos contabilísticos que não relevem para efeitos fiscais e os gatos fiscais que não foram relevados contabilisticamente ao período (neste sentido, ver HELENA MARTINS, O IRC, in Lições de Fiscalidade, 3.ª edição, almedina, 2014, coord. por João Ricardo Catarino / Vasco Guimarães e Manuel Pereira, Fiscalidade, Almedina, 2009).
Sendo assim, não restam dúvidas que o preceito sob apreço não pode ser interpretado senão com o sentido de que o critério que efetivamente nele se estabelece é o do “prejuízo fiscal” e não o de outro prejuízo ou lucro económico, financeiro, contabilístico ou qualquer outro.
Certo que até à entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2011, somente as empresas que apresentassem prejuízo fiscal nos dois exercícios anteriores ficariam sujeitas à taxa agravada de tributação autónoma de 20%, a incidir sobre as despesas dedutíveis [respeitantes, por exemplo, a viaturas ligeiras de passageiros e mistas cujo valor de aquisição fosse superior a 40 mil euros] e que a partir de 2011 as taxas de tributação autónoma passaram a ser agravadas em dez pontos percentuais, sempre que o contribuinte apresente prejuízo fiscal no próprio exercício a que os encargos respeitem.
E igualmente certo que, aliando esta nova regra ao facto de a taxa de 20% de tributação autónoma ter passado a ser aplicada, por exemplo, às despesas com viaturas de valor superior a 30 mil euros (para as adquiridas no próprio ano 2011), independentemente de a empresa apresentar prejuízos fiscais ou não, veio fazer com que a taxa final de tributação autónoma pudesse ascender a cerca 30%, podendo acontecer efetivamente que as empresas que apresentem prejuízo fiscal a partir de 2011 venham, nalguns casos, a ser mais penalizadas, do ponto de vista fiscal, do que aquelas que apresentem lucro tributável.
Todavia, este é um lado da questão que ignora ou esquece a sobredita natureza dissuasora das tributações autónomas relativamente a consumos ou gastos que, no mínimo, são de muito discutível essencialidade ou imprescindibilidade empresarial.
Ou seja: a questão pode reconduzir-se a saber, em termos simples, se é justo ou não penalizar quem, em situação de prejuízo fiscal, opta, usando o exemplo anterior, por aquisição de viaturas ligeiras de passageiros para uso dos seus administradores, de custo acima de um limite razoável.
E relativamente a esta matéria não há especificidades ou exceções a assinalar para o caso, como o dos autos, de empresas tributadas, por opção própria, no âmbito do RETGS (artigos 69º e ss., do CIRC).
Na verdade, pese embora ocorra neste caso uma aferição de prejuízos fiscais por declaração do Grupo fiscal, a verdade é que tal ocorre por opção própria do contribuinte que aceitou que o cálculo respetivo se processasse não de forma individual mas através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de modo a que, no final, apenas houvesse um único sujeito passive para efeitos de IRC.
Se desse regime de tributação resultar, num caso ou noutro, em tributação final mais gravosa do que aquela que poderia resultar da tributação final individual, tal consequência só ao contribuinte pode ser imputada.
Uma nota relativamente às derramas, para lembrar que estas foram desde há muito qualificadas pela Doutrina como impostos acessórios, embora autónomos. A Derrama Estadual e Municipal configuram hoje impostos acessórios e não meros impostos dependentes (pois elas são devidas ainda que o imposto principal, do qual dependem, não o seja), resultando do respetivo regime que incidem sobre o lucro tributável do imposto principal, mas não são nem se configuram como parte integrante, incindível, do próprio imposto principal – o IRC. As Derramas gozam pois, no ordenamento fiscal, de autonomia científica, seja sob a forma de impostos acessórios ou de adicionamentos, como é o caso das Derramas sob apreço, embora se trate de uma autonomia mitigada já que, de certo modo, vivem na dependência do imposto principal. Não configuram, todavia, o próprio IRC. (neste sentido ver CARDOSO MOTA, LEMOS PEREIRA, Teoria e Técnica Fiscal, 7.ª ed. P. 46; SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, Coimbra editora, 1993, p. 215; CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, Almedina, p. 61, 62;ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, Princípios de direito fiscal português, col. 1, ed. Ática, 1964, p. 59).
Já as tributações autónomas, como muito o bem o refere a Requerente, são efetivamente, IRC, no sentido anteriormente definido como, de facto, inúmeras Decisões Arbitrais o têm confirmado e aqui se reafirma. Mas o artigo 88.º n.º 14 do CIRC não elege como critério para o agravamento o do pagamento de IRC, muito menos por tributações autónomas. Como se disse, esse critério é um só, a saber, o do “prejuízo fiscal”. São, pois os prejuízos relacionados com a atividade comercial que relevam e só estes.
Pode é, certo, argumentar-se que algum IRC foi pago pelo grupo onde a Requerente se insere (cfr. artigo 150.º da p. i.), mas o facto é que esse IRC, não é um IRC sobre lucros mas um IRC por tributações autónomas. Isto é, um imposto por factos fiscalmente relevantes – gastos aceites como tal – que a lei deseja desincentivar. É, assim, um IRC devido pela relevação de gastos ou outras realidades sujeitas a tributação autónoma e, nessa medida, não se pode aferir que o grupo haja pago IRC sobre lucros no exercício sob consideração na justa medida em que apresentou “prejuízos fiscais”.
Podem discutir-se, é também certo, os fundamentos dessa lógica, mas a verdade é que ela se nos apresenta de um modo claro, coerente e que não ofende de forma intolerável a ordem de valores que se pretende preservar. Assim, nada tem de estranho, ilegal ou inconstitucional o facto de haver “prejuízos fiscais” e, ao mesmo tempo, lugar ao pagamento de IRC por tributações autónomas atento o facto de uma e outra realidade se reportarem a aspetos diferenciados dessa ordem de valores que visam justamente preservar.
Concluindo nesta parte dir-se-á que não se surpreende igualmente a alegada inconstitucionalidade do disposto no artigo 88º n.º 14, invocada pela requerente. Efetivamente, os princípios invocados da igualdade e da proporcionalidade, entre outros, não serão postos em crise por esta interpretação da lei já que, pelo contrário, se nos afigura que foi o contribuinte que, ao optar pela tributação em grupo, beneficiou de determinados regimes que também não existem para a generalidade das sociedades, tendo como contrapartida um certo regime de tratamento das tributações autónomas que, justamente, abarcam o grupo que foi o que o legislador efetivamente pretendeu e a que a Requerente se submeteu por decisão sua.
Finalmente, valendo o que vale o argumento, a verdade é que na Proposta de Lei de OE para 2016, entregue pelo Governo na AR, se vem propor uma clarificação legislativa do artigo 88º. do CIRC, no sentido que ora se preconiza, ou seja, de que, para efeitos do agravamento das tributações autónomas, os prejuízos fiscais serão apuradas ao nível do grupo e não de cada uma das sociedades de per si. E mais ainda: dadas as divergências interpretativas existentes a propósito da matéria sub judice, tal clarificação legislativa terá uma natureza de norma interpretativa, o que reforçará a interpretação que ora se dá aos normativos em apreço.
DECISÃO:
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal em:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido de anulação da autoliquidação relativa ao IRC de 2013, na importância de 730.987,62€;
b) Considerar, consequentemente, prejudicada a apreciação e decisão das demais questões levantadas pela Requerente, designadamente quanto a juros indemnizatórios.
Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 730.987,62.
Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.710,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 12-2-2016
O Tribunal Arbitral Coletivo
José Poças Falcão
(Presidente)
Luís Miranda da Rocha
(Vogal)
(Vencido nos termos da declaração que anexo)
Vasco Valdez
(Vogal)
Declaração de voto
Discordo da decisão maioritariamente tomada, pelos motivos infra descritos:
1. Identifico-me com a orientação da decisão arbitral tomada no âmbito do Processo n.º 239/2014-T, em que a REQUERENTE era a mesma entidade e a matéria sob apreciação era de natureza idêntica (mas relativa aos exercícios económicos de 2011 e de 2012). Essa decisão arbitral é contrária à decisão maioritária tomada no contexto deste Processo.
2. O texto do n.º 1 do artigo 70.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) circunscreve o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) à determinação do lucro tributável ou do prejuízo fiscal de um “Grupo”. Consequentemente, o RETGS não é mais do que um regime especial de dedução de prejuízos fiscais, permitindo que tal dedução ocorra “no espaço” (compensando os lucros tributáveis de outras empresas que integrem o mesmo “grupo para efeitos fiscais”) e não apenas “no tempo” (através do mecanismo de “carry-forward”, consagrado no artigo 52.º do CIRC). Ora, apesar de as tributações autónomas serem consideradas IRC, a sua base de incidência não é o lucro tributável, mas sim certas despesas ou encargos. Do exposto, concluo que o RETGS se limita a estabelecer regras para a tributação em IRC, na parte em que este imposto incide efetiva e diretamente sobre o rendimento (não se estendendo à determinação das tributações autónomas).
3. O n.º 14 do artigo 88.º do CIRC menciona os “sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal”. Como o RETGS não altera as normas de incidência do IRC, entendo que os sujeitos passivos são as entidades individuais que apuram lucro tributável ou prejuízo fiscal, mesmo quando se inserem no “Grupo de Sociedades” sujeito a um “Regime Especial de Tributação”.
4. Discordo do argumento apresentado pela REQUERIDA, segundo o qual o conjunto de empresas que integra um “grupo fiscal” tem uma espécie de “economia comum” e que, como tal, deve ver as taxas de tributação autónomas serem determinadas em função do resultado fiscal agregado. Na verdade, o resultado fiscal agregado não pode ser interpretado como um aumento ou diminuição da riqueza ou do património, tratando-se mesmo de um indicador sem qualquer significado económico, não só por estar influenciado pelas majorações, exclusões, deduções e outras correções efetuadas no denominado “Quadro 07” da “Declaração Modelo 22 do IRC”, mas também porque as percentagens de controlo exigidas para integrar um “grupo para efeitos fiscais” nada têm que ver com critérios de natureza económica (nomeadamente, os acolhidos na normalização contabilística). O indicador que se aproximaria desse objetivo é o resultado fiscal consolidado. Contudo, o RETGS não é um regime de “consolidação fiscal”, pelo que não se poderá falar de “tributação como se de uma única entidade económica se tratasse”.
5. Considero ainda que, caso fosse intenção do legislador tributar autonomamente certas despesas do “Grupo de Sociedades” (e não das empresas que o constituem), então devia estar consagrado na lei um mecanismo de eliminação das denominadas operações internas (é essa a grande diferença entre uma mera agregação de resultados e uma verdadeira consolidação). Creio que não é coerente admitir que a determinação das taxas de tributação autónoma seja feita segundo uma “lógica de grupo” e que a definição da respetiva base de incidência se processe individualmente, considerando (e tributando) aquisições que podem ter sido efetuadas a outras empresas inseridas no RETGS. Assim, a base de incidência das tributações autónomas para o grupo não tem de corresponder à mera agregação das despesas suportadas individualmente pelas empresas (ou seja, o todo pode ser diferente da soma das partes).
Acrescento ao exposto a minha discordância com a referência, na fundamentação desta decisão arbitral, a um extrato da proposta de lei do Orçamento do Estado para 2016, cujo teor foi revelado em 5 de fevereiro de 2016. É minha convicção que um tribunal arbitral não deve invocar hipotéticas futuras normas legais para suportar uma decisão. Sem prejuízo desta convicção, e perante a efetiva menção à dita proposta de lei, “valendo o que vale o argumento”, também divirjo da respetiva interpretação como algo que vem reforçar a decisão maioritária. Pelo contrário, sou de parecer que um hipotético reconhecimento da necessidade de incluir no CIRC uma norma que alarga o âmbito do RETGS à determinação das tributações autónomas constituiria prova cabal de que, à data a que este pedido de pronúncia arbitral se reporta (2013), não existia qualquer norma de incidência que conferisse sustentação legal à determinação das taxas de tributação autónoma, com base no resultado fiscal agregado. Já quanto à possível “natureza interpretativa”, tratando-se de um projeto de norma inovadora e não de um projeto de “clarificação legislativa”, penso que estaremos perante um projeto de futura “falsa norma interpretativa”, com um grau de retroatividade excessivo.
Por tudo o que foi exposto, entendo que, no contexto do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, as taxas de tributação autónoma aplicáveis a cada sociedade integrante devem ser função do respetivo “resultado fiscal” (lucro tributável ou prejuízo fiscal) individual, pelo que voto vencido esta pronúncia arbitral.
Luís Miranda da Rocha
(Vogal)