Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 445/2015-T
Data da decisão: 2016-01-12  IVA  
Valor do pedido: € 1.400.784,46
Tema: IVA; pedido de reconhecimento de direito a indemnização por garantia indevida; juros compensatórios
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Joaquim Silvério Dias Mateus e Dr. Luís Alberto Ferreira Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 01-10-2015, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A… LDA, NIPC…, sociedade com sede na Rua do…, n.º…, …, em Linda-a-Velha, (doravante designada por "Requerente"), vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2º, n.º 1 alínea a), 5.º, número 3 alínea a), 6.º, n.º 2 alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral para apreciação da legalidade das seguintes liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros compensatórios referentes aos anos de 2011, 2012 e 2013:

 

Período de tributação

Liquidação de IVA

Montante liquidação de IVA

Liquidação de juros compensatórios

Montante liquidações juros compensatórios

 

 

Período de tributação

Liquidação de IVA

Montante liquidação de IVA

Liquidação de juros compensatórios

Montante liquidações juros compensatórios

 

 

             O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 04-08-2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16-09-2015, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 01-10-2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 18-12-2015, realizou-se uma reunião, em que foi produzida prova por depoimento de parte e proferidas alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    A sociedade A…, LDA, tem sede na Rua…, nº … -…, …-… Linda-a-Velha, é uma sociedade por quotas, que se encontra registada desde 30-07-2004, conforme matrícula da conservatória do registo comercial, com o seguinte objecto -"Comércio por grosso de produtos farmacêuticos...";

b)    Para efeitos de IVA, a Requerente é sujeito passivo enquadrado no regime mensal;

c)    A coberto das ordens de inspecção externa n.ºs OI2014…/ OI2014… e OI2014…, relativas aos anos de 2011, 2012, e 2013, respectivamente, foi realizada inspecção à Requerente em sede de IVA;

d)    No âmbito da inspecção, a Requerente foi notificada do projecto de Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

e)    A Requerente exerceu o direito de audição prévia sobre o projecto do Relatório da Inspecção Tributária, nos termos que constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

f)     Na sequência da inspecção, foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária junto com o pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 3, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

3.5. DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE

A atividade desenvolvida pela A…, LDA, consiste na importação/aquisição intracomunitária e posterior comercialização de materiais e componentes destinados à implantologia dentária, da marca B…. A implantologia repõe dentes perdidos através de implantes dentários em titânio e coroas estéticas em porcelana. Os produtos comercializados destinam-se maioritariamente ao mercado nacional, tendo pouca relevância as vendas para o mercado comunitário, bem como para países terceiros (exportações). Os seus clientes, são médicos dentistas ou clinicas especializadas na área da medicina dentária, que trabalham em implantologia. Os produtos vendidos, abrangem um grande número de referências, e que vão por exemplo, desde pinças de titânio, brocas, parafusos e implantes em titânio, de diferentes dimensões, a kit's cirúrgicos. A empresa comercializa tudo o que é necessário para a implantação no osso (parte não visível), de um implante dentário, estes materiais não são mais do que raízes artificiais de dentes, de forma a proporcionar uma base fixa sólida sobre a qual as coroas ou próteses serão fixadas.

Para que o implante seja finalizado, é necessária a intervenção de um protésico, para a confeção e colocação das coroas ou próteses (parte visível), consistindo este último ato a finalização do implante de um dente artificial.

Os materiais transacionados são maioritariamente adquiridos a sociedades sedeadas no espaço comunitário, assim aqueles bens são adquiridos na Alemanha, França, Espanha e outros, sendo o IVA liquidado e deduzido à taxa normal, conforme extratos da conta de IVA do sujeito passivo. (ANEXO II) Do acima exposto bem como do contato com o sp, resultou ser do seu conhecimento que a AT, nomeadamente a DSIVA tem reiteradamente divulgado doutrina, pela não aplicação da taxa reduzida de imposto aos implantes e demais peças que permitam a fixação de uma prótese dentária. Estranha-se assim o comportamento do sujeito passivo enquanto revendedor de peças de fixação e de ligação de implantes dentários, pois, aquando da aquisição intracomunitária destes materiais efetua o reverse charge com IVA à taxa normal e quando realiza vendas, dos mesmos materiais liquida IVA à taxa reduzida.

(...)

2. IVA LIQUIDADO

Tal como foi referido, aplica a taxa reduzida, à maioria dos materiais comercializados, não sendo contudo esse entendimento da administração fiscal, vertido em informações vinculativas, bem como a mais recente informação n.º … de 04/08/2014 de aclaração da taxa de IVA aplicável às transmissões de implantes dentários e demais peças de ligação ou fixação da prótese dentária, solicitada pela Direção de Finanças de Lisboa à DSIVA, em 06/06/2014 e que seguidamente se reproduz em parte, encontrando-se na íntegra em anexo a este relatório (Anexo IV).

1. Sobre a questão em apreço, cabe dizer que a doutrina reiteradamente divulgada por esta Direção de Serviços tem concluído pela não aplicação da taxa reduzida do imposto aos implantes e demais peças que permitem a fixação de uma prótese dentária (denominada prótese fixa por implante).

(...)

4. Em decorrência, entende-se que os bens que consistam em peças, partes e acessórios daquelas próteses não estão abrangidos pela verba 2.6, dado que, para além de não serem próteses, não são aptos a cumprir, considerados individualmente, a função de substituição de uma pane do corpo ou da sua função.

(...)

6. Fazendo referência ao alegado no despacho, esta Direção de Serviços acrescentou, na Informação n.º…, de setembro de 1996, processo 1221…, prestada a uma empresa de equipamentos médicos, e perante um catálogo de produtos comercializados pela requerente nesse processo (material de implante e material de aplicação dos mesmos, nomeadamente cilindros, parafusos, pilares, coroas, pontes, etc.) que, "na montagem dos componentes constantes do referido catálogo conseguem-se obter várias combinações do referido material consoante cada caso e segundo o que o doente precisa, o que dificulta diferenciar o que são componentes e o que já são implantes completos", e que tem sido "orientação deste Serviço que somente os aparelhos completos podem beneficiar da taxa reduzida de 5% nas transmissões dos mesmos".

(...)

8. E concluiu-se: "Assim, apesar de ser difícil distinguir entre componentes e próteses (implantes) completas, afigura-se que quando transaccionados completos (e realçamos: a informação era prestada por referência a um catálogo apresentado pela empresa em causa, que incluía as próteses propriamente ditas e os demais materiais para a sua fixação, como os implantes e pilares) de modo a constituir uma unidade de implante propriamente dito + peças de ligação + "dente", constituindo uma unidade de venda por enquadráveis na verba 2.5 da Lista l anexa ao CIVA, são passíveis de IVA pela taxa reduzida. As transmissões dos diversos componentes avulso, partes e peças, são passíveis de IVA pela taxa normal.

(...)

13. Refira-se, também, que os demais bens abrangidos pela verba 2.6 são, eles próprios, produtos ou objetos que já se encontram numa fase em que podem ser utilizados, quando adquiridos para as finalidades de superação de uma enfermidade ou deficiência humana: aparelhos ortopédicos, cintas médico-cirúrgicas, meias medicinais, cadeiras de rodas, lentes de correção de vista e calçado ortopédico, neste caso, desde que prescrito por receita médica (confronte-se sobre isto a informação vinculativa de 23-12-2011).

15. A verba 2.6 aplica-se, pois, aos aparelhos e próteses em si, produto final. No caso das próteses por implante, aplica-se ao dente artificial (prótese).

16. O implante de titânio e o pilar são apenas componentes, cada um desempenhando a função para a qual foram concebidos, de suporte e fixação da prótese, mas que, de per si, objetivamente considerados, não são aptos a desempenhar ou a substituir a função do órgão dentário (função mastigatória, de verbalização e estética). 

17. Cabe concluir que a transmissão das citadas peças (de ligação ou implantação da prótese) são tributadas à taxa normal, por falta de enquadramento em qualquer das listas anexas ao CIVA, nomeadamente na verba 2.6 da Lista l.

18. Note-se, sobre isto, que o princípio da neutralidade poderia ficar em crise se incidissem taxas diferentes sobre os materiais necessários à elaboração de cada um dos diferentes tipos de prótese, tanto as próteses fixas por implante como as restantes.

19. De facto, quando o técnico especializado adquire os mais diversos materiais ou peças para construir uma prótese "clássica", como uma dentadura removível, fá-lo à taxa normal do imposto. Caso se admitisse a venda à taxa reduzida das peças necessárias à fixação de uma prótese por implante provocar-se-ia uma distorção de concorrência, pela violação da neutralidade do imposto, face à venda, à taxa normal, das peças necessárias à construção de uma dentadura artificial removível.

20. Só a aplicação de uma mesma taxa às peças, partes e acessórios, no caso, a taxa normal, garante a neutralidade do imposto, impedindo qualquer tratamento discriminatório entre os diferentes tipos de próteses.

 

3.CORREÇÕES IVA

3. 1 TAXA DE IVA APLICÁVEL ÀS TRANSMISSÕES DE IMPLANTES DENTÁRIOS E DEMAIS PEÇAS DE LIGAÇÃO OU FIXAÇÃO DE PRÓTESE DENTÁRIA

A sociedade A…, LDA, efetuou um enquadramento errado dos materiais por esta comercializados destinados a implante dentário, dado que:

- os implantes aplicados em medicina dentária, não são mais do que meras raízes metálicas osteointegráveis no maxilar (parte superior da boca) ou na mandíbula (parte inferior e móvel da boca), destinados a servir de suporte ou ancoradouro de uma estrutura de um ou mais dentes artificiais (coroa, ponte, etc.);

- os restantes componentes, partes, peças e acessórios (designadamente pilares, abutments, etc.), objeto de transação isolada, autónoma ou avulsa para além de não serem próteses, não são aptos a cumprir, considerados individualmente, a função de substituição de uma parte do corpo ou a função do órgão dentário (função mastigatória, de verbalização e estética), de onde se conclui que a transmissão das citadas peças (de ligação ou implantação da prótese) são tributadas à taxa normal, por não terem cabimento na verba 2.6 da lista l anexa ao CIVA.

Atente-se na definição de «prótese dentária» enquanto «estrutura fixa ou móvel constituída por um dente ou conjunto de dentes artificiais, que substitui dentes em falta» (cfr. Dicionário da Língua Portuguesa - com Acordo Ortográfica, Porto Editora, disponível para consulta no endereço da internet: http://www.infopedia.pt/linqua-portuquesa/protese) para não se compreender como é que os implantes dentários quando transacionados isoladamente ou de modo autónomo, possam ser considerados como material de prótese, consequentemente, sejam subsumíveis à previsão normativa da verba 2.6 da Lista l anexa ao CIVA.

No contexto da interpretação das taxas é igualmente importante referir o princípio da neutralidade que deverá levar a que situações materialmente idênticas estejam sujeitas à mesma taxa, sob pena de se criar distorções no normal funcionamento do mercado (vd. informação n.º 2115, pontos 18, 19 e 20).

Esta situação será retificada no presente procedimento inspetivo com a sujeição a todos os materiais que integram o conjunto das próteses, a IVA à taxa normal, prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 18º do CIVA, de 23% relativamente aos anos em análise.

 

3.2 APURAMENTO DAS CORREÇÕES DE IVA

Para apuramento do imposto em falta, nos anos objeto de análise, foi extraído um ficheiro do SAFT-PT, daqueles anos, de toda a faturação emitida pelo SP, incluindo notas de crédito e débito.

O IVA em falta da faturação, foi calculado pela diferença entre o imposto que deveria ter sido liquidado à taxa normal, e o liquidado à taxa reduzida, em todas as faturas emitidas pelo SP, nos anos de 2011, 2012 e 2013, excluindo os Bio-Materiais, que se mantêm à taxa reduzida. (ANEXO VII (pag.20) - Listagem dos Bio-Materiais por referência/descrição).

No apuramento do imposto em falta, consideraram-se as devoluções de vendas, para as quais foram emitidas as respetivas notas de crédito. Fizemo-lo após a confirmação, por amostragem, da necessária evidência da tomada de conhecimento das mesmas, por parte dos respetivos clientes.

O nosso apuramento partiu assim das notas de crédito, relativamente às quais, se apurou imposto a favor do SP, através da diferença, do IVA calculado com base na aplicação da taxa normal e o IVAque foi regularizado a favor do SP, e refletido no campo 40 das DP's, calculado com base na taxa reduzida, excluindo os Bio-Materiais, que se mantêm à taxa reduzida.

Seguidamente reproduz-se por ano, a análise integral efetuada à faturação e notas de crédito, emitidas pelo sujeito passivo:

- Listagem dos materiais destinados a implante dentário, sujeitos a IVA à taxa normal e que o sp. enquadrou na verba 2.6 da lista l anexa ao CIVA; (ANEXO V)

- Contas … - Rq Fe PA/nd Taxa Reduzida: (ANEXO VI)

- Mapa das faturas dos Bio-materiais. (ANEXO VII):

- Mapa resumo dos totais mensais da faturação: Evidenciando:

- apuramento das bases tributáveis; - IVA declarado e faturado pelo SP e taxa de IVA; - IVA à taxa normal; - IVA valor a corrigir a favor do estado;

- Mapa das notas de crédito dos Bio-materiais:: (ANEXO VIII)

- Excertos do catálogo da B… - ano 2014: (ANEXO IX)

- Mapa resumo dos totais mensais das notas de crédito: Evidenciando:

- apuramento das bases tributáveis; - IVA declarado e regularizado a favor do SP e taxa de IVA; - IVA à taxa normal; - IVA valor a corrigir a favor do SP;

Em súmula, o valor final das correções a efetuar retira-se da diferença mensal apurada entre os dois mapas resumo, Mapa resumo dos totais mensais da faturação, e Mapa resumo dos totais mensais das notas de crédito, evidenciada à frente, no ponto 3.1.4. deste capítulo.

3.2.1. Ano de 2011

No ano de 2011 a sociedade A…, LDA, faturou um total de € 2.682.702,84 à taxa reduzida, tendo liquidado IVA a essa mesma taxa no total de € 160.962,33.

Iremos corrigir o valor do IVA liquidado pela sociedade à taxa reduzida, com exceção da taxa aplicada aos Bio-Materiais que mantêm a taxa reduzida, uma vez que a comercialização de materiais destinados a implante dentário que não constituem aparelhos completos, estão sujeitos à taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 18.º do Código do IVA, que ascende a € 440.580,59.

Ainda no ano de 2011 a sociedade A…, LDA, emitiu notas de crédito, regularizado IVA a seu favor no montante de € 66.359,86; Iremos corrigir a favor do sujeito passivo o valor do IVA regularizado (com exceção do IVA das notas de crédito emitidas para os Bio-Materiais que mantêm a taxa reduzida), uma vez que as notas de crédito visam corrigir situações relacionadas com a comercialização de materiais destinados a implante dentário que por não constituírem aparelhos completos, estão sujeitos à taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 18.º do Código do IVA, que aplicada às notas de crédito ascende a € 136.232,75.

3.2.2. Ano de 2012

No ano de 2012 a sociedade A…, LDA, faturou um total de € 3.267.197,52 à taxa reduzida, tendo liquidado IVA a essa mesma taxa no total de € -196.032,16.

Iremos corrigir o valor do IVA liquidado pela sociedade à taxa reduzida, com exceção da taxa aplicada aos Bio-Materiais que mantêm a taxa reduzida, uma vez que a comercialização de materiais destinados a implante dentário que não constituem aparelhos completos, estão sujeitos à taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 18.º do Código do IVA, que ascende a € 533.309,84.

No ano de 2012 a sociedade A…, LDA, emitiu notas de crédito, regularizando IVA a seu favor no montante de € 64.298,24;

Iremos corrigir a favor do sujeito passivo o valor do IVA regularizado, com exceção do IVA das notas de crédito emitidas para os Bio-Materiais que mantém a taxa reduzida, uma vez que as outras notas de crédito visam corrigir situações relacionadas com a comercialização de materiais destinados a implante dentário que por não constituírem aparelhos completos, estão sujeitos à taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 18.º do Código do IVA, que aplicada às notas de crédito ascende a € 98.287,20.

3.2.3. Ano de 2013

No ano de 2013 a sociedade A…, LDA, faturou um total de € 4.061.859,39 à taxa reduzida, tendo liquidado IVA a essa mesma taxa no total de € 243.713,95.

Iremos corrigir o valor do IVA liquidado pela sociedade à taxa reduzida, com exceção da taxa aplicada aos Bio-Materiais que mantêm a taxa reduzida, uma vez que a comercialização de materiais destinados a implante dentário que não constituem aparelhos completos, estão sujeitos à taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 18.º do Código do IVA, que ascende a € 669.897,25.

 

No ano de 2013 a sociedade A…, LDA, emitiu notas de crédito, regularizando IVA a seu favor no montante de € 64.788,83; Iremos corrigir a favor do sujeito passivo o valor do IVA regularizado, com exceção do IVA das notas de crédito emitidas para os Bio-Materiais que mantêm a taxa reduzida, uma vez que as outras notas de crédito visam corrigir situações relacionadas com a comercialização de materiais destinados a implante dentário que por não constituírem aparelhos completos, estão sujeitos à taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 18.º do Código do IVA, que aplicada às notas de crédito ascende a € 123.529,35,

3.2.4. Resumo das correções ao IVA Liquidado

 

g)    Após a inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios, que constam do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido:

 

Período de tributação

Liquidação de IVA

Montante liquidação de IVA

Liquidação de juros compensatórios

Montante liquidações juros compensatórios

 

Período de tributação

Liquidação de IVA

Montante liquidação de IVA

Liquidação de juros compensatórios

Montante liquidações juros compensatórios

 

h)    Em 13-11-2014, o C…, IP, enviou à Requerente a carta cuja cópia consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

O C…, l,P, é a Autoridade Competente nacional para os dispositivos médicos tendo como principal missão, neste âmbito, regular e supervisionar o sector dos dispositivos médicos, acautelando a sua conformidade com a legislação aplicável, segundo os mais elevados padrões de proteção da saúde pública e garantir o acesso dos profissionais da saúde e dos cidadãos a dispositivos médicos de qualidade, eficazes e seguros.

Pelo exposto, e após nossa análise das questões colocadas por V. Exa, é nosso parecer que as mesmas relacionam-se com assuntos tributários que não estão inseridos no âmbito de competências deste Instituto.

Apesar do acima referido e considerando a definição de dispositivo médico implantável, é nossa apreciação técnica que os dispositivos médicos: "implantes e componentes protésicos", mesmo colocados no mercado em separado e sendo dispositivos médicos individualizados, ao concorrerem para um mesmo fim, substituição de parte de um "órgão" do organismo humano, poderão ser enquadrados na mesma taxa de IVA que um dispositivo médico com o mesmo fim mas que se apresente no mercado conjuntamente como implante dentário + peças de ligação/pilares + prótese dentária/dente.

 

i)       Em 20-02-2013, a Ordem dos Médicos Dentistas emitiu a Informação que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Do enquadramento geral

Os dispositivos médicos são integrados por classes tendo era conta a vulnerabilidade do corpo humano e atendendo aos potenciais riscos decorrentes da conceção técnica e do fabrico, encontrando-se a sua disciplina jurídica positivada, entre outros, no Decreto-lei n2145/2Q09, de 17 de junho.

 De acordo com o preceituado na alínea t) do artigo 3 - do diploma referido, define-se por «Dispositivo médico»:

qualquer instrumento, aparelho, equipamento, software, material ou artigo utilizado isoladamente ou em combinação, incluindo o software destinado pelo seu fabricante a ser utilizado especificamente para fins de diagnóstico ou terapêuticos e que seja necessário para o bom funcionamento do dispositivo médico, cujo principal efeito pretendido no corpo humano não seja alcançado por meios farmacológicos, imunológicos ou metabólicos, embora a sua função possa ser apoiada por esses meios, destinado pelo fabricante a ser utilizado em seres humanos para fins de:

 

i) Diagnóstico, prevenção, controlo, tratamento ou atenuação de uma doença;

ii) Diagnóstico, controlo, tratamento, atenuação ou compensação de uma lesão ou de uma deficiência;

iii) Estudo, substituição ou alteração da anatomia ou de um processo fisiológico;

iv) Controlo da concepção;

 

Igualmente relevante para o correto enquadramento da regulação em Saúde Oral é a definição encontrada na alínea b) do artigo 3.º do referido diploma, elucidando que constitui «Acessório»:

o artigo que, embora não sendo um dispositivo, seja especificamente destinado pelo respetivo fabricante a ser utilizado em conjunto com um dispositivo, deforma a permitir a sua utilização de acordo com a utilização do dispositivo prevista pelo fabricante; (...)

A perceção do cabimento legal da figura do dispositivo médico no universo da Saúde Oral, melhor se alcança no que respeita à Medicina Dentária, através da caracterização do perfil funcional da atividade do Médico Dentista, enquanto profissão titulada.

Com efeito, define-se por Medicina Dentária o estudo, a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das anomalias e doenças dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas.

Resultando que, na sua atividade quotidiana, o Médico Dentista emprega vários dispositivos médicos que visam justamente atingir os propósitos que a lei lhe dedica especificamente executar, enquanto atos médicos sob reserva legal.

Na panóplia dos dispositivos médicos para efeitos de tratamento e reabilitação, o profissional dispõe de múltiplos recursos, de entre os quais a prótese dentária e o implante dentário se incluem.

De facto, a prótese dentária constitui um dispositivo médico feito por medida destinado a restabelecer a função mastigatória e estética dos dentes perdidos ou fraturados, desempenhando um papel fundamental na área da reabilitação oral.

Por outro lado, o implante dentário é um dispositivo médico para uso único ao qual são atribuídas as finalidades acima descritas apoiando a reabilitação oral, referentes à alínea t) do artigo 3º do Decreto-lei nº 45/2009, de 17 de junho, servindo de suporte à prótese dentári0, carecendo de elementos designados conectores – peças de ligação – também estes acessórios específicos e com finalidade médica.

Destarte e a título de exemplo que possa apelar à visualização do cenário global da ação médico-dentária:

— Ocorrendo uma dada reabilitação oral sobre (na aceção de "por cima de") um dado implante, tal resultará na necessidade de colocação de uma peça de ligação e de urna prótese, em períodos que podem ser temporalmente desencontrados.

E bem assim em caso de deterioração de um daqueles componentes que, ali existindo previamente, podem carecer de uma sua substituição sem que os restantes elementos sejam eliminados ou descartados.

Ainda numa outra dimensão, existem os designados micro implantes, também com indicação de utilização para correções ortodônticas, nas quais não cabe empregar quaisquer outros componentes dos acima descritos e cuja disciplina jurídico-normativa assenta na premissa da sua finalidade médica, subordinando-os de igual modo aos diferentes efeitos do princípio de r proteção de Saúde Pública.

Como tal, em todo o caso, estamos diante da realização de atos médico-dentários que carecem, por essa razão, de exame prévio, diagnóstico e planificação da terapêutica adequada ao caso em concreto do doente e consequentemente de prescrição/orientação do Médico Dentista sobre o(s) dispositivo(s) médico(s) recomendado(s) e seus respetivos atributos.

Constituindo passos seguintes fundamentais o conjunto dos procedimentos adequados à colocação do dispositivo na cavidade oral do doente.

Por sua vez, nesta matéria, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-lei nº 46/2012, de 24 de fevereiro, compete à C…I.P. assegurar a regulação e a supervisão das atividades de investigação, produção, distribuição, comercialização e utilização de dispositivos médicos.

Conforme estabelecido no n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-lei n.º 145/2009, de 17 de junho, o fabrico deste tipo de dispositivos obriga à comunicação e registo junto do C…I.P. devendo o respetivo fabricante elaborar a declaração de conformidade e manter documentação técnica, pelo período mínimo de cinco anos sobre a data de fabrico do dispositivo,

II

Da dinâmica da relação entre o Técnico de prótese dentária e o Médico Dentista

Vejamos agora o alcance da finalidade médica das próteses dentárias, pelo interesse da extensão do efeito jurídico que o seu enquadramento legal, a um tempo, provoca e confere.

Em verdade, sendo a prótese dentária um dispositivo médico feito à medida, esta é necessariamente elaborada em conformidade com os termos exatos da prescrição de um Médico Dentista, sob a responsabilidade da liberdade de diagnóstico e de terapêutica que assistem a este profissional.

A dita prescrição conterá, obrigatoriamente, a indicação das características específicas de conceção que vocacionam o dispositivo a ser, tal como deve, exclusivamente utilizado num doente em concreto.

Por sua vez, ao Técnico de prótese dentária — enquanto categoria profissional de Técnico de Diagnóstico e Terapêutica - compete, nos termos da lei, a realização de atividades no domínio do desenho, preparação, fabrico, modificação e reparação de próteses dentárias, mediante a utilização de produtos, técnicas e procedimentos adequados, em todo o caso, seguindo a prescrição médica.

Seguidamente, o Médico Dentista receciona o dispositivo médico, adapta-o e coloca-o na cavidade oral do doente.

Ora, porquanto cada prótese é elaborada de acordo com necessidades específicas do doente, atendendo ao seu concreto estado de saúde e às suas particulares necessidades de reabilitação oral, é facto que os vários componentes de cada prótese para além de serem determinados em função das ditas necessidades de reabilitação, igualmente são dotados de natureza instrumental em relação ao produto final (o dispositivo médico).

Ao Técnico de prótese dentária enquanto profissional legalmente habilitado com carteira profissional emitida nos termos do disposto no Decreto-lei n.º 320/99, de 11 de agosto pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS, I.P.] cabe:

-respeitar a prescrição médica e fabricar o dispositivo de acordo com as características de conceção específicas, cumprindo com os requisitos legais impostos, por forma a garantir a qualidade e segurança do dispositivo;

-elaborar a declaração de conformidade e manter a documentação técnica, pelo mínimo durante cinco anos a contar da data de fabrico do dispositivo, para efeitos de fiscalização por parte do C…;

-ceder o dispositivo fabricado ao Médico Dentista, devidamente acondicionado e rotulado, devendo aquele ser acompanhado da declaração de conformidade; e

-notificar e comunicar ao C… a sua identificação e disponibilizar a informação relativa aos dispositivos médicos feitas por medida que fabrica.

 

III

Do âmbito de ação

Por último, ainda no âmbito da reabilitação oral configura-se a hipótese da reabilitação sobre implantes.

Não assiste qualquer dúvida sobre o facto do diagnóstico, do planeamento e da colocação do implante caberem no âmbito exclusivo de ação do Médico Dentista diante do Técnico de prótese dentária.

Estando por completo arredadas a aquisição, a execução ou a intervenção do Técnico de prótese dentária sobre o dito implante na cavidade oral do doente; Indo de igual modo ao encontro do conteúdo funcional dos protésicos, que exclui sem margem para dúvida este tipo de ingerência destes Técnicos em atos médicos.

Todavia, na senda do acima exposto, a prescrição da prótese a realizar sobre o(s) implante(s) - ao pressupor necessário diagnóstico e orientações prévios do Médico Dentista — pode resultar em encomenda realizada pelo protésico de, tão-somente, peças acessórias ou instrumentais desconectadas no tempo de aquisição face aos restantes componentes que contribuem para o resultado final da reabilitação oral.

Consequentemente, cabe ao protésico acompanhar as necessidades de aquisição de material de reabilitação que lhe são instruídas pelo Médico Dentista, de forma a permitir a conexão do implante com a prótese, a realizar por este último num determinado doente, em razão do compromisso funcional de qualquer uma daquelas peças sempre que exista necessidade de as adquirir individualmente,

A Ordem dos Médicos Dentistas

 

j)      A Requerente, nos anos de 2011, 2012 e 2013, desenvolveu a sua actividade de comercialização de aparelhos médicos de ortodontia – implantes dentários e demais peças de ligação ou fixação de prótese dentária - utilizados na constituição de próteses, tendo procedido à liquidação de IVA à taxa reduzida;

k)   Em 16-07-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com a Resposta.

A prova por depoimento de parte corrobora os factos, designadamente quanto ao funcionamento dos implantes, nos termos em que são referidos no parecer da Ordem dos Médicos Dentistas que se transcreveu.

 

2.3. Factos não provados

 

A Requerente formula pedidos relativos a processo de execução fiscal instaurado para cobrança das quantias liquidadas e de indemnização por garantia prestada indevidamente, mas não consta do processo qualquer prova de que tenha sido instaurado qualquer processo de execução fiscal nem de que tenha sido prestada qualquer garantia.

Por isso, não se dá como provado que tenha sido instaurado processo de execução fiscal nem que tenha sido prestada garantia.

 

3. Matéria de direito

 

A questão que é objecto do presente processo é a de saber qual a taxa de IVA aplicável a material utilizado em próteses dentárias.

A Lista I anexa ao IVA inclui entre os bens e serviços sujeitos a taxa reduzida, a seguinte verba:

«2.6 - Aparelhos ortopédicos, cintas médico-cirúrgicas e meias medicinais, cadeiras de rodas e veículos semelhantes, accionados manualmente ou por motor, para deficientes, aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano ou a tratamento de fracturas e as lentes para correcção de vista, bem como calçado ortopédico, desde que prescrito por receita médica, nos termos a regulamentar pelo Governo no prazo de 30 dias».

 

A questão de legalidade que é colocada relativamente às liquidações de IVA referentes aos anos de 2011 a 2013, é a de saber se a taxa reduzida prevista nesta verba 2.6. da Lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) só é aplicável, quanto a implantes dentários, quando se transaccionem implantes completos ou se essa taxa é aplicável também às transacções dos componentes dos implantes (coroa, implante e pilares) quando são objecto de transacções em separado.

Esta questão foi proficientemente apreciada no acórdão do CAAD proferido no processo arbitral n.º 429/2014-T, de que foi Relatora, quanto à questão em apreço, a Senhora Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma, pelo que, não havendo argumentos novos a ponderar, se adopta a posição aí assumida:

 

«(...) A interpretação das normas fiscais

 

Como é sabido, o artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), prescreve que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. Ora, o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil é claro quando determina que a interpretação não deve apenas cingir-se à letra da lei (elemento literal ou gramatical), mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (ratio legis), tendo em conta a unidade do sistema (elemento sistemático), as circunstâncias em que a lei foi elaborada (elemento teleológico) e as condições específicas do tempo em que é aplicada (elemento histórico).

O primeiro factor hermenêutico a que o intérprete pode lançar mão para alcançar o verdadeiro sentido e âmbito de aplicação dos textos legais é, pois, o que corresponde ao elemento literal ou gramatical.

Quanto ao elemento sistemático, determina a interpretação da norma de forma integrada considerando as demais disposições que formam o complexo normativo em que se integra a norma interpretanda.

No tocante ao elemento teleológico, “Consiste este elemento na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma. O conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.,) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma.

Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela opção que a norma exprime”.

Por último, de acordo com o elemento histórico há que apurar quanto ao contexto histórico da elaboração da norma.

A interpretação do normativo em causa deverá, pois, atender a estes elementos de interpretação.

 

(...) O princípio da neutralidade do IVA

 

Como é sabido, o IVA é um imposto indirecto de matriz comunitária, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo (imposto geral sobre o consumo), sendo-lhe apontada como característica principal a respectiva neutralidade.

É habitual distinguir-se a neutralidade dos impostos de transacções relativamente aos efeitos sobre o consumo e sobre a produção. Existirá neutralidade relativamente ao consumo, quando o imposto não influi nas escolhas dos diversos bens ou serviços por parte dos consumidores. Um imposto será neutro na perspectiva da produção, se não induz os produtores a alterações na forma de organização do seu processo produtivo.

Conforme nota Xavier de Basto, “A neutralidade relativamente ao consumo depende exclusivamente do grau de cobertura objectiva do imposto e da estrutura das taxas, estando fora de questão delinear um imposto de consumo totalmente neutro. Sempre terão de ser concedidas algumas isenções (.....) e, provavelmente, existirão diferenciações na taxa aplicável às diferentes transacções de bens e prestações de serviços”.

Em termos gerais, de acordo com o princípio da neutralidade, a tributação não deverá interferir nas decisões económicas nem na formação dos preços, implicando a extensão do âmbito de aplicação deste imposto a todas as fases da produção e da distribuição e ao sector das prestações de serviços.

Como salienta Teresa Lemos, a neutralidade pode ser encarada sob vários aspectos: neutralidade em relação aos circuitos de produção – a carga fiscal não depende da maior ou menor integração dos circuitos económicos, neutralidade face à incidência do imposto sobre os diferentes produtos e sectores, na medida em que a taxa seja uniforme, neutralidade no que se reporta à escolha dos factores de produção-capital e trabalho, e neutralidade face às preferências dos consumidores – igualdade de tributação dos diferentes produtos.

O princípio da neutralidade encontra-se vertido nas Directivas IVA, sendo sistematicamente invocado pela Comissão para se opor às legislações nacionais tidas por incompatíveis com as regras do Direito da União Europeia, bem como pelas administrações fiscais e pelos contribuintes dos diversos Estados membros, tendo sido, inúmeras vezes, aplicado pelo TJUE.

A aplicação do princípio da neutralidade deverá ser tida em consideração nas fases essenciais da vida deste tributo, como as regras de incidência objectiva e subjectiva, a localização, as isenções e o exercício do direito à dedução. Poderemos afirmar que este tem sido o princípio mais invocado pelo Tribunal para fundamentar os seus arestos, aparecendo-nos muitas vezes aliado ao princípio da igualdade de tratamento, da uniformidade e da eliminação das distorções de concorrência.

Assim, o TJUE tem-se preocupado, nomeadamente, quanto à concretização dos objectivos do sistema comum, em garantir a neutralidade da carga fiscal de todas as actividades económicas, sejam quais forem os seus objectivos ou resultados (que, como salienta, se consegue através do mecanismo das deduções que liberta o empresário da carga do IVA que pagou nas suas aquisições), em assegurar aos agentes económicos uma igualdade de tratamento, conseguir uma definição uniforme de determinados elementos do imposto e garantir a segurança jurídica e facilitar as actuações tendentes à sua aplicação.

Desde logo, o TJUE procurou retirar as devidas consequências da igualdade de tratamento em IVA de actividades similares e da ausência do impacto da extensão das cadeias de produção e de distribuição no montante do imposto recebido pelas administrações fiscais.

É à luz deste princípio basilar que o imposto deverá ser interpretado e aplicado, de forma a se assegurar um sistema uniforme que garanta uma sã concorrência no espaço da União Europeia.

 

(...) A aplicação das taxas reduzidas do IVA

 

(...) As regras da Directiva IVA

 

De acordo com as regras da Directiva n.º 2006/112/CE, de 28 de Novembro, à qual passamos a chamar Directiva IVA ou DIVA, as operações tributáveis estão sujeitas ao imposto às taxas e condições do Estado membro em que se localizam. A taxa normal do IVA é fixada, nos termos do disposto nos artigos 96.º e 97.º da DIVA, numa percentagem do valor tributável que não pode ser inferior a 15% até 31 de Dezembro de 2015.

De acordo com o disposto no artigo 98.º da DIVA, os Estados membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas a uma percentagem que não pode ser inferior a 5%. As taxas reduzidas podem apenas ser aplicadas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do anexo III da Directiva IVA, ex. Anexo H da Sexta Directiva (com a última redacção que lhe foi dada pela Directiva 2009/47/CE). Por sua vez, em conformidade com o previsto no n.º 3 do artigo 98.º, “Ao aplicarem as taxas reduzidas previstas no n.º 1 às categorias relativas a bens, os Estados-Membros podem utilizar a Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria” (a ênfase é nossa). Ou seja, a utilização da Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria é uma mera possibilidade que, enquanto tal, pode ou não vir a ser utilizada para o efeito pelos Estados membros.

A determinação e a definição das operações que podem beneficiar de uma taxa reduzida ao abrigo destas disposições da Directiva IVA são da competência dos Estados membros.  

Foi com a Directiva 92/77/CEE, do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, que se procedeu à harmonização comunitária das taxas de IVA, tendo em vista a entrada em funcionamento do mercado interno, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2003. Até essa data, cada Estado membro dispunha de plena autonomia para fixar o número de taxas e o seu nível.

Como referimos, o Anexo III da Directiva IVA contém o elenco das transmissões de bens e prestações de serviços a que se podem aplicar as taxas reduzidas previstas no artigo 98.º, e contempla, no respectivo ponto 4, para os efeitos que ora nos interessam, as seguintes realidades: “Equipamento médico, material auxiliar e outros aparelhos normalmente utilizados para aliviar ou tratar deficiências, para uso pessoal exclusivo dos deficientes, incluindo a respectiva reparação, bem como assentos de automóvel para crianças”.

Esta redacção é similar à do anterior Anexo H da Sexta Directiva aditado pela aludida Directiva 92/77/CEE (entretanto revogada), que abrangia as seguintes operações: “Equipamento médico e outros aparelhos, normalmente utilizados para aliviar ou tratar deficiências, para uso pessoal exclusivo dos deficientes, incluindo a respectiva reparação e assentos de automóvel para crianças”, sendo a principal diferença o alargamento posterior do seu escopo que passou a conter “material auxiliar”.

Resulta do exposto que a possibilidade de aplicação de uma taxa reduzida do imposto é apenas isso mesmo: uma faculdade que os Estados membros poderão ou não utilizar. Todavia, caso façam utilização de tal possibilidade deverão fazê-lo de acordo com as normas do Direito da UE. Por outro lado, interessa salientar que os diferentes bens e serviços aos quais os Estados membros podem aplicar taxas reduzidas do imposto circunscrevem-se a situações pontuais, resultantes de uma posição consensual entre si, em que se reconhece serem bens ou serviços cujo carácter social, educativo, ou cultural os leva a considerar como de primeira necessidade, como é o caso, para os efeitos que ora nos ocupam, da saúde.

De salientar que nos seus considerandos a Directiva IVA refere que, “um sistema de IVA atinge o maior grau de simplicidade e de neutralidade se o imposto for cobrado da forma mais geral possível” (considerando 5) e que “deverá, ainda que as taxas e isenções não sejam completamente harmonizadas, conduzir a uma neutralidade concorrencial, no sentido de que, no território de cada Estado-Membro, os bens e os serviços do mesmo tipo estejam sujeitos à mesma carga fiscal, independentemente da extensão do circuito de produção e de distribuição” (considerando 7).

 

(...) As regras do CIVA

 

O Código do IVA prevê no n.º 1 do seu artigo 18.º as seguintes taxas de imposto:

“a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6 %;

b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista II anexa a este diploma, a taxa de 13 %;

c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 23%.”

 

Relativamente à aplicabilidade das taxas, de acordo com o disposto no artigo 18.º do CIVA, a taxa normal do IVA aplica-se sempre que ao bem ou serviço em causa não couber uma das duas taxas reduzidas previstas nas Listas I e II anexas ao Código.

Caso se esteja em presença de agrupamentos de várias mercadorias formando um produto comercial distinto, dever-se-á ter em consideração que, quando não sofram alterações de natureza nem percam a sua individualidade, aplica-se a taxa que lhe corresponder, ou, se couberem taxas diferentes, a mais elevada (artigo 18.º, n.º 4, do CIVA).

Na situação em análise está em causa a verba 2.6. da Lista I, que representa a transposição ao nível do direito interno do referido ponto 4 do Anexo III da DIVA, nos termos da qual se determina a aplicação da taxa reduzida do IVA aos seguintes bens: “2.6. Aparelhos ortopédicos, cintas médico-cirúrgicas e meias medicinais, cadeiras de rodas e veículos semelhantes, accionados manualmente ou por motor, para deficientes, aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano ou a tratamento de fracturas e as lentes para correcção de vista, bem como calçado ortopédico, desde que prescrito por receita médica, nos termos a regulamentar pelo Governo no prazo de 30 dias.” (a ênfase é nossa).

Como é sabido, a taxa geral do imposto só se aplica caso não haja lugar à aplicação de taxas reduzidas. Por outro lado, para efeitos de aplicação da taxa do imposto importa aferir se estamos perante uma única operação ou perante operações principais e acessórias.

Com efeito, quando uma operação compreende várias transmissões de bens e/ou prestações de serviços, suscita-se a questão de saber se deve ser considerada como uma operação única ou como várias prestações distintas e independentes que devem ser apreciadas separadamente.

Esta questão reveste especial importância, na perspectiva do IVA, designadamente para efeitos da aplicação da taxa do imposto e das disposições relativas às isenções.

 

(...) A jurisprudência do TJUE

 

A jurisprudência comunitária sobre a aplicação das taxas reduzidas do IVA não é muito abundante. Todavia, podemos destacar algumas ideias fundamentais que a norteiam, afigurando-se-nos suficientemente elucidativas para o efeito.

Em conformidade com o entendimento do TJUE, o princípio da neutralidade fiscal inclui igualmente dois outros princípios frequentemente invocados pela Comissão: o da uniformidade do IVA e da eliminação das distorções da concorrência.

O TJUE tem vindo a salientar que o princípio da neutralidade fiscal implica que todas as actividades económicas devam ser tratadas da mesma maneira. O mesmo sucede quanto aos operadores económicos que efectuem as mesmas operações.

Prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, não devem ser tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA.

Como nota a Advogada Geral Juliane Kokott nas suas conclusões apresentadas no Caso TNT, o princípio da neutralidade fiscal opõe-se a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado (n.º 43). Neste contexto, nota que “O princípio da neutralidade fiscal, que está na base do sistema comum do imposto e deve ser tido em conta na interpretação das normas de isenção, não permite que operadores económicos que efectuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado. (...) Nele se inclui o princípio da eliminação das distorções da concorrência resultantes de um tratamento diferenciado do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado (...) ” (n.º 59).

O TJUE já esclareceu igualmente que a delimitação dos bens e dos serviços que podem beneficiar de taxas reduzidas deve ser efectuada em função de características objectivas. Assim, no seu Acórdão de 23 de Outubro de 2003, Caso Comissão contra a Alemanha, o TJUE veio reforçar o carácter objectivo das situações em que se permite a aplicação das taxas reduzidas de IVA, concluindo que, tratando-se de bens ou serviços similares e que estejam em concorrência entre si, não é admissível que sejam tratados de forma discriminatória.

Isto é, em conformidade com a jurisprudência do TJUE, a instituição e a manutenção de taxas de IVA distintas para bens ou serviços semelhantes só são admissíveis se não violarem o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA, no respeito do qual os Estados membros devem transpor as regras comunitárias.

Tal como o TJUE faz questão de salientar, resulta das regras comunitárias que a determinação e a definição das operações que podem beneficiar de uma taxa reduzida são da competência dos Estados membros. Como a Comissão tem vindo a salientar nos seus relatórios sobre as taxas reduzidas, um dos maiores problemas da aplicação das taxas consiste precisamente no carácter facultativo de tal aplicação e na inexistência de definições comuns para as categorias de bens e ou serviços abrangidos.

Todavia, apesar disso, no exercício desta competência os Estados membros devem respeitar o princípio da neutralidade fiscal. Ora, como vimos, este princípio opõe-se, nomeadamente, a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA, de modo que os referidos produtos devem ser submetidos a uma taxa uniforme.

Uma vez que a taxa reduzida é a excepção, o facto de se limitar a sua aplicação a aspectos concretos e específicos, é coerente com o princípio segundo o qual as isenções ou derrogações devem ser interpretadas em termos estritos, desde que não se viole o princípio da neutralidade do imposto.

Com efeito, a aplicação de uma ou de duas taxas reduzidas é uma possibilidade reconhecida aos Estados membros por derrogação do princípio segundo o qual é aplicável a taxa normal. Ora, resulta de jurisprudência assente que as disposições que têm o carácter de derrogação de um princípio devem ser objecto de interpretação estrita, não deixando, porém, de garantir que a derrogação não fique sem efeito útil.

Os Estados membros não poderão, designadamente, interpretar os conceitos utilizados no Anexo III da Directiva de forma selectiva de modo a que, sem atender a critérios objectivos, se conceda diferente tratamento a idênticas realidades. Com efeito, sendo certo que a determinação das operações sujeitas a taxa reduzida do IVA compete aos Estados membros, não existindo definições abstractas a este propósito na legislação comunitária, impõe-se que seja respeitado o princípio da neutralidade. Assim, será contrária aos princípios do Direito da UE uma tributação a taxas reduzidas do imposto que, sendo selectiva, viole as características fundamentais da neutralidade fiscal, objectividade e taxa de tributação uniforme, não permitindo que sejam instituídos subgrupos no interior de uma actividade tributável, com o intuito de lhes aplicar diferentes taxas de tributação, não existindo qualquer razão objectiva que justifique tal diferença de tratamento.

Em especial, o princípio da objectividade exige a aplicação de uma só e mesma regra a operações tributáveis da mesma natureza, existindo uma presunção de semelhança quando as operações em causa correspondem a diversas variantes de uma só e mesma operação tributável incluída numa das categorias do Anexo III da Directiva IVA.

Importa ainda notar neste contexto que a questão das prestações compostas versus prestações independentes foi objecto de apreciação do TJUE em alguns arestos.

A este respeito, decorre do artigo 2.º da Directiva IVA que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente.

Todavia, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, susceptíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes.

Tal sucede, por exemplo, quando, no termo de uma análise ainda que meramente objectiva, se verifica que uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e que a ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias que partilham do destino fiscal da prestação principal.

Neste contexto, é jurisprudência firmada pelo TJUE que “…se está perante uma prestação única designadamente no caso em que um ou vários elementos devem ser considerados a prestação principal, ao passo que, inversamente, um ou vários elementos devem ser considerados prestações acessórias que partilham do mesmo tratamento fiscal da prestação principal. Uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador”.

Pode igualmente considerar-se que se está em presença de uma única operação quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única operação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial.

Assim, o TJUE salienta que “… quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de actos, devem tomar-se em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para se determinar, por um lado, se se está na presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única, e, por outro, se, neste último caso, esta prestação única deve ser qualificada de prestação de serviços”; e que “O mesmo se passa [ou seja, está-se na presença de uma prestação única] quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor … estão tão estreitamente conexionados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial”.

Mas a posição do TJUE sobre a questão do fraccionamento da prestação principal em vários elementos não fica por aqui, tendo continuado, ao longo dos anos, a ser objecto de pedidos de decisão prejudicial, designadamente no âmbito do Caso Part Service.

Com efeito, foi entendimento do TJUE no referido processo que

“51…decorre do artigo 2º da Sexta Directiva que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente.

52. Todavia, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, susceptíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes.

53. Tal sucede, por exemplo, quando, no termo de uma análise ainda que meramente objectiva, se verifica que uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e que a ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias que partilham do destino fiscal da prestação principal (…)” .

Ora, em face da jurisprudência do TJUE vinda de enunciar e que, ao longo dos anos, tem vindo a ser firmada, existindo prestações principais e acessórias, economicamente indissociáveis, será de aplicar um regime de IVA único, correspondente ao da prestação principal, nomeadamente para efeitos de aplicação das taxas do imposto.

Assim sucedeu no Caso Comissão/França, em que esteve em análise a aplicação da taxa reduzida do IVA à electricidade, concretamente à subscrição de electricidade.

Para a Comissão, caso se considerasse que a subscrição era um fornecimento, a aplicação de uma taxa reduzida do IVA à subscrição dos serviços das redes de energia e de uma taxa normal a qualquer outro fornecimento de energia violaria o princípio da neutralidade inerente à Sexta Directiva. Com efeito, de acordo com o seu entendimento, ainda que se tratasse de um fornecimento, deveria aplicar-se a mesma taxa à subscrição e a qualquer outro consumo de electricidade, de acordo com o princípio da neutralidade.

De acordo com as conclusões do Advogado-Geral Siegbert Alber apresentadas em 10 de Outubro de 2002, a subscrição só podia ser considerada uma prestação autónoma caso se tratasse de uma prestação que se devesse distinguir do efectivo fornecimento de gás natural e de electricidade.

O TJUE, no tocante à acusação suscitada a título subsidiário relativa à violação do princípio da uniformidade da taxa de imposto, veio invocar o seguinte:

“ 88.

O princípio da neutralidade fiscal seria violado se a legislação fiscal francesa fosse de molde a que prestações iguais, que se encontram numa relação de concorrência, fossem tratadas de forma diferente em sede de imposto sobre o valor acrescentado.

89.

Tal como já se expôs, a subscrição e o fornecimento de gás natural e/ou de electricidade consubstanciam, para a grande maioria dos consumidores finais, uma prestação integrada que abrange a prestação de serviços e o fornecimento de bens (27), e não prestações distintas. É apenas o preço da prestação que é dividido em duas partes, que são o montante da subscrição e o valor variável a pagar em função da quantidade do consumo.

(…)

92.

Para além disso, este regime fiscal pode atentar contra o princípio da neutralidade fiscal. Com efeito, aplicam-se a prestações iguais taxas de imposto diferentes.”

 

É pois neste contexto que o TJUE decidiu a favor da República francesa.

O mesmo raciocínio foi adoptado pelo TJUE no seu Acórdão de 3 de Abril de 2008, Caso Finanzamt Oschatz, tendo-se concluído que um ramal de ligação não era distinto da distribuição de água, devendo ser-lhe aplicada a mesma taxa reduzida de IVA da electricidade. Como se salientou,

“40. Embora a Sexta Directiva não contenha a definição de distribuição/abastecimento de água, também não resulta das suas disposições que este conceito deva ser objecto de interpretações diferentes consoante o anexo em que vem mencionado. Sendo o ramal de ligação individual indispensável para a colocação da água à disposição ao público, como resulta do n.º 34 do presente acórdão, deve considerar-se que está abrangido igualmente pelo conceito de abastecimento de água mencionado na categoria 2 do anexo H da Sexta Directiva.”

Ainda no mesmo sentido, cite-se o Acórdão do TJUE de 10 de Março de 2011, Proc.s apensos C 497/09, C 499/09, C 501/09 e C 502/09, onde esteve em causa o alcance da expressão «produtos alimentares» que figurava no seu anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva, novamente para efeitos de aplicação da taxa reduzida do IVA. Como o Tribunal começou por salientar haveria que aferir “… se, do ponto de vista do IVA, as diversas actividades em causa em cada um dos processos principais devem ser tratadas como operações distintas tributáveis separadamente ou como operações complexas únicas compostas de vários elementos” (n. 51).

Salientou ainda que, “Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de actos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para determinar, por um lado, se se está em presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única e, por outro, se, neste último caso, esta prestação única deve ser qualificada de entrega de bens ou de prestação de serviços”(n. 52).

(...)

(...)

 

Aplicação ao caso concreto

(...)

Importa salientar que o sentido e alcance da taxa reduzida aplicada neste domínio deverá ter consideração as boas regras da hermenêutica, tendo em conta não só o elemento gramatical, como o respectivo contexto, razão de ser e finalidades prosseguidas pela verba 2.6, devendo resultar numa interpretação declarativa (...).

Ora, desde logo, a letra do preceito parece indicar que os implantes dentários se enquadram na referida lista, estando nós perante material de prótese destinado a substituir um órgão do corpo humano, no caso, o aparelho dentário.

Com efeito, nada na letra da lei nos leva a restringir a sua aplicação às situações de transmissões de “bens completos” de implante, na acepção que a AT pretende veicular.

Acresce que resulta dos factos dados como provados que tal conceito não existe enquanto tal, existindo sim implantes constituídos pelas três peças de que ora tratamos – coroa, implante e pilar, que, de acordo com a técnica cirúrgica, são introduzidas por fases na boca do paciente, dando então origem, no seu conjunto, a um implante. Na realidade, estas três peças são incindíveis e inutilizáveis salvo para a composição de um implante enquanto prótese composta.

Não existindo tais “bens completos” de implante, na acepção que a AT pretende veicular, o entendimento da Administração Fiscal acaba por negar o benefício da taxa reduzida a este tipo de próteses, pondo assim em causa, sem um motivo racional atendível, a ratio legis que presidiu ao acolhimento desta verba nos termos em que se encontra redigida – a protecção da saúde pública. Com efeito, a acolher-se tal entendimento introduzir-se-ia um tratamento discriminatório arbitrário entre as diferentes próteses dentárias. Por um lado, as próteses compostas por uma única peça beneficiariam da taxa reduzida de 6%, por outro lado, as próteses “compostas” seriam tributadas à taxa normal. Tal facto é discriminatório, atentando, desde logo, nomeadamente, contra o disposto nos artigos 5.º, n.º 2 e 7.º, n.º 3 da LGT. Com efeito, de acordo com o previsto no primeiro normativo, de epígrafe, “Fins da tributação”, a tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material. Por sua vez, de acordo com o disposto no artigo 7.º, n.º3, “A tributação não discrimina qualquer profissão ou actividade nem prejudica a prática de actos legítimos de carácter pessoal, sem prejuízo dos agravamentos ou benefícios excepcionais determinados por finalidades económicas, sociais, ambientais ou outras”.

Mas estaríamos essencialmente perante uma intolerável ofensa ao princípio da neutralidade que rege este imposto ao nível do Direito da União Europeia, tratando-se bens iguais de forma distinta sem qualquer motivo racional atendível, facto que viola as regras que regem este imposto bem como toda a jurisprudência do TJUE a que aludimos.

Como é sabido, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT, sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei. Por sua vez, no n.º 3 do referido normativo determina-se que, persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários. Ora, o que o legislador comunitário, a Comissão europeia e a jurisprudência do TJUE determinam é que, na utilização dos conceitos empregues para efeitos de aplicação das taxas reduzidas, os Estados membros deverão atender aos efeitos económicos em causa de forma a não se pôr em causa o princípio essencial da neutralidade do imposto.

Ou seja, a acolher-se o entendimento veiculado pela AT no caso concreto teríamos uma diferença de tratamento para realidades idênticas resultantes não da Directiva IVA mas sim de uma deficiente aplicação da mesma por parte da Administração Fiscal.

É certo que as normas de derrogação, como é o caso da norma que possibilita aos Estados membros a aplicação de taxas reduzidas do imposto, devem ser aplicadas restritivamente, mas não devemos confundir tal facto com uma aplicação selectiva, realidade completamente distinta que põe em causa as mais básicas características do imposto.

Neste contexto, importa ainda salientar que a invocação, por parte da AT, do argumento da Nomenclatura Combinada não procede, porquanto esta Nomenclatura foi criada para efeitos estatísticos e de aplicação da pauta aduaneira comum e não tem qualquer relevo em matéria de classificação de bens e serviços para efeitos de IVA em Portugal.

O único caso em que no CIVA se recorre à Nomenclatura Combinada para definir o alcance do regime tributário dos bens vem previsto no respectivo artigo 14.º, n.º 1, alínea i), para efeitos de determinação do regime de isenção (completa ou taxa zero), de acordo com o qual são isentas as “transmissões de bens de abastecimento postos a bordo das embarcações de guerra classificadas pelo código 8906 00 10 da Nomenclatura Combinada, quando deixem o país com destino a um porto ou ancoradouro situado no estrangeiro”, dispositivo este não aplicável na situação em apreço.

Sendo certo que, de acordo com o estatuído no artigo 98.º, n.º 3, da DIVA, os Estados membros podem utilizar a Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria sujeita à taxa reduzida, igualmente certo é que o legislador português não acolheu esta opção.

Ou seja, para efeitos de IVA é irrelevante a classificação que os implantes, as coroas e os pilares mereçam na Nomenclatura Combinada.

 Ora, neste contexto, importa uma vez mais salientar que, como ficou provado, as três “peças” ora em apreço – implante, coroa e pilar – não podem ser utilizados separadamente, sendo especialmente concebidos e fabricados para a produção de uma peça que se designa por implante. Com efeito, contrariamente ao que a AT alega, não existe a peça única implante no sentido fáctico que lhe quer conceder, mas apenas o implante constituído, enquanto tal, por implante, coroa e pilar, peças incindíveis tendo em vista esta realidade.

É por demais evidente que o facto de tais peças serem comercializadas separadamente, tal como no caso citado, o simples facto de ocorrer facturação segregada (com códigos separados) ou autónoma (em facturas separadas) não pode afectar o enquadramento e qualificação para efeitos de IVA, fazendo-se prevalecer a forma sobre a substância.

Na realidade, o que está em causa nos presentes autos e ficou provado subsume-se na previsão legal da verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA, consubstanciando-se como um “… aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano”.

E, volte-se a salientar, a ratio legis que leva o legislador a acolher a aplicação da taxa reduzida do IVA em tais situações – a protecção da saúde – é exactamente a mesma que nos leva a esta interpretação.

De notar, por último que, da jurisprudência vinda de citar, ainda que supostamente existissem, tal como a AT pretende, “bens completos” de implante, na acepção que pretende veicular, sempre teríamos que reconhecer que a coroa, o pilar e o implante se configurariam como uma peça única ou, em último caso, ainda que erroneamente assim não se entendesse, como peças acessórias, e como tal, deveriam ser tributadas à taxa reduzida, seguindo o tratamento da operação principal.

Isto é: quer apenas por recurso às regras comunitárias quer por aplicação simples das boas regras da hermenêutica, o resultado é o mesmo – só poderá concluir-se que na verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA se incluem quer os implantes constituídos por uma peça única quer os implantes compostos.

Com efeito, todos os elementos de interpretação das normas fiscais convocáveis para o efeito, bem como as características do IVA e a interpretação que das mesmas o TJUE tem vindo a fazer, nos levam a concluir que, no caso presente, se deverá aplicar a taxa reduzida do IVA prevista na verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA à transmissão dos implantes, coroas e pilares ora sob análise, termos em que se dá razão à Requerente».

 

Pelo que se referiu, é de concluir que as liquidações de IVA impugnadas enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação desta verba 2.6 da Lista I ao CIVA.

As liquidações de juros compensatórios enfermam do mesmo vício de violação de lei, já que têm como pressupostos as correspondentes liquidações de IVA.

 

4. Indemnização por garantia indevida e extinção de processo de execução fiscal

 

A Requerente pede que lhe seja reconhecido direito a indemnização por garantia indevida e que seja determinada a extinção de autos de execução fiscal instaurados para cobrança das liquidações impugnadas.

O processo arbitral é meio adequado para o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, pois é aplicável subsidiariamente o artigo 171.º do CPPT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1,alínea c), do RJAT.

Porém, o que se estabelece naquele artigo 171.º é que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda».

Por isso, só quando garantia é «prestada» é que poderá ser reconhecido o direito à indemnização, podendo essa prestação ocorrer na própria pendência do processo, situação em que constituirá facto superveniente, invocável nos termos do n.º 2 do artigo 171.º do CPPT.

Aliás, é essa a solução que se compagina com o papel dos tribunais, como serviço de justiça, pois a sua função é resolver litígios concretos existentes e não meramente hipotéticos ou abstractos. Por isso, se for pedido o reconhecimento do direito a indemnização antes da prestação da garantia, o pedido deverá improceder, sem prejuízo de poder ser formulado esse pedido na pendência do processo, se a prestação da garantia entretanto ocorrer, pois, neste caso, estar-se-á perante um fundamento superveniente, invocável no prazo de 30 dias previsto no n.º 2 do artigo 171.º do CPPT.

No caso dos autos, não se provou que a Requerente tivesse prestado garantia, nem que tenha sido instaurado qualquer processo de execução fiscal para cobrança das quantias liquidadas.

Assim, tem de ser julgado improcedente o pedido de reconhecimento do direito a indemnização, sem prejuízo de esse direito poder vir a ser reconhecido inclusivamente em execução de julgado, caso tal prestação tenha ocorrido.

Pela mesma razão improcede o pedido de que se decida a extinção de execução, sem prejuízo dos deveres que para Autoridade Tributária e Aduaneira resultam de dar execução ao presente acórdão.

 

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)    Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade das seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:

 

Período de tributação

Liquidação de IVA

Montante liquidação de IVA

Liquidação de juros compensatórios

Montante liquidações juros compensatórios

 

 

Período de tributação

Liquidação de IVA

Montante liquidação de IVA

Liquidação de juros compensatórios

Montante liquidações juros compensatórios

 

b)     Anular as liquidações referidas;

c)    Julgar improcedente o pedido de reconhecimento de direito a indemnização por garantia indevida, sem prejuízo de tal direito poder vir a ser reconhecido em execução de julgado;

d)    Julgar improcedente o pedido de extinção de execução fiscal alegadamente instaurada para cobrança das quantias liquidadas dos deveres que para Autoridade Tributária e Aduaneira resultam de dar execução ao presente acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 1.400.784,46.

 

7. Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT fixa-se o montante das custas em € 18.972,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 12-01-2016

 

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

(Joaquim Silvério Dias Mateus)

 

 

(Luís Alberto Ferreira Alves)