Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 293/2014-T
Data da decisão: 2014-12-02  Selo  
Valor do pedido: € 30.116,26
Tema: IS - Verba 28 da TGIS; terrenos para construção
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Decisão Arbitral

 

A árbitra Dra. Maria Celeste Cardona, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 4 de junho de 2014, decide o seguinte:

 

1. Relatório

 

A…, SA, pessoa coletiva nº …, com sede social na …, doravante designada por Requerente, vem, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), requerer a constituição de tribunal arbitral.

A Requerente pede a pronúncia com vista à declaração da ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA), no valor total de € 22 587, 20, que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

A Requerente pede ainda a condenação da ATA no reembolso da quantia indevidamente paga relativamente à liquidação e aos juros indemnizatórios devidos relativamente a esses pagamentos, bem como as despesas resultantes da lide, nomeadamente os honorários do mandatário judicial, a liquidar em execução de sentença.

A Requerente entende, em suma, que:

(a) A liquidação do Imposto de Selo à taxa aplicável aos prédios com afetação habitacional é ilegal, por falta do pressuposto da incidência;

(b) Os terrenos para construção não são "prédios com afetação habitacional", para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS;

(c) A lei define os terrenos para construção como terrenos licenciados ou autorizados para operações de loteamento ou construção e os prédios habitacionais como edifícios ou construções licenciados ou normalmente destinados para fins habitacionais, de acordo com o disposto no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis;

(d) O património imobiliário é já objeto de um imposto unitário, o Imposto Municipal sobre Imóveis, que identifica e tributa tendencialmente todas as manifestações de capacidade contributiva;

(e) Ao selecionar, de entre o património imobiliário de cada sujeito passivo, apenas certos prédios que excedam certo valor, o Imposto de Selo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo introduz uma desigualdade na tributação entre aqueles que tenham o seu património imobiliário composto por tais prédios e aqueloutros que tenham um património imobiliário de igual valor mas composto por outros prédios;

(f) A singular formulação da base de incidência - e do correspondente campo de exclusão - do Imposto de Selo do artigo 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, comete a proeza de ignorar por completo a capacidade contributiva como pressuposto, critério e medida do imposto, ferindo assim inelutavelmente o princípio da igualdade perante a lei;

(g) Independentemente da ilegalidade e da inconstitucionalidade, a liquidação sempre será ilegal por violação do regime transitório introduzido pela Lei n.º 55-A/2012, designadamente pela verba 28 da TGIS, já que a verba 28 da TGIS viola, de forma grosseira, o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado, designadamente no que respeita à sua vertente de igualdade proporcional;

(h) Dispõe o artigo 6º da referida Lei que, em 2012, o facto tributário se verifica no dia 31 de outubro e que a liquidação deve ser efetuada até ao dia 20 de dezembro de 2012 à taxa de 0,5% ou 0,8%, consoante se trate de prédio avaliado nos termos do CIMI ou não, situação que não se verificou no caso concreto em apreço.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, sustentando que o prédio tem natureza jurídica de prédio com afetação habitacional, pelo que o ato de liquidação deve ser mantido por consubstanciar correta aplicação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

 

Com a alteração legislativa, o Imposto de Selo passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

O Imposto de Selo passou assim a incidir sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na tabela geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afetação habitacional, em sede de Imposto de Selo, há que recorrer ao CIMI, na procura de uma definição que permita aferir a eventual sujeição a Imposto de Selo.

O artigo 6º do CIMI integra no conceito de prédio urbano os terrenos para construção, isto é, os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção e ainda aqueles que assim tenham sido no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações.

A noção de afetação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos terrenos para construção em que o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes, nomeadamente o coeficiente da afetação previsto no artigo 41º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do nº 2 do artigo 45º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção.

O legislador não refere prédios destinados a habitação, tendo optado pela noção “afetação habitacional”, expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6º, nº 1, alínea a) do CIMI.

A previsão da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo não consubstancia violação de qualquer comando constitucional, já que incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel.

Também a diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total face a um imóvel constituído em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras.

No seguimento da resposta, a ATA apresentou um requerimento, no dia 7 de Julho de 2014, propondo a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.

Notificada a Requerente do conteúdo do despacho de 10 de Julho de 2014, para se pronunciar sobre o requerimento da ATA e para informar se pretendia realizar alguma produção de prova, nada disse e, em 16 de Setembro de 2014, apresentou um requerimento a solicitar a ampliação do pedido em relação ao ano de 2013, tendo em conta que são idênticos os fundamentos e o valor, sem que a ATA se tenha pronunciado.

A liquidação do Imposto de Selo em relação ao ano de 2013 é de € 7 529,06, o que significa que o valor total do pedido é de € 30 116,26.

As partes não apresentaram alegações escritas.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos que se consideram provados

 

a) A Requerente é dona e legítima possuidora de um terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 2 258 720, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do …, no concelho da …, sob o nº U- … .

b) A Requerente foi notificada da liquidação número 2013..., de 14 de Julho de 2013, no montante de € 22 587,20, efetuada ao abrigo da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.

c) A Requerente foi igualmente notificada das liquidações com os números 2014 … e 2014..., ambas de 17 de Março de 2014, nos montantes de € 7 529,06, cada uma, efetuadas ao abrigo da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.

d) As liquidações do imposto deveriam ser pagas durante o mês de Dezembro de 2013 e durante os meses de Abril e Julho de 2014, conforme notas de cobrança juntas aos autos;

e) A Requerente efetuou o pagamento da liquidação nº 2013…, de 14 de julho de 2013, no montante de € 22 587, 20, no dia 27 de dezembro de 2013.

f) Em 31-3-2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral (sistema informática do CAAD).

 

2.2. Factos que se consideram não provados

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto provada

Os factos provados baseiam-se nos documentos indicados para cada um dos pontos, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão do enquadramento de terrenos para construção no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS.

3.1.1. Regime da Lei n.º, 55-A/2012, de 29 de outubro.

 

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, efetuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redação:

28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI;

28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1%

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5%.

 

Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras atinentes à liquidação do imposto previsto naquela verba:

1 - Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5%;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8%;

iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito  a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5%

2 - Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.

3 - A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infração tributária, punida nos termos da lei.

Utilizou-se na referida verba 28.1 e nas subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei nº 55-A/2012, um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária nestes precisos termos que é o de “prédio com afetação habitacional”. Designadamente no CIMI, que em várias normas do CIS nos recursos introduzidas por aquela Lei é indicado como diploma de aplicação subsidiária relativamente ao tributo previstos na referida verba n.º 28 [artigos 2.º, n.º 4, 3.º, n.º 3, alínea u), 5.º, alínea u), 23.º, n.º 7, e 46.º e 67.º do CIS], não é utilizado um conceito definido naqueles termos.

 

3.1.2. Conceitos de prédios utilizados no CIMI

No IMI, enumeram-se as espécies de prédios nos seus artigos 2.º a 6.º nos seguintes termos:

 

Artigo 2.º

Conceito de prédio

1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial

2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo caráter de permanência quando afetos a fins não transitórios.

3 - Presume-se o caráter de permanência quando os edifícios o construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 - Para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

 

Artigo 3.º

Prédios Rústicos

1 - São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afetos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afetação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de caráter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 - São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afetação.

3 - São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções diretamente afetos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º.

4 - Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.

 

Artigo 4.º

Prédios urbanos

Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

 

Artigo 5.º

Prédios mistos

1 - Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

2 - Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.

 

Artigo 6.º

Espécies de prédios urbanos

1 - os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

 

 

2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos. (Redação da Lei n.º 64-A/08, de 31-12).

4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.

 

3.1.3 Normas sobre interpretação das leis.

 

O artigo 11.º da Lei Geral Tributária estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias nos seguintes termos:

 

Artigo11º

Interpretação

 

 

1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica.

Os princípios gerais da interpretação das leis, para que remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, são estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 9.º

Interpretação da lei

 

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

 

3.1.4. Hipóteses de interpretação do conceito de «prédio com afetação habitacional».

Como se vê pelas normas do CIMI transcritas, não é utilizado na classificação dos prédios o conceito de «prédio com afetação habitacional». Também não se encontra este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.

Assim, na falta de correspondência terminológica exata do conceito de «prédio com afetação habitacional» com qualquer outro utilizado noutros diplomas, podem aventar-se várias hipóteses interpretativas.

O ponto de partida da interpretação daquela expressão «prédios com afetação habitacional» é, naturalmente, o texto da lei, sendo com base nele que há que reconstituir o «pensamento legislativo», como impõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT.

 

3.1.5. Conceito de «prédio com afetação habitacional» reportado aos prédios habitacionais

 

O conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.

A entender-se que a expressão «prédio com afetação habitacional» coincide com o de «prédios habitacionais», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois o prédio relativamente ao qual foi liquidado o Imposto do Selo, ao abrigo da referida verba n.º 28.1 é um terreno para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos para se preencher aquele conceito de «prédio habitacional».

Por isso, a adotar-se a interpretação de que «prédio com afetação habitacional» significa «prédio habitacional», as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida são ilegais, por não haver em qualquer dos terrenos qualquer edifício ou construção.

No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.

 

3.1.6. Conceito de «prédio com afetação habitacional» como conceito distinto de «prédios habitacionais»

 

A palavra «afetação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «ação de destinar alguma coisa a determinado uso».

Quando, segundo Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, pág. 182 como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e direto das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto, nem sempre exato, de que o legislador soube exprimir com correção o seu pensamento.

A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre atos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.

A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global percetível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais e da fiscalização do Tribunal Constitucional.

Na verdade, embora na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho», é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afetação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos, atinge muito mais alguns do que propriamente todos.

Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detetar coerência legislativa na solução adotada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adotada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

 

À face daqueles significados das palavras «afetação» e «afetar», que são «dar destino» ou «aplicar», a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais, pelo que importa indagar se abrangerá também os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, estão a estes destinados e aqueles cujo destino é desconhecido.

À face do teor literal da verba n.º 28.1, é de afastar do âmbito incidência do Imposto do Selo aí previsto o terreno para construção da Requerente, pois ainda não está aplicado nem destinado a fins habitacionais. Isto é, os terrenos para construção que não têm utilização definida não podem ser considerados prédios com afetação habitacional, pois não têm ainda nenhuma afetação nem outro destino que não seja a construção de tipo desconhecido. Uma interpretação no sentido de que a verba n.º 28.1 se reporta a prédios cuja afetação é desconhecida não tem o mínimo de correspondência verbal na letra daquela norma, pelo que um hipotético pensamento legislativo desse tipo não pode ser considerado pelo intérprete da lei, em face da proibição que consta do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

Mas, isto não basta para esclarecer a situação daqueles terrenos para construção que, não estando ainda aplicados a fins habitacionais, já têm em destino determinado, designadamente, na licença de loteamento.

Por isso, haverá que esclarecer quando é que se pode entender que um prédio está afetado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num ato de licenciamento ou semelhante ou apenas quando a efetiva atribuição desse destino é concretizada.

Desde logo, o confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta manifestamente, no sentido de ser necessária uma afetação efetiva.

Na verdade, um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, à face do n.º 2 daquele artigo 6º um prédio habitacional.

Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como impõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, se pretendesse reportar-se a esses prédios já licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto teria utilizado o conceito de «prédios habitacionais», que expressaria perfeita e claramente o seu pensamento, à face da definição dada por aquele n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.

Consequentemente, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afetação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efetiva afetação a esse fim.

Que é este o sentido da expressão «afetação», no mesmo contexto de classificação de prédios que faz o CIMI, confirma-se pelo artigo 3.º em que, relativamente aos prédios rústicos, se faz referência aos que "estejam afetos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas», que evidencia que a afetação é concreta, efetiva. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afeto a ela, o que evidencia que a afetação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante.

De resto, o texto da lei ao adotar a fórmula «prédio com afetação habitacional», em vez de «prédios urbanos de afetação habitacional», que aparece na referida «Exposição de Motivos», aponta fortemente no sentido de que se exige que a afetação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afetação.

No que concerne ao artigo 45º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os fatores a ponderar na avaliação de terrenos para construção. O que se pondera aí, ao fazer referência ao «edifício a construir» é a ponderação do destino do terreno que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI, não implica afetação e ocorre antes desta.

A correção desta interpretação no sentido de que só prédios que estejam efetivamente afetos à habitação, se inserem no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS é também confirmada pela ratio legis percetível da restrição do campo de aplicação da norma aos prédios com afetação habitacional, no contexto das «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», que o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil também erige em elementos interpretativos.

Desde logo, a limitação da tributação em Imposto do Selo aos «prédios com afetação habitacional» deixa perceber que não se pretendeu abranger no âmbito de incidência do imposto os prédios com afetação a serviços, indústria ou comércio, isto é, os prédios afetos à atividade económica, o que se compreende num contexto em que, como é notório, a economia se encontra em espiral recessiva.

Por isso, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas.

 

3.2.7. Aplicação do regime à situação da Requerente

 

O prédio da Requerente é um terreno para construção.

Pelo que se referiu, não se está perante prédio com afetação habitacional atual, pelo que não incide sobre esse prédio o Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS.

Por isso, as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida enfermam de vício de violação daquela verba n.º 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação.

 

3.2.8. Questões de conhecimento prejudicado

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objeto do presente processo, por vício que impede a renovação dos atos, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pelas Requerentes.

Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente aos atos cuja declaração de ilegalidade pediram.

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede, ainda, o reembolso das quantias pagas, que correspondem a € 22 587,20.

A Requerente pede ainda juros indemnizatórios pelo pagamento indevido desses montantes.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT, na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2, na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade dos atos de liquidação é imputável à Autoridade Tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

 

Os juros indemnizatórios serão pagos, à taxa legal, desde a data em que foi efetuado o respetivo pagamento até ao integral reembolso do montante despendido.

 

6. Decisão

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral:

 

a) Julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo números 2013..., de 14 de Julho de 2013 e 2014..., de 17 de Março de 2014;

b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia paga referente à liquidação nº 2013..., no montante de € 22 587,20, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor, desde o dia 27 de Dezembro de 2013 até à data do efetivo reembolso daquela quantia.

 

7. Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 30 116,26.

 

 8. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836.00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 2 de dezembro de 2014

 

 

A Árbitra

 

 

(Maria Celeste Cardona)