Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 517/2015-T
Data da decisão: 2016-01-20  Selo  
Valor do pedido: € 44.151,00
Tema: IS -Verba 28.1 TGIS; inconstitucionalidade
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Decisão Arbitral

 

 

1.    RELATÓRIO

 

A… – …, S.A., com sede na Rua … – Edifício …, …, …-… ..., (área do Serviço de Finanças de … …), e com o NIPC … (doravante designada por Requerente), vem, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS), emitida em 20 de março de 2015 e relativa ao ano de 2014, sobre a propriedade do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de …, concelho de ..., sob o artigo …, no valor total de € 44 151,00.

 

Cumulativamente, pede a Requerente a condenação da Requerida na restituição da quantia de € 14 717,00, correspondente ao valor da primeira prestação daquela liquidação, paga em 28 de abril de 2015, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios.

São os seguintes os fundamentos do pedido de anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014:

a.    A norma de incidência subjacente à liquidação impugnada apenas é aplicável aos prédios urbanos habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação e cujo valor patrimonial tributário (VPT) seja igual ou superior a € 1 000 000,00;

b.    A referida norma de incidência afigura-se violadora do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), especificamente previsto no âmbito da tributação do património (artigo 104.º, n.º 3, da CRP)

c.    Nem todos os proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios com VPT igual ou superior a € 1 000 000,00 estão sujeitos a este encargo tributário, mas apenas os que o são de prédios urbanos com aquelas classificações;

d.   E apenas os proprietários, usufrutuários ou superficiários daqueles tipos de prédios urbanos sofrem o encargo do imposto, incidindo a tributação sobre o VPT global dos mesmos;

e.    O princípio da igualdade tributária, concretização do princípio geral da igualdade, impõe a universalidade e a uniformidade do dever de pagar impostos, sendo o critério uniformizador nesta matéria a capacidade contributiva, pressupondo tributação igual para quem tem a mesma capacidade contributiva e tributação diferente para os que têm diferente capacidade contributiva, em função dessa diferença;

f.     O princípio da tributação segundo a capacidade contributiva impõe-se ao legislador ordinário na definição da incidência objetiva do imposto perante a riqueza revelada através do rendimento, do património e do consumo;

g.    Não se descortinam razões que justifiquem que a tributação apenas incida sobre prédios urbanos habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação, excluindo-se do âmbito da incidência objetiva prédios com outro tipo de afetação, mas com o mesmo VPT, indiciadores de igual capacidade contributiva;

h.    A tributação por referência ao VPT da “unidade” prédio, deixa por tributar patrimónios imobiliários compostos por vários prédios de VPT unitário inferior ao definido pela norma de incidência, mas cujo valor total é superior àquele valor;

i.      Também não se vislumbram os motivos para que os proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação, de VPT superior a € 1 000 000,00, sejam tributados pela totalidade do VPT e não apenas sobre o montante que exceda esse valor, quando os proprietários, usufrutuários ou superficiários do mesmo tipo de prédios, de VPT inferior a € 1 000 000,00, não são tributados;

j.      Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, a «“(…) vinculação do sistema fiscal à ideia de justiça social e à diminuição da desigualdade na distribuição social dos rendimentos e da riqueza exige que o mesmo seja progressivo.” – Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, página 1089»;

k.    A progressividade fiscal exige que o valor do imposto aumente em proporção ao aumento da matéria coletável; o Imposto do Selo da Verba 28.1, da TGIS, não assume caráter progressivo, é desproporcional e não contribui para a igualdade na distribuição social da riqueza;

l.      A norma de incidência viola o princípio fundamental da igualdade tributária, quer na perspetiva da igualdade horizontal, por não definir um critério igualitário para a tributação do património imobiliário de igual valor, quer na perspetiva vertical, tributando apenas os prédios de VPT superior a € 1 000 000,00, distinguindo-os dos que têm VPT inferior, e não apenas pela diferença;

m.  Viola ainda o princípio da igualdade na sua dimensão negativa de proibição do arbítrio, pois, sendo compreensível a tributação de imóveis de VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, na perspetiva da justa distribuição da riqueza e da tributação segundo a capacidade contributiva de cada um, já é difícil de antever na opção legislativa uma razão válida para a discriminação que a mesma introduz em sede de tributação do património, onerando apenas uma parte dos contribuintes que revelam riqueza imobiliária de nível idêntico;

n.    A mesma apenas poderá entender-se na consideração de que os prédios habitacionais (ou potencialmente habitacionais), com VPT superior a € 1 000 000,00, são bens imobiliários de luxo, justificando uma tributação acrescida;

o.    No entanto, essa discriminação é inadmissível, porquanto o conceito de luxo remete para a noção de fruição (veja-se a previsão constitucional da tributação do consumo, mas já não a do património) e a fruição de tais imóveis pode ocorrer na esfera de sujeitos diferentes do proprietário ou nem sequer ocorrer (como é o caso dos terrenos para construção) e existem prédios não habitacionais, suscetíveis de merecer a mesma qualificação (hotéis de luxo, campos de golf, etc.), que não são tributados;

p.    Conclui-se, pois, que a norma de incidência em causa consubstancia uma entorse ao caráter universal e uniforme da tributação do património imobiliário, imposto pelo princípio da igualdade, na sua vertente de igualdade fiscal;

q.    Tal como resulta do Acórdão n.º 187/2013, do Tribunal Constitucional, não poderá entender-se que a violação do princípio da capacidade contributiva encontre justificação no Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal, porquanto os compromissos internacionais não podem justificar a violação dos princípios basilares do Estado de Direito;

r.     É forçoso concluir-se que o Imposto do Selo sobre a propriedade, usufruto e direito de superfície de prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, previsto na verba 28.1, da TGIS, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária previsto nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3, da CRP, o que justifica a inconstitucionalidade material da liquidação de Imposto do Selo impugnada.

Termina a Requerente por invocar “expressa, principal e autonomamente” a inconstitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS, face ao que pede a anulação da liquidação em causa e a restituição do valor pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, da LGT.

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta, em que diz entender não assistir razão à Requerente e defendendo que a liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantida, com os seguintes fundamentos:

a.    Com o aditamento da verba 28.1, da TGIS, pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, o IS passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00;

b.      Com a alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, o IS previsto na verba 28.1, da TGIS, passou também a incidir sobre prédios habitacionais e terrenos para construção “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”;

c.       Após a entrada em vigor desta norma, ficou claro que a definição de prédio habitacional para efeitos de sujeição a IS é a que resulta do n.º 1 do artigo 2.º, do CIMI; por sua vez, o n.º 1 do artigo 6.º do CIMI dispõe acerca das espécies de prédios urbanos, englobando neste conceito os terrenos para construção;

d.      A jurisprudência invocada pela Requerente foi emitida no âmbito da anterior redação da norma de incidência, não sendo aplicável ao caso em concreto;

e.       A liquidação impugnada foi praticada de acordo com a verba 28.1 da TGIS em vigor, que não viola qualquer parâmetro constitucional, designadamente o princípio da igualdade e da capacidade contributiva;

f.       A Constituição da República obriga a tratamento igual do que for necessariamente igual e diferente do que for essencialmente diferente, apenas impedindo as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as que não tenham justificação e fundamento material bastante, que se afigurem destituídas de fundamento razoável, o que constitui o limite constitucional da proibição do arbítrio;

g.      A Lei n.º 55-A/2012, de 20.10, teve na sua base a Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em cuja exposição de motivos se refere que «A prossecução do interesse público, em face da situação económico-financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental. Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho.» Declarou-se: «é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros».

h.      Para além de conceber a verba 28.1 da TGIS como instrumento de obtenção da receita fiscal necessária para o esforço de consolidação orçamental previsto no Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF), o Governo concebeu-a como «uma medida de igualdade, que se destinava a reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantido uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento», sendo que a igualdade na repartição dos sacrifícios visada com a verba 28.1 da TGIS pelo «esforço fiscal exigido» aos proprietários de «prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor» comparava com «aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho». (Sublinhado e negrito no original)

i.        A tributação em sede de imposto do selo constante da verba 28 obedece ao critério de adequação, na medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, cuja aquisição evidencia implicitamente uma determinada capacidade económica;

j.        É constitucionalmente legítima a opção legislativa da verba 28 da TGIS, justificada pelo princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva, não consubstanciando violação de qualquer comando constitucional nem havendo lugar a qualquer censura do ponto de vista dos parâmetros constitucionais;

k.      Por todo o exposto, resulta assim evidente que a liquidação em crise consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido;

l.        O artigo 4.º do Código Civil proíbe o recurso à equidade pelos tribunais; assim, a vingar a pretensão da Requerente, a decisão arbitral seria inconstitucional ao fazer uma censura do ato praticado tendo em conta outros critérios que não o da legalidade, implicando violação do princípio constitucional de separação de poderes.

Termina a AT por requerer a dispensa de junção do processo administrativo, da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, bem como da realização de alegações.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no CAAD em 29 de julho de 2015, tendo sido aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 31 de julho de 2015.

 

A Requerente informou que não pretendia designar árbitro, pelo que, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º, do RJAT, foi a signatária nomeada árbitro pelo Exm.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, encargo que aceitou no prazo legalmente previsto, sem oposição das Partes.

 

O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 28 de outubro de 2015 e é materialmente competente para apreciar e decidir o litígio objeto dos presentes autos.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo as Partes apresentado alegações escritas sucessivas.

 

 

2.    MATÉRIA DE FACTO

2.1. Factos que se consideram provados:

2.1.1. Quer à data da produção do facto tributário, quer à data do pedido de constituição do tribunal arbitral, a Requerente era proprietária do prédio urbano inscrito sob o artigo … da freguesia de …, concelho de ..., com o valor patrimonial de € 4 415 100,00;

2.1.2. De acordo com a caderneta predial obtida via internet, o imóvel identificado (Lote …, sito em … - ...) é um lote de terreno para construção, com a área total de 17 245,0000 m2;

2.1.3. Em nome da Requerente e por referência ao referido prédio urbano, foi emitida, em 20 de março de 2015, para pagamento voluntário em três prestações anuais, a liquidação de IS (verba 28.1, da TGIS) do ano de 2014, cuja primeira prestação consta da nota de cobrança n.º 2015 …;

2.1.4. A nota de cobrança n.º 2015 …, no valor de € 14 717,00, foi paga pela Requerente em 28 de abril de 2015.

 

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da análise da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (cópias da caderneta predial do imóvel identificado, do comprovativo do pagamento da nota de cobrança emitida em nome da Requerente), não contestada pela Requerida.

 

2.3. Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

3.        MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO

A única questão a decidir nos presentes autos é a da inconstitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS, por violação dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva.

 

A referida norma, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014), aplicável à situação em análise, dispõe que o Imposto do Selo incide sobre a “ 28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1%

(…).

 

Apreciação:

1.    O sistema fiscal, enquanto conjunto de impostos vigente num determinado espaço jurídico, deve participar de certas caraterísticas, como sejam a equidade na distribuição da carga fiscal entre os cidadãos e a eficácia financeira, de modo que as receitas geradas sejam adequadas à satisfação das necessidades financeiras e objetivos de política orçamental[1].

2.    Há no entanto que distinguir entre os impostos fiscais, que têm como principal objetivo a arrecadação de receitas e os impostos extrafiscais, através dos quais se prosseguem outras finalidades que não a obtenção de receitas. Entre nós, de acordo com o n.º 1 do artigo 103.º, da CRP, “O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza” tendo como principal escopo a arrecadação de receitas que permitam a satisfação das necessidades públicas.

3.    Mesmo os impostos fiscais tenderão à igualdade na repartição dos encargos entre os contribuintes, aferida pela sua capacidade contributiva, cujo principal índice é o rendimento[2], sem prejuízo de a mesma ser observada na tributação do património ou de outras manifestações de riqueza que possam ser, também, indiciadoras dessa capacidade.

4.    A igualdade jurídica exige a proibição do arbítrio, as vantagens ou desvantagens infundadas na atribuição de direitos ou na imposição de deveres pelo que, tal como se escreveu no Parecer n.º 14/78, da Comissão Constitucional, “ (…) a satisfação de exigências postas pela Constituição ou por outras razões, imporão, por vezes, que a lei não seja aparentemente igual para todos os cidadãos, desde que tais desvios aparentes se não possam apresentar como expressão de privilégios ou encargos ligados às pessoas como tais. São desigualdades legislativas de compensação ou de concreta igualização de condições harmónicas ainda com o princípio da igualdade, no seu mais exigente e moderno sentido de igualdade social ou de facto[3].

5.    No que respeita ao princípio da igualdade fiscal, escreveu-se no Parecer n.º 5/81, da Comissão Constitucional: “O princípio da igualdade, no terreno dos impostos, encontra-se formulado na Constituição, resultando do disposto no referido artigo 13.º, em conjugação com o preceituado nos artigos 105.º, 106.º e 107.º (atuais artigos 103.º, 104.º e 105.º, da CRP, após a 4.ª revisão constitucional).

E na base deste princípio da igualdade tributária está o conteúdo material do Estado de Direito, tendendo para a proibição do tratamento desigual que se não funde em razões objetivas.

Deste modo, o princípio da igualdade comporta um duplo conteúdo: um que é negativo – que se traduz no princípio da generalidade – e um outro que é positivo, que se traduz no princípio da capacidade contributiva.

Esta igualdade é, contudo, necessariamente relativa e não impede que o legislador escolha e trate livremente as situações da vida que considere como factos tributáveis.

O mais que deverá é atender, na seleção que venha a fazer, a que a situação escolhida seja reveladora de capacidade contributiva. A isto ele não deverá fugir e sempre há de ter em conta tal capacidade na definição dos critérios da medida do tributo”.

6. Assim, sendo a igualdade fiscal necessariamente relativa, o princípio da capacidade contributiva “tem que ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal” – cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 711/2006.

7. A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, foi aprovada num contexto de desequilíbrio orçamental em que se tornou necessária a arrecadação suplementar de receitas fiscais, tendo em vista o cumprimento das metas orçamentais estabelecidas no âmbito do Plano de Assistência Económica e Financeira (PAEF) e fixadas no Memorando de Políticas Económicas e Financeiras.

8. A exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, que esteve na origem da Lei n.º 55-A/2012, refere que “A prossecução do interesse público, em face da situação económico-financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá (…) a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.

Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa.

Nestes termos, será agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, passando as respetivas taxas de 25% para 26,5% em sede de IRS. As taxas de tributação aplicáveis aos rendimentos obtidos de, ou transferidos para, os paraísos fiscais são também agravadas para 35%.

Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros. (…)” (Sublinhados nossos).

9. Aquando da discussão do diploma na Assembleia da República, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais fundamentou deste modo as medidas fiscais ali propostas (Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012, págs. 31 e 32): “O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal. No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos – os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas a suportar os encargos fiscais. Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o agravamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos. Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço orçamental seja repartido por todos os contribuintes e incida sobre todos os tipos de rendimento, abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. (…). Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua real capacidade contributiva (…). Neste sentido, o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efetivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de sectores da sociedade portuguesa. Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre os rendimentos do capital e sobre as mais-valias mobiliárias; e o reforço das regras de combate à fraude e à evasão fiscais.

Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço adicional exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”. (Sublinhados nossos).

10. De acordo com Sérgio Vasques, “A sujeição de elementos avulsos do rendimento – como do consumo ou do património representa por definição uma lesão do princípio da capacidade contributiva”, no entanto, acrescenta o Autor, a mesma poderá ter justificação “por razões de ordem técnica ou extrafiscal, mas apenas quando se revele necessária, adequada e proporcionada à concretização desses mesmos objetivos[4].

11. A tributação da propriedade de prédios urbanos habitacionais (e de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação), de VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, “enquanto medida fiscal dirigida a afetar mais intensamente os titulares de direitos reais de gozo sobre prédios urbanos de vocação habitacional e de mais alto valor, ao alcance apenas dos detentores de força económica elevada”, revela uma inequívoca capacidade contributiva, por se reportar a prédios de valor bastante superior ao da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, ainda que potencial, “suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade” – Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, de 11 de novembro.

12. Por outro lado, como consta da fundamentação do mesmo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, que aqui se segue, o facto de o Imposto do Selo da verba 28.1, da TGIS, incidir sobre a propriedade concentrada num imóvel de VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, deixando de tributar patrimónios de valor por vezes muito mais elevado, mas em que nenhum dos imóveis que o integram atinja aquele VPT: “(…) A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba nº 28 assume a natureza de imposto parcelar (assim, JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário. (…) Cabe referir que a Constituição não impõe ao legislador a criação de um imposto geral sobre o património, atribuindo à tributação sobre o património a função de contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104º, nº 3, da Constituição), sendo o legislador livre quanto à solução a adotar (…)”.

13. No que respeita à incidência do IS apenas a partir do patamar de € 1 000 000,00, continua a fundamentação do mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 590/2015: “Cabe referir que a existência de resultados aplicativos distintos perante valores muito aproximados - por excesso ou por defeito - de uma expressão quantitativa estipulada normativamente como limite – positivo ou negativo – de um qualquer efeito jurídico é conatural à respetiva fixação pelo legislador. Seja na definição da incidência fiscal, seja na estatuição de isenções ou benefícios fiscais assentes em critérios de valor, é sempre possível encontrar exemplos de contribuintes com tratamento diferenciado a partir de uma variação quantitativa de muito reduzida expressão”.

14. Por fim, sempre se dirá que o facto de o imóvel sobre o qual incidiu a liquidação impugnada ser um bem de investimento, afeto a operações imobiliárias habitualmente desenvolvidas pelo proprietário, não afetando a capacidade contributiva revelada, determinará que a tributação pela verba 28.1, da TGIS, seja suscetível de alguma atenuação no âmbito empresarial, já porque constitui custo da atividade, já pela possibilidade de repercussão (nos preços) que, em maior ou menor grau, sempre existe mesmo nos impostos sobre o rendimento das empresas.

15. Face ao exposto, conclui-se que a verba 28.1, da TGIS, não é suscetível da censura constitucional peticionada pela Requerente, por se não verificar a violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, em qualquer das vertentes invocadas.

 

4.        DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados, decide-se:

4.1. Não julgar inconstitucional a norma da verba 28.1, da TGIS, na sua aplicação ao caso concreto;

4.2. Julgar improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral e determinar a manutenção da liquidação de Imposto do Selo de 2014 impugnada.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 44 151,00 (quarenta e quatro mil, cento e cinquenta e um euros).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 2 142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros), a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 20 de janeiro de 2016.

 

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 

 



[1] Neste sentido, cfr. PEREIRA, Paulo T., AFONSO, António, ARCANJO, Manuela, SANTOS, José C. G., “Economia e Finanças Públicas”, Escolar Editora, Lisboa, 2005, págs. 205 e ss.

[2] Cfr., entre outros, RIBEIRO, J. J. Teixeira, “Lições de Finanças Públicas”, 5.ª edição, Coimbra Editora, 1995, págs. 264 e ss e VASQUES, Sérgio, “Manual de Direito Fiscal”, 4.ª Reimpressão, Almedina Coimbra, 2014, págs. 253 e 254.

[3] Apud João Martins Claro, “O princípio da Igualdade”, in Jorge Miranda, org. “Nos Dez Anos da Constituição”, Lisboa INCM, 1986, págs. 29 e ss.

[4]   Ob. cit. Pág. 255.