Processo arbitral n.º 94/2013-T
Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) na importação
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RELATÓRIO
. A …–…, Lda., pessoa colectiva n.º …, com sede …, doravante designada por “Requerente”, apresentou em 26 de Abril de 2013, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante referido por RJAT1), pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular para pronúncia sobre a ilegalidade e consequente anulação das liquidações efectuadas pela Alfândega do Aeroporto do Porto, respeitantes a IVA sobre operações de importação de bens.
Estão em causa os actos tributários emitidos sob o registo B – … – 02 e B – … – 93, no âmbito do processo de cobrança a posteriori …/2012, respeitantes a IVA incidente sobre importações de bens no ano 2010, no valor global de € 14.227,48 (dos quais, € 13.948,73 referentes a imposto, € 275,15 relativos a juros compensatórios e, por fim, € 3,60 respeitantes a impressos).
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, sucessora da anterior Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo.
A Requerente invoca como fundamento do seu pedido o enquadramento das importações de bens vertentes na Verba 2.6 da Lista I anexa ao Código do IVA4 e, em consequência, a correspondente aplicação da taxa reduzida de IVA.
Considera, neste âmbito, que a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido de somente aplicar a taxa reduzida a artigos ou aparelhos completos de prótese, i.e, a unidades únicas de implante, e não a elementos transaccionados em separado (no caso, implantes e pilares), está desprovida de apoio legal e não tem, por razões técnicas, aplicação a situações reais, violando a previsão expressa e o espírito da referida Verba 2.6 da Lista I anexa ao Código do IVA e, bem assim, o princípio da neutralidade.
Conclui a Requerente que a importação, em separado, dos elementos que compõem os implantes dentários5 beneficia da redução da taxa de IVA, em particular quando, como sucede in casu, tais bens sejam insusceptíveis de qualquer outra afectação ou utilização que não seja a de substituição, no todo ou em parte, do dente do doente. Peticiona a anulação das liquidações de IVA e a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso da quantia de € 14.227,48, acrescida de juros indemnizatórios, vencidos e vincendos, e de juros de mora se a eles houver lugar.
O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em conformidade com o artigo 6.º, n.º 1 do RJAT, designou como árbitro Alexandra Coelho Martins, tendo o Tribunal sido constituído em 2 de Julho de 2013.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu por excepção e suscitou a incompetência absoluta do Tribunal Arbitral. Para tanto invoca o artigo 4.º, n.º 1 do RJAT e o artigo 2.º, alínea c) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (“Portaria de Vinculação”), dos quais retira a exclusão da vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais das pretensões relativas a “impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação”, incluindo o IVA na importação de bens.
À cautela, a Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu ainda por impugnação sustentando que deve ser aplicada a taxa normal de IVA às importações de bens em apreço, por não configurarem unidades únicas de implante.
Em 5 de Novembro de 2013, realizou-se a primeira reunião do Tribunal Arbitral Singular, nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT, incluindo o debate contraditório sobre a excepção de incompetência invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo ambas as partes mantido as respectivas posições e o Tribunal concluído pela prolação de decisão interlocutória.
Com efeito, atendendo a que a procedência da excepção suscitada, a verificar-se, obsta ao conhecimento das demais questões em conflito e que a determinação do âmbito de competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria importa, antes de mais, proceder à sua apreciação (cf. artigos 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”) e 96.º e 98.º do Código de Processo Civil (“CPC”), subsidiariamente aplicáveis por remissão do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
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A EXCEPÇÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL ARBITRAL
Está em causa determinar se a matéria relativa a IVA sobre operações de importações de bens tem cabimento no âmbito de competência da jurisdição arbitral tributária6, da qual estão expressamente excluídas as pretensões relativas a impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação.
O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, de modo a que o processo arbitral tributário constituísse um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.
O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), concretizou a mencionada autorização legislativa com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não contemplando designadamente uma competência alternativa à da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, e “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art. 2.º” fazendo depender a vinculação da administração tributária de “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”7.
O âmbito da jurisdição arbitral tributária está, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos8.
Neste ponto, afigura-se inequívoco que, independentemente de respeitar a operações internas ou a importações de bens, o IVA se insere no conceito de “tributo”, como explicita o n.º 2 do artigo 3.º da Lei Geral Tributária (“LGT”): “Os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas”, pelo que, à face do RJAT, não estariam, à partida, excluídos da jurisdição arbitral.
Dado o carácter voluntário da sujeição à jurisdição arbitral, numa segunda linha “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º, n.º 1 do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”9.
Dispõe a citada Portaria, no seu artigo 2.º, que:
“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
(…)
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação”.
Neste segundo nível de limitação de competência, é controvertida a questão de saber se o IVA na importação de bens configura um imposto que incide sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação, cuja resposta, em caso afirmativo, afasta a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.
Vejamos se se encontram reunidos os dois pressupostos cumulativos de que depende a exclusão da arbitrabilidade:
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Se o IVA na importação incide sobre mercadorias; e
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Se as mercadorias estão sujeitas a direitos de importação.
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A incidência do IVA sobre mercadorias
Entende a Requerente que a incidência objectiva do IVA se reporta às operações de importação e não à mercadoria ou ao produto em si, pelo que este imposto estaria “manifestamente excluído” da previsão do artigo 2.º, alínea c) da Portaria de Vinculação, compulsando, a título de exemplo, o artigo 5.º, n.º 1 do Código dos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”) que determina a incidência dos IEC sobre os “produtos”, ao qual opõe o artigo 1.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA, segundo o qual estão sujeitas a IVA as importações de bens e não os próprios bens.
Não partilhamos este resultado interpretativo, quer por recurso ao elemento gramatical, quer teleológico. Começando pela litera legis, não se entrevê que a incidência de impostos indirectos sobre mercadorias não decorra ou não possa decorrer da tributação das operações que têm tais mercadorias por objecto.
Dir-se-á até que na grande maioria das situações de tributação indirecta (de que o IVA é hoje o indiscutível arquétipo) a sujeição a imposto dos bens ou serviços se efectiva no âmbito das operações jurídicas ou meramente materiais de transmissão ou de movimentação, ou seja, na sua dimensão dinâmica. E não é por essa razão (i.e, porque o facto tributário é a importação, a transmissão ou a importação) que os bens deixam de ser o objecto, imediato ou mediato, da tributação continuando a constituir o valor de tais bens – transaccional ou objectivo consoante os casos – o critério de eleição da medida (quantum) da incidência.
Assim, uma interpretação literal positiva coloca no âmbito da previsão normativa (que relembramos apela a “impostos indirectos que incidam sobre mercadorias”) o IVA que incide sobre importações de bens, pois se trata efectivamente de um imposto indirecto, que incide sobre os bens importados, em razão da respectiva importação.
Que a tributação indirecta (e portanto o IVA) incide sobre bens e serviços é um dado, sendo que a mesma opera no caso dos bens, por via de regra, e como já salientado, por referência às operações de transmissão ou movimentação dos bens sem que, por isso, se deva considerar que esses bens ou serviços deixam de ser o objecto material da incidência tributária. Aliás, para efeitos de IVA existem apenas quatro categorias objectivas sujeitas a tributação que não prescindem da referência expressa aos bens (transmissão, aquisição intracomunitária e importação) ou aos serviços (prestação de) sobre que incidem (cf. artigos 1.º, n.º 1, 3.º e 4.º do Código do IVA).
São, pois, sempre os bens e os serviços o objecto da tributação do IVA.
Também assim o considera o classificador usado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (“OCDE”) nas suas Revenue Statistics ao fixar cinco grandes categorias de impostos em função da sua base de incidência. Às quatro categorias que correspondem aos impostos directos acresce uma quinta, que se designa “impostos sobre bens e serviços”, relativa aos impostos indirectos ou de consumo (que são aqueles que se pagam no contexto da utilização de bens e serviços finais no país onde são consumidos, sejam plurifásicos ou monofásicos). Esta quinta categoria decompõe-se em diversas subcategorias, conforme infra ilustrado:
“Classe 5000 – Impostos sobre bens e serviços
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Classe 5100 – Incidentes sobre os próprios bens e serviços
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Classe 5110 – Impostos gerais
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Classe 5120 – Impostos sobre consumos específicos
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Classe 5200 – Cobrados pelo uso dos bens
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Classe 5300 – Outros”
De igual modo neste sentido veja-se Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pp. 190-191, que ensina que esta classificação é próxima da classificação do FMI e do Sistema Europeu de Contas desenvolvido pelo Eurostat.
O artigo 6.º n.º 2 da LGT também exterioriza esta indissociável relação entre a tributação indirecta e os bens (sobre que aquela incide) ao dispor que “a tributação indirecta favorece os bens e consumos de primeira necessidade”.
Assim, o IVA é, sem mais delongas ou jogos de palavras, um imposto indirecto que incide sobre bens (incluindo mercadorias) seja na sua importação, transmissão ou aquisição intracomunitária.
Pelo que a busca de sentido assente na interpretação literal nos conduz à inclusão deste imposto indirecto (IVA) na factispecies da norma de exclusão da arbitrabilidade inserta no artigo 2.º, alínea c) da Portaria de Vinculação, tanto atendendo à sua função (gramatical) positiva, como à sua função negativa, que visa afastar da norma um sentido que não tem suporte na letra da lei (J. Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, reimpressão 2010, p. 18210).
Na situação vertente, existe suporte para o entendimento preconizado, pois é feita referência expressa a um imposto indirecto (que o IVA é sem qualquer hesitação) que incida sobre mercadorias (sendo que o IVA é considerado, como aliás todos os impostos indirectos plurifásicos e monofásicos, na generalidade das classificações técnicas e internacionais, como um imposto incidente sobre bens e serviços), presumindo-se na fixação do sentido e alcance da lei, na esteira do comando do artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil, que o “legislador […] soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
Tal interpretação literal resulta validada e fortalecida pelo elemento teleológico. Com efeito, uma das razões de ser (diríamos que, eventualmente, a principal) da exclusão da arbitrabilidade das pretensões relativas a direitos aduaneiros e aos demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação é o da submissão destes direitos e impostos indirectos a regras comunitárias uniformes de aplicação directa (por via de Regulamento) que não podem ser afastadas por regulamentação divergente dos Estados-Membros, designadamente pelo RJAT.
Recorda-se a este respeito que na versão inicial do RJAT foram, desde logo, identificados três preceitos incompatíveis com o disposto no Código Aduaneiro Comunitário (“CAC”) aprovado pelo Regulamento (CEE) N.º 2913/92 do Conselho, e 12 de Outubro11: o artigo 2.º, n.º 1, alínea c); o artigo 14.º e o artigo 13.º, n.º 5. E ainda hoje subsiste (após a revogação dos dois primeiros) o regime divergente do artigo 13.º, n.º 5, que se encontra em vigor.
Deste modo, subjacente ao afastamento da arbitrabilidade da matéria aduaneira esteve, em primeira linha, a preocupação de assegurar o cumprimento de regras comunitárias uniformes e de evitar situações de divergência e incompatilidade da legislação interna, passíveis de originar incumprimento por parte do Estado português. Ponderação que se sobrepôs ao carácter genérico da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à jurisdição dos tribunais arbitrais e que justificou a exclusão expressa (que se entende revestir carácter excepcional12) das mencionadas pretensões referentes a direitos aduaneiros e a impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação.
De facto, não são só os direitos aduaneiros que se encontram submetidos à disciplina imperativa e uniforme do CAC13, como o próprio IVA devido pela importação de bens, pois o artigo 101.º da Reforma Aduaneira, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 46311, de 27 de Abril de 1965, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de Novembro, dispõe que “quando, em consequência do mesmo facto tributário, forem devidos direitos de importação e outros impostos a cobrar pela alfândega, observar-se-á o disposto na regulamentação comunitária, designadamente no que respeita ao prazo de caducidade do direito à liquidação, à cobrança a posteriori, ao reembolso e à dispensa do pagamento”.
Nestes termos, quando em consequência do mesmo facto tributário (leia-se importação) for devido outro imposto a cobrar pela alfândega (leia-se IVA devido pela importação de bens, cujo pagamento, face aos disposto nos artigos, 1.º, n.º 1, alínea b); 5.º e 28.º, n.º 3 do Código do IVA, deve ser efectuado junto dos serviços aduaneiros competentes) é aplicável a referida regulamentação comunitária.
A própria Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro (“Directiva IVA”) que estabelece o sistema comum do IVA prevê, em diversos momentos, a remissão do regime do IVA nas importações para o direito aduaneiro, como sucede no segmento relacionado com o facto gerador e exigibilidade do imposto (cf. artigos 70.º e 71.º da Directiva IVA) e com o valor tributável que é constituído pelo valor definido “para efeitos aduaneiros pelas disposições comunitárias em vigor” (cf. artigo 85.º da Directiva IVA).
Deste modo, a preocupação de assegurar o cumprimento de regras comunitárias uniformes no que respeita ao prazo de caducidade do direito à liquidação, à cobrança a posteriori, ao reembolso e à dispensa do pagamento e de evitar situações de divergência e incompatilidade da legislação interna, reveste igual pertinência para os direitos aduaneiros e para os demais impostos indirectos “a cobrar pela alfândega”, nos quais se inclui de forma inequívoca o IVA na importação de mercadorias. Referimo-nos a título ilustrativo, às regras constantes dos artigos 7.º (executoriedade imediata das decisões tomadas pelas autoridades aduaneiras), 217.º e 218.º (registo de liquidação e comunicação ao devedor do montante dos direitos) e 244.º (ausência de efeito suspensivo da interposição de recurso), todos do CAC.
Por outro lado, não se vislumbra fundamento para a restrição que a Requerente preconiza no sentido de que os impostos indirectos a que a Portaria se refere no domínio da importação seriam apenas os Impostos Especiais de Consumo (“IEC”) aplicáveis à importação de mercadorias, com fundamento no facto de a qualificação das mercadorias sujeitas a IEC se fazer através da aplicação das regras de classificação pautal, à semelhança dos direitos aduaneiros.
Desde logo, porque a qualificação das mercadorias sujeitas a IEC não deriva exclusivamente das regras de classificação pautal (da Nomenclatura Combinada), configurando um alicerce argumentativo incompleto da alegada exclusividade dos IEC. Acresce que se essa classificação pautal fosse o critério relevante ou determinante (que não é, pois trata-se antes de evitar a incompatibilidade do RJAT com a disciplina substantiva e procedimental comunitária), também seria de ter em conta que a aplicação das taxas reduzidas de IVA por parte dos Estados-Membros pode ser efectuada por apelo à Nomenclatura Combinada, na definição dos respectivos produtos, “para delimitar com exactidão cada categoria” (cf. artigo 98.º, n,º 3 da Directiva IVA). Assim, tal argumento seria mais um reforço para incluir o IVA na importação no afastamento da vinculação à jurisdição arbitral.
Adicionalmente, a hipótese suscitada pela Requerente de contradição de julgados, entre um tribunal arbitral e um tribunal administrativo e fiscal, em matéria de qualificação é insusceptível de ocorrer neste domínio, de acordo com a posição acima descrita, porquanto, nem os direitos aduaneiros, nem os IEC ou o IVA das importações pode ser sindicado na instância arbitral.
A Requerente vem também invocar, como facto impeditivo da inserção do pedido deduzido no âmbito da norma de exclusão da arbitrabilidade, a circunstância de a cobrança do IVA ter ocorrido em momento posterior ao da introdução em livre prática das mercadorias importadas, com o consequente corte da relação causal entre a importação da mercadoria e as liquidações de IVA aqui contestadas 14.
É pacífico que as liquidações de IVA em crise foram efectuadas em momento ulterior (na sequência de uma acção de controlo, inspectiva, a posteriori prevista no artigo 220.º do CAC) e não no momento da importação. No entanto, o momento em que as liquidações foram efectuadas é irrelevante e não prejudica ou invalida que as mesmas se refiram a uma importação pretérita (como sucede in casu) conquanto sejam respeitados os limites impostos pelo decurso do prazo de caducidade (como foram).
A relação causa efeito entre a importação (facto gerador) e a liquidação do imposto (constituição da “dívida aduaneira” que tem por objecto uma prestação tributária) não resulta afectada ou comprometida por esta relação apenas ter sido identificada a posteriori pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Assim acontece, aliás, com a generalidade dos impostos que sejam oficiosamente liquidados.
Por fim, no que se refere à desigualdade patente no acesso aos tribunais arbitrais para determinar a taxa de IVA aplicável numa operação interna ou intra-UE, face à taxa de IVA devida numa importação, sendo que nesta última estaria restringida a via de acesso aos tribunais arbitrais, essa diferença de tratamento já existe em inúmeros aspectos do regime substantivo do IVA, que a própria Directiva remete, em múltiplas ocasiões atrás assinaladas, para a disciplina aduaneira. O IVA nas importações tem características específicas e um quadro regulatório distinto do IVA nas operações internas ou intracomunitárias.
Dir-se-á mesmo que é essa colagem e remissão constante e sistemática do regime do IVA nas importações para o regime aduaneiro, de igual modo patente no Código do IVA português (cf. artigos 5.º; 7.º, n.º 1, alínea c); 17.º, do mencionado compêndio) que recomenda e postula (ao contrário do que defende a Requerente) que tal matéria (do IVA nas importações) acompanhe as soluções jurídicas substantivas e adjectivas que cabem aos direitos aduaneiros e não aquelas que regem e disciplinam o IVA “interno”.
Afigura-se que se está perante uma desigualdade querida pelo legislador comunitário e nacional que optou por estabelecer diferenças notáveis entre a disciplina aplicável ao IVA interno e ao IVA das importações, designadamente em domínios tão relevantes como os do valor tributável, da caducidade do direito à liquidação do imposto (desde logo quanto ao prazo, de quatro anos no regime interno, e de três anos nas importações, conforme artigos 45.º da LGT e 221.º, n.º 3 do CAC) e da atribuição (ou não) de efeito suspensivo aos meios de contestação dos actos de liquidação.
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As mercadorias (implantes e pilares) estão sujeitas a direitos de importação
O segundo pressuposto cuja verificação é indispensável para a procedência da excepção é o de que a pretensão deduzida respeite a IVA sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação. Segundo a Requerente a importação dos materiais em causa (implantes e pilares) “não está sequer sujeita a direitos aduaneiros”, atenta a classificação pautal no código da Nomenclatura Combinada 9021 29 00 00.
Cabe, neste ponto, distinguir dois planos, o do âmbito de sujeição a direitos aduaneiros e o da eventual aplicação de uma isenção ou “taxa zero” que elimine a tributação efectiva ou o pagamento de direitos aduaneiros.
A classificação pautal das mercadorias em causa, i.e, a sua inclusão no sistema harmonizado da Nomenclatura Combinada coloca tais mercadorias no âmbito (plano) de incidência dos direitos aduaneiros. Neste sentido, as mesmas (mercadorias) são sujeitas a direitos aduaneiros (cf. artigo 20.º, n.º 1 do CAC).
No entanto, o montante dos direitos aduaneiros a pagar é calculado com base nas taxas constantes da pauta aduaneira das Comunidades Europeias, na acepção que lhe é dada pelo artigo 20.º, n.º 3 do CAC, que compreende a Nomenclatura Combinada das mercadorias.
As referidas taxas são, na sua esmagadora maioria taxas ad valorem ou percentuais e podem corresponder a zero. As mercadorias importadas podem além do mais beneficiar de contingentes pautais, de suspensões pautais ou de medidas pautais preferenciais (com taxas reduzidas ou nulas).
Na situação em apreço, não foram devidos direitos de importação porque era aplicável a taxa zero, regime equivalente ao da isenção de imposto. Tal não significa que as mercadorias não estejam sujeitas a direitos de importação, mas tão-só que nesse momento lhes é aplicável um regime de isenção de tais direitos (“taxa zero”), que, aliás, pressupõe que as mesmas [mercadorias] são abrangidas pelo campo de incidência dos direitos aduaneiros.
Pelo que também neste último ponto se entende que a Requerente não tem razão, estando preenchidos os pressupostos da norma excepcional de exclusão da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à jurisdição dos tribunais arbitrais tributários pelas razões e com os fundamentos expostos.
Com efeito, a pretensão material deduzida pelo Requerente, objecto do presente processo arbitral, apesar de ter cabimento no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, enquadra-se na hipótese de exclusão constante do artigo 2.º, alínea c) da Portaria de Vinculação. A matéria em discussão prende-se com a declaração de ilegalidade da liquidação de IVA (e juros inerentes) na importação de implantes e pilares dentários, ficando abrangida na previsão da citada norma da Portaria n.º 112-A/2011, no segmento referente a “impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação“.
À face do exposto, conclui-se pela procedência da excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, relativa à incompetência absoluta deste tribunal arbitral (ratione materiae), ficando, deste modo, impossibilitado o conhecimento das demais questões invocadas.
3. DISPOSITIVO
Em face do exposto, julga-se procedente a excepção de incompetência absoluta com a consequente absolvição da instância da Autoridade Tributária e Aduaneira.
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Fixa-se o valor do processo em € 14.227,48, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
Custas no montante de € 918,00 a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
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Notifique.
Lisboa, 29 de Novembro de 2013
A árbitro
Alexandra Coelho Martins
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.