DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A…, Lda, com o número de pessoa coletiva…, com sede em Rua…, Edifício…, n.º…, … andar, escritório…, em ..., doravante designado por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) pedido de pronúncia arbitral com vista à anulação da liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado, n.º…, referente ao período 1011 – Novembro de 2010 - que fixou um imposto pagar de € 4.813,45 e do ato de liquidação n.º…, que fixou juros compensatórios a pagar de € 734,81.
A Requerente fundamenta a ilegalidade da liquidação de IVA e consequente anulação dos ato tributário, assente nos seguintes vícios:
A) Falta de fundamentação da liquidação;
B) Inexistência do facto tributário, pelas razões melhor expostas no seu pedido de pronúncia arbitral, as quais se dão aqui por reproduzidas, entendendo, em termos sintéticos, que os subsídios a que se refere o relatório inspetivo da AT não consubstanciam qualquer subsídio ao preço, enquadrável no artigo 16º, n.º 5, al. c) do CIVA, razão pela qual a liquidação de imposto não tem sustentação legal;
A Autoridade Tributária, por seu turno, defendeu inexistir qualquer ilegalidade do ato tributário, na medida em que os subsídios recebidos pela Requerente no âmbito do programa POPH são atribuídos com referência ao volume de serviços formativos prestados, razão pela qual estaria a Requerente obrigada a proceder à liquidação, de IVA sobre esses subsídios, por aplicação da al. c) do n.º 5 do artigo 16º do Código do IVA.
Igualmente rejeita o pedido de procedência do pedido de pronúncia arbitral formulado com fundamento na alegada falta de fundamentação da liquidação, concluindo que a mesma é clara, congruente e suficiente.
O árbitro único foi designado e nomeado em 27.07.2015.
Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 07.09.2015.
Agendada reunião arbitral, igualmente com a finalidade de inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente e de produção de alegações, em face da não comparência quer da Requerente, quer do seu mandatário e bem assim das testemunhas arroladas, procedeu a AT à formulação de alegações orais, nas quais se reiterou e deu por reproduzido o posicionamento anteriormente vertido através da Resposta.
2. Saneamento
O tribunal arbitral singular é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não padece de qualquer nulidade, não existem exceções que obstem à apreciação do mérito da causa, o pedido é tempestivo, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.
3. Matéria de facto
3. 1. Factos provados:
Analisada a prova documental produzida e o posicionamento das partes, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
1. Por ofício de 10.11.2014, a Direção de Finanças de … procedeu à notificação da Requerente do teor do Relatório de Inspeção levado a efeito em sede de IVA e IRS, relativamente ao ano/períodos de 2010, o qual teve por base a Ordem de Serviço n.º 2014… .
2. A Requerente foi notificada do ato de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado, n.º…, referente ao período 1011 – Novembro de 2010 - que fixou um imposto pagar de € 4.813,45 e do ato de liquidação n.º…, que fixou juros compensatórios a pagar de € 734,81.
3. A Requerente encontrava-se inscrita para o período fiscal de 2010, no regime geral de tributação de IRC, e em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal.
4. A requerente encontra-se inscrita para efeitos fiscais com a atividade principal de "Outras atividade consultoria para negócios e a gestão" e com a atividade secundária de "Formação Profissional", tendo renunciado à isenção de IVA para esta ultima atividade.
5. A Requerente é entidade acreditada no domínio da formação desde 06/08/2008, pela Direção Geral do Emprego e das Relações do Trabalho (DGERT), nos termos do decreto de lei n.º 210/2007 de 29 de Maio.
6. A Requerente auferiu do Fundo Social Europeu (FSE), no âmbito do Decreto Regulamentar 84-A/2007, de 10 de Dezembro e do Despacho n.º …/008, subvenção no âmbito do Programa Operacional Potencial Humano (POPH), "Cursos de Educação Formação de Adultos" (EFA) - …-POPH …2010 (…– POPH …/2010), no valor de € 27.734.62 no mês de Novembro de 2010.
7. Em 28.05.2015 foi apresentado, via plataforma informática, o pedido de pronúncia e de constituição de tribunal arbitral pela Requerente.
8. A Requerente procedeu ao pagamento da taxa de justiça inicial;
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
3.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos e o posicionamento tomado por cada uma das partes.
3.3. Factos não provados
A matéria dada como provada revela-se suficiente para apreciação das questões erigidas nestes autos, as quais se reconduzem a questões de direito, inexistindo factos não provados relevantes para a solução do presente litígio.
4. Matéria de direito:
4.1.Objeto e âmbito do presente processo
O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IVA e de juros compensatórios, notificados à Requerente e tem por causa de pedir a falta de fundamentação da liquidação de tais atos tributários e a ilegalidade da interpretação perfilhada pela Autoridade Tributária, segundo a qual os subsídios recebidos pela Requerente em Novembro de 2010 se enquadrariam no âmbito da al.c) do n.º 5 do artigo 16º do CIVA.
Face ao sobredito, atento o disposto no artigo 124º do CPPT, aplicável por força da al. a) do n.º 1 do artigo 29º do RJAT, importa conhecer dos vícios que vêm apontados ao ato tributário de IVA objeto destes autos arbitrais, atento tal critério, que o mesmo equivale por afirmar que se deverá iniciar a apreciação da questão substantiva ou de fundo erigida pela Requerente relativa ao enquadramento ou não do subsídio auferido e referente ao período 1011 e, em caso de improcedência do mesmo, à questão relativa à alegada falta de fundamentação.
4.2. Enquadramento do subsídio auferido pela Requerente no âmbito da al. c) do n.º 5 do artigo 16º do Código do IVA
A questão central ora em apreciação funda-se em aferir da aplicabilidade em concreto da norma constante da al. c) do n.º 5 do artigo 16º do CIVA sobre o subsídio auferido pela Requerente no período 1011 no âmbito do “POPH-EFA…” e nessa decorrência, da sujeição a IVA sobre tal subsídio ou subvenção.
Vejamos, antes de mais, o enquadramento das operações da Requerente ao nível da isenção prevista no n.º 10 do artigo 9º do CIVA.
Dispõe o aludido normativo:
Isenções
SECÇÃO I
Isenções nas operações internas
Artigo 9.º
Isenções nas operações internas
Estão isentas do imposto:
(…)
10) As prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento, alimentação e material didáctico, efectuadas por organismos de direito público ou por entidades reconhecidas como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes;”
Sendo que, conforme estabelece a al. a) do n.º 1 do artigo 12º do CIVA:
“Artigo 12.º
Renúncia à isenção
1 - Podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações:
a) Os sujeitos passivos que efectuem as prestações de serviços referidas nos n.os 10) e 36) do artigo 9.º”
De onde, estando em causa nos presentes autos operação no âmbito da formação prestada pela Requerente e sobre a qual esta renunciou, tal como estava na esfera da sua disponibilidade, à isenção, dúvidas não subsistem quanto à vinculação da Requerente em liquidar IVA sobre todas as suas operações tributáveis e enquadradas no âmbito da al. 10) do artigo 9º do Código do IVA.
Assente que está a regularidade do enquadramento em termos de IVA na atividade formativa prestada pela Requerente e sobre qual recai a concreta apreciação destes autos no tocante à operação “…– POPH …/2010” e a consideração ou não no valor tributável do montante auferido a título e subvenção.
Entende a Requerente, inexistir qualquer obrigatoriedade de incluir no valor tributável o montante auferido das subvenções recebidas no âmbito do apoio “…– POPH …/2010” alegando que a natureza de tais apoios não encontram enquadramento no âmbito da al. c) do n.º 5 do artigo 16º do CIVA, logo não devendo a liquidação de IVA a efetuar, ter por base o valor faturado acrescido dos montantes recebidos no âmbito do versado programa.
Importa assim ter presente o disposto em tal preceito legal, o qual se passa a citar:
“Artigo 16.º
Valor tributável nas operações internas
(…)
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5 - O valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto, inclui:
(…)
c) As subvenções directamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações.”
A este mesmo propósito, importa igualmente não perder de vista o estatuído pela Diretiva IVA que está na base da transposição para a ordem jurídica portuguesa da norma supra citada, diretiva europeia esta que no seu artigo 73º, a respeito do valor tributável de entregas de bens e prestações de serviços, dispõe o seguinte:
“Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.º a 77.º, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações." (grifados nossos).
Da concatenação de ambos os normativos, flui que apenas serão incluídos no valor tributável da operação as subvenções conexas com o preço das operações, sendo que do versado artigo 16º do CIVA resultam igualmente para o efeito dois outros requisitos para que tais subvenções se possam considerar incluídas no valor tributável sujeito ao imposto, a saber:
- que as subvenções sejam determinados por referência aos valores de venda dos bens ou do volume de serviços fornecidos;
- que as subvenções sejam fixadas em momento anterior à realização das operações;
A temática das subvenções e do tratamento destas em sede de IVA e especificamente no que à inclusão ou não destas no valor tributável diz respeito, tem sido objeto de diversas abordagens, quer ao nível jurisprudencial (interno e do Tribunal de Justiça da União Europeia), quer ao nível da doutrina.
Por uma questão de melhor sintetização dos posicionamentos já tomados sobre eta temática, não poderemos deixar de nos louvar, transcrevendo trecho da decisão arbitral n.º 111/2014-T, no âmbito da qual se assentou:
"A Comissão Europeia, no seu primeiro relatório sobre o funcionamento do sistema comum do IVA (constante do documento COM (83) 426 final, de 14 de Setembro de 1983), entende que há certos tipos de subvenções relativamente às quais se mostra fácil decidir pela sua inclusão no valor tributável, enumerando os casos em que os montantes das subvenções (i) sejam determinados com referência aos preços de venda dos bens ou serviços fornecidos; (ii) ou em função das quantidades fornecidas; (iii) ou se destinarem a cobrir os custos de bens ou serviços que sejam fornecidos gratuitamente ao público.
No entanto, a propósito de vários outros tipos de subvenções – nomeadamente as destinadas a cobrir deficits e as subvenções operacionais – a Comissão considera extremamente difícil pender no sentido da sua inclusão (ou não) no valor tributável das operações abrangidas pelo IVA (conforme salientado por RUI LAIRES e ISABEL VEGA MOCOROA acima citados).
Estas últimas são normalmente atribuídas para fortalecer a situação económica das entidades subvencionadas, e não especificamente reportadas aos preços praticados, embora, acrescenta a Comissão, não se encontre uma diferença substancial entre esses dois tipos de subvenções. Esta constatação, aliada à circunstância de se poder com relativa facilidade converter uma subvenção directamente reportada aos preços noutro tipo de subvenção ilustra, segundo a Comissão, a fragilidade de uma distinção assente num critério formal e a inadequação das normas da Directiva (à data Sexta Directiva, 77/388/CEE.
No segundo relatório da Comissão sobre o funcionamento do sistema comum do IVA (constante do documento COM (88) 799 final, de 20 de Dezembro de 1988), preconiza-se uma interpretação estrita e literal, segundo a qual a inclusão da subvenção no valor tributável depende do concurso de três condições cumulativas: (i) a subvenção constituir a contraprestação ou uma parte da contraprestação; (ii) a subvenção ser paga ao fornecedor dos bens ou prestador dos serviços; e, por fim, (iii) a subvenção ser paga por uma terceira entidade.
Para XAVIER DE BASTO “Pode questionar-se a lógica da inclusão dessas subvenções no valor tributável do IVA. Incluir ou não incluir as subvenções ligadas à exploração releva de duas formas de conceber ou racionalizar o imposto sobre o valor acrescentado – as duas faces do imposto: como imposto de transacções (imposto sobre as empresas) ou como imposto geral de consumo. (…) Na verdade, a inclusão das subvenções no valor tributável só tem sentido quando o IVA é visto como um imposto sobre as empresas, “um business tax – destinado, em última análise, a tributar o respectivo valor acrescentado. A não incluir-se as subvenções, o imposto não atingiria o valor acrescentado, o valor da produção a custo dos factores – a empresa subsidiada seria favorecida relativamente à empresa não subsidiada. Não é assim, porém, que o problema deve pôr-se quando se está perante um IVA tipo-consumo” (…) Nesta lógica, o que deve interessar é o preço efectivo, o dispêndio do consumidor” – cf. “A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional”, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (164), 1991, p. 210.
Ainda segundo este ilustre Professor, a solução da Directiva está longe de ser de aplicação fácil. “Implica a distinção entre subvenções "directamente ligadas ao preço" das operações, a incluir na base tributável, e as de outras naturezas, que não contam para a determinação daquela base. Atendendo à diversidade de situações que se podem verificar, nem sempre é fácil a distinção. Quando o montante dos subsídios é determinado quer por referência aos preços de venda quer às quantidades vendidas ("indemnizações compensatórias"), é nítido tratar-se de subvenções directamente ligadas aos preços. Também não suscitará dúvidas a não inclusão das subvenções de capital. Já todavia se poderá revelar árduo decidir a questão quanto a outros tipos de subsídios de exploração, que são pagos para melhorar a posição económica das empresas, mas que não são calculados com referência a preços ou quantidades vendidas. Será o caso por exemplo das chamadas "subvenções de equilíbrio", calculadas a posteriori, para a cobertura de défices de exploração, e das "subvenções de funcionamento", que constituem complementos de receitas determinados a priori, independentemente dos resultados da exploração.” – cf. obra citada, p. 212.
CLOTILDE CELORICO PALMA assinala que as subvenções constituem “uma das zonas cinzentas deste imposto” e que a legislação comunitária não contém uma definição de subvenção, “limitando-se a prever a regra sobre a respectiva inclusão no valor tributável das operações e a possibilidade da respectiva inclusão no cálculo do prorata”. Acrescenta que o “tratamento das subvenções em IVA não é uma matéria totalmente harmonizada ao nível dos diversos Estados membros, pondo-se em causa uma aplicação uniforme do sistema comum e o respeito pela neutralidade do imposto” – in As Entidades Públicas e o Imposto sobre o Valor Acrescentado – Uma Ruptura no Princípio da Neutralidade, Almedina, 2011, pp. 561 e 565.
Neste quadro de alguma indeterminação, é a construção jurisprudencial do TJUE que nos fornece a interpretação (válida) da Directiva IVA e os critérios de decisão para a tributação das subvenções." – (grifado nosso).
Não se poderá deixar de ante o caso sub judice, face a uma falta de clareza concecional quanto ao conceito de subvenções ou subsídios que decorre da letra da lei – leia-se Diretiva IVA - no que concerne ao seu artigo 73º (e respetiva transposição para a norma interna), atender àquela que vem sendo a interpretação do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) para que se consiga aferir da inclusão ou não das subvenções no valor tributável.
Assim, entendeu o TJUE, no âmbito do também denominado processo OPW, a necessidade de se verificarem quatro pressupostos para que determinado subsídio se pudesse considerar abrangido no valor tributável para efeitos de IVA.
Recorrendo à transcrição já efetuada no âmbito do Acórdão Arbitral n.º 111/2014-T da versada decisão do TJUE, o qual aqui acompanhamos, resulta:
"Primeiro pressuposto – que se trate de uma subvenção concedida por uma autoridade no contexto de uma relação triangular, i.e., que envolva três partes (ponto 10 do Acórdão OPW):
(a) A autoridade que concede a subvenção;
(b) O organismo/sujeito passivo que dela beneficia; e
(c) O comprador do bem ou o destinatário do serviço respectivamente entregue ou prestado pelo operador subvencionado, clarificando-se que as operações visadas não são as realizadas em benefício da autoridade que concede a subvenção.
Segundo pressuposto – que a subvenção esteja directamente relacionada com o preço das operações a realizar pelo operador subvencionado (ponto 12 do Acórdão OPW). Para tanto é necessário que aquela subvenção seja especificamente paga ao operador para que este forneça um bem ou preste um serviço determinado.
Terceiro pressuposto – o preço do bem ou do serviço deve ser determinado, quanto ao seu princípio, o mais tardar, no momento em que ocorre o facto gerador (ponto 13 do Acórdão OPW).
Quarto pressuposto – o compromisso de pagar a subvenção assumido por aquele que a concede tem como corolário o direito de a receber reconhecido ao beneficiário quando a operação tributável foi realizada por este (ponto 13 do Acórdão OPW).
É importante salientar que o TJ devolve expressamente ao tribunal nacional a prova da existência de um nexo directo entre a subvenção e o bem ou serviço em causa (ponto 14 do Acórdão OPW).
Esta relação entre a subvenção e o preço deve resultar de forma inequívoca e após uma análise, caso a caso, das circunstâncias na origem do pagamento da contrapartida e exige que se verifique, numa primeira fase, que os compradores do bem ou os destinatários do serviço beneficiam da subvenção concedida ao beneficiário desta. Com efeito, é necessário que o preço a pagar pelo comprador ou pelo destinatário (neste caso os três municípios) seja fixado de modo que diminua na proporção da subvenção concedida ao vendedor do bem ou ao prestador do serviço. Ao invés, não é necessário que o preço do bem ou do serviço - ou uma parte do preço - esteja determinado. Basta que seja determinável.
É o órgão jurisdicional nacional que tem de apreciar se, objectivamente, o facto de uma subvenção ser paga ao prestador permite a este fornecer um serviço a um preço inferior ao que exigiria na falta dessa subvenção. Não é necessário que o montante da subvenção corresponda rigorosamente à diminuição do preço do bem entregue, bastando que a relação entre esta e a referida subvenção, que pode ser fixa, seja significativa. Contudo, há que sublinhar que o simples facto de uma subvenção poder ter influência sobre os preços dos bens entregues ou dos serviços prestados pelo organismo subvencionado não basta pra a tornar tributável (pontos 12, 14 e 17 do Acórdão OPW)."
Sufragando este Tribunal Arbitral a doutrina supra dimanada do TJUE e de resto, já anterior e igualmente sufragada por decisões arbitrais anteriores (111/2014-T e 337/2015-T), importa aferir se no casos dos autos se encontram ou não verificados os quatro versados pressupostos que possam eventualmente conduzir à inclusão de tal subvenção auferida pela Requerente no âmbito do valor tributável da operação sub judice.
Pelo exposto, no que ao primeiro pressuposto diz respeito, não podemos deixar de concluir pelo preenchimento de tal condição, uma vez que se está efetivamente perante uma relação triangular baseada na existência de um nexo direto entre o subsídio auferido e os serviços de formação prestados.
Na verdade, está-se no caso em apreciação perante uma relação tripartida ou triangular constituída pelo Fundo Social Europeu (no âmbito do projeto POPH), a Requerente e os destinatários dos serviços prestados por aquela, isto é, os formandos.
Resulta igualmente evidenciado não ser a autoridade Fundo Social Europeu a entidade beneficiária das atividades de formação levadas a efeito pela Requerente, pelo que se encontra preenchido o primeiro pressuposto alinhado pelo TJUE.
No tocante ao segundo pressuposto: existência de relação direta entre a prestação de um serviço e o preço das operações a efetuar.
A este respeito, importa levar em linha de consideração que a subvenção em causa se insere no âmbito do Decreto Regulamentar 84-A/2007, de 10 de Dezembro e do Despacho n.º …/008, que regula o regime geral de aplicação do Fundo Social Europeu (FSE).
Destarte, nos termos do n.º 1 do artigo 14º do Despacho…/2008, de 8 de Julho:
“A aceitação da decisão de aprovação da candidatura pelo beneficiário confere-lhe o direito à perceção de financiamento para realização dos respetivos projetos, nos termos do artigo 40.º do Decreto Regulamentar 84-A/2007, de 10 de Dezembro. “
Isto é, resulta do vindo de citar que a perceção destas subvenções radica da existência de uma prévia candidatura para o efeito, na qual de forma densificada não podem os candidatos deixar de apresentar o seu projeto de ações de formação a levar a efeito, descriminando os formandos envolvidos e os respetivos custos associados.
Sobressai igualmente que o direito a ser subvencionado no âmbito do POPH e do sobredito Despacho, está diretamente relacionado com a efetivação do projeto de formações previamente aprovado, ou seja, em caso de não cumprimento dos serviços a prestar aos quais a entidade formadora se candidatou, perde esta o direito à perceção de tal subvenção, razão pela qual não se pode deixar de concluir que a subvenção entregue pelo Fundo Social Europeu é efetuada com vista à prestação pela Requerente de um determinado serviço, in casu de formação na área “Educação Formação para Adultos” e o valor objeto de subvenção se encontra dependente dos referidos custos apresentados pela entidade formadora aquando da candidatura.
Ante o entorno jurídico vindo de citar, conclui-se existir uma relação direta entre o volume de serviço prestado e o valor a percecionar, sendo que aquele é fixado (via projeto/candidatura) aquando da aceitação da decisão de aprovação do subsídio a receber do Fundo Social Europeu, e bem assim resulta igualmente inexorável que tal fixação dos serviços a prestar é efetuada previamente à realização dessas mesmas operações formativas, de onde não poderá deixar de se mostrar verificado o terceiro pressuposto em apreço.
No tocante ao último pressuposto, o mesmo respeita ao compromisso de pagar a subvenção assumido por aquele que a concede, o qual tem como corolário o direito de a receber reconhecido ao beneficiário quando a operação tributável foi realizada por este.
Dispõe, a este título, o n.º 1 do artigo 15º do Despacho n.º…/2008, soba epígrafe de “Informação anual sobre a execução e pedido de pagamento de saldo”, o seguinte:
“1 - A entidade beneficiária fica obrigada a apresentar, até 15 de Fevereiro de cada ano, informação anual de execução, reportada a 31 de Dezembro do ano anterior, sobre a execução física e financeira da candidatura, de acordo com o estipulado no n.º 6 do artigo 40.º do Decreto Regulamentar 84-A/2007, de 10 de Dezembro.”
Acrescendo o disposto no referido n.º 6 do artigo 40º do Decreto Regulamentar. O seguinte:
“6 — As entidades beneficiárias de candidaturas plurianuais ficam obrigadas a fornecer às autoridades de gestão, nos moldes e com a periodicidade que por estas forem definidos a informação necessária à elaboração do relatório anual do PO, designadamente, informação sobre a execução física e financeira do projecto, ficando o pagamento das despesas condicionado à prestação da mesma, salvo motivo devidamente justificado e aceite pela autoridade de gestão.”
Resulta assim do conjugadamente previsto nos normativos vindos de citar que a perceção de subvenção a favor da Requerente no âmbito deste concreto programa do Fundo Social Europeu – “…– POPH …/2010” – está condicionada à efetiva execução do projeto a que se candidtou nos moldes em que o mesmo foi aprovado pelo Fundo Social Europeu e aceite por aquela.
O que significa afirmar que uma vez efetuada a prestação do serviço de formação sobre a qual recai a subvenção a favor da Requerente, tal execução do projeto gera nesta o direito a percecionar do Fundo Social Europeu a subvenção a que foi previamente admitida, estando tal perceção subvencional dependentente do concreto volume de serviços prestados, razão pela qual, também quanto ao quarto pressuposto, não se poderá deixar de concluir pela sua verificação.
Ante a verificação dos quatro pressupostos legitimadores da inclusão do montante das subvenções no âmbito do valor tributável, por subsunção à previsão normativa decorrente da al. c) do n.º 5 do artigo 16º do CIVA, não merece censura a liquidação efetuada pela Autoridade Tributária, não se considerando, pelo exposto, ilegal a inclusão no valor tributável sujeito a liquidação, o montante da subvenção de € 27.734,62, do qual resultou um imposto a pagar de € 4.813,45 (ao qual acresceram juros compensatórios) e com o qual a Requerente se inconformou.
4.3. Da Falta de Fundamentação:
Sustenta a Requerente que a liquidação objeto destes autos emitida e notificada pela Autoridade Tributária se encontra eivada do vício de falta de fundamentação, nomeadamente por violação do disposto no n.º 2 do artigo 153º do CPA, anulável nos termos do artigo 163º do CPA, porquanto a liquidação não dá a conhecer, com suficiência, os elementos essenciais que sustentam a liquidação, só podendo conjeturar que a mesma teria hipoteticamente por origem a ação inspetiva levada previamente a efeito à Requerente.
A lei impõe o dever de fundamentação, enquanto direito consagrado e constitucionalmente garantido dos cidadãos (artigo 268º nº 3, da Constituição da República Portuguesa) e ato definidor da posição da Administração Tributária perante os particulares, de molde o sujeito passivo possa da relação jurídico-tributária consiga aferir o raciocínio seguido pela Autoridade Tributária para decidir em determinado sentido e não noutro.
O dever de fundamentação visa, deste modo, permitir a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, de modo a que aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e, a partir dessa perceção, poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação dessa mesma decisão proferida pela Autoridade Tributária.
Assim se justifica que o artigo 77.º nº 2 da Lei Geral Tributária imponha que a decisão do procedimento contenha “as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”, pois que apenas desta forma pode o sujeito passivo do imposto apreender a razão de ser do ato tributário e ponderar eventual reação face a tal decisão da administração.
Ora, face ao teor da liquidação notificada à Requerente, verifica-se que a mesma contém, não só as disposições legais aplicáveis e qualificação dos factos tributários, bem como também a quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo
Pese embora a liquidação colocada em crise contenha todos os elementos impostos pelo artigo 77º nº 2 da LGT, importa averiguar se esses elementos serão suficientes para se poder afirmar que os deveres de fundamentação do acto estão, in casu, devidamente preenchidos.
É que, e como bem refere a Requerente, o dever de fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do acto administrativo e da circunstância em que o mesmo foi praticado.
Neste sentido, tem vindo a ser defendido que as exigências de fundamentação do acto tributário não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido.
Pese embora a Requerente alegue no sentido da falta de fundamentação, a verdade é que, atendendo à fundamentação do pedido de pronúncia arbitral efetuada pela Requerente a propósito do seu direito à isenção, resulta que esta percebeu exatamente qual o caminho trilhado pela Autoridade Tributária conducente à liquidação de IVA e JC, pelo que não vislumbramos a existência do apontado vício formal.
Isto porque, conforme é aceite de forma pacífica pela jurisprudência, “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido (…)”[1].
No caso em apreciação, verifica-se que a Requerida Autoridade Tributária deu a conhecer, através do relatório de inspeção, a fundamentação pela qual, na perspetiva daquela, a Requerente não podia deixar de incluir no valor tributável para efeitos de IVA o valor relativo à subvenção em apreço.
Ora, do teor do relatório de inspeção que subjaz à liquidação de IVA e JC, resultam de forma expressa, suficiente e congruente as razões de facto e de direito em que se respalda tal posicionamento da Autoridade Tributária.
Se estes pressupostos e razões aportados pela Autoridade Tributária para o relatório inspetivo são ou não substantivamente válidos é questão que tem a ver com o mérito e já não com a forma e que, portanto, se coloca numa outra dimensão de que não cumpre, neste ponto, conhecer.
In casu, fica patenteado o critério (mal ou bem) trilhado pela Autoridade Tributária.
E, como se salienta no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 02.02.2006, in recurso nº 1114/05, «este dever legal da fundamentação tem, a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do ato ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.»
Como tal, a fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio ato (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do ato um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
Socorrendo-nos da linguagem jurisprudencial, o ato só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto ato administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional cognoscitivo e valorativo do autor do ato.
Sendo, assim, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos corretos suscetíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”.
No caso vertente, temos que a Autoridade Tributária expôs de forma expressa os fundamentos do ato tributário, sendo que da conjugação com o teor do relatório inspetivo superam o crivo de exigência em matéria de suficiência, clareza e congruência formal da argumentação convocada pela Autoridade Tributária para concluir como aí o fez.
De resto, não pode proceder o exposto pela Requerente em matéria de desconhecimento sobre a origem da liquidação de IVA, porquanto a mesma tinha sido objeto de notificação quanto às correções constantes do relatório de inspeção levado a efeito.
Ora, colhe-se objetivamente da leitura conjugada do quadro de fls. 8 do relatório de inspeção (bem assim da fundamentação exposta no capítulo III.2 – Ano de 2010 – Em sede de IVA ) e da liquidação de IVA sub judice, a existência de uma identidade no montante do IVA adcionalmente liquidado pela AT, valor esse que corresponde exatamente ao período de imposto – 1011 – em que se apurou esse IVA.
Ora, verificando-se expressa e de forma clarividente de ambos os documentos a existência de identidade relativamente ao tributo, identidade quanto aos valores apurados e identidade do período a que respeita o imposto, mal se entende como possa a Requerente aventar o desconhecimento sobre a origem do ato tributário, porque, como se comprova havia sido anteriormente notificada do relatório final inspetivo, onde se apurou o imposto – IVA – considerado em falta em cada um dos períodos mensais do imposto.
A fundamentação consiste na externação dos reais motivos por que foi praticado certo acto, que assim constituem o esteio em que se ancora, de molde a permitir ao administrado a com ele se conformar, ou a impugná-lo, se eivado de algum dos vícios conducentes à sua anulação;
E, a esse respeito, à Requerente foram-lhe dados a conhecer tais motivos, bem como assim à concretização aritmética que tem por base a motivação exposta em sede inspetiva, não mostrando a Requerente qualquer dificuldade ou óbice em rejeitar e contra-argumentar face ao posicionamento assumido pela AT em sede inspetiva, pelo que, de modo nenhum, se pode considerar diminuído o direito de defesa da ora Requerente.
A fundamentação que o nosso ordenamento jurídico impõe como condição de validade do acto que se destine a suportar, reveste tão só uma dimensão formal, que não uma dimensão substancial e consubstancia-se na explanação dos motivos aptos a suportarem a decisão final.
E esses motivos encontram-se sobejamente presentes, tanto no relatório inspectivo, no que respeita ao iter cognoscitivo trilhado pela AT, como também nos actos objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, através da explanação quantitativa do raciocínio aritmético-quantitativo que está na base do imposto final apurado, bem como assim da externização dos meios de defesa de que a Requerente dispunha para colocar em crise a legalidade em concreto de tal ato tributário.
Nestes termos, entende-se que, in casu, resulta suficientemente percetível para um destinatário médio, colocado na posição do destinatário concreto, qual a fundamentação do ato tributário ora colocado em crise, não podendo a alegação da Requerente deixar de improceder.
Pelo exposto, censura alguma merece a liquidação de IVA e juros compensatórios ora em apreciação.
5. DECISÃO:
Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta, decide este tribunal arbitral:
1. Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de IVA e juros compensatórios, por não verificação de qualquer dos vícios que lhe vinham apontados pela Requerente.
2. Condenar a Requerente ao pagamento das custas nos termos da Tabela I do RCPTA, calculadas em função do valor da causa - arts. 4º-1, do RCPTA e 6º, n.º 2, al. a) e 22º, n.º4, do RJAT
Valor da causa: € 5.548,26 – arts. 97º-A, do CPPT, 12º, do RJAT (DL 10/2011), 3º-2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Notifique-se esta decisão arbitral às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.
Lisboa, 7 de Março de 2016.
O árbitro singular,
Luís Ricardo Farinha Sequeira
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.
[1] Acórdão do STA, de 30/01/2013, proc. 0105/12,