Acórdão Arbitral
Os Árbitros, Fernanda Maçãs (Presidente), Fernando Araújo e Jorge Landeiro Vaz, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:
I – RELATÓRIO
1. A contribuinte A..., SGPS, S.A., com o NIPC ... (doravante "Requerente"), apresentou, no dia 16 de Abril de 2015, pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT"), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT" ou "Requerida").
2. Em tal pedido, solicita a Requerente a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade da demonstração de liquidação IRC/2010 nº 2014..., de 5 de Novembro de 2014, da demonstração de acerto de contas nº 2014..., de 18 de Novembro de 2014 e da demonstração de liquidação de juros compensatórios nº 2014..., de 18 de Novembro de 2014, referentes ao ano de 2010 e resultantes de uma correcção ao lucro tributável no mesmo exercício, na sequência de um procedimento de inspecção, de que resultou um valor total a pagar de €2.360.917,23, formulando, em consequência, pedido de anulação de tais actos tributários, arrolando, em sede de prova, quatro testemunhas.
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 20 de Abril de 2015.
4. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 12 de Junho de 2015, as partes foram notificadas de tal designação, não tendo arguido qualquer impedimento.
6. O Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 29 de Junho de 2015, em conformidade com o previsto nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, n.º 1, e 11º, n.º 1 do RJAT (com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).
7. No pedido de pronúncia arbitral, por si oferecido, a Requerente invoca, em síntese, que:
a) Da liquidação de IRC/2010 e liquidação de juros compensatórios, resultou um valor total a pagar de € 2.360.917,23, padecendo, porém, tal acto, de ilegalidade;
b) A Requerente é um sujeito passivo de IRC, enquadrado no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), que, à época dos factos, era entidade dominante de um grupo fiscal constituído por si e por 19 sociedades dominadas;
c) O lucro tributável foi calculado pela sociedade dominante através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC do exercício de 2010 entregues por cada uma das sociedades integrantes do grupo;
d) O lucro tributável sujeito a IRC é, por definição legal, constituído pela soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes a esse grupo societário submetido a esse regime nos termos do n.º 1 do artigo 70.º do Código do IRC na redacção em vigor à data dos factos sub judice. Já o lucro individual de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo não é lucro tributável sujeito a IRC mas apenas um valor que concorre para a formação do lucro tributável do grupo;
e) A Requerente tem legitimidade para impugnar a liquidação de IRC, na medida em que essa liquidação tem a sociedade dominante como única destinatária e origina uma dívida de que é devedora essa mesma sociedade dominante. Não obstante as sociedades dominadas, cujas correcções à matéria tributável influenciaram a liquidação em apreço, mantêm a respectiva personalidade quer jurídica, quer tributária, assistindo-lhes o direito a serem notificadas, bem como o direito a obterem tutela jurídica. Não tendo, o acto de liquidação, sido notificado às sociedades dominadas, não pode aquele consolidar-se na ordem jurídica nem na esfera das sociedades dominadas, sob pena de violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva;
f) No que diz respeito à sociedade dominante, é infundada a invocação do n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, como suporte jurídico para a correcção, efectuada pela AT, ao prejuízo fiscal declarado individual da A..., no montante de € 188.801,20, relativa a encargos financeiros suportados com a alegada aquisição de partes de capital e que concorreram para a formação do lucro tributável da A...;
g) Assim, a correcção oficiosa realizada ao lucro tributável individual da Requerente teve por base exclusiva uma análise aos encargos financeiros passíveis de dedução, tendo em conta o facto de a Requerente ser uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), quando é incontestável que o Legislador, relativamente ao impedimento na dedutibilidade de encargos financeiros, estabeleceu apenas limites aos encargos que fossem conexos com a aquisição de partes de capital;
h) A AT afronta o princípio da legalidade tributária, desvirtuando esta opção legislativa, quando emitiu a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços de IRC, em que considera que, por razões de praticabilidade, se deveria atender a uma fórmula que permitisse descortinar um valor de passivo remunerado que fosse imputado, mesmo que ficcionalmente, a uma pretensa aquisição de partes de capital. Com tal circular, invade, a AT, o campo de acção do Legislador Tributário, colocando em causa o princípio constitucional da legalidade tributária plasmado no artigo n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa;
i) Os passivos remunerados da Requerente cingiram-se a operações destinadas à cobertura de tesouraria, tendo € 297.000 sido objecto de restituição, não tendo qualquer montante sido afecto, ao contrário do que ilegalmente sustenta a AT, na aquisição de participações sociais;
j) Quanto à ENTIDADE INDIVIDUAL: B..., S.A. (Sociedade dominada), é infundada a correcção (no valor de € 2.290.435,49) ao prejuízo fiscal declarado, decorrente da desconsideração fiscal da dedução de encargos financeiros suportados com o financiamento obtido junto de terceiros. Tal desconsideração baseia-se num cenário meramente hipotético e idealizado pela AT tendo por base considerações meramente subjectivas e sem qualquer suporte fáctico ou jurídico e gera grave intromissão da liberdade de gestão reconhecida aos agentes económicos em clara postergação do direito da iniciativa privada, constitucionalmente tutelado pelo n.º 1 do artigo 61.º da CRP;
k) Todos os pressupostos de que depende dedutibilidade fiscal dos gastos se encontram manifestamente preenchidos no caso dos gastos cuja consideração fiscal se discute, pelo que a liquidação de IRC assenta em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, já que: o custo é efectivo (existente, real); foi, em obediência aos critérios de imputação temporal, devidamente contabilizado como tal; encontra-se comprovado, assume natureza indispensável; a ele houve lugar para obtenção de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora e não existe qualquer preceito que negue directa ou indirectamente a respectiva dedutibilidade;
l) Não cabe à AT avaliar o mérito dos gastos para a manutenção da fonte produtora ou obtenção de rendimentos, por caber, esse juízo, exclusivamente ao empresário. Entendimento diverso significaria, como sucede no caso em análise, ingerência injustificada da AT nos juízos de conveniência da empresa;
m) A lei não impõe que o gasto seja relacionado com o objecto social, sendo este erigido apenas pela doutrina como bitola para aferir da dedutibilidade do gasto;
n) O conceito de objecto social abrange qualquer actividade que a sociedade efectivamente desenvolva;
o) Com a aquisição de participações sociais, a B... estava, à data, a potenciar a obtenção de proveitos futuros, quer a nível de dividendos (repete-se, recebeu já € 8.000.000 respeitantes aos exercícios 2012 e 2013), quer a nível de mais-valias num cenário de desinvestimento, pelo que a dedutibilidade fiscal dos gastos relacionados com a aquisição da participação gera uma perspectiva de ganhos futuros, não podendo assim aqueles ser postos em causa. Ademais, sempre seriam os custos incorridos para a manutenção da fonte produtora;
p) Quanto à ENTIDADE INDIVIDUAL: C..., S.A., (Sociedade dominada), carece de fundamento a correcção (no valor de € 1.868.138,54), relativamente à desconsideração da dedução encargos financeiros suportados com o financiamento obtido junto de terceiros, sendo, quanto a esta sociedade, transponível tudo quanto anteriormente se referiu quanto aos pressupostos legais relativos à dedutibilidade fiscal dos gastos suportados pela B..., por lhe subjazerem os mesmos argumentos;
q) Por outro lado, também é necessário interpretar o artigo 23.º do Código do IRC (o qual, à data dos factos, abarca uma noção de gasto ampla, seguida por uma enumeração das várias despesas susceptíveis de serem inseridas no leque), no sentido de que a aferição da dedutibilidade do gasto fiscal não se pode subsumir apenas à conexão causal directa e imediata entre o custo e um correlativo proveito (cuja obtenção poderá ser diferida no tempo), mas também importa e deverá aferir-se se esse custo é indispensável para a manutenção da fonte produtora, ou seja, esta aferição far-se-á por um destes dois critérios alternativos;
r) É também de entender que o mencionado artigo não exige que tal sujeição a imposto seja imediata;
s) Se as mais-valias eram sujeitas a tributação nos termos do artigo 43.º do Código do IRC (em vigor à data), sem possibilidade de beneficiar de qualquer regime de isenção (quando muito, a tributação poderia ser atenuada em 50%, mediante aplicação do regime do reinvestimento, caso fossem verificados um conjunto de requisitos), já os dividendos eram também sujeitos a tributação, ainda que pudessem beneficiar da dedução prevista no artigo 51.º do Código do IRC (em vigor à data);
t) A C... procedeu ainda a empréstimos às participadas, com os inerentes juros recepcionados, os quais concorreram para a formação do respectivo lucro tributável;
u) Quanto à ENTIDADE INDIVIDUAL: D..., S.A., (Sociedade dominada), carece de fundamento a correcção (no valor de € 485.085,54), relativamente a despesas de deslocações e estadas que foram consideradas como tendo sido indevidamente tratadas como gasto para efeitos fiscais;
v) A AT incorre em notória confusão de conceitos, quando não corrobora a aceitação fiscal de gastos por, alegadamente, não terem sido comprovados como tendo sido indispensáveis para a prossecução da actividade empresarial: se, por um lado, considera que para um custo ser fiscalmente aceite é necessário que seja “comprovadamente indispensável”, por outro lado, acaba por concluir que os custos, apesar de relevados na contabilidade, não se encontram devidamente documentados, o que revela uma fundamentação contraditória e deficiente, equivalente a falta de fundamentação;
w) A obrigatoriedade de comprovação do custo não se encontra legalmente prevista, na medida em que, ao contrário do que sucede, nomeadamente, com os encargos suportados com compensações pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º na redacção em vigor à data, a lei não faz depender a comprovação ou dedutibilidade do gasto dos requisitos que a AT parece querer fixar;
x) As despesas incorridas enquadram-se no âmbito de um quadro de interesse social, com vista à prossecução do escopo empresarial, que a AT não considerou, numa actuação não fundamentada e eivada de discricionariedade recusou a dedução dos custos correspondentes;
y) A E..., S.A. (F...) celebrou um acordo relativo a horas de voo em jactos privados, os quais são utilizados pelos membros do Conselho de Administração da D... para efeitos de deslocação com vista, entre outros, à realização de reuniões nas diversas participadas, situadas fora de Portugal, e bem assim de reuniões sobre oportunidades de negócios, sendo que, atendendo à dispersão geográfica das unidades de negócio do grupo que a D... integra, a deslocação dos membros do Conselho de Administração com recurso a este meio de locomoção é a única que permite evitar gastos temporais desnecessários inerentes às esperas, atrasos e outros imponderáveis a que se encontram sujeitas as viagens de avião em carreira regular;
z) Em virtude das despesas incorridas, nomeadamente com as deslocações aqui em causa, a D... debita posteriormente, às respectivas participadas, fees de gestão, em função do respectivo volume de negócios, que, no exercício de 2010, ascenderam ao valor de € 4.478.955, não tendo a AT posto em causa tais valores;
aa) Deve, nessa parte, ser anulada a liquidação de imposto e de juros compensatórios;
bb) Quanto à ENTIDADE INDIVIDUAL: G..., S.A., (Sociedade dominada), revela-se infundada a correcção (no valor de €32.583,84), relativamente a despesas de deslocações e estadas que foram consideradas como tendo sido indevidamente tratadas como custo fiscal;
cc) A fundamentação da AT incorre em erro nos pressupostos de direito, porquanto toda a explanação vai no sentido de considerar o encargo não devidamente documentado (requisito da comprovação) para depois extrapolar para o facto de não se mostrar “indispensável para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto” (requisito da indispensabilidade), sendo que, quanto a este último requisito, a fundamentação da AT não é clara;
dd) Os gastos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, a todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo, o que se verifica quanto às despesas das viagens a El Salvador, Manágua, Guatemala, Honduras, Costa Rica, Colômbia e ao Brasil, pelo que a liquidação de imposto correspondente a esta correcção e respectivos juros compensatórios na parte aqui em causa, se encontra inquinada de erro sobre os pressupostos de facto e de Direito;
ee) Quanto à ENTIDADE INDIVIDUAL: H..., S.A., (Sociedade dominada), é ilegal a correcção no valor de €36.644,20 e de € 172.011,89, correspondentes, respectivamente, a gastos com deslocações e estadas e variações patrimoniais negativas decorrentes do regime transitório do Decreto-Lei 159/2009;
ff) O fundamento de tal ilegalidade corresponde ao que foi aduzido nos artigos 190.º a 204.º da petição inicial, para aí se remetendo;
gg) Não procede o argumento de que não se conhecem proveitos associados a esses gastos, já que esta exigência para efeitos da aceitação do gasto para efeitos fiscais não se encontra legalmente prevista;
hh) As despesas cuja dedutibilidade fiscal a AT põe em causa foram incorridas no âmbito do objecto da empresa com vista à obtenção de proveitos ou à manutenção da fonte produtora;
ii) No que diz respeito aos gastos relativos a benfeitorias, a H... aplicou a prerrogativa, que lhe foi reconhecida pelo legislador fiscal, de reconhecer, num período de cinco anos, os efeitos, nos capitais próprios, da transição para as IAS, o que determina a improcedência do entendimento da AT;
jj) A Requerente aceita a correcção no valor de € 29.175,00, no que concerne a constituição de provisão para garantias de vendas não aceites pela AT;
kk) Incorrendo, na parte restante, a AT, em erro sobre os pressupostos de facto e de Direito, devem as liquidações em apreço ser anuladas, na parte que se contesta;
ll) Quanto à ENTIDADE INDIVIDUAL: I..., S.A., (Sociedade dominada), é ilegal a correcção no valor de €1.073.508,96, relativamente à desconsideração da dedução de encargos financeiros suportados com o financiamento obtido junto de terceiros;
mm) A I... não concedeu qualquer empréstimo à sua participada, tendo antes realizado prestações suplementares que, de acordo com o seu regime legal, são qualificadas contabilisticamente como um elemento integrante do capital próprio, não se compreendendo em que medida se poderá considerar que os gastos incorridos são alheios à actividade da I..., porquanto a Requerente aplicou capitais alheios na sua exploração, e com esses fundos constitui prestações suplementares, como forma de exercício e manutenção da sua actividade e fonte produtora;
8. A Requerente conclui, formulando pedidos no sentido da:
a) declaração de ilegalidade das liquidações enunciadas como demonstração de liquidação de IRC/2010 n.º 2014 ... de 2014-11-05, a demonstração de acerto de contas/compensação n.º 2014 ... de 2014-11-18 e a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.ºs. 2014..., com base em vício de violação da Constituição e da lei por erros nos pressupostos de facto e de Direito de que padecem e a correspondente anulação na parte ora contestada, com todas as legais consequências, bem como
b) da anulação, na parte contestada, das referidas liquidações, com todas as legais consequências.
9. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 17.º do RJAT, foi a Requerida notificada, em 1 de Julho de 2015, para apresentar resposta.
10. A AT apresentou a sua resposta em 22 de Setembro de 2015, acompanhada do Processo Administrativo, onde, além de arrolar uma testemunha, sustentou a total improcedência do pedido da Requerente, alegando, em síntese, o seguinte:
a) As razões de facto e de direito invocadas pela Requerente não constituem fundamento válido das pretensões formuladas, devendo estas, por isso, improceder;
b) Os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças do ... procederam à emissão da Ordem de Serviço nº OI2014..., no sentido de darem a conhecer à aqui Requerente as correções efetuadas na esfera individual de cada uma das sociedades dominadas (incluindo a sociedade dominante na sua esfera individual) e, ainda, promover a liquidação adicional de IRC do período de tributação de 2010 - o que veio a ocorrer a partir da elaboração do respetivo “DOCUMENTO DE CORREÇÃO” (apenas praticando um ato de liquidação do imposto), sendo que só a aqui Requerente, na esfera do grupo de sociedades, poderia ser, como foi, destinatária das liquidações reclamadas porquanto só ela é o “sujeito passivo de facto” e a responsável principal pelas prestações pecuniárias do grupo. Logo, não se vê razão para sustentar que o mesmo deva, também, ser notificado a quem dele não é sujeito passivo;
c) No que diz respeito à sociedade dominante, não se vislumbra, da leitura da letra da lei do nº 2 do Artigo 32º do EBF, que não possa ser aplicado um método de afetação de encargos financeiros, suportados pelas SGPS, à aquisição de participações sociais - uma vez que aquela norma não prevê, expressamente, quais os métodos de cálculo a utilizar na afetação dos encargos financeiros, a AT, perante a dificuldade e por vezes a total impossibilidade da utilização de um método direto, tem de interpretar e aplicar a lei, ao abrigo do disposto no nº 2 do Artigo 9º do Código Civil, utilizando um método de rateio, sem deixar, contudo, de cumprir os princípios básicos do direito tributário, pelo que a aplicação da lei terá de ser a constante da Circular nº 7/2004, sendo que o entendimento veiculado pela orientação administrativa não implica qualquer violação do princípio da legalidade tributária;
d) Se a razão da lei, da norma prevista no nº 2 do Artigo 32º (anterior Artigo 31º) do EBF, passa por acautelar um regime de neutralidade fiscal dos rendimentos (proveitos) e gastos (custos) associado às mais-valias não concorrentes para a formação do resultado fiscal das SGPS, garantindo-se que a um rendimento que não releva para efeitos fiscais o gasto (custo) respetivo também não releva para os mesmos efeitos, então, para alcançar esta neutralidade fiscal, qualquer método (direto ou indireto) é aceitável para a garantia e salvaguarda daquela razão da lei;
e) Não é percetível que a orientação administrativa vertida na Circular nº 7/2004 de 30 de março da DSIRC contenha normas de incidência, de determinação de taxa e de liquidação em violação do princípio da legalidade fiscal previsto nos nºs 2 e 3 do Artigo 103º da Constituição da Republica Portuguesa;
f) Não é a Circular n.º 7/2004 que cria normas de incidência, mas é a própria lei, interpretada nos termos acima expostos, que afasta a dedutibilidade dos encargos financeiros (incorridos com financiamentos ligados à aquisição das participações sociais alienadas e que realizam, ainda que potencialmente, mais-valias excluídas de tributação), para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício em que são incorridos;
g) A explanação, na circular em discussão, do método a utilizar para efeitos dos encargos financeiros às participações sociais, além de promover a segurança jurídica, contribui para a realização efectiva das finalidades extrafiscais acima enunciadas (e que presidiram à própria criação do regime especial das SGPS) e tem a virtualidade, não menos importante, de obstar a que os contribuintes utilizem o normativo em causa para prosseguirem fins completamente alheios aos fins visados na lei e que subvertem a justiça de todo o sistema fiscal;
h) As operações a que a Requerente designa por “destinadas à cobertura de tesouraria” mais não são do que operações de contração de empréstimos destinados a amortizar parte de dívidas (outros empréstimos) constituídas anteriormente a 2008, o que em boa verdade não contradiz que os passivos remunerados, da Requerente, se destinaram à aquisição de participações sociais, sendo que o que é relevante é a substância ou finalidade dos empréstimos/financiamentos e não a sua forma, independentemente da qualificação jurídica efectuada pela Requerente, nomeadamente como uma operação de tesouraria, uma operação de papel comercial ou uma operação empréstimo puro;
i) Não obstante lhe ter sido concedida essa faculdade, a Requerente não contestou o valor, nem a imputação dos passivos remunerados imputáveis às partes de capital às detidas, não tendo também, em sede de pedido de pronúncia arbitral, apresentado quaisquer meios de prova que possam indicar, clara e inequivocamente, que os respetivos passivos remunerados imputáveis às partes de capital foram utilizados para outros fins, assim não cumprindo o ónus que sobre si impende de acordo com os artigos 342.º do Código Civil e 74.º, n.º 1, da LGT;
j) No que diz respeito à ENTIDADE INDIVIDUAL: B..., S.A., releva a circunstância de, à data dos factos, serem dois os requisitos que a norma cumulativamente impunha, pelo que bastaria o não cumprimento de um deles para que os gastos já não fossem elegíveis para efeitos de determinação dos resultados fiscais. Porque assim, e considerando a circunstância de os encargos invocados por esta sociedade, não serem indispensáveis para a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da empresa, não representam, tais encargos, gastos/custos para efeitos fiscais, à luz do disposto no n.º 1 do art. 23.º do CIRC;
k) A B... não dispõe, desde a sua constituição, de qualquer estrutura material ou humana, não tem pessoal ao seu serviço, não tem quaisquer ativos tangíveis ou intangíveis ou dispõe de capacidade financeira própria, que lhe permitisse suportar os encargos de juros debitados semestralmente pela D..., pelo que, recorreu sistematicamente a novos empréstimos junto da sua titular de capital, também onerados com juros, meios financeiros que canalizou, nas mesmas datas, para a mesma D...;
l) O objetivo da constituição da B... foi o de acolher a participação financeira de 40% na I..., no valor de € 100.000.000,00, que, desta forma, passou a ser detida e controlada, indiretamente, pela D..., sua única accionista, sendo esta que continua a financiar o débito dos seus próprios juros e que se constituem em nova dívida, dado que a primeira sociedade não possuía, nem possui qualquer capacidade financeira ou qualquer estrutura (meios materiais e humanos) para o exercício de actividade;
m) A corroborá-lo relevam, designadamente, os factos de: a B... ter a sede no mesmo local da sede da sua acionista D... e não dispõe de outras instalações, não tendo pessoal ou ativos tangíveis ou intangíveis; os únicos gastos/custos registados pela B..., além dos juros debitados pela D..., serem encargos com a execução da sua contabilidade, de serviços de revisão de contas e de auditoria e de serviços de manutenção das contas bancárias, mas que representam valores ainda mais reduzidos; só em 2013, ou seja, ao fim de 7 anos sem auferir qualquer proveito, ganho ou rendimento, e sem exercer qualquer actividade, dita operacional/normal e no âmbito do seu escopo societário, terem sido distribuídos dividendos, sendo que, os mesmos beneficiarão da eliminação da dupla tributação económica prevista no art. 51.º do CIRC; a sociedade não ter obtido, ainda assim, no período em análise (2010) e desde a sua constituição, quaisquer rendimentos ou proveitos;
n) A mera circunstância de os gastos se encontrarem contabilizados, com documento de suporte e a correspondente saída financeira não permite, sem mais, a sua aceitabilidade fiscal, sendo, ademais, necessário, que aqueles se afigurem indispensáveis;
o) Os encargos financeiros, suportados pela B... para a aquisição de participações sociais, porque não têm qualquer relação com a atividade de exploração, de acordo com o objecto social de “ACTIVIDADES DE ENGENHARIA E TÉCNICAS AFINS”, não cumprem o requisito da indispensabilidade previsto no nº 1 do artigo 23º do Código do IRC. Não implicou, assim, a correção efectuada pela Requerida, intromissão da Administração Fiscal na gestão da Requerente, nem da sindicância dos seus actos, os quais só a si cabe decidir e concretizar;
p) Quanto ao invocado princípio constitucional da tributação pelo lucro real, encontra-se, a Administração Fiscal, legitimada, por lei, para efectuar ajustamentos aos custos declarados decorrentes das limitações fiscais relativas aos montantes ou natureza de alguns custos, podendo proceder a correcções ao lucro tributável declarado pelo contribuinte quando não se mostram cumpridos os pressupostos definidos por lei para efeitos de dedutibilidade dos custos incorridos, como lhe impõe, aliás, o principio da legalidade, sem que tal constitua violação do principio da tributação pelo rendimento real;
q) Quanto à ENTIDADE INDIVIDUAL: C..., S.A, verificou-se, em sede de inspeção, que, desde que foi constituída, sem dispor de qualquer estrutura material ou humana, ou de quaisquer ativos tangíveis ou intangíveis, não exerceu a generalidade das atividades que constam do seu objeto social abrangente, a não ser a respeitante às aquisições das participações sociais nas entidades J..., K... e L..., durante os exercícios de 2007, 2008 e 2010, e à concessão de empréstimos de curto prazo àquelas participadas, recorrendo para tal a financiamentos obtidos junto do seu acionista único N…;
r) Por outro lado, e apesar de estar previsto no objeto social da C... a realização de investimentos através de participações sociais, as aquisições referidas foram muito além das suas capacidades objetivas, dado que não possuía estrutura própria que lhe permitisse gerar os fluxos financeiros necessários para liquidar os empréstimos obtidos para a realização daquelas aquisições e os respetivos juros;
s) As operações praticadas pela C... não tutelam os interesses intrínsecos desta, mas os do seu acionista único N…, com personalidade jurídica;
t) No que diz respeito à interpretação do art. 23.º do Código do CIRC, a argumentação expendida é essencialmente idêntica à que foi aduzida sobre a correcção efectuada à B..., pelo que se remete para a apreciação que sobre a mesma foi feita, nomeadamente sobre os requisitos previstos no mencionado artigo quanto à dedutibilidade dos gastos, não sendo, em consequência, os juros líquidos (suportados – recebidos) e contabilizados pela C..., em razão dos empréstimos obtidos junto da N…, por não tutelarem interesses intrínsecos da C..., consubstanciando encargos não indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, não são gastos fiscais;
u) Impendia sobre a Requerente o ónus de demonstrar que os montantes desconsiderados podiam subsumir-se no conceito legal de gasto, efectuando a prova da sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, o que não se verificou;
v) Quanto à ENTIDADE INDIVIDUAL: D..., S.A, não assiste razão à Requerente quando sustenta que a obrigatoriedade de comprovação do custo não se encontra legalmente prevista, bastando que os custos tenham sido relevados contabilisticamente;
w) Os documentos apresentados pela Requerente não permitem aferir da imprescindível conexão com a atividade empresarial por forma a determinar a indispensabilidade dos gastos em causa, porquanto se trata de faturas e documentos internos que não contém quaisquer informações sobre a identificação dos beneficiários das viagens, o motivo de realização das mesmas, os períodos em que ocorreram, bem como os destinos;
x) A comprovação dos custos através de documentos justificativos constitui condição geral para a sua dedutibilidade;
y) A Requerente não demonstrou como lhe competia, por manifesta insuficiência dos elementos constantes dos documentos justificativos, a conexão dos custos declarados com a atividade desenvolvida pela D..., o que impede a consideração dos mesmos como “indispensáveis” à luz do disposto no artigo 23.º do CIRC;
z) Quanto à ENTIDADE INDIVIDUAL: G..., S.A. e no que diz respeito à necessidade de apresentação, pelos contribuintes, de documentos comprovativos que permitam aferir da indispensabilidade dos gastos para a formação dos proveitos quando a AT questiona a relação de despesa com a atividade exercida, remete-se para a argumentação invocada quanto à sociedade D..., sendo que os documentos apresentados pela G... não permitem aferir da imprescindível conexão com a atividade empresarial, por forma determinar a indispensabilidade dos gastos em causa;
aa) A Requerente não demonstrou como lhe competia, por manifesta insuficiência dos elementos constantes dos documentos justificativos, a conexão dos custos declarados com a atividade desenvolvida pela G..., o que impede a consideração dos mesmos como “indispensáveis” à luz do disposto no artigo 23.º do CIRC;
bb) Quanto à ENTIDADE INDIVIDUAL H..., S.A., remete-se para o aduzido sobre a correção efetuada à sociedade D... e à G..., em matéria de necessidade de apresentação pelos contribuintes de documentos comprovativos que permitam aferir da indispensabilidade dos gastos para a formação dos proveitos, quando a AT questiona a relação de despesa com a atividade exercida;
cc) Os documentos apresentados pela G... não permitem aferir da imprescindível conexão com a atividade empresarial por forma a determinar a indispensabilidade dos gastos em causa;
dd) A Requerente não demonstrou como lhe competia, por manifesta insuficiência dos elementos constantes dos documentos justificativos, a conexão dos custos declarados com a atividade desenvolvida pela H..., o que impede a consideração dos mesmos como “indispensáveis” à luz do disposto no artigo 23.º do CIRC;
ee) Constatando a Inspeção Tributária que não se aplica o regime transitório previsto no Artigo 5º do Decreto-Lei nº 159/2009, porquanto os custos em causa são relativos a partes adquiridas por substituição (benfeitorias), não se verificando quaisquer efeitos nos capitais próprios, resultantes da transição dos normativos contabilísticos, pelo que é perfeitamente legal a correção efetuada pela Inspeção Tributária;
ff) Quanto à ENTIDADE INDIVIDUAL SOCIEDADE I..., S.A., cumpre esclarecer que não foi a AT (antes a I...) que considerou a operação realizada à sua participada, como sendo de financiamento;
gg) A emissão, pela I..., de 3 programas de papel comercial de médio e longo prazo, implicou a produção de avultados gastos financeiros que não foram repercutidos à sua participada alemã, M..., influenciando negativamente o lucro tributável da I...;
hh) Nos exercícios de 2008 e 2009 a M... distribuiu dividendos à I..., no valor de 7.500.000,00€ e 3.300.000,00 €, que beneficiaram da aplicação do artigo 51.º do CIRC, donde se retira que uma empresa com capacidade financeira para distribuir dividendos neste montante não se encontra numa situação em que não lhe é possível ir ao mercado. Esta foi, antes, uma opção de financiamento por parte do grupo, pelo que no estrito cumprimento da lei não resta à AT se não a desconsideração fiscal dos efeitos fiscais desta opção, uma vez que os custos de financiamento não são da I... mas sim da sua participada, sociedade de direito alemão;
ii) Para que determinada verba seja considerada custo duma sociedade é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades, como resulta, aliás, da jurisprudência e da doutrina referenciada ao longo da resposta. As quantias em causa não estão, pois, diretamente relacionadas com qualquer atividade da Requerente, pelo que não se trata aqui de juros de capitais alheios aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custos na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC (redação à data);
jj) Não corresponde à verdade que a aceitação dos custos de financiamento das prestações suplementares/acessórias seja aceite quer pela doutrina quer pela jurisprudência;
kk) Os encargos financeiros, suportados pela I... com financiamentos obtidos para a realização de prestações suplementares, a título gratuito, à sua participada na Alemanha, que não têm qualquer relação com a atividade para que está registada, não cumprem o requisito da indispensabilidade previsto no nº 1 do Artigo 23º do Código do IRC, pelo que procederam corretamente os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Aveiro ao desconsiderarem, para efeitos fiscais, o respetivo valor reconhecido
11. Em 13 de Outubro de 2015 foi designado, nos termos do art. 18º do RJAT, o dia 13 de Novembro de 2015 como data para realização da audiência de julgamento, tendo tido lugar a primeira sessão.
12. Em requerimento de 19 de Novembro de 2015, a Requerente solicitou a junção ao processo de novos documentos relacionados com a prova de factos invocados no pedido de pronúncia arbitral.
13. A audiência teve continuidade, em segunda sessão, em 23 de Novembro de 2015, tendo, nesta, a Requerida apresentado requerimento em que sustentou ser de indeferir a pretensão exposta pela Requerente no requerimento de 19 de Novembro de 2015, alegando, para tanto, ser extemporânea a junção de documentos nesta fase do processo. O Tribunal fixou, igualmente, a data de 29 de Fevereiro de 2016 como limite para a prolação da Decisão Arbitral.
14. Em Despacho Arbitral de 30 de Novembro de 2015, foi indeferido o requerimento de junção de documentos apresentado pela Requerente em 19 de Novembro de 2015, com fundamento em inexistência de superveniência objectiva ou subjectiva, bem como pelo facto de, tendo a junção ocorrido depois de iniciada a audiência de julgamento, aquela não se ter verificado menos de 20 dias antes da mesma audiência. Ordenou-se, em consequência, que os referidos documentos fossem desentranhados dos autos.
15. Requerente e Requerida apresentaram, respectivamente, alegações e contra-alegações escritas.
16. Em Requerimento de 13 de Janeiro de 2016, a Requerente alegou que o prazo de que a Requerida dispunha para contra-alegar havia terminado no dia 6 de Janeiro de 2016, pelo que seriam extemporâneas as contra-alegações apresentadas pela AT em 11 de Janeiro de 2016, solicitando o desentranhamento das mesmas do processo. A Requerida defendeu-se, em requerimento de 14 de Janeiro de 2016, sustentando a tempestividade das referidas contra-alegações, para o que invocou a aplicabilidade, via art. 29.º, e) do RJAT, dos arts. 138.º e 248.º do CPC e do art. 279.º, b) do Código Civil. O Tribunal veio a decidir pelo carácter não extemporâneo de tais alegações. Não obstante, e por despacho proferido em 25 de Janeiro de 2016, considerou não escrito o conteúdo das alegações oferecido pela Requerente, na parte em que se reporta a notícia retirada de site da internet, em virtude, designadamente, de, contrariamente ao sustentado pela Requerente, tal informação não constituir facto notório.
II- SANEAMENTO
a) As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e beneficiam de legitimidade processual, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
b) A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.
c) O processo não enferma de nulidades.
d) Não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de excepção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.
III. MÉRITO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
No que diz respeito à factualidade com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1) A Requerente é uma SGPS;
2) Enquanto sociedade dominante de um grupo de sociedades, constituído, em 2010, por si e mais 19 sociedades dominadas, a Requerente optou, em sede de IRC, pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS);
3) O lucro tributável de 2010 foi calculado, pela Requerente, através da soma dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados por cada uma das 19 sociedades dominadas integrantes do grupo;
4) Analisada, pela AT, a declaração periódica de rendimentos entregue pela Requerente, foi determinada a abertura de um procedimento de inspecção tributária com incidência no exercício de 2010 e de âmbito parcial (Ordem de Serviço nº OI2014..., Equipa ..., Divisão ..., dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto).
5) Através da emissão da referida Ordem de Serviço, foram dadas a conhecer à Requerente as correcções efectuadas na esfera individual de cada uma das sociedades dominadas, bem como na esfera individual da sociedade dominante;
6) As sociedades participadas não foram notificadas do Relatório de Inspecção Tributária;
7) A AT concedeu à Requerente o direito de se pronunciar, em sede de direito de audição, sobre as conclusões dos dois Projetos/Correções (na esfera individual e na esfera do grupo de sociedades) designadamente sobre o valor dos passivos remunerados imputáveis às partes de capital não tendo vindo, a Requerente, contestar o respectivo valor, nem a imputação às partes de capital detidas;
8) Da inspecção tributária resultaram correcções à declaração, com incremento do valor de €5.885.623,24 para €12.673.853,50, o que traduz uma diferença de €6.788.230,27 entre o valor declarado e o valor corrigido;
9) O Relatório de Inspecção Tributária foi comunicado à Requerente em Outubro de 2014;
10) Na sequência da Inspecção e produção do Relatório foi emitida a liquidação IRC/2010 nº 2014..., de 5 de Novembro de 2014, a demonstração de acerto de contas nº 2014..., de 18 de Novembro de 2014 e a demonstração de liquidação de juros compensatórios nº 2014.., de 18 de Novembro de 2014, referentes ao ano de 2010, de que resulta, como valor total a pagar, o montante de €2.360.917,23;
11) À Sociedade dominante, a ora Requerente A..., SGPS, S.A., foi aplicada uma correcção de €188.801,20 ao prejuízo fiscal declarado, relativo a encargos financeiros suportados pela aquisição de partes de capital e que concorreram para o lucro tributável da A..., SGPS, S.A.;
12) Durante o ano de 2010, a A..., SGPS, S.A. não adquiriu quaisquer participações sociais, mas incorreu em gastos de €199.284,23, decorrentes de juros de empréstimos contraídos junto da D..., S.A.;
13) A B... foi constituída em 18/10/2007, sob a forma de sociedade anónima e capital social de € 50.000,00, totalmente detido pela sociedade D..., SA, NIF..., tendo, como objecto social, a “elaboração de estudos, investigação e inovação, tendo em vista a produção de novos produtos, materiais, processos, sistemas e serviços e aperfeiçoamento dos já existentes na área das embalagens e produtos afins, enchimento, contract manufacturing e equipamentos industriais com aqueles relacionados, incluindo actividades auxiliares ou complementares que directa ou indirectamente se relacionem com a actividade principal, designadamente prestação de quaisquer serviços relacionados com as actividades que exerça e realização de operações financeiras necessárias ou adequadas aos referidos fins”;
14) A sociedade B... declarou o início de actividade em 19/11/2007 encontrando-se enquadrada no CAE ... a que corresponde a denominação de “ACTIVIDADES DE ENGENHARIA E TÉCNICAS AFINS”;
15) Com início em 01/01/2007 optou a entidade “A... SGPS SA”, como empresa-mãe (holding) do grupo, pela aplicação do RETGS, sendo que a B... integra o grupo desde 01/01/2008;
16) O acima referido procedimento inspectivo (OI2014...), realizado à A...SGPS SA, foi precedido de outro procedimento inspectivo externo levado a efeito à sua sociedade dominada B... SA, NIF..., no âmbito da Ordem de Serviço n.º OI2013...;
17) Tal procedimento deu origem ao RIT, respeitante ao ano de 2010, elaborado em 2013-05-31;
18) À Sociedade B..., S.A., NIPC ..., foi aplicada uma correcção de €2.290.435,49 ao prejuízo fiscal declarado;
19) Em 2010 a B..., S.A. era participada a 100% pela D..., S.A.;
20) À data dos factos a B..., S.A., que tinha sido criada no âmbito do projecto "I...", adquirira, com empréstimo concedido pela D..., S.A, as participações detidas pela O…. na P…, S.A. (40% desse capital, sendo os restantes 60% detidos já, directamente, pela D..., S.A.);
21) A D..., enquadrada pela actividade de “sociedades gestoras de participações sociais não financeiras” (CAE...), também faz parte do mesmo grupo de sociedades e é detida em 100% pela A... SGPS SA.;
22) Apesar de constituída em 2007, a B... não declarou, desde a constituição e até, pelo menos o período de tributação de 2011, quaisquer rendimentos/proveitos no âmbito do IRC, tal como decorre do quadro 1 do RIT;
23) Tal sociedade também não declarou, desde a sua constituição e pelo menos até ao período de tributação de 2011, quaisquer operações activas para efeitos de IVA;
24) Nos anos de 2009, 2010 e 2011, a contabilidade da B... revela uma participação financeira na conta 41 - Investimentos Financeiros I... /Valor de aquisição, no valor de € 80.572.622,00, igual ao registado nos anos anteriores (2007 e 2008);
25) Da acta n.º 1 de 19/11/2007 do Conselho de Administração da sociedade em apreço, consta o seguinte: “na sequência do Acordo de Princípio estabelecido entre a O... e a D... SA, em 4 de Outubro de 2007, pelo qual foi estabelecido proceder à aquisição à Q… da totalidade das acções detidas por esta empresa na P…, SA; considerando que no âmbito do referido Acordo a aquisição poderia ser efectuada directamente pela D... SA ou por uma empresa sua subsidiária; considerando que esta empresa B..., SA é detida a cem por cento pela D..., SA; considerando que foram obtidas todas as necessárias autorizações e efectuadas todas as comunicações para que a aquisição possa ser concretizada, é deliberado por unanimidade proceder à aquisição de 15.145.424 acções nominativas escriturais representativas de quarenta por cento do capital social da P…, SA, aquisição a efectuar à sociedade Q…, sociedade de direito inglês… Nesse âmbito, o Conselho delibera por unanimidade conceder os mais amplos poderes ao seu administrador … para … outorgar, em nome desta sociedade, todos os documentos, acordos, contratos que se mostrem necessários, nos termos e com as cláusulas que considere mais convenientes, relacionados com o negócio”;
26) Previamente à aludida deliberação do Conselho de Administração, a D... tinha celebrado, em 04/10/2007, um acordo com a entidade não residente em território nacional, Q…, para aquisição das 15.145.424 acções, representativas de 40% do capital da P… SA, NIF…, pelo valor de € 100.000.000,00, a pagar em duas tranches de € 50.000.000,00, até 29/02/2008;
27) A D... surge, em tal acordo, como detentora dos restantes 60% do capital da I…, no qual fica estipulado a venda à D… ou a uma empresa totalmente detida pela D..., designada por subsidiária, identificada como qualquer companhia sobre que, directa ou indirectamente, a D... efectivamente exerça uma influência de controlo;
28) O acordo está outorgado e assinado pela D... não surgindo, no mesmo, qualquer menção à B...;
29) No âmbito do procedimento inspectivo não foram apresentados quaisquer outros documentos, acordos ou contratos, relativos à aquisição e detenção da participação na I…, a que faz referência a referida acta.;
30) Em 04/10/2007, a D..., detentora de 60% do capital da I…, negociou os termos e condições da aquisição da participação dos restantes 40%, com a entidade não residente, assumindo a aquisição por ela própria ou por uma empresa sua subsidiária, que controlasse a 100%.;
31) É em 18/10/2007 que a D... constituiu a sociedade anónima B..., ficando a deter 100% do seu capital, que, somente em 19/11/2007, delibera a aquisição da participação, nos termos e condições já contratados pela D...;
32) A B... registou, desde a sua constituição, na contabilidade, um empréstimo de médio e longo prazo (passivo não corrente), concedido pela D..., pelos seguintes montantes (referência a 2009, 2010 e 2011, períodos de tributação inspeccionados em simultâneo), não tendo sido apresentados quaisquer contratos escritos relativos aos empréstimos;
33) Segundo o Relatório de Contas de 2008, a B... recebeu da I…o valor de € 19.427.378,00;
34) Este valor, recebido em 18/01/2008, respeita a uma redução do capital, deliberado pela I… em 29/11/2007, o qual já constava, em 31/12/2007, nas suas contas;
35) De acordo com a informação que consta da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal/Informação Empresarial Simplificada (DA/IES) de 2007, a participação foi registada, desde o ano da sua constituição, na conta 41- Investimentos Financeiros, pelo valor de € 80.572.622,00, que resulta da diferença entre o montante acordado pela D... na operação de aquisição, de € 100.000.000,00 e da redução de capital deliberado pela I…, de € 19.427.378,00;
36) Em 31/12/2008, o empréstimo de médio e longo prazo concedido pela D..., registado em Passivo não corrente/Dívidas a terceiros de médio e longo prazo, totalizava € 82.806.000,00;
37) Tal valor foi reduzido, em 2010 e 2011, por contrapartida da constituição de prestações acessórias;
38) A D... concedeu o referido empréstimo, onerado com juros, debitados semestralmente à B..., para financiar a aquisição da participação de 40% na I…, aquisição esta, como já se referiu, negociada e acordada pela D...;
39) Os juros debitados pela D... representam a quase totalidade dos gastos/custos da B..., situação que se verifica desde a sua constituição;
40) Os juros, suportados entre 2007 e 2011, totalizam € 13.318.698,10, e nos períodos de tributação de 2009, 2010 e 2011, totalizaram € 8.464.547,40;
41) Em 2010, o valor somou € 2.290.435,49, o qual foi objecto de correcção no âmbito do procedimento inspectivo relativo à Ordem de Serviço n.º OI2013..., e agora contestado pela Requerente;
42) Para suporte ao pagamento dos juros debitados, a D... concede anualmente novos empréstimos, de curto prazo, à B..., que os contabiliza em Passivo corrente/Dívidas a terceiros de curto prazo;
43) Em 2010 e 2011, além dos recursos financeiros obtidos da D..., a B...recebeu, € 474.919,34 e € 1.233.483,80, respetivamente, da A... SGPS, SA, a título de comparticipação no IRC pela contribuição dos seus prejuízos fiscais na dedução ao lucro tributável apurado no seio do grupo de sociedades;
44) Tais valores constam na contabilidade como Activo corrente/Dívidas de terceiros de curto prazo/Outras contas a receber e serviram para, de imediato, serem transferidos para amortização/pagamento de juros dos empréstimos concedidos pela titular de capital, a D...;
45) Com o propósito do pagamento dos juros debitados pela D... ou para amortização dos respectivos empréstimos, a B... recebe meios financeiros, periodicamente e conforme essa necessidade, da sua titular de capital (D...) e, ainda, em 2010 e 2011, da sociedade dominante do grupo de consolidação em que se insere, a A... SGPS SA, que detém 100% da D..., que são transferidos, nas mesmas datas, para a D..., como se encontra explicitado no quadro 6 do RIT;
46) A B... não dispõe, desde a sua constituição, de qualquer estrutura material ou humana, não tem pessoal ao seu serviço, não tem quaisquer activos tangíveis ou intangíveis ou dispõe de capacidade financeira própria, que lhe permitisse suportar os encargos de juros debitados semestralmente pela D...;
47) A D..., que exerce actividade de gestão de participações sociais, acordou e negociou a aquisição da participação financeira de 40% na I…;
48) A referida sociedade constituiu a B..., sob a forma de sociedade anónima, na qual ficou a deter 100% do seu capital, para acolher a referida participação e, simultaneamente, concedeu o financiamento necessário à sua participada, para cobertura da referida aquisição;
49) Os únicos gastos/custos registados pela B... são, além dos juros debitados pela D..., os encargos com a execução da sua contabilidade (que totalizam: € 3.426,00, em 2009, € 3.336,00, em 2010 e € 2.808,00, em 2011), de serviços de revisão de contas e de auditoria e de serviços de manutenção das contas bancárias, mas que representam valores ainda mais reduzidos;
50) A B... tem a sede no mesmo local da sede da sua accionista D... e não dispõe de outras instalações;
51) Quanto à actividade não operacional, foi adquirida uma única participação, desde a sua constituição e pelo menos até 2011, com recurso a financiamento da detentora a 100% do seu capital, e que é esta mesma financiadora, que empresta os meios financeiros necessários para que a B... suporte juros de financiamento;
52) Apenas ao fim de 7 anos sem auferir qualquer proveito, ganho ou rendimento, e sem exercer qualquer actividade, dita operacional/normal e no âmbito do seu escopo societário, foram distribuídos dividendos;
53) A B... não obteve, no período em análise (2010) e desde a sua constituição, quaisquer rendimentos ou proveitos;
54) Das actas do seu Conselho de Administração (no total de 3, desde a sua constituição e até 2013) apenas resulta a deliberação de aquisição da participação na I… e, em 21/07/2010 (acta n.º 2) e 12/12/2011 (acta n.º 3) de uma participação, não superior a 5%, na constituição de uma sociedade de direito brasileiro, não obstante, os Relatórios e Contas de 2010 e 2011 não fazerem qualquer referência a essa participação e a contabilidade também não revelar qualquer outra participação, além dos 40% da I…;
55) Nos Relatórios de Gestão, na contabilidade e no Relatórios e Contas de 2009, 2010 e 2011 não se referencia o exercício de qualquer actividade, nem neles se perspectiva esse exercício;
56) A B... nunca exerceu a actividade identificada no seu objecto social;
57) Os gastos em causa “concorreram para a formação do lucro tributável da D...”;
58) A B..., S.A. foi usada como via instrumental na aquisição de 40% do capital da P…, S.A., aquisição integralmente financiada pela D..., S.A.;
59) À Sociedade C..., S.A., NIPC..., foi aplicada uma correcção de €1.868.138,54 ao prejuízo fiscal declarado;
60) Em final de 2010 a C..., S.A. era participada a 100% pela D..., S.A.;
61) A sociedade C... iniciou o exercício de actividade em 14/02/2006, encontrando-se enquadrada no CAE..., a que corresponde a denominação “OUTRAS ACTIVIDADES CONSULTORIA PARA OS NEGÓCIOS E A GESTÃO”;
62) Com início em 01/01/2007, a entidade “A... SGPS SA”, como empresa-mãe (holding) do grupo, optou pela aplicação do RETGS, sendo que a C... integra o grupo igualmente desde 01/01/2007;
63) A C... não dispõe, desde a data da sua constituição, de qualquer estrutura material ou humana, ou de quaisquer activos tangíveis ou intangíveis, não exercendo a generalidade das actividades que constam do seu objecto social abrangente, a não ser a respeitante às aquisições das participações sociais nas entidades J..., K... e L..., durante os exercícios de 2007, 2008 e 2010, e à concessão de empréstimos de curto prazo àquelas participadas, recorrendo para tal a financiamentos obtidos junto do seu accionista único N…;
64) A N… utilizou a C... para colher aquelas participações, concedendo, simultaneamente, para tanto, o financiamento necessário;
65) A C... , S.A. tinha adquirido, com financiamento obtido junto da D..., S.A., participações em diversas empresas britânicas do ramo alimentar, com actividade predominante no Reino Unido, confiando serviços comuns a uma filial britânica, e no final de 2010, alienou essas participações, averbando uma mais-valia;
66) À Sociedade D..., S.A., NIPC..., foi aplicada uma correcção de €485.085,54, relativa à desconsideração fiscal de despesas de deslocações e estadas;
67) A sociedade D... iniciou o exercício de actividade em 01/12/1981, encontrando-se enquadrada no CAE..., a que corresponde a denominação de “ATIVIDADES SOCIEDADES GESTORAS PARTICIAPÇÕES SOCIAIS NÃO FINANCEIRAS”;
68) Com início em 01/01/2007, optou a entidade “A... SGPS SA”, como empresa-mãe (holding) do grupo, pela aplicação do RETGS sendo que a D... integra o grupo desde 01/01/2007;
69) Em 2010, a D..., S.A. era detida a 100% pela Requerente;
70) O grupo de empresas encabeçado pela Requerente tem concentrado na D..., S.A., a gestão de tesouraria: todas as empresas do grupo transferem para ela os seus saldos bancários positivos e dela recebem financiamento. Trata-se de financiamentos onerosos e registados no dossier de preços de transferência;
71) Os juros recebidos pela D..., S.A. por créditos concedidos a outras empresas do grupo entraram na conta dos lucros tributáveis dessa empresa;
72) O grupo de empresas encabeçado pela Requerente tem concentrado na D..., S.A., as actividades administrativas, pelas quais todas as empresas do grupo pagam àquela fees, que cobrem as despesas com viagens em jactos privados dos membros do Conselho de Administração da própria D..., S.A., em termos contratados com uma Agência de Viagens e correspondentes a necessidades de deslocação geradas pela dispersão internacional dos negócios do Grupo;
73) Os preços praticados relativos aos referidos fees estão registados no dossier de preços de transferência;
74) No que respeita à fundamentação da correcção em apreciação, que se refere a despesas de deslocações e estadas, consta do RIT, a págs. 3: “ (…) 3. NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS/ELEMENTOS Considerando que o cumprimento do teor do “PEDIDO DE INFORMAÇÕES E ESCLARECIMENTOS” (…) foi realizado de forma insuficiente (falta de envio de diversos elementos/documentos) foi a D... então notificada para apresentar os elementos/documentos em falta cuja notificação (registada com aviso de receção) corresponde ao “Oficio nº / Data:” .../... datado de 13/02/2014 (registo dos “ctt correios” nº RF ...PT de 14/02/2014) cuja cópia se encontra a fls. 710 e 711 do “Processo de Evidência de Trabalho”). No cumprimento do teor da “NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS/ELEMENTOS” procedeu a D... à entrega, nesta Direção de Finanças, de diversos elementos/documentos (a fls. 712 a 979 do “Processo de Evidência de Trabalho”) a que corresponde o registo de entrada nº... de 06/03/2014. (…)”;
75) Refere-se, no RIT, a págs. 9 e 10: “ (…) III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS (IRC) Reconheceu a D... na Conta (IAS/IFRS) “3... Outros Custos Operacionais Deslocações e Estadas” [a que correspondem as Contas do Plano Oficial de Contabilidade (POC) “...” e “...”] e considerou fiscalmente, afetando negativamente o apuramento do resultado fiscal relativo ao período de 2010, o valor de € 695.114,84 sendo este relativo ao reconhecimento de despesas incorridas na rubrica de “deslocações e estadas”. Conforme anteriormente referido (…) foi a D... notificada para apresentar, entre outros, os seguintes documentos/elementos: “… 3. Cópias de todos os documentos externos, cujo valor agregado escriturado seja de montante igual ou superior a € 500,00, reconhecidos na Conta (IAS/IFRS) “...” sendo que o valor total de € 695.114,84 (gastos a titulo de “deslocações e estadas”) concorreu para a formação do lucro tributável declarado pela … relativo ao período fiscal de 2010; …” . No cumprimento designadamente do teor do ponto 3 daquela notificação veio a D..., entre outros documentos, apresentar cópias dos seguintes documentos os quais serviram de suporte aos reconhecimentos contabilísticos [Conta (IAS/IFRS) “...” / Conta (POC) “...”] e fiscais relativos à rubrica de “deslocações e estadas” cujo valor global ascende ao montante de € 485.085,54. Assim:
(i) Fatura emitida pela entidade “S… LDA”(“S…”) correspondente a horas de voo (charter executivo) entre 09 e 10 de setembro de 2010;
(ii) Fatura emitida pela entidade “T… SA” (“…”) correspondente a horas de voo (Aeronave: …II) de transporte de passageiros, entre 17 e 19 de setembro de 2010;
(iii) Fatura emitida pela entidade “E…SA” (“F…”) correspondente a horas de voo (jato privado) em viagem na Europa referente ao período de 01.09.2010 a 30.09.2010;
(iv) Fatura emitida pela entidade “E… SA” (“F…”)correspondente a horas de voo (jato privado) em viagem na Europa referente ao período de 01.11.2010 a 30.11.2010;
(v) Documentos internos relativos ao reconhecimento mensal (especialização/periodização mensal) de gastos a suportar com a natureza de “deslocações e estadas” e correspondentes a horas de voo (jatos privados) a faturar à D…, do ano de 2010, designadamente pela entidade “F…” (de acordo com esclarecimentos complementares prestados, aquelas especializações mensais correspondem as despesas incorridas/a incorrer com horas de voo, em jatos privados, cujos serviços são prestados pela entidade “F…” anteriormente identificada).
Da análise aos respetivos documentos verificam-se os factos seguintes:
A fatura emitida pela “S…” (cópia a fls. 858 do “Processo de Evidência de Trabalho”) contém a seguinte descrição: “Charter Executivo (Transporte Aéreo) CS- DGR 09 e 10 de Setembro de 2010 Despesas de Viagem com recurso a 07h40m”;
A fatura emitida pelo “…” (cópia a fls. 859 do “Processo de Evidência de Trabalho”) contém a seguinte descrição: “Transporte de Passageiros Detalhes do Voo: Data: 17 e 19 de Setembro de 2010 Itinerário: em anexo Aeronave: … II Tempo Voo: 04:00min” (não nos foi facultada cópia do documento em anexo à respetiva fatura);
A fatura nº …/…/… de 22/12/2010 (referida a titulo exemplificativo), emitida pela “F…” (cópia a fls. 861 do “Processo de Evidência de Trabalho”) contém a seguinte descrição: “DESPESAS DE VIAGEM NA EUROPA COM RECURSO A 9,016 HORAS DE VOO EM JACTO PRIVADO REFERENTE AO PERÍODO 01.11.2010 A 30.11.2010
TRANSACTION FEE AVIAÇÃO CATERING 17.09.2010”;
Os documentos internos (cópias a fls. 862 a 874 do “Processo de Evidência de Trabalho” que, conforme acima referido, consubstanciam-se em especializações mensais de despesas com horas de voo, em jatos privados, cujos serviços são prestados pela entidade “F…”) contêm a seguinte descrição comum a todos os documentos: “…JETS Valor Anual 425.000€”.
Desta forma e face a todo o exposto anteriormente estamos perante a impossibilidade da aceitação dos efeitos jurídicos pretendidos pela D…, concretamente a sua aceitação para efeitos fiscais, relativamente às despesas reconhecidas com horas de voo (jatos privados) dado não ter sido minimamente comprovada a alegada conexão com a atividade empresarial e a indispensabilidade dos gastos em causa.
Com efeito, determina designadamente o nº 1 do Artigo 23º do Código do IRC que o reconhecimento da dedutibilidade dos gastos está diretamente dependente da existência da sua comprovada indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Ora, no caso em apreço, os respetivos gastos reconhecidos pela D… e que concorreram negativamente para a formação do lucro tributável declarado não se encontram devidamente documentados, encontrando-se em falta elementos essenciais para aferição da sua indispensabilidade designadamente os utilizadores das respetivas viagens e quais as suas relações com a D…, os períodos específicos em que ocorreram ( as faturas emitidas pela “F…” referem o mês do ano sem quaisquer datas especificas) os destinos específicos das mesmas viagens e ainda a explicitação dos motivos para a realização das mesmas, de forma a cumprirem o requisito imperativo e exigível pelas normas constantes do Artigo 23º do Código do IRC.”
76) À Sociedade G…, S.A., NIPC…, foi aplicada uma correcção de €32.583,84 ao prejuízo fiscal declarado, por desconsideração fiscal de despesas de deslocações e estadas;
77) Em 2010, a G…, S.A. era participada a 100% pela D…, S.A..;
78) No que respeita à fundamentação da correção em apreciação, que se refere a despesas de deslocações e estadas, consta do RIT, a págs. 3:
“ (…) 3. NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS/ELEMENTOS
Considerando que o cumprimento do teor do “PEDIDO DE INFORMAÇÕES E ESCLARECIMENTOS” (…) foi realizado de forma insuficiente (falta de envio de diversos elementos/documentos) foi a G… então notificada para apresentar os elementos/documentos em falta cuja notificação (registada com aviso de receção) corresponde ao “Oficio nº / Data” …/… datado de 11/04/2014 (registo dos “ctt correios” nº RM … …0 PT de 14/04/2014).
Até à presente data, a G…, não deu qualquer cumprimento ao teor daquela notificação designada por “NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE ELEMENTOS/ESCLARECIMENTOS”.
79) A pp. 8 e 9 do mesmo RIT consta:
“ (…)III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS (IRC)
Reconheceu a G… na Conta (IAS/IFRS) “36119000 Outros Custos Operacionais Deslocações e Estadas” [a que corresponde a Conta do Plano Oficial de Contabilidade (POC) “62227000”] e considerou fiscalmente, afetando negativamente o apuramento do resultado fiscal relativo ao período de 2010, o valor de € 32.583,84 sendo este relativo ao reconhecimento de despesas incorridas na rubrica de “deslocações e estadas”.
Aquele reconhecimento encontra-se suportado pelos documentos cujo detalhe é o seguinte:
(i) Fatura emitida pela entidade “E…SA” (“F…”)correspondente a passagens aéreas entre ... e Bogotá / Miami;
(ii) Fatura emitida pela entidade “E…SA” (“F…”)correspondente a passagens aéreas entre ...;
(iii) Fatura emitida pela entidade “E…SA” (“F…”) correspondente a passagens aéreas entre Porto / Miami / Porto e San Pedro Sula / San Salvador / San José / Bogotá;
(iv) Fatura emitida pela entidade “E…SA” (“F…”) correspondente a passagens aéreas entre Porto / São Salvador / Miami / Porto e Bogotá / Miami;
(v) Fatura emitida pela entidade “E…SA” (“F…”) correspondente a passagens aéreas entre Porto / Santo Domingo / Porto, São Salvador / San José e Santo Domingo / São Salvador;
(vi) Fatura emitida pela entidade “E…SA” (“F…”) correspondente a passagens aéreas entre Porto / Santo Domingo / Porto, São Salvador / San José e Santo Domingo / São Salvador;
(vii) Fatura emitida pela entidade “E…SA” (“F…”)correspondente a passagens aéreas entre Porto / Maceió / Recife / Porto;
(viii) Fatura emitida pela entidade “U…SA” (“U…”)correspondente a viagem e estadia no Brasil de 19 Agosto a 3 Setembro.
Conforme anteriormente referido (…) foi a G…notificada, na pessoa do seu representante legal, para proceder à informação detalhada do motivo/objeto das respetivas viagens, proceder à identificação dos respetivos utilizadores e qual a relação que têm com a G… e ainda informar, com envio da evidência que possa ser considerada relevante, qual a relação estabelecida com a atividade produtiva ou qual a contribuição imediata para a manutenção da fonte produtora, não tendo, até à presente data, dado qualquer cumprimento ao teor daquela notificação.
Desta forma e face a todo o exposto anteriormente estamos perante a impossibilidade da aceitação dos efeitos jurídicos pretendidos pela G…, concretamente a sua aceitação para efeitos fiscais, relativamente às despesas reconhecidas na rubrica de “deslocações e estadas” dado não ter sido minimamente comprovada a alegada conexão com a atividade empresarial e a indispensabilidade dos gastos em causa.
Com efeito, determina designadamente o nº 1 do Artigo 23º do Código do IRC que o reconhecimento da dedutibilidade dos gastos está directamente dependente da existência da sua comprovada indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Ora, no caso em apreço, os respetivos gastos reconhecidos pela G… e que concorreram negativamente para a formação do resultado fiscal declarado não se encontram devidamente documentados, encontrando-se em falta elementos essenciais para aferição da sua indispensabilidade designadamente os utilizadores das respetivas viagens e quais as suas relações com a G…e ainda a explicitação dos motivos para a realização das mesmas, de forma a cumprirem o requisito imperativo e exigível pelas normas constantes do Artigo 23º do Código do IRC que o reconhecimento da dedutibilidade dos gastos está directamente dependente da existência da sua comprovada indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Ora, no caso em apreço, os respetivos gastos reconhecidos pela G… e que concorreram negativamente para a formação do resultado fiscal declarado não se encontram devidamente documentados, encontrando-se em falta elementos essenciais para aferição da sua indispensabilidade designadamente os utilizadores das respetivas viagens e quais as suas relações com a G… e ainda a explicitação dos motivos para a realização das mesmas, de forma a cumprirem o requisito imperativo e exigível pelas normas constantes do Artigo 23º do Código do IRC. (…)”;
80) A sociedade G… declarou o início do exercício de actividade em 26/03/1962, encontrando-se enquadrada no CAE … (principal), a que corresponde a denominação de “INDUSTRIA DO AÇUCAR”;
81) Com início em 01/01/2007 optou a entidade “A…SGPS SA”, como empresa-mãe (holding) do grupo, pela aplicação do RETGS sendo que a G… integra o grupo desde 01/01/2007;
82) À Sociedade H…, S.A., NIPC…, foram aplicadas três correcções: uma correcção de €36.644,20 ao prejuízo fiscal declarado, por desconsideração de gastos com viagens e deslocações; uma correcção de €29.175,00 por constituição de provisão para garantias de vendas não aceites pela AT e uma correcção de €172.011,89 relativos a variações patrimoniais negativas;
83) A sociedade H… declarou o início de exercício de actividade em 02/02/1988, encontrando-se enquadrada, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no regime normal de periodicidade trimestral;
84) Tal enquadramento verifica-se, desde 01/01/2010, no CAE19 … (principal) a que corresponde a denominação de “COMPRA E VENDA DE BENS IMOBILIÁRIOS”, no CAE …(secundário) a que corresponde a denominação de “ARRENDAMENTO DE BENS IMOBILIÁRIOS” e no CAE 74100 (secundário) a que corresponde a denominação de “ATIVIDADES DE DESIGN”;
85) Com início em 01/01/2007, optou a entidade “A…SGPS SA”, como empresa-mãe (holding) do grupo, pela aplicação do RETGS sendo que H…integra o grupo igualmente desde 01/01/2007;
86) Em 2010 a H…, S.A. era participada a 0,54% pela Requerente e a 59,91% pela D.., S.A.;
87) Nenhuma das alternativas de negócios nacionais e internacionais visados pela H…, S.A. no período em apreço, se veio a concretizar;
88) Em 2010, a H…, S.A. registou uma diferença de €860.059,44 para efeitos fiscais, referente ao valor líquido de benfeitorias em imóveis, correspondentes a benfeitorias relativas a obras com mais de dez anos e a benfeitorias objecto de amortizações periódicas;
89) Os custos invocados como gastos indispensáveis são relativos a partes adquiridas, por substituição (benfeitorias), não se repercutindo nos capitais próprios, resultantes da transição dos normativos contabilísticos;
90) No que respeita à fundamentação da correção em apreciação, que se refere a despesas de deslocações e estadas, consta do RIT, a págs. 3:
91) “ (…) NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS/ELEMENTOS Considerando que o cumprimento do teor do “PEDIDO DE INFORMAÇÕES E ESCLARECIMENTOS” (…) foi realizado de forma insuficiente (falta de envio de diversos elementos/documentos) foi a H…então notificada para apresentar os elementos/documentos em falta cuja notificação (registada com aviso de receção) corresponde ao “Oficio nº / Data” …1/… datado de 26/05/2014 (registo dos “ctt correios” nº RM … PT de 27/05/2014). Até à presente data, a H…, não deu qualquer cumprimento ao teor daquela notificação designada por “NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS/ELEMENTOS”(…)”.
92) Nas pp. 9 a 12 do mesmo RIT consta:
“ (…) III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
1. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS (IRC)
1.1 OUTROS CUSTOS OPERACIONAIS (DESLOCAÇÕES E ESTADAS)
Reconheceu a H…na Conta (IAS/IFRS) “36119000 Outros Custos Operacionais Deslocações e Estadas” [a que corresponde a Conta do Plano Oficial de Contabilidade (POC) “62227000”] e considerou fiscalmente, afetando negativamente o apuramento do resultado fiscal relativo ao período de 2010, entre outros, o valor de €36.644,20 sendo este relativo ao reconhecimento de despesas incorridas na rubrica de“deslocações e estadas”.
Aquele reconhecimento encontra-se suportado pelos documentos20 cujo detalhe é o seguinte:
(i)Documento interno designado por “Nota de Despesas Refeições EstadiasDeslocações”;
(ii)Documento interno designado por “Nota de Despesas … Estadias Deslocações”;
(iii) Documentointernodesignadopor“NotadeDespesasRefeiçãoEstadias Deslocações”;
(iv) Fatura nº …/2010 emitida pela entidade “V…LDA” (“V…”) correspondente a “VIAGEM ESTRANGEIRO”;
(v) Documento interno designado por “Nota de Despesas Refeições Estadias Deslocações”;
(vi) Fatura nº …/2010 emitida pela entidade “V…LDA” (“V…”) correspondente a “VIAGEM E ESTADIA”;
(vii) Fatura nº … emitida pela entidade “W…LDA” (“W…”) correspondente a “PRESTATÁRIO R… VIAGENS EE…” e Fatura nº … emitida pela sociedade de direito espanhol “X…” (ES - B…) correspondente a “Avion + Hotel en Riviera Maya”;
(viii) Cópia(s) do(s) documento(s) não disponibilizados pela H…”;
(ix) Documento interno designado por “Nota de Despesas Refeições Estadias Deslocações”;
(x) Venda a Dinheiro nº PT10-159 emitida pela entidade “Y…LDA” (“Y…”) correspondente a “Excursão ESTRANGEIRO 4Mai -5Mai”;
(xi) Documento interno designado por “Nota de Despesas Refeições Estadias Deslocações”;
(xii) Fatura nº…/…/… emitida pela entidade “E…SA” (“F…”) correspondente a “Despesas de Viagem a Palma de Maiorca - Dr. … - Agosto 2010”;
(xiii) Fatura nº …/…/… emitida pela entidade “E…SA” (“F…”) correspondente a ”Despesas de viagem e estadia a Espanha em Julho de 2010”;
(xiv) Venda a Dinheiro nº 01/..- emitida pela entidade “Z…LDA” (“Z…”) correspondente a ”Viagem na Europa”;
(xv) Documento interno designado por “Nota de Despesas Refeição Estadias Deslocações”;
(xvi) Venda a Dinheiro nº … emitida pela entidade “U…SA” (“U…”) correspondente a “despesas de viagem ao Brasil”;
(xvii)Fatura/Recibo nº …/…/… emitida pela entidade “E…SA” (“F…”) correspondente a “despesas de deslocação e estadia”;
(xviii)Documento interno designado por “Nota de Despesas Outras Despesas”;
(xix) Documento interno designado por “Nota de Despesas Estadias e Deslocações”; (xx) Cópia(s) do(s) documento(s) não disponibilizados pela H…;
Conforme anteriormente referido (…) foi a H… notificada, na pessoa do seu representante legal, para além de proceder ao envio de cópias de todos os documentos externos de valor, agregado e reconhecido, igual ou superior a € 1.000,00, para proceder ainda à informação detalhada do motivo/objeto das respetivas viagens, proceder à identificação dos respetivos utilizadores e qual a relação que têm com a H… e ainda informar, com envio da evidência que possa ser considerada relevante, qual a relação estabelecida com a atividade produtiva ou qual a contribuição imediata para a manutenção da fonte produtora, não tendo, até à presente data, dado qualquer cumprimento ao teor daquela notificação (ver parágrafo e quadro anteriores).
Desta forma e face a todo o exposto anteriormente estamos perante a impossibilidade da aceitação dos efeitos jurídicos pretendidos pela H…, concretamente a sua aceitação para efeitos fiscais, relativamente às despesas reconhecidas na rubrica de “deslocações e estadas” dado não ter sido minimamente comprovada a alegada conexão com a atividade empresarial e a indispensabilidade dos gastos em causa.
Com efeito, determina designadamente o nº 1 do Artigo 23º do Código do IRC que o reconhecimento da dedutibilidade dos gastos está diretamente dependente da existência da sua comprovada indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Ora, no caso em apreço, os respetivos gastos reconhecidos pela H… e que concorreram negativamente para a formação do resultado fiscal declarado não se encontram devidamente documentados, encontrando-se em falta elementos essenciais para aferição da sua indispensabilidade designadamente os utilizadores das respetivas viagens e quais as suas relações com a H… e ainda a explicitação dos motivos para a realização das mesmas, de forma a cumprirem o requisito imperativo e exigível pelas normas constantes do Artigo 23º do Código do IRC(…) “.
93) Consta, ainda do RIT, a págs. 15 a 17:
IX DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
Foi a H… notificada das conclusões do “PROJETO DE CORREÇÕES”, previsto no nº 1 do Artigo 60º do RCPIT, para no prazo de 15 (quinze) dias, querendo, exercer o direito de audição, nos termos da al. e) do nº 1 do Artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e do Artigo 60º do RCPIT, a que corresponde o “Oficio n.º / Data:” …/… de 13/06/2014 (registo dos “ctt correios” nº RM … … 6 PT de 16/06/2014 conforme o disposto no nº 4 do Artigo 60º da LGT).
Veio, a H…, a exercer aquele direito (doravante designado por
AUDIÇÃO) com entrada na Direcção de Finanças do Porto (Serviços de Inspecção Tributária) em 20/06/2014 e a que corresponde o registo n.º … (registo dos “ctt correios” nº RD …PT de 19/06/2014).
Foi, então, a AUDIÇÃO objecto da respectiva análise de que resultaram os factos seguintes os quais consideramos mais significativos e de acordo com a introdução, parágrafos numerados e documentos anexos [1 (um) quadro e 11 (onze) cópias de documentos em anexo à AUDIÇÃO] sendo que os pontos, a seguir enumerados, seguem a ordem estabelecida no CAPITULO III do PROJECTO e do presente RELATÓRIO e ainda de acordo com a ordem e títulos constantes da AUDIÇÃO (pontos 1 e 2). Assim:
1. OUTROS CUSTOS OPERACIONAIS (DESLOCAÇÕES E ESTADAS)
Refere o ponto “1. Deslocações e estadas” da AUDIÇÃO: “Anexamos documentos em falta bem como um quadro com breve justificação das despesas. Acrescentamos que em 2010 e no seguimento da crise que se abateu no setor imobiliário em Portugal, a empresa começou a estudar novos mercados e novos negócios.”.
Refira-se, e da análise efetuada aos termos (quadro e cópias de documentos) da AUDIÇÃO, que a grande maioria das cópias dos documentos em anexo àquela AUDIÇÃO tinham sido já enviadas, pela H…, conforme o explicitado no ponto 1.1 do CAPITULO III do PROJETO e do presente RELATÓRIO.
Conforme já anteriormente referido, determina designadamente o nº 1 do Artigo 23º do Código do IRC que o reconhecimento da dedutibilidade dos gastos está diretamente dependente da existência da sua comprovada indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Para efeitos de IRC, conforme o disposto no Artigo 23º do Código do IRC, resulta claro, perante a referência à necessidade de comprovação da indispensabilidade para a realização do proveitos (rendimentos) ou ganhos sujeitos a imposto, a lei só contempla os encargos que sejam determinantes para aquele fim. Ou seja, sem embargo da relevância assumida pela realidade jurídico-económica subjacente às normas fiscais, a lei exige a comprovação da indispensabilidade do custo (gasto) na obtenção dos proveitos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses proveitos.
Ora, no caso em apreço, os respetivos gastos reconhecidos pela H… (assumindo especial relevância os gastos reconhecidos com viagens realizadas fora do território nacional) que concorreram negativamente para a formação do resultado fiscal declarado não se encontram devidamente documentados, encontrando-se em falta elementos essenciais para aferição da sua indispensabilidade designadamente em que época do ano foram realizadas, quais os utilizadores das respetivas viagens e quais as suas relações com a H… e ainda a explicitação dos motivos para a realização das mesmas, de forma a cumprirem o requisito imperativo e exigível pelas normas constantes do Artigo 23º do Código do IRC.
Refira-se, ainda, que não são conhecidos quaisquer investimentos realizados fora do território nacional e geradores de proveitos (rendimentos), em sede IRC, na esfera jurídica da H… .
Assim, de acordo com todas as conclusões anteriormente relatadas, com destaque para o facto da H…não vir apresentar, na sua AUDIÇÃO, quaisquer factos novos (relativos à matéria em apreciação) que permitam aferir, clara e inequivocamente, que os respetivos custos (gastos) considerados para efeitos fiscais foram indispensáveis para a formação dos proveitos (rendimentos) sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, conforme determinam as normas constantes do Artigo 23º (normas vigentes) do Código do IRC, mantêm-se inalteradas as respectivas correcções fiscais constantes do ponto
1.1 do CAPITULO III do respetivo PROJECTO previsto no Artigo 60º do RCPIT e notificado à H….(…) “;
94) À Sociedade I…, S.A., NIPC…, dominada pela Requerente, foi aplicada uma correcção de €1.073.508,96 ao prejuízo fiscal declarado, por força da desconsideração fiscal de encargos financeiros suportados com financiamento obtido junto de terceiros para financiar a empresa do grupo (subsidiária), de direito alemão, “M…”;
95) A sociedade I… declarou o início do exercício de actividade em 30/06/1994 encontrando-se enquadrada no CAE … a que corresponde a denominação de “FABRICAÇÃO DE EMBALAGENS METÁLICAS LIGEIRAS”;
96) Com início em 01/01/2007, optou a entidade “A…SGPS SA”, como empresa-mãe (holding) do grupo, pela aplicação do RETGS sendo que a I… integra o grupo desde 01/01/2009;
97) Em 2010, a I…, S.A. era participada a 60% pela D…, S.A., e a 40% pela B…, S.A.;
98) A I…, S.A. era detentora de 100% do capital da M…, tendo nela realizado prestações suplementares e dela recebido dividendos, agindo, portanto, como uma "sub-holding" ou "holding operacional";
99) Do Relatório e contas da empresa relativo ao ano de 2009, página 29, ponto 10, citado no RIT, consta o financiamento à M…, no montante de €48.356.259,00, como Empréstimos Concedidos a Empresas do Grupo;
100) Da acta do Conselho de Administração de 23 de Dezembro de 2008, consta o seguinte: “- que, neste sentido, torna-se agora necessário dotar a entidade adquirente dos fundos necessários à aquisição do referido Grupo, sem aumentar porém, o seu nível de endividamento, dada a necessidade de manter intacta a sua capacidade de financiamento no mercado bancário local, quer para o financiamento da integração das operações na Alemanha, quer para potenciar a desejada expansão da actividade, objectivos esses mais onerosos em função da contracção, quer da actividade dos principais clientes do Grupo, quer da oferta de financiamento a projectos industriais;
- que da aquisição referida e subsequente expansão da actividade,se espera decorra um aumento significativo da actividade e resultados da P…, SA, quer a nível consolidado quer a nível individual;
- que a empresa contratou em Julho de 2008, com o objectivo específico de financiar esta aquisição, 3 programas de papel comercial de médio e longo prazo, com o BancoAA…, BB…e Banco CC…”;
101) A I… é uma sociedade anónima, com sede em …, constituída em 6 de Setembro de 1994 e tem como actividade principal a produção e comércio de embalagens (metálicas e plásticos) e produtos afins, enchimentos e equipamentos industriais incluindo as actividades auxiliares ou complementares que directa ou indirectamente se relacionem com a sua actividade principal;
102) Em Janeiro de 2009, a M…, sociedade de direito alemão, adquiriu o Grupo Alemão DD…;
103) Para concretizar esta operação, por deliberação do Conselho de Administração de 23 de Dezembro de 2008, a I… financiou a M… em €48.356.259, por via de Prestações Suplementares de Capital;
104) Em Julho de 2008, com o objectivo específico de financiar a M…, para esta proceder à aquisição do Grupo Alemão DD…, a I… emitiu 3 programas de papel comercial de médio e longo prazo, de onde resultaram avultados gastos financeiros;
105) Os referidos custos financeiros influenciaram negativamente o lucro tributável da I…;
106) As prestações suplementares visaram permitir, à subsidiária alemã, a aquisição de um grupo de empresas;
107) Nos exercícios de 2008 e 2009, a M… distribuiu dividendos à I…, no valor de €7.500.000,00 e €3.300.000,00;
108) Os encargos financeiros suportados pela I…, S.A., com os financiamentos à sua participada na Alemanha apresentam relação com a actividade para que está registada;
109) No período de referência, 2010, todas as sociedades dominadas integravam o grupo encabeçado pela Requerente, e estavam sujeitas, por opção desta, ao RETGS).
§2. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
O julgamento da matéria de facto tomou por base a análise crítica da prova testemunhal produzida na audiência de julgamento, bem como da prova documental, onde se inclui o processo administrativo.
No que diz respeito às despesas invocadas pela Requerente, cuja efectiva ligação à actividade desenvolvida pelas empresas em causa não foi julgada provada, tanto deveu-se à circunstância de as testemunhas não terem adequadamente deposto no sentido da existência de tal associação, atendendo à vaguidade e imprecisão das suas declarações, assim não suprindo as deficiências informativas constantes da prova documental.
Para que tais despesas pudessem ser consideradas na presente causa, para o efeito pretendido pela Requerente, mister fora que se houvesse produzido efectiva comprovação documental da aquisição de bens ou serviços correspondentes aos custos, bem como que se tivesse provado que estes preenchem os requisitos de gastos indispensáveis, para o que seria imprescindível a produção de prova relativa a informação mais densificada.
Não se afigura bastante, designadamente, provar documentalmente a realização de uma viagem, mediante junção do correspondente título de transporte; necessária se tornaria a devida prova do seu destino, da correspondente duração, da identidade da pessoa ou pessoas que a realizaram, da ligação destas à Requerente, bem como do concreto propósito, socialmente justificado ante o objecto social, motivador da realização de tal despesa.
Pressupostos não verificados no caso presente, cuja ausência determina o teor circunscrito da matéria de facto acima seleccionada.
III.2 – MATÉRIA DE DIREITO
III.C. QUESTÕES A DECIDIR
III.C.1. A NÃO-CITAÇÃO DAS SOCIEDADES DOMINADAS DO GRUPO: A FALTA DE EFICÁCIA DA NOTIFICAÇÃO
A Requerente, não obstante admitir, aliás, por assim o impôr a lei (arts. 70.º e 120.º do IRC), que apenas o lucro do grupo está sujeito a IRC, defende que, por as sociedades dominadas manterem a respectiva personalidade, quer jurídica, quer tributária, deviam ter sido notificadas para se defenderem das correcções levadas a cabo pela AT.
Pretende a Requerente retirar desta asserção que, no caso, por a AT não ter notificado cada uma das sociedades integrantes do grupo, o acto de liquidação “não pode consolidar-se na ordem jurídica nem na esfera das sociedades dominadas, sob pena de violação do princípio constitucional da tutela judicial efectiva previsto no artigo 268.º da CRP” (art. 22.º do Pedido).
Como é sabido, no âmbito do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades ("RETGS"), cabe às sociedades dominadas o apuramento do respectivo lucro individual e cabe às sociedade-mãe o apuramento e liquidação do imposto devido pelo grupo.
A questão já foi objecto de ponderação no Acórdão do CAAD de 5 de Setembro de 2012, proc n.º 10/2012-T, onde ficou consignado, entre o mais, que “o cálculo do lucro individual de cada sociedade dominada é, no RETGS, e no que concerne à sociedade dominente, apenas, um acto prévio de aplicação do regime de determinação do lucro tributável da sociedade dominante e ad consequente liquidação do imposto (…)” pelo que “o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.
“Assim, quer o lucro tributável do grupo, quer o imposto, são imputados em relação à sociedade dominante. Se apenas é praticado um acto de liquidação do imposto, se este diz respeito ao grupo de sociedades e se o sujeito passivo desse imposto é a sociedade dominante não se vê razão para sustentar que o mesmo deva, também, ser notificado a quem dele não é sujeito passivo. Acresce que as sociedades dominadas não são responsáveis pelo imposto que advém da consideração de outros lucros tributáveis que não do seu. Decorre do regime uma autonomização do lucro tributável perante os lucros individuais de cada sociedade dominada, não sendo cada uma delas responsável por uma parcela do lucro único consolidado”. E, mais adiante, conclui-se, no Acórdão que vimos seguindo, que, “Como a lei elege a dominante como contribuinte de direito e de facto, é ela quem deve ser notificada definitivamente.”
Acresce que a Requerente se limita a alegar em abstracto a violação do direito à tutela judicial efectiva das sociedades dominadas sem concretizar minimamente em que medida aquelas ficaram, no caso, efectivamente prejudicadas no exercício daquele direito.
Improcede, assim, o primeiro fundamento de ilegalidade imputado pela Requerente ao acto de liquidação impugnado.
III.C.2. DA VIOLAÇÃO DO ART. 32.º, N.º 2 DO EBF E ART. 23.º, N.º1, DO CIRC
A) REGIME FISCAL GERAL DAS SGPS
A.1. O regime fiscal das SGPS, desde a sua criação pelo Decreto-Lei n.º 495/88 e até 31 de Dezembro de 2000, encontrava-se regulamentado no art. 7.º do referido diploma, que determinava que "às mais-valias e menos-valias obtidas pelas SGPS, mediante a venda ou troca das quotas ou acções de que sejam titulares, é aplicável o disposto no artigo 44º do Código do IRC, sempre que o respectivo valor de realização seja reinvestido, total ou parcialmente, na aquisição de outras quotas, acções ou títulos emitidos pelo Estado, no prazo aí fixado" (redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 318/94). [1]
Ou seja, a diferença positiva entre as mais e as menos-valias não concorria para o lucro tributável, sempre que o valor de realização fosse reinvestido até ao fim do segundo exercício seguinte ao da sua realização.
A partir de 2001, com a aprovação da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado (OE) para 2001, este regime passou a estar regulamentado no art. 31º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), que determinava que "às mais e menos-valias obtidas pelas SGPS e SCR, mediante a venda ou troca das quotas ou acções de que sejam titulares, é aplicável o disposto no artigo 45.º do CIRC, sempre que o respectivo valor de realização seja reinvestido, total ou parcialmente, na aquisição de outras quotas, acções ou títulos emitidos pelo Estado, no prazo aí fixado".
Esta norma mais não é do que a transposição das normas previstas no art. 45.º do Código do IRC (CIRC), relativo a "encargos não-dedutíveis para efeitos fiscais". Assim, passou a adoptar-se um regime fiscal de diferimento da diferença positiva entre as mais e as menos-valias para os cinco anos seguintes, sempre que fosse manifestada a intenção de reinvestir, e esse reinvestimento ocorresse posteriormente.
As SGPS, por seu lado, passaram a beneficiar de um regime de diferimento da tributação das mais-valias obtidas mediante a venda ou troca das participações societárias por si detidas, tendo que reinvestir o valor de realização até ao fim do terceiro exercício seguinte ao da realização.
A entrada em vigor da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que aprovou o OE para 2002, veio determinar a aplicação às SGPS dos n.º 1 e 4 do art. 45º do CIRC (na redacção em vigor à época), por remissão do art. 31º do EBF. Por conseguinte, a nova norma dispunha que, se a participação tivesse sido detida durante um ano à data de alienação, e se no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte, fosse reinvestido o valor de realização, proceder-se-ia a uma tributação de 50% da mais-valia líquida (conforme n.º 1 do art. 45º do CIRC).
Com a publicação da Lei n.º 32-B/2002, de 20 de Dezembro, que aprovou o OE para 2003, o regime de tributação das mais e menos-valias para as SGPS foi novamente modificado, através de alterações introduzidas nos n.º 2 e 3 do art. 31º do EBF, sendo este o regime que passou a vigorar, embora com posterior renumeração do artigo (que passou de 31º para 32º).
A nova redacção passou a dispor que as mais e menos-valias realizadas na transmissão onerosa de partes de capital, e os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorreriam para a formação do lucro tributável, desde que essas partes de capital fossem detidas por período não inferior a um ano.
A.2. A partir de 1 de Janeiro de 2003 (por força da Lei n.º 32-B/2002) passou, pois, a vigorar em pleno esse regime específico das SGPS: a aplicação do nº 2 do art. 31º do EBF (depois, art. 32º) excepcionava ao regime geral previsto nos arts. 23.º, 42.º e 45.º do CIRC, que voltavam a aplicar-se às menos-valias apuradas na transmissão de partes de capital caso a transmissão consubstanciasse os n.ºs 5, 6 e 7 do art. 23.º do CIRC mas não se encontrassem preenchidos os pressupostos de aplicação da norma do EBF.
Como regra geral resultará da aplicação do art. 31.º (depois 32.º) do EBF que as menos-valias e os encargos financeiros suportados com o financiamento de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável (uma desconsideração que só não ocorreria se se verificasse alguma das excepções previstas no n.º 3 desse mesmo art. 31.º). [2]
Para o que nos interessa mais especificamente, no período em consideração a redacção do n.º 2 do art. 32.º do EBF manteve-se praticamente inalterada até à sua revogação:
- Até Março de 2010 vigorou a redacção introduzida pela Lei n.º 10/2009, de 10 de Março:
"As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades."
- A mesma redacção manteve-se até Dezembro de 2010, não obstante as alterações introduzidas no diploma pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril
- E o mesmo sucedeu até Dezembro de 2011, não obstante as alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro
- Só com a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, foi introduzida uma ligeira modificação do preceito, que não alterou o seu sentido e somente eliminou a referência às SCR e aos ICR:
"As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades."
- E foi esta redacção que permaneceu até Dezembro de 2013, altura em que ocorreu a sua revogação pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
A.3. Mesmo que se percebesse a razão de ser deste regime introduzido pela Lei n.º 32-B/2002, cedo se adensaram dúvidas relativas a um seu possível impacto negativo. É que enquanto o regime aplicável até 2003 previa o diferimento ou exclusão da tributação do saldo positivo entre as mais e menos-valias – assim levando em conta as menos-valias para a formação do lucro tributável, o regime instituído em 2003 e vigente até 2013 dispôs que as menos-valias deixavam de concorrer para a formação do lucro tributável, excepto quando as participações tivessem sido detidas por um período inferior a um ano, sendo neste caso aplicado o regime geral previsto no CIRC. Assim, quando uma sociedade apurasse um saldo negativo entre as mais e as menos-valias não poderia incluir esse saldo na determinação do lucro tributável.
Na aparência, a norma da não dedutibilidade dos encargos financeiros era um aspecto penalizador do regime das SGPS; na realidade, o regime ficava criticamente dependente da definição do conceito de encargos financeiros, da forma de distribuição e cômputo desses encargos financeiros, e até da definição da aplicação do regime no tempo[3].
Na verdade, a referida não-dedutibilidade de encargos e menos-valias pretendia jogar simetricamente com o facto de as mais-valias realizadas pelas SGPS terem passado a estar isentas de concorrerem para a formação do lucro tributável em IRC – o que resulta do Relatório do Orçamento do Estado para 2003, no qual, sob o título "Principais alterações em sede de IRC," e com a epígrafe "Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade", se aponta a isenção de tributação em IRC das mais-valias realizadas pelas SGPS com a alienação de partes de capital detidas há mais de um ano, como uma medida associada ao estabelecimento de regime de desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável de tais sociedades, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição das participações sociais correspondentes – tudo procurando constituir medidas conducentes a evitar o planeamento fiscal abusivo, aproximando o regime nacional do modelo holandês (visando-se com isso conferir maior competitividade ao regime fiscal nacional e ao mesmo tempo promover-se o alargamento da base tributável) [4].
Por outras palavras, o objectivo do regime instituído em 2003 foi o de contrabalançar a atribuição de um benefício – a exclusão total de tributação das mais valias – com a não concorrência de certos encargos financeiros suportados, criando um ambiente de neutralidade entre os eventuais ganhos com determinados activos (certas imobilizações financeiras) e o passivo necessário à criação das condições para a obtenção de tais ganhos, isto é, o passivo relacionado com a aquisição de tais participações.[5]
No fundo, o legislador não quis que se cumulassem dois benefícios: as SGPS já viam as suas mais-valias de partes de capital ficarem isentas de imposto; pelo que, quando tal sucedesse, não poderiam elas cumular com o benefício de aceitação fiscal dos juros suportados com o financiamento para a aquisição dessas partes de capital.[6]
Nesse aspecto, o legislador procurou aproximar o regime aplicável às SGPS à disciplina da participation exemption vigente em diversos países europeus[7]. Referindo-se ao tratamento favorável que as SGPS recebiam quantos às mais-valias registadas nas suas partes de capital, sintetizava José Engrácia Antunes: "esta vantagem fiscal, de resto, é em boa medida mitigada ou anulada pelo facto de os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações não serem tidos como custos elegíveis, não concorrendo assim para o cálculo do lucro tributável da SGPS."[8]
A dificultar a compreensão da situação, contudo, e a adensar a impressão de afastamento do princípio da tendência para a tributação das sociedades pelo rendimento real, esteve o facto de, como vimos, se terem sucedido, em rápida cadência a partir do início de 2001, vários regimes para a mesma realidade: de uma isenção da tributação da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas com a alienação partes de capital (regime em vigor até 31 de Dezembro de 2000), passou-se à aplicação de um diferimento da tributação da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, por um prazo de cinco anos, condicionado ao reinvestimento (regime em vigor em 2001), seguindo-se a solução da exclusão parcial equivalente a 50% da diferença positiva entre as mais- e as menos-valias, estando esta igualmente condicionada ao reinvestimento (regime em vigor em 2002); culminando, no período de 2003 a 2013, numa exclusão, em determinadas circunstâncias, da dedutibilidade das menos-valias e encargos suportados com a alienação de partes de capital (independentemente de qualquer reinvestimento). Num certo sentido, essa sucessão "em rajada" de regimes tributários criou a impressão de um verdadeiro "puzzle"[9], e gerou a oportunidade, e o incentivo, à exploração dessa "entropia" informativa / normativa.
A.4. Um problema que emerge no contexto genérico da tributação das empresas, e por isso ganha especial relevância no seio das relações de grupo e na tributação das SGPS, é o da indispensabilidade de certas despesas para efeitos da aplicação do regime do art. 23.º do CIRC, nomeadamente a indispensabilidade das "prestações suplementares", na medida em que possa entender-se que tais prestações integram o conceito de "parte de capital" que era proeminente na redacção do art. 23º à data dos factos[10].
Em termos gerais, dir-se-á que para a aplicação do art. 23.º do CIRC (em qualquer das suas redacções) a "indispensabilidade" é um nexo de relação entre custos e proveitos que se afere num sentido económico, devendo ter-se por imprescindível o gasto contraído em ordem à obtenção dos proveitos, ou ao menos para garantia da vigência e manutenção da sociedade e sua actividade, sendo portanto "indispensável" o custo fiscal incorrido em interesse próprio e egoístico da sociedade que regista tal custo.
O conceito de "indispensabilidade" remete, assim para a funcionalização ao objecto societário, procurando-se evitar, genericamente e na medida do possível, aferições livres a partir de um qualquer juízo subjectivo do aplicador da lei, alicerçado em cálculos de oportunidade ou na discricionariedade técnica[11].
Num sentido mais restritivo, a indispensabilidade resultará necessariamente da ligação directa e biunívoca entre um proveito e um custo que o suportou; no seu sentido mais amplo, a indispensabilidade que torna fiscalmente dedutíveis os custos corresponderá a uma ampla integração das despesas apresentadas em operações relativas ao escopo societário, independentemente de ele contribuir ou não para a obtenção de proveitos[12]. Há ainda quem admita sentidos intermédios, dando-se por custos "indispensáveis" aqueles que são obrigatoriamente suportados em virtude da actividade das empresas, independentemente da consideração dos resultados[13].
Nenhuma das precedentes considerações impediu que, na prática, o conceito de indispensabilidade, sendo indeterminado, tenha vindo a ser preenchido casuisticamente pela jurisprudência, o que teve como corolário que cada uma das situações controvertidas tivesse que ser analisada individualmente[14].
Sempre se aceitou o princípio de que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só poderia excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma motivação que convencesse de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou, ao menos, com excesso "desviante" face às necessidades e capacidades objectivas da empresa, ou seja, que se tratou de custos que, embora assim contabilizados pela empresa, não são na realidade custos empresariais (servindo antes, por exemplo, para camuflar gastos pessoais dos administradores). [15]
Em contrapartida, desde o início se percebeu a necessidade de se enfatizar o advérbio «comprovadamente» que, à data[16], constava do n.º 1 do art. 23.º do CIRC: "Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora" – significando isso, muito singelamente, que as despesas efectuadas não podem ser aceites como custos apenas por serem do tipo de despesas que uma empresa possa realizar no âmbito do seu objecto social, sendo necessário que se prove, no mínimo, alguma relação das despesas com a actividade geradora dos proveitos, que permita considerar tais despesas como actos de gestão da empresa – apontando decisivamente no sentido da acepção mais restritiva de "indispensabilidade", que atrás enunciámos.
O art. 23.º permitia, em suma, a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que fossem potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do êxito ou inêxito que em concreto tivessem proporcionado, independentemente até de gerarem, ou não, um proveito tributável[17], bastando que, no momento em que foram incorridas e face às regras da experiência comum, comprovadamente, pudessem afigurar-se como potencialmente geradoras de proveitos, devendo excluir-se somente o que não puder ser considerado como um acto de gestão com esse potencial comprovado, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada pudesse resultar um proveito.
Por outras palavras, o controle da Administração Tributária, ainda que estribado no conceito mais restritivo de "indispensabilidade", tem que ser um controle pela negativa, eliminando como custos apenas os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos[18].
A.5. Especificamente quanto à indispensabilidade das prestações suplementares, tratava-se de saber não somente se eram dedutíveis como "partes de capital", para efeitos do artigo 23.º do CIRC, mas também se, como "partes de capital", eram dedutíveis para efeitos do art. 32.º, n.º 2, do EBF, eventualmente por implicarem custos financeiros indispensáveis à realização de tais prestações suplementares, interferindo na geração de lucro de um modo que deveria ser atendido para apuramento do lucro tributável – contrapondo-se a essa pretensão o entendimento de que no seio das relações das SGPS com as suas participadas tais prestações suplementares, mesmo que passassem no crivo da indispensabilidade do art. 23.º do CIRC, estariam abrangidas na expressão "aquisição de partes de capital" e deveriam, por isso, ser desconsideradas nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, pelas razões peculiares que ditaram este norma do EBF, as razões de "contrabalanço" ou "neutralidade fiscal" entre mais- e menos-valias, que enunciámos antes [19].
O aspecto penalizador deste artigo 32.º do EBF ressurgia, ou podia ressurgir, com a constatação de que, na verdade, o regime do n.º 2 do art. 32.º do EBF, ainda que restringindo-se a operações sobre "partes de capital" das SGPS, poderia, pela ambiguidade de critérios em que assentava, conduzir à não-dedução fiscal de encargos financeiros que não se integravam realmente em tais operações.
Por exemplo, poderia dar-se o caso de o custo incorrido, digamos um endividamento, não ter sido contraído com o objectivo específico de adquirir partes sociais, mas para a actividade empresarial em geral, nomeadamente para a concessão de empréstimos da SGPS às suas participadas – caso em que deixaria de existir uma correspondência directa do endividamento com a aquisição das partes sociais.
Com efeito, as SGPS recorrem ao financiamento bancário numa óptica de gestão de tesouraria, para posteriormente emprestarem às suas participadas, naquilo que constitui um procedimento normal e legítimo. Assim, para além dos encargos financeiros efectivamente suportados com a aquisição de participações sociais, e na medida em que as SGPS suportam normalmente encargos financeiros provenientes de empréstimos de financiamento adquiridos junto de instituições de crédito para outros fins, estes encargos deveriam fugir do âmbito do n.º 2 do art. 32.º do EBF e ser aceites fiscalmente como custo.[20]
Mas, insistamos, é a ambiguidade de critérios sobre o que sejam encargos financeiros, sobre a forma como devam ser imputados e sobre o regime temporal a que estão sujeitos que gera efectivamente um risco de sobre-extensão do regime do n.º 2 do art. 32.º do EBF.
Aí, o primeiro interessado em que transparecessem as razões para a não-aplicação do n.º 2 do art. 32.º do EBF, porque de outro modo seria também o primeiro onerado, era a própria SGPS, que deveria proceder a uma aplicação analítica e discriminada dos seus recursos (capitais próprios e capitais alheios), com cada aplicação devidamente definida, documentada e justificada.[21] Se assim não sucedia é porque fundamentalmente a margem de indefinição gerava uma possibilidade de manipulação dos valores, seja do lado das SGPS seja do lado da própria AT.
Na ausência de consensos, o n.º 2 do art. 32.º do EBF poderia ser interpretado no sentido de permitir que os juros fossem efectivamente deduzidos enquanto não se verificassem os pressupostos de exclusão da mais-valia para efeitos de apuramento do lucro tributável. Neste contexto, uma solução possível para os juros seria a seguinte: na aquisição de uma participação social a uma entidade relacionada ou sujeita a tributação privilegiada, os juros incorridos seriam dedutíveis desde o início, sendo integralmente acrescidos ao lucro tributável no exercício em que se procedesse à alienação, caso a mesma ocorresse depois de haver decorrido o período mínimo de três anos de detenção. [22] Essa solução de "crédito de imposto", que na prática corresponderia a uma externalização de riscos por parte do contribuinte, jamais foi adoptada; mas já voltaremos a considerá-la.
A indefinição prevalente não poderia eternizar-se, pelo que se sentiu a necessidade de estabelecimento de critérios claros, dotados de alguma objectividade, que permitissem avançar na liquidação do IRC incidente sobre as SGPS – critérios de imputação, por exemplo, que permitissem a determinação da percentagem de passivos remunerados não afectos a activos também remunerados, ou o apuramento da percentagem das participações sociais nos activos ainda não objecto de afectação específica a passivos remunerados, incluindo as participações financeiras ao preço de custo. Critérios que, conjugados, permitissem a imputação dos juros associados às aquisições de partes de capital que fossem, ou eventualmente não fossem, fiscalmente atendíveis para o cômputo do lucro tributável.[23]
É em resposta a uma tal necessidade que surgiu a Circular 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços do IRC, a qual, reconhecendo (no seu ponto 7) "a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e [a] possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria", apresentava uma fórmula para o cálculo do valor dos encargos financeiros não considerados como custo e efectivamente acrescidos ao lucro tributável – uma métrica para quantificar os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital e que, por isso, não seriam dedutíveis.[24]
A "afectação directa" para apuramento seguro do valor dos encargos financeiros que supostamente tivessem sido suportados com a aquisição de partes de capital seria sempre especialmente difícil dada a fungibilidade do dinheiro e a desnecessidade de consignação dos fundos mutuados, e daí que, sem perder de vista a necessidade de manter o recurso à análise casuística (como se reconhecia no ponto 9 da Circular), no seu ponto 7 se estabelecesse que "deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição" [25].
A Circular 7/2004 veio, por sua vez, suscitar duas questões: 1) podia uma simples Circular resolver as ambiguidades suscitadas pela interpretação de um preceito legal? 2) podia a AT arrogar-se, através da Circular ou independentemente dela, o poder de sindicar decisões económicas da gestão das empresas para lá daquilo que fosse o estrito preenchimento dos pressupostos de aplicação das normas pertinentes?
A.6. A primeira questão suscitada pela Circular 7/2004 era esta: podia uma simples Circular resolver as ambiguidades suscitadas pela interpretação de um preceito legal?
O problema reveste-se de um especial melindre porque o n.º 2 do art. 32.º do EBF era uma norma de incidência[26], pelo que o cálculo previsto na Circular tinha directo impacto na incidência directa dos tributos.
A.6.1- Argumentos restritivos - Por um lado, e em termos gerais, é certo que as Circulares consistem em orientações administrativas de carácter genérico, segundo as quais o poder executivo procede a uma interpretação de normas tributárias, pelo que as instruções genéricas contidas em Circulares não podem pretender ser mais do que isso: meras instruções, que apenas vinculam a administração, sendo que em parte alguma da LGT se estabelece que as Circulares da AT se aplicam aos dois lados das relações que esta entidade estabelece com os administrados.[27]
A ser assim, poderia suscitar-se – e suscitou-se – um problema de ilegalidade, mormente face ao disposto na LGT, na medida em que pudesse colocar-se a hipótese da criação, através da aparência da Circular, de uma nova norma de incidência fiscal.
Um dos princípios incontestáveis com pertinência para o caso é o de que a aferição da legalidade dos actos da administração tributária[28] deve ser efectuada através do confronto directo com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno ou com a Circular que se interpôs entre a norma e o acto, pelo que a circunstância de a AT ficar vinculada às orientações genéricas constantes de Circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário (art. 68.º-A, 1, da LGT), e de ter o dever de proceder à conversão das informações vinculativas, ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, em determinadas circunstâncias (art. 68.º, 3 da LGT), não altera esta perspectiva – simplesmente porque não transforma esse conteúdo em norma com eficácia externa, sendo somente ao abrigo do princípio da boa fé e da segurança jurídica, e não pela via de um qualquer valor normativo, que o conteúdo das Circulares prevalece.
Assim, as orientações administrativas genéricas – constantes ou não de uma Circular – apenas poderão conter comandos ou enunciados densificadores que sejam operativos em relação àqueles que, num estrito ponto de vista jurídico, são os seus exclusivos destinatários, os serviços integrados na administração tributária que emitiu a orientação.
Essas orientações administrativas genéricas tornam-se ilegais se passam a ter os próprios sujeitos de imposto como destinatários, seja porque explicitamente manifestam essa intenção, seja porque densificam normas de um modo que vincula os particulares – uma densificação que, a ser necessária, deveria ser operada através de uma norma legal, e não a um nível inferior –, seja ainda porque, mais subtilmente, remetem para uma densificação da norma que só pode operar-se por actos dos particulares e não já por simples actos da Administração. E tornam-se ainda ilegais se determinam de forma geral e abstracta, como sucede nas Circulares, e nessa determinação transgridem as salvaguardas que procuram vedar que elas sirvam de sucedâneos de normas legais propriamente ditas.
A entender-se deste modo, a Circular 7/2004, ao procurar fixar, de forma geral e abstracta, um método de apuramento dos encargos suportados por SGPS, no âmbito da aquisição das partes de capital detidas, nomeadamente quando os encargos não são afectados de forma directa, e por ter consequências claras ao nível da incidência do imposto, foi uma candidata à declaração de ilegalidade, especificamente por violação da reserva de lei formal da Assembleia da República.
Daí que algumas interpretações sustentassem que a Circular 7/2004, através da interpretação extensiva do regime previsto no artigo 32.º do EBF que teria consumado, desvirtuara, material e formalmente, aquele artigo, criando uma nova norma de incidência fiscal – em violação dos artigos 103.º, 2 e 3 e 165.º, 1, i) da Constituição[29].
Como referimos, o método previsto na Circular 7/2004 permitia apurar quais os montantes dos encargos financeiros da SGPS que não eram dedutíveis, estabelecendo um método que permitia a afectação dos passivos aos diferentes activos das SGPS: primeiro, afectavam-se os passivos remunerados das SGPS aos investimentos geradores de juros; depois, afectava-se o remanescente dos passivos aos restantes activos, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição. Desse modo, insiste-se, procurava-se remediar o facto de o artigo 32.º, n.º 2, do EBF ser omisso na explicitação do método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais.
A fórmula de cálculo adoptada em tal Circular é, pois, aparentemente simples, mas a sua aplicação resulta complexa sob o ponto de vista dos pressupostos usados na classificação das rúbricas a ponderar, pois que assenta apenas na distinção entre activos e passivos remunerados e não remunerados. Ora, a classificação dos elementos activos e passivos, entre "remunerados" e "não remunerados", não encontra fundamento na ordem jurídico-contabilística existente à data dos factos (Plano Oficial de Contas, POC), nem na posteriormente vigente (Sistema de Normalização Contabilística, SNC). Logo, surge de modo inovador na Circular 7/2004, pelo que a própria Circular devia ter definido o que entende por cada um desses conceitos – o que não fez, limitando-se a elencar exemplos de elementos activos e passivos remunerados e não remunerados[30].
Mais especificamente ainda quanto ao que respeita ao caso das SGPS, a definição de conceitos subjacente à bipartição entre "activos remunerados" e "outros activos" era imperiosa, e a sua ausência foi crítica, atendendo a que não há, ou dificilmente pode haver, uma relação factual directa entre os fundos totais obtidos (os que implicaram o pagamento de juros) e os fundos investidos na aquisição das participações sociais.
Compreende-se assim que se tenha chegado à opinião de que a AT, ao emitir a Circular 7/2004, não se limitou a aplicar normas tributárias e a facilitar a respectiva aplicação, extravasando da sua função de regulador da incidência para assumir a função de criador de nova incidência fiscal[31], na medida em que, substituindo-se à norma e ao intérprete da norma, condicionou erga omnes a aplicação do regime do art. 32.º, n.º2, do EBF através da interposição de critérios não autorizados pelo art. 11.º, n.º 4, da LGT.
A opinião não se limitava a sustentar que com a Circular se teriam afrontado os princípios constitucionais que enquadram a incidência tributária, mas ia mais longe, sugerindo que com a Circular se teriam introduzido até entorses ao princípio da tributação das empresas pelo rendimento real[32] – embora, quanto a esta consequência necessária da aplicação de qualquer método indirecto, se deva observar que o que a Constituição impõe, quanto à tributação das empresas, não é que a incidência se dê "exclusivamente", mas apenas que ela recaia "fundamentalmente", no seu rendimento real (art. 104.º, n.º2, da CRP).
A.6.2. Argumentos expansivos- Por outro lado, uma Circular, como a Circular 7/2004, pode e deve ser interpretativa da lei tributária, e não será ilegal se, ajudando a dissipar dúvidas e a superar dificuldades, se limitar a fornecer métodos de "densificação" e de aplicação das normas legais sem cair na interpretação extensiva ou na analogia – aqui vedadas – e sem contribuir para a criação de novas normas em violação dos artigos 103.º, n.º 2 e n.º 3 e 165.º n.º 1 alínea i) da Constituição.
O que a lei permite, e aquilo que a Constituição impõe à AT, é que, na interpretação que faz das normas tributárias, se limite a emitir orientações genéricas que preencham conceitos, quando isso se revele necessário. Não se pode por isso presumir – ao menos de boa fé – que todo e qualquer preenchimento desses conceitos, qualquer densificação, mesmo nas áreas de maior incerteza e complexidade e portanto mais carecidas dessa "regulação de incidência", seja ipso facto uma ilegalidade, e especificamente consista no exercício da função legislativa sob o "manto diáfano" de uma interpretação extensiva da lei.
Afigura-se, portanto, legítimo utilizar a fórmula constante da Circular 7/2004, embora esta possa ter que ser "corrigida" no necessário para que a ratio legis do n.º 2 do art.º 32º do EBF resulte integralmente respeitada. O mesmo é dizer que, por óbvio, a adopção da fórmula preconizada pela Circular não vincula o sujeito passivo às consequências dela derivadas quando estas resultem contra legem[33].
A verdade é que nada, na letra do n.º 2 do art.º 32.º do EBF, retirava qualquer legitimidade a qualquer método, directo ou indirecto, de afectação dos encargos financeiros das SGPS para se alcançar os objectivos prosseguidos com aquela norma. A afectação pro rata prevista no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, método indirecto de afectação, era portanto tão legítima e tão compatível com a ratio legis da norma como qualquer outro método – sendo que, em contrapartida, não pode sustentar-se que os objectivos daquela norma (de qualquer norma) pudessem ser alcançados na ausência, pura e simples, de qualquer método.
O objectivo daquela norma, como vimos, foi o de – no pressuposto de que as SGPS pudessem vir a beneficiar da exclusão de tributação aplicável aos rendimentos de mais-valias realizados com a alienação de participações sociais – obstar a que os custos relevantes que estivessem relacionados com a obtenção de tais rendimentos pudessem ter relevância em termos de apuramento do lucro tributável do sujeito passivo que os tivesse obtido.
Daqui decorre logicamente que não foi a Circular 7/2004 que criou, com a sua interpretatio juris autorizada pela letra da lei, presunções inilidíveis de custos não-dedutíveis, mas foi antes a própria lei, interpretada nos termos acabados de expor, que afastou a dedutibilidade dos encargos financeiros incorridos com financiamentos ligados à aquisição das participações sociais cuja alienação realizara as mais-valias excluídas de tributação.
Recapitulando: se o n.º 2 do art.º 32.º do EBF reclamava um método de aplicação e qualquer método era legítimo, não se percebe em que medida é que a Circular 7/2004, escolhendo um método e explicitando-o, consistia ipso facto em novas normas de incidência, em violação de princípios de legalidade tributária. Se era facto que a desconsideração de encargos financeiros resultava em imposto acrescido, isso resultava do quadro normativo em vigor e não da aplicação da Circular 7/2004[34].
Parece portanto que o que era objecto de crítica não era a Circular 7/2004, era antes, através desta, a própria regra contida no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, jogando com o facto de nesta se conter uma desconsideração de gastos que não é do regime comum da tributação das sociedades – escamoteando-se o facto de essa excepcionalidade de regime das SGPS ser bivalente e resultar de uma contrapartida, que aqui se recorda: estando uma SGPS na posição de poder vir a beneficiar da exclusão de tributação logo que realizasse mais-valias com a alienação das participações sociais, ela já não estava numa posição equivalente às das demais sociedades, as quais, realizando ganhos de mais-valias com a alienação de participações sociais, não beneficiavam da aludida exclusão de tributação – pelo que se entendia que era apenas no seio daquele regime excepcional que seria de ponderar a justiça da desconsideração dos encargos em contrapartida da desconsideração dos ganhos[35].
E porque é que propositadamente se escamoteia a razão de ser da regra contida no n.º 2 do art.º 32.º do EBF? Frequentemente é porque se alega que as despesas objecto de desconsideração fiscal são antecedentes dos proveitos com que se conexionam aquelas despesas – enfatizando-se que aquelas mais-valias são puramente eventuais e podem vir a não ocorrer, deixando subtilmente subentendido, seja que o "contrabalanço" que presidiu à solução normativa (a não concorrência de certos encargos financeiros suportados, criando um ambiente de neutralidade assente no pressuposto de que tais encargos representavam, em potência, elementos capazes de colocarem a SGPS na posição de realizar as mais-valias já excluídas de tributação) é na verdade um sinalagma; seja que, sendo todos os encargos financeiros, por natureza, rodeados de riscos e incertezas, todos deveriam ser tributariamente relevantes.
Neste peculiar entendimento[36], ao qual aludimos anteriormente referindo-nos a uma proposta de "crédito de imposto" (uma externalização de parte dos riscos do sujeito de imposto, que implicaria o pagamento de imposto apena a final), a desconsideração fiscal operada pelo n.º 2 do art.º 32º do EBF violaria o princípio da proporcionalidade, além de princípios de igualdade, neutralidade, capacidade contributiva e da tendência para a tributação do rendimento real: já porque discriminaria injustificadamente entre SGPS e demais empresas (na medida em que as demais poderiam ser igualmente detentoras de "partes de capital" – omitindo-se aqui que as demais empresas não beneficiariam igualmente da isenção de tributação pelas mais-valias, igualmente prevista no n.º 2 do art.º 32º do EBF), já porque se procederia a uma igualmente injustificada dissociação temporal entre efeito negativo presente e eventual efeito positivo futuro, em violação da "taxa de desconto" do dinheiro (uma variante da proposta de "crédito de imposto").
Regressa-se à perspectiva crítica relativamente à Circular 7/2004, que se acusa de ter deixado de ser mero instrumento de interpretação, de "regulação de incidência", do regime do n.º 2 do art.º 32º do EBF, para se converter numa "presunção inilidível", a de que "os encargos financeiros que com recurso a ela se apurem são tidos como suportados com a aquisição de partes de capital cuja alienação tenha beneficiado (ou seja suscetível de vir a beneficiar) de isenção de tributação de mais-valias" – uma "ficção que não admite contradita" e que se conteria na fórmula plasmada na Circular, uma fórmula "com pretensão de aplicação imperativa" agravada pelo facto de ocorrer em área de reserva de lei[37].
Chega-se, nesta agudização crítica, ao ponto de questionar genericamente a aplicação de métodos indirectos de afectação de encargos, contrapondo-lhes a alternativa de métodos directos e reais que – por não serem especificados e contraditarem expressamente uma das premissas da Circular 7/2004[38] – parecem não ser mais do que apelos a um casuísmo irrestrito na tributação das SGPS.
Reconheçamos que, conquanto se nos afigure rebuscado associar à Circular 7/2004 o estabelecimento de "presunções", e mais ainda de "presunções inilidíveis", em contrapartida não é descabido descortinarmos o perigo de tais Circulares tentarem interferir na distribuição do ónus da prova, ou ferir o princípio consagrado no art. 75.º da LGT, nos termos do qual "presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal" – mormente quando a AT se sinta tentada a aliviar o seu esforço probatório através da simples invocação de uma Circular, como se ela, mais do que fornecer um procedimento probatório, constituísse já a própria prova[39].
Voltemos então à admissão de que as Circulares da Administração Tributária comportam eficácia externa, vinculando os contribuintes e também os Tribunais – uma admissão que deve ser acompanhada da ressalva, já formulada, de que é ao abrigo do princípio da boa fé e da segurança jurídica, e não por um qualquer valor normativo que pudesse representar usurpação de competências constitucionalmente atribuídas, que o conteúdo das Circulares prevalece. O administrado só as acata se, e enquanto, lhe convier, pelas mesmas razões que justificam que possa invocar informações individuais vinculativas que o favoreçam[40].
Mas nada disto interfere com o regime estabelecido no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, com a necessidade de interpretação desse regime e com a legitimidade da Circular 7/2004 para estabelecer (e estabilizar) essa interpretação. O respeito pela normalidade das relações que são tuteladas pelo Direito Fiscal impõe que se reconheça que, no âmbito do exercício dos poderes de administração do sistema fiscal que incumbem à AT, esta tem plena legitimidade para emitir orientações genéricas contendo prescrições que se apropriem de espaços de normatividade fora da reserva de lei e que não conflituem com o espaço de normatividade já ocupado pela lei.
Ou seja: se se tratar de orientação genérica, emitida ao abrigo de competência legalmente prevista e houver respeito por essas fronteiras, não se vê que legitimidade terá o juiz ou o contribuinte para ignorá-la e, em sua substituição, ou em substituição do administrador do sistema fiscal – que é a AT por incumbência legal –, determinar uma diferente normatividade para o caso concreto em apreciação.[41] A interpretação de normas e regimes jurídicos não pode converter-se na subversão das regras e no caminho para a aporia.
Foi sobre estas premissas que o Acórdão nº 42/2014 do Tribunal Constitucional assentou a sua decisão de "não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redação conferida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, na parte em que impõe a indedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital logo que estes sejam incorridos, independentemente da realização de mais valias isentas de tributação com a alienação de tais partes de capital"[42].
Por tudo o que acabámos de ver, à primeira questão suscitada pela Circular 7/2004 – podia uma simples Circular resolver as ambiguidades suscitadas pela interpretação de um preceito legal? – temos que responder afirmativamente.
A.7. A segunda questão suscitada pela Circular 7/2004 era esta: podia a AT arrogar-se, através da Circular ou independentemente dela, o poder de sindicar decisões económicas da gestão das empresas para lá daquilo que fosse o estrito preenchimento dos pressupostos de aplicação das normas pertinentes?
Sem termos que nos enredar nas subtilezas infindáveis do tema da discricionariedade no Direito Público, e sem termos que repisar o longo caminho percorrido pelo conceito de "discricionariedade", concentremo-nos antes no âmbito específico do problema: esta segunda questão assenta na possibilidade de existirem custos, e nomeadamente prestações complementares que, inserindo-se inequivocamente na capacidade da sociedade, no seu escopo lucrativo, todavia, por não terem por objectivo específico a aquisição de partes sociais, fugiam da previsão e do regime do n.º 2 do art. 32.º do EBF.
Quanto a isso, afigura-se pacífico que os custos financeiros suportados com a realização de prestações suplementares podem ser indispensáveis à manutenção da fonte produtiva, especificamente na medida em que a dotação de uma sociedade participada com capitais próprios é um acto idóneo à manutenção e valorização da fonte produtiva da própria SGPS, e em especial em situações em que a sociedade gestora, em função da sua posição na praça relativamente ao crédito, seja susceptível de obter crédito em condições mais vantajosas do que a sociedade participada, casos em que a utilização de crédito obtido pela primeira em benefício da segunda será, manifestamente, uma decisão economicamente fundada[43].
Mesmo que a tais prestações não corresponda o vencimento de juros, a SGPS estará a actuar objectivamente dentro da sua capacidade, na medida em que a valorização das suas participadas é compatível com o seu escopo lucrativo[44], se é que não pode dizer-se mesmo que essa valorização das participadas é o seu escopo principal[45].
Trata-se de decisões económicas de gestão de uma SGPS que não têm por objectivo específico a aquisição de partes sociais, e que, na medida em que são custos de financiamento de um activo produtor de rendimento, deveriam ser dedutíveis nos termos gerais do art. 23º do CIRC[46]; e a lei fiscal não contém igualmente qualquer regra específica (norma anti-abuso ou outra) que impeça ou cerceie esta liberdade de gestão[47].
O que se defende é que tais despesas deveriam estar sujeitas ao regime geral do art. 23.º, n.º1, do CIRC, contornando-se o "bloqueio" imposto pelo n.º 2 do art. 32.º do EBF. Na redacção em vigor à data, o art. 23.º, n.º1, do CIRC impunha uma relação dos gastos com a realização de rendimentos sujeitos a imposto – mas aí subscrevia-se o entendimento de que todas as mais-valias obtidas por SGPS estão sujeitas a imposto, apenas se dando o caso de sobre elas recair, depois, uma isenção, com vários requisitos, que impedia em segunda linha a tributação –.[48]
Ora o facto é que, talvez por receio de que o credor de imposto ignorasse essa dualidade de situações (quiçá em resultado de um "viés interpretativo" induzido pelo desígnio de aumentar as receitas tributárias), houve quem contestasse a possibilidade de a AT sindicar decisões económicas da gestão das empresas, de modo a separar, com alguma margem discricionária, aquelas que ficavam sob a alçada, e aquelas que ficavam fora da alçada, do n.º 2 do art. 32.º do EBF.
A.8. Âmbito de aplicação- Na medida em que o art. 32.º, n.º 2, do EBF não definiu o que entendia por "encargos financeiros", uma parte da discussão doutrinal e jurisprudencial concentrou-se na definição daquilo que poderia entender-se por "parte de capital", já que dessa definição – em larga medida buscada à revelia do que decorria já da Circular 7/2004 – resultaria um objecto mais amplo ou mais restrito de incidência do regime do n.º 2 do art. 32.º do EBF. Da demanda do conceito de "partes de capital" emergiram dois entendimentos:
- Entendimento "minimalista": se se entendesse que a alusão era à noção de "capital social" (participações sociais, acções ou quotas), privilegiando a óptica "comercial" da qual se exclui a figura da "prestação suplementar", o âmbito do n.º 2 do art. 32.º do EBF seria restringido – e concomitantemente aumentadas as possibilidades de consideração de encargos financeiros como custos fiscalmente dedutíveis;
- Entendimento "maximalista": se se entendesse que a alusão era a "capital próprio", privilegiando o sentido "contabilístico" e nele integrando a figura da "prestação suplementar", o âmbito do n.º 2 do art. 32.º do EBF seria alargado – e concomitantemente reduzidas as possibilidades de consideração de encargos financeiros como custos fiscalmente dedutíveis[49].
Esta diferença nas consequências condicionou profundamente a discussão, até a doutrinária[50], prevalecendo a opinião de que a referência a "parte de capital" no art. 32.º, n.º 2, do EBF se reporta a partes do capital social, excluindo, pois, da incidência daquela norma as "prestações suplementares" (que, sendo "componentes" do "capital próprio", não seriam "partes de capital") – subscrevendo, em suma, um entendimento "minimalista" quanto à incidência do art. 32.º, n.º 2, do EBF. [51]
Em termos concretos, o entendimento "minimalista" consubstanciava-se no regime seguinte: só os juros ligados à aquisição de partes de capital (especificamente: acções ou quotas) seriam desconsiderados em termos fiscais; os conexos com os capitais (alheios) utilizados em prestações suplementares, ou em prestações acessórias que seguissem o regime das prestações suplementares (incluindo a cobertura de prejuízos), por não se incluírem, nem poderem incluir, no conceito de "capital social", revestiriam a natureza de custos fiscalmente dedutíveis.
Tratar-se-ia, pois, de sintonizar o art. 32.º, n.º 2, do EBF com o art. 45.º, n.º 3, do CIRC quanto ao entendimento do que são "partes de capital" para efeitos tributários[52], e de subtrair essas prestações suplementares (e suas equiparadas) ao regime do art. 32.º, n.º 2, do EBF, submetendo-as exclusivamente aos requisitos de indispensabilidade do art. 23.º do CIRC (ressalvadas as hipóteses especiais dos n.ºs 3 a 5 do art. 23.º do CIRC, na versão então vigente)[53].
Na verdade, descontados os convencionalismos que presidem a muitas das opções nesta área, algumas destas distinções desconsideram os princípios da capacidade contributiva e da aproximação ao rendimento real, demarcando realidades que se equivalem, ou ao menos convergem, economicamente: que as prestações suplementares possam ser devolvidas certamente as distingue do capital social – até para efeitos de combate ao "lock-in"[54] –, mas ninguém ignora que, sobretudo em grupos empresariais, essas prestações podem, ingressando no "capital próprio", ter a mesma permanência que caracteriza o "capital social" (e daí o recurso, em alternativa, a empréstimos e suprimentos).
Havendo equivalência económica, regressa-se ao ponto em que se questiona a legitimidade da AT para, na estrita interpretação e aplicação dos princípios em que assenta a autonomia do próprio Direito Fiscal, sindicar decisões económicas que possam indiciar escopos elisivos ou abusivos – porque se trata de saber, mais especificamente, se os critérios do art. 32.º, n.º 2, do EBF, e a fórmula da Circular 7/2004, podem ser afastados para se empolar indevidamente os encargos financeiros dedutíveis de uma SGPS por mera qualificação empreendida pelo próprio contribuinte[55], e se isso não constituirá por si só um indício da "dispensabilidade" dos gastos – um fundamento da reacção do art. 23.º do CIRC ele próprio no sentido, novamente, da respectiva desconsideração tributária.
Tendemos a responder afirmativamente à segunda questão suscitada pela Circular 7/2004 – a de saber se podia a AT arrogar-se, através da Circular ou independentemente dela, a faculdade de sindicar decisões económicas da gestão das empresas para lá daquilo que fosse o estrito preenchimento dos pressupostos de aplicação das normas pertinentes –, por não acompanharmos irrestritamente a posição dominante, que é a "minimalista".
Afigura-se-nos que esse entendimento assenta num equívoco, qual seja o de que o legislador procurou reproduzir, sectorialmente, a regra que já constava do artigo 23.º, 1, c) do CIRC – na redacção em vigor à data –, ou seja, a simples regra da não-dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros associados a proveitos não sujeitos a IRC, quando a verdade é que os dois preceitos têm uma génese distinta e razões diferentes, se não mesmo divergentes.
Ao contrário do que é repetidamente subentendido na perspectiva "minimalista", a regra do n.º 2 do artigo 32.º do EBF não pretendia, de modo algum, pôr em causa o princípio geral da dedutibilidade de encargos financeiros indispensáveis (segundo regras gerais de experiência) à realização de rendimentos e proveitos. A questão era outra, e bem diversa: a da exclusão da dedutibilidade de determinados encargos desse tipo relativamente às SGPS – independentemente da sua indispensabilidade ou não, mas coexistindo pacificamente com essa indispensabilidade –, pelo que o n.º 2 do artigo 32.º do EBF não podia ser entendido no contexto da orientação geral constante do artigo 23.º do CIRC, visto ser lei especial, exclusivamente aplicável às SGPS – e nem sequer a todas as operações das SGPS[56] –, por razões não generalizáveis, portanto, e não decorrentes de princípios mais gerais.[57]
Além disso, não esqueçamos as incidências, em todos estes temas, das regras do ónus da prova: a prova da existência e quantificação dos encargos, para efeitos do correcto apuramento de imposto efectuado na liquidação, incumbe ao sujeito passivo, na estrita medida em que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos das partes na relação tributária recai sobre quem os invoque: pelo que a insuficiente prova da existência, qualificação e enquadramento de certos encargos é absolutamente condicionante da sua relevância para qualquer dos regimes de consideração ou desconsideração que analisámos – na medida em que fica por demonstrar a essencial funcionalização de tais encargos às finalidades que permitem a sua consideração ou impõem a sua desconsideração.
A prova da dedutibilidade dos custos onerará obviamente o sujeito passivo, seja porque é do seu interesse a invocação dos factores de que tal dedutibilidade resultará, seja porque, especificamente no caso das SGPS, ninguém melhor do que o sujeito passivo se encontra em situação de concretizar os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações sociais; e, se o não faz, legitima a AT a efectuar correcções à liquidação para efeitos da desconsideração dos custos suportados com a aquisição das referidas participações[58].
Também aqui, portanto, é necessário não perder de vista que o interesse público determina exigências formais em sede de comprovação de custos – seja relativamente à sua existência, seja em relação a factores de relevância como a "indispensabilidade" que visam propiciar à AT um eficaz controlo das relações económicas, e do cumprimento da lei.
Por isso insistimos na resposta positiva à questão da legitimidade de uma sindicância, por parte da AT, de decisões económicas da gestão das empresas para lá daquilo que seja o estrito preenchimento dos pressupostos de aplicação das normas pertinentes – sobretudo quando estamos na presença de regimes legais desenhados para um sector específico e que se defrontam com resistências ao acatamento preciso das soluções legais e das interpretações legítimas dessas soluções[59] – insistindo-se em que a interpretação de normas e regimes jurídicos não pode converter-se na subversão das regras e no caminho para a aporia.
B) SENTIDO E ALCANCE DO ART. 23.º, N.º1, DO CIRC
Como vimos, nos termos do disposto no art. 23.º, n.º1, do CIRC, são dois os requisitos para que os custos ou perdas das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal: que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.
Importa, para tanto, averiguar se estão ou não verificados os requisitos formais exigidos para a comprovação dos custos e cuja violação implica a sanção da indedutibilidade sobre o rendimento.
As exigências formais compreendem a vertente interna e a externa. Os documentos internos são elaborados na empresa, normalmente para uso exclusivo interno (folhas de férias e as notas de lançamento). Os documentos externos são aqueles que provêm ou se destinam ao exterior, como as facturas, recibos e notas de débito) e são estes que normalmente cabem no conceito de “documentos justificativos”, que acompanham todo e qualquer gasto.
Sobre esta questão existe abundante jurisprudência, tendo a este propósito ficado consignado, designadamente, no Acórdão do STA de 5/7/2012, proc n.º 0658/2012, que “É possível recortar dois tipos essenciais de falhas formais. As primeiras resultam da ocorrência de erro ou vício no lançamento das operações na contabilidade, traduzidas na falta ou vício no registo ou na sua subsunção numa errada rubrica. Neste caso, o documento externo existe e é idóneo, mas verifica-se a incorrecção do respectivo suporte interno. Em relação às segundas, mais complexas, e mais correntes, o problema situa-se ao nível do documento externo que acompanha as transacções e que inexiste ou é insuficiente. Nesta última situação, a resolução do problema pressupõe, desde logo, que se determine o que deva entender-se por «documento justificativo», uma vez que o CIRC não oferece qualquer noção operativa. Resulta linearmente da lei e do princípio da praticabilidade que informa o direito fiscal que os custos têm de estar devidamente documentados. O problema que a lei não resolve expressamente no âmbito do IRC é o de saber quais as exigências concretas que o conteúdo desse documento deve observar: bastará um simples documento interno ou será preciso uma factura completa?”
No acórdão que vimos seguindo conclui-se que “(…) em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA. A exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só, para alguns autores, um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação”, (…) uma vez que constitui também “jurisprudência do STA[60] de que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.”
Em suma, ao contrário do que se passa no IVA, no IRC as exigências formais quanto à comprovação dos custos serão menores, bastando que o documento justificativo explicite de forma clara, as principais características da operação, isto é, os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção, admitindo-se mesmo que a comprovação do custo não tenha de ser feita de modo exclusivo através de documento escrito.
Como salienta FREITAS PEREIRA[61] “(…) Um documento de origem interna só pode substituir-se um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos.(…) Dito de outro modo : a substituição de um documento externo por um documento interno pode, no plano exclusivo da determinação do lucro tributável, não ser irremediável se, contendo este último todos os elementos indispensáveis que devia conter o primeiro, a veracidade da operação subjacente puder ser demonstrada.”
Por outro lado, em relação às despesas devidamente documentadas (em relação às quais e presume a veracidade do custo para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC) compete à Administração Tributária alegar a existência de elementos susceptíveis de pôr em causa essa veracidade, designadamente pela enunciação de indícios objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que esses documentos não titulam operações reais.
Ao invés, no caso de despesas indocumentadas ou insuficientemente documentadas recai sobre o contribuinte o ónus de comprovar o respectivo custo, como lhe impõe o artigo 23.º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efectivamente, sendo-lhe possível para o efeito recorrer a outros meios de prova (designadamente a meios complementares de prova documental e prova testemunhal) para o demonstrar e convencer da bondade do correspondente lançamento contabilístico e da ilegalidade da correcção que a Administração Tributária tenha levado a efeito por virtude dessa falta ou insuficiente documentação (cfr., entre outros, o Acórdão do STA de 16/03/2005, proferido no processo 00340/03, e, mais recentemente, o Acórdão de 09/09/2015, proferido no processo n.º 028/2015).
Aqui chegados, importa, agora, reflectir as considerações tecidas no contexto concreto de cada uma das sociedades em análise no presente processo.
III. C.2.1. A…, SGPS, S.A.
À Sociedade dominante, a ora Requerente A…, SGPS, S.A., foi aplicada uma correcção de €188.801,20 ao prejuízo fiscal declarado, relativo a encargos financeiros suportados pela aquisição de partes de capital e que, no entender da própria Requerente, deveriam concorrer para o seu lucro tributável.
Demos como provado que durante o ano de 2010, a A…, SGPS, S.A. não adquiriu quaisquer participações sociais, mas incorreu em gastos de €199.284,23, decorrentes de juros de empréstimos contraídos junto da D…, S.A..
Resta saber qual a natureza destas operações, e qual a relevância dessa natureza para o seu tratamento fiscal.
A Requerente alega que se tratou de meras "operações destinadas à cobertura da tesouraria" que, por não se destinarem à aquisição de participações sociais, deveriam ficar de fora do âmbito de aplicação do art. 32.º, n.º2, do EBF.
Todavia, a Requerente não faz prova cabal do que alega, nem fez essa prova nos diversos momentos em que foi instada a fazê-lo, escudando-se na fórmula "operações destinadas à cobertura da tesouraria" que, no caso, não prova o destino efectivo dessas operações.
O facto é que, sendo a A…uma SGPS, o seu objecto principal será a aquisição de participações sociais, pelo que o enquadramento das mais e menos-valias que averba na sua actividade corrente apontará, de acordo com as regras da experiência comum, para a funcionalização àquele objecto societário – a menos que uma prova bastante permita determinar o contrário. Mesmo uma efectiva "cobertura de tesouraria" terá normalmente ainda como escopo último a gestão das participações sociais.
Por outro lado, a AT tinha plena legitimidade para sindicar as decisões económicas de gestão das SGPS de modo a fazer a triagem dos encargos apresentados, entre aqueles que ficavam sob a alçada, e aqueles que ficavam fora da alçada, do n.º 2 do art. 32.º do EBF, dada a fundamental equivalência económica de todos os encargos que concorrem para o capital próprio das SGPS.
Cabia assim à Requerente fazer prova de que os gastos apresentados caíam fora do âmbito de aplicação do art. 32.º, n.º2, do EBF (independentemente da intermediação interpretativa da Circular 7/2004, que é aqui irrelevante). Não o fez, não permitindo a caracterização adequada dos referidos encargos.
Termos em que se considera que os escargos apresentados pela A…, SGPS, S.A. não concorrem para a formação do lucro tributável, nos termos do art. 32.º, n.º2, do EBF aplicável à data dos factos, improcedendo o pedido da Requerente.
III. C.2.2.B…, S.A.
À Sociedade B…, S.A., foi aplicada uma correcção de €2.290.435,49 ao prejuízo fiscal declarado.
Demos como provado que a B… adquirira, com empréstimo concedido pela D…, S.A., de quem era participada a 100%, as participações detidas pela O…. na P…, S.A. (40% desse capital, sendo os restantes 60% detidos já, directamente, pela D…, S.A.), tendo anteriormente ficado estipulada a venda dessa parte do capital à D… ou a uma empresa totalmente detida pela D…, designada por subsidiária, identificada como qualquer companhia sobre que, directa ou indirectamente, a D… efectivamente exercesse uma influência de controlo.
Demos igualmente como provado que, no período de referência, tal como em períodos anteriores e posteriores, a B… não declarou quaisquer rendimentos ou proveitos no âmbito do IRC, ou quaisquer operações activas para efeitos de IVA. O que corresponde ao facto, abundantemente provado, de a B…nunca ter disposto de qualquer estrutura material ou humana, não ter pessoal ao seu serviço, não ter quaisquer activos tangíveis ou intangíveis nem dispor de capacidade financeira própria, e de nunca ter exercido a actividade principal identificada no seu objecto social.
Demos também por provado que a B… não obteve, no período em análise, e desde a sua constituição, quaisquer rendimentos ou proveitos.
E demos ainda por provado que os juros debitados pela D…representam a quase totalidade dos gastos/custos da B… (excepcionados os encargos da sua contabilidade, de serviços de revisão de contas e de auditoria e de serviços de manutenção das contas bancárias), situação que se verifica desde a sua constituição; recebendo a B… meios financeiros de parte da A…, SGPS, S.A. e da própria D…para pagar esses juros.
Significa portanto que os encargos apresentados pela B… concorreram para a formação do lucro tributável da D…, à qual aquela estava totalmente instrumentalizada (e, através dela, à A…, SGPS), e não para a formação do lucro tributável da própria B… .
Soçobra assim plenamente a verificação do critério da indispensabilidade dos encargos, que há-de reclamar, no mínimo, a evidência de alguma conexão com um potencial de proveitos por parte da entidade que apresenta esses encargos. No caso, não há proveitos actuais ou potenciais da B… que se possam descortinar de modo a dar relevância tributária aos encargos apresentados.
Não se consideram, assim, cumpridos os requisitos previstos no artigo 23.º, n.º1, do CIRC, pelo que improcede o pedido de declaração de indispensabilidade de tais custos.
III. C.2.3.C…, S.A.
À Sociedade C…, S.A., foi aplicada uma correcção de €1.868.138,54 ao prejuízo fiscal declarado.
Demos como provado que, no período de referência, a C… era participada a 100% pela D…, e que tinha adquirido, com financiamento obtido junto da D…, participações em diversas empresas britânicas do ramo alimentar, com actividade predominante no Reino Unido, confiando serviços comuns a uma filial britânica, sendo que no final de 2010 alienou essas participações, averbando uma mais-valia.
Demos igualmente como provado o facto de a C… nunca ter disposto de qualquer estrutura material ou humana, não ter pessoal ao seu serviço, não ter quaisquer activos tangíveis ou intangíveis nem dispor de capacidade financeira própria, e de não exercer a generalidade das actividades que constam do seu objecto social abrangente, a não ser a actividade respeitante às aquisições das participações sociais nas entidades J…, K… e L…, durante os exercícios de 2007, 2008 e 2010, e a actividade respeitante à concessão de empréstimos de curto prazo àquelas participadas, recorrendo para tal a financiamentos obtidos junto do seu accionista único D… .
Ficou, portanto, provado que a C… era totalmente instrumental da D… quanto às participações nas empresas britânicas, obtendo da D… os meios financeiros para conceder empréstimos às suas participadas, e canalizando os resultados daquelas participações para pagamento dos meios concedidos pela D…– não dispondo a C…, ela própria, de recursos financeiros adequados à dimensão daquelas participações.
Significa portanto que os encargos apresentados pela C… concorreram para a formação do lucro tributável da D…, à qual aquela estava totalmente instrumentalizada (e, através dela, à A…, SGPS), e não para a formação do lucro tributável da própria C… .
Dado que o conceito de "indispensabilidade" contido no art. 23.º do CIRC, na redacção em vigor à época, remetia amplamente para a funcionalização ao objecto societário, e dado que a AT tem legitimidade para excluir, como "dispensáveis", os custos que não exibam, de acordo com as regras da experiência comum, alguma conexão com um potencial de proveitos, cabia à Requerente o ónus da prova do preenchimento dos requisitos do art. 23.º, n.º1, do CIRC, nos termos do art. 74.º, n.º1, da LGT e do art. 342.º do Código Civil, e essa prova não foi satisfatoriamente produzida.
Mas mais decisivo, no que respeita a esta entidade, é que a prova de "indispensabilidade" está obviamente dependente da prévia prova da existência e caracterização dos encargos apresentados. Ora em toda a documentação constante do processo essa outra prova está notoriamente ausente.
Não podem, assim, considerar-se cumpridos os requisitos previstos no artigo 23.º, n.º1, do CIRC, pelo que improcede o pedido de declaração de indispensabilidade de tais custos.
III. C.2.4. D…, S.A.
Como ficou dito, foi efectuada uma correcção ao lucro tributável individual da D…, no montante de € 485.085,54, relativa à desconsideração fiscal de despesas de deslocações e estadas, que foram consideradas como tendo sido indevidamente tratadas como gastos para efeitos fiscais.
Como resulta da matéria de facto fixada, no Relatório de Inspecção ficou consignado que a D… apresentou diversas cópias de facturas e documentos internos (cfr. pontos 75 e 76 do probatório), podendo ler-se a dado passo que (…) Os documentos internos (cópias a fls. 862 a 874 do “Processo de Evidência de Trabalho” que, conforme acima referido, consubstanciam-se em especializações mensais de despesas com horas de voo, em jatos privados, cujos serviços são prestados pela entidade “F…”) contêm a seguinte descrição comum a todos os documentos: “…JETS Valor Anual 425.000€”.
(…) os respetivos gastos reconhecidos pela D… e que concorreram negativamente para a formação do lucro tributável declarado não se encontram devidamente documentados, encontrando-se em falta elementos essenciais para aferição da sua indispensabilidade designadamente os utilizadores das respetivas viagens e quais as suas relações com a D…, os períodos específicos em que ocorreram ( as faturas emitidas pela “F…” referem o mês do ano sem quaisquer datas especificas) os destinos específicos das mesmas viagens e ainda a explicitação dos motivos para a realização das mesmas, de forma a cumprirem o requisito imperativo e exigível pelas normas constantes do Artigo 23º do Código do IRC.”
O principal problema que se levanta neste caso é o de saber se a informação prestada pela Requerente é suficiente para sustentar a essencialidade dos custos em causa tal como exigido pelo art. 23.º do CIRC.
Com efeito, segundo a AT, a Requerente, não obstante instada a fazê-lo, não supriu elementos reputados essenciais que estão ausentes, quer nas facturas, quer nos documentos particulares, designadamente os utilizadores das respectivas viagens, os períodos específicos em que ocorreram (sendo certo que, como vimos, em especial “as facturas emitidas pela “F…” referem o mês do ano sem quaisquer datas específicas”), os destinos específicos das mesmas viagens e, ainda, a explicitação dos motivos para a realização das mesmas.
Por sua vez, as dúvidas sobre a prova documental não foram esclarecidas pela prova testemunhal, uma vez que esta não aportou mais valia relativamente à questão de facto. Apesar de as testemunhas terem feito referência à existência de controlos internos de aprovação e autorização de despesas, incluindo um procedimento de aprovação e de autorização de horas de voo, a verdade é que tais testemunhos, dada a sua natureza genérica, não tiveram a virtualidade de convencer relativamente à verificação dos elementos de facto, não constantes dos documentos e relativos à indispensabilidade dos custos.
Se os documentos internos e as facturas apresentadas são omissos quanto a elementos e especificações essenciais, tais como nomes, locais, datas, etc., estamos perante prova insuficiente para que se possa formar a convicção quanto à conexão com a actividade da D… e, por conseguinte, da sua indispensabilidade para a geração do rendimento sujeito a imposto.
Ante o exposto, improcede a argumentação da Requerente de que bastará a contabilização das despesas ou que a sua previsão no dossier de preços transferência será suficiente para dispensar a justificação individualizada de cada gasto apresentado, quando se trata de despesas que, por sua natureza, não excluem tanto finalidades empresariais como finalidades meramente privadas.
Como vimos, as exigências formais em sede de comprovação de gastos visam propiciar à Administração Tributária um eficaz controlo das relações económicas, sendo para o efeito fundamental a distinção entre a esfera individual e a empresarial, o que exige a comprovação do fim económico dos custos.
Em conclusão, no caso em apreço, a Requerente não faz a comprovação da factualidade que permita fazer um juízo sobre a indispensabilidade dos custos, por manifesta insuficiência dos elementos constantes dos documentos justificativos da despesa, quando impendia sobre ela o ónus da prova do preenchimento dos requisitos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC (na redacção em vigor à data), nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT e do artigo 342.º do Código Civil.
Termos em que não se consideram cumpridos os requisitos previstos no artigo 23.º, n.º1, do CIRC, pelo que, nesta sequência, improcede o pedido de declaração de indispensabilidade de tais custos.
III. C.2.5. G…, S.A.
Neste caso está também em causa a correcção ao lucro tributável individual da “G…”, no montante de € 32.583,84, relativa a despesas de deslocações e estadas que foram consideradas como tendo sido indevidamente tratadas como custo fiscal.
A Requerente, entre outros documentos, apresentou diversas cópias de facturas e documentos internos (reproduzidos nos pontos 79 e 80 da matéria de facto), que foram considerados insuficientes pela AT. Nesta sequência, pode ler-se a dado passo (transcrevendo o Relatório de Inspecção), que “(…) foi a G… notificada, na pessoa do seu representante legal, para proceder à informação detalhada do motivo/objeto das respetivas viagens, proceder à identificação dos respetivos utilizadores e qual a relação que têm com a G… e ainda informar, com envio da evidência que possa ser considerada relevante, qual a relação estabelecida com a atividade produtiva ou qual a contribuição imediata para a manutenção da fonte produtora, não tendo, até à presente data, dado qualquer cumprimento ao teor daquela notificação…”.
Por conseguinte, em termos sintéticos considerou a AT, naquele Relatório, que “os gastos reconhecidos pela G… e que concorreram negativamente para a formação do resultado fiscal não se encontram devidamente documentados, encontrando-se em falta elementos essenciais para aferição da sua indispensabilidade designadamente os utilizadores das respectivas viagens e quais as relações com a G… e ainda a explicitação dos motivos para a realização das mesmas de forma a cumprirem o requisito imperativo e exigível pelas normas constantes do artigo 23º do Código do IRC”.
Analisada a situação, verifica-se que a prova documental junta aos autos se traduz, no essencial, como ficou dito, na exibição de facturas de despesas de viagem que nem sequer identificam passageiros e beneficiários das mesmas, os destinos, os períodos em que ocorreram (em muitos casos não apresentam datas), nem tão pouco o motivo da realização das referidas viagens, etc.).
Por outro lado, a prova testemunhal produzida não aportou mais valia relativamente à questão de facto, uma vez que as testemunhas não tiveram a virtualidade de confirmar os necessários elementos em falta, por a prova testemunhal se traduzir em depoimentos genéricos sobre a existência de controlos internos ou por enfatizar a circunstância de a documentação de suporte existir, e ter que existir, dada a exigência interna do grupo de empresas que tornou a exibição de tal suporte uma condição necessária para a aprovação de despesas. Razões que agravam a estranheza pela falta de junção dos elementos em falta pela Requerente, mesmo quando repetidamente solicitada.
Acresce que os elementos identificadores da despesa em falta se revelam indispensáveis para se poder proceder a uma triagem das despesas, entre aquelas que possam eventualmente ter natureza privada e aquelas que efectivamente se enquadraram na actividade empresarial. Se os documentos internos apresentados (incluindo as facturas) são omissos quanto a elementos e especificações essenciais, estamos perante elementos probatórios insuficientes para que se possa formar a conviçcão quanto à natureza indispensável da própria despesa.
A Requerente não logra, assim, fazer prova que permita retirar dos dados probatórios a convicção quanto à conexão com a actividade da G…, impossibilitando, desta forma, a formulação de um juízo positivo sobre a indispensabilidade desses gastos para a geração do rendimento sujeito a imposto.
Conclui-se, pois, que à Requerente cabia o ónus de prova dos elementos caracterizadores dos gastos de modo a permitir a formulação de um juízo sobre a sua efectiva indispensabilidade e a preencher os requisitos do artigo 23.º, n.º1 do CIRC (na redacção em vigor à data), nos termos do artigo 74.º, n.º1 da LGT e do art. 342.º do Código Civil, e essa prova, manifestamente, não foi lograda.
III. C.2.6. H…, S.A.
Nesta sede, insurge-se a Requerente contra uma correcção de €36.644,20 ao prejuízo fiscal declarado, por desconsideração fiscal de gastos com viagens, deslocações e estadas e uma correcção de €172.011,89, relativa a variações patrimoniais negativas decorrentes do regime transitório do Decreto-Lei n.º 159/2009.
Comecemos pela análise da primeira situação.
a) Como vimos estão em causa diversos documentos internos, vendas a dinheiro e facturas destinadas a provar a realização de despesas, em especial com deslocações, realizadas fora do território nacional, estadas e refeições no estrangeiro, bem como documentos de despesas com refeições e estadas em Portugal.
Como resulta da matéria de facto fixada, entre outros documentos, a Requerente apresentou diversas cópias de facturas e documentos internos designados por “Nota de Despesas Refeições Estadias Deslocações”, conforme consta do Relatório de Inspecção cuja reprodução consta dos pontos 92 e 93 do probatório:
“Conforme anteriormente referido (…) foi a H… notificada, na pessoa do seu representante legal, para além de proceder ao envio de cópias de todos os documentos externos de valor, agregado e reconhecido, igual ou superior a € 1.000,00, para proceder ainda à informação detalhada do motivo/objeto das respetivas viagens, proceder à identificação dos respetivos utilizadores e qual a relação que têm com a H… e ainda informar, com envio da evidência que possa ser considerada relevante, qual a relação estabelecida com a atividade produtiva ou qual a contribuição imediata para a manutenção da fonte produtora,(…).
Também aqui a prova produzida não permite fazer uma triagem das despesas, entre aquelas que tiveram natureza privada e aquelas que efectivamente se enquadraram na actividade empresarial, para dentre estas se apurar quais as comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto.Com efeito, sem a caracterização cabal da natureza da despesa não é possível estabelecer a sua ligação à actividade da empresa em ordem a permitir concluir no sentido da sua eventual indispensabilidade.
Tendo sido a Requerente advertida quanto a essa insuficiência probatória (especialmente traduzida, repete-se, na exibição de facturas de despesas de viagem que nem sequer identificam passageiros, nem destinos, às vezes nem datas), tal insuficiência não foi colmatada pela prova testemunhal. Com efeito, as testemunhas limitaram-se quer a tecer considerações genéricas que não encontram suporte documental, quer a apontar no sentido de a documentação de suporte existir necessariamente, dada a exigência interna de tal suporte documental para a aprovação de despesas.
Conclui-se, pois, que à Requerente cabia o ónus de prova quanto aos elementos caracterizadores dos gastos incorridos, de modo a permitir a formulação de um juízo sobre a sua indispensabilidade e a preencher os requisitos do artigo 23.º, n.º1 do CIRC (na redacção em vigor à data), nos termos do artigo 74.º, n.º1, da LGT e do artigo 342.º do Código Civil, e essa prova, manifestamente, não foi lograda.
Impossibilitada fica, assim, a emissão de um juízo quanto à sua indispensabilidade para efeitos de determinação da matéria colectável em sede de IRC.
Analisemos, agora, a legalidade da segunda correcção.
b) Recordando a factualidade dos gastos com benfeitorias por parte da H…, S.A.:
1. Ela imputou, como dedução ao resultado líquido do exercício de 2010, o montante de € 172 011, 89, (linha 705, quadro 07 do modelo 22 de IRC), a título de variação patrimonial negativa.
2. Em 2010 ela contabilizou benfeitorias em imóveis pelo valor líquido de € 860.059,44
3. A Requerente declarou também que tais benfeitorias se reportavam a obras realizadas há mais de dez anos, face à data da inspeção (anteriores a 2003).
4. A AT não aceitou aquela contabilização, alegando não encontrar no dossier fiscal do contribuinte elementos que lhe permitam a aferição e validação daquele valor, pelo que solicitou ao representante legal do contribuinte evidência documental relevante sobre a realização daquelas benfeitorias.
5. A H…, S.A. não entregou à AT documentos suficientemente justificativos da realização daquelas benfeitorias, alegando que não dispunha de documentação de suporte à contabilidade anterior a 2003.
6. De acordo com a AT, em 31 de Dezembro de 2010 aquelas benfeitorias encontravam-se reconhecidas na contabilidade da H… como "propriedades de investimento", o que não foi contraditado pela Requerente.
Vejamos agora o enquadramento jurídico da questão:
1. Segundo a Requerente aquela dedução ficou a dever-se ao regime transitório (do POC para o SNC e IAS/IFRS), previsto nos nºs 1,5 e 6 do artigo 5º do Decreto Lei nº 159/2009 de 13de Julho.
2. Estatui o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho que “Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de ativos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.”
3. A AT considerou que perante a impossibilidade de comprovação e validação daqueles valores relativos a benfeitorias, não se aplicaria o disposto no nº1 do artigo 5º do DL 159/2009.
4. A AT alega ainda que se não aplica o regime transitório previsto no artigo 5ºdo Decreto-Lei nº 159/2009, porquanto os custos em causa são relativos a partes adquiridas por substituição (benfeitorias), não se verificando quaisquer efeitos nos capitais próprios, resultantes da transição dos normativos contabilísticos.
5. Fundamenta-se a AT no princípio do reconhecimento da rubrica “propriedades de investimento”, segundo o qual (parágrafos 16 a 19 da NCRF 11): “uma entidade não reconhece na quantia escriturada de uma propriedade de investimento os custos da manutenção diária à propriedade, sendo que os custos das partes adquiridas por substituição (benfeitorias) são reconhecidos na quantia escriturada de uma propriedade de investimento existente no momento em que o custo seja incorrido”.
6. A AT considera por isso que, com os referidos custos de benfeitorias, não se verificam quaisquer efeitos nos capitais próprios da H…, fiscalmente relevantes, resultantes do reconhecimento, ou do não reconhecimento, de ativos ou passivos ou de alterações na respetiva mensuração, pelo que não se aplicaria o regime transitório previsto no artigo 5º do Decreto Lei nº 159/2009, de 13 de Julho.
7. A AT alega que é isso que se retira da nota 2.4 do Anexo às demonstrações financeiras do exercício de 2010, da H…, quando refere: “Os gastos incorridos com propriedades de investimento em utilização, nomeadamente manutenções, reparações, seguros e impostos sobre propriedades, são reconhecidos na demonstração de resultados do exercício a que se referem. As beneficiações relativamente às quais se estima que gerem benefícios económicos adicionais futuros, são capitalizados na rubrica de propriedades de investimento.”
Em suma, o que está em causa é a aplicação, ao caso, do regime transitório definido pelo Decreto Lei nº 159/2009. Temos assim que:
a) Em 31/12/2009, a H… teria registado no seu ativo, na rubrica 4220 do POC “ Edifícios e Outras Construções”, um valor de Benfeitorias em Imóveis, líquido (de amortizações) de € 860.059,44.
b) Com a aplicação das normas internacionais de contabilidade, (SNC/ IAS/IFRS), em 31/12/2010, o valor (bruto e líquido) de Benfeitorias em Imóveis, transitou para outra rubrica do Ativo, no caso “Propriedades de Investimento” (conta 42).
c) A expressão “Propriedades de Investimento” surge por via da norma que regula este tipo de ativos (NCRF 11). Após o reconhecimento inicial, uma entidade que escolha o modelo do custo deve mensurar todas as suas propriedades de investimento de acordo com os requisitos da NCRF 7 – Ativos Fixos Tangíveis, parágrafo 58 da NCRF 11 – Propriedades de Investimento. Assim sendo, a depreciação de uma “propriedade de investimento” será feita de acordo com o prescrito para os “ativos fixos tangíveis”.
d) Como bem explica a nota 2.4. do Anexo às demonstrações financeiras da H…, do exercício de 2010, os “custos de manutenção diária à propriedade” que incluem custos de mão de obra e de consumíveis são reconhecidos nos resultados quando incorridos (parágrafo 18 da NCRF 11).
e) Nestes termos, a alteração de sistema contabilístico (do POC para o SNC/IAS/NCRF) não terá produzido qualquer efeito nos capitais próprios da H…, S.A. que seja fiscalmente relevante, resultante do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos ou de alterações na respetiva mensuração.
f) Face aos elementos disponíveis constantes dos autos, o regime transitório, previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, não tem aplicação neste caso, pelo que é improcedente o pedido de pronúncia arbitral, em matéria de consideração fiscal dos gastos com benfeitorias.
III. C.2.7. I..., S.A.
À Sociedade I…, S.A., foi aplicada uma correcção de €1.073.508,96 ao prejuízo fiscal declarado, por força da desconsideração fiscal de encargos financeiros suportados com financiamento obtido junto de terceiros para financiar a empresa de direito alemão, “M… ”.
Demos como provado que a I…, S.A. era detentora de 100% do capital da M…, tendo nela realizado prestações suplementares e tendo dela recebido dividendos. Sendo por sua vez a I…, S.A., participada a 60% pela D…, S.A., e a 40% pela B…, S.A., ela agia em relação à subsidiária alemã como uma "sub-holding" ou "holding operacional"
Igualmente demos como provado que em Janeiro de 2009 a M… adquiriu o grupo empresarial alemão DD…, obtendo para tanto um financiamento da I…, S.A., no montante de €48.356.259,00, por via de prestações suplementares de capital.
Provou-se ainda que para obter esse montante a I…, S.A. teve que emitir três programas de papel comercial de médio e longo prazo, de onde resultaram avultados gastos financeiros com impacto negativo no seu lucro tributável.
E deu-se como provado, ainda, que nos exercícios de 2008 e 2009 a M… distribuiu dividendos à I…, S.A., no valor respectivamente de €7.500.000,00 e de €3.300.000,00.
Por outro lado, a I… está integrada num grupo e tem mais do que uma "holding" a montante; só que, ao contrário do que sucedeu com algumas outras entidades que analisámos neste processo, ficou aqui documental e testemunhalmente provado que a I… tem estrutura e actividade próprias – como resulta, entre muitos outros, da referida emissão de três programas de papel comercial de médio e longo prazo.
Os custos em causa encontram-se abundantemente comprovados, quer quanto à sua existência quer quanto à sua caracterização.
Assim sendo, entra a operar em pleno, a favor da Requerente, a regra do art. 75.º da LGT, e a isso acresce que os encargos apresentados têm a ver com investimentos numa participada da I…, o que torna evidente a conexão desses investimentos, seja com o objecto societário da I…, seja com proveitos potenciais desta – deste modo integrando o conceito de "indispensabilidade" que era relevante para a aplicação, à data, do art. 23.º do CIRC.
Não se nos afigura que a AT tenha demonstrado convincentemente, seja que a rentabilidade da M… dispensava o recurso a prestações suplementares por parte da I… (dado que a existência de alternativas não impediria que a opção apresentada fosse precisamente a melhor dessas alternativas), seja que se tratou de um empréstimo (e não de prestações suplementares), seja ainda que os custos e ganhos de financiamento da subsidiária não são, por sua vez, custos e ganhos da própria I… .
Temos como provada, assim, uma conexão mínima com um potencial de proveitos da I…, e portanto consideram-se cumpridos os requisitos previstos no artigo 23.º, n.º1, do CIRC, dando-se por procedente o pedido de declaração de indispensabilidade de tais custos.
III. C.3. CONSEQUÊNCIAS DA NÃO-INVOCAÇÃO E DA NÃO-APLICAÇÃO DA CLÁUSULA GERAL ANTIABUSO (CGA)
A Requerente invocou, em sede de alegações, não ter a AT invocado a aplicado a Cláusula Geral anti-abuso.
Improcede, porém, tal arguição.
Na verdade, não esteve em causa na acção inspectiva, nem está em causa no presente processo, a prática de actos simulados ou a existência de finalidades fraudulentas: as correcções ao lucro tributável do exercício de 2010 do grupo encabeçado pela Requerente assentaram na simples verificação do deficiente preenchimento dos pressupostos legais em que tinham assentado os valores apresentados pela Requerente – sem mais.
Não era, nem é assim, necessário que se invoque, ou lance mão, de um instrumento de índole diversa, com requisitos próprios, como é a CGA.
Termos em que improcede o pedido da Requerente.
IV. DECISÃO
Termos em que decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,
a. Anular parcialmente, pelos fundamentos expostos, a liquidação de IRC/2010 n.º2014… de 2014-11-05, na parte relativa à correcção de €1.073.508,96 ao prejuízo fiscal declarado e aplicada à I…, SA., o mesmo sucedendo com as correspondentes liquidações de juros compensatórios;
b. Manter as liquidações impugnadas na parte não afectada pelo decidido no ponto anterior;
c. Condenar ambas as Partes no pagamento das custas do processo, na proporção do decaimento.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 2.360.917,23, nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI. CUSTAS
Custas a cargo da Requerente (em 84,2%) e da Requerida (em 15,8%), dado que o presente pedido foi julgado parcialmente procedente, no montante de €30.600,00 (Requerente: €25.765,20; Requerida: €4.834,80), nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 2016
Os Árbitros
Maria Fernanda dos Santos Maçãs
(Presidente)
Fernando Araújo
Jorge Júlio Landeiro Vaz
[1] Sobre toda esta matéria, ver Oliveira, Dulce Helena Nogueira de, O Regime Fiscal das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (Univ. Porto, 2007), pp. 10ss.; e ainda: Borges, António & João Macedo, Sociedades Gestoras de Participações Sociais – Aspectos Jurídicos, Fiscais e Contabilísticos, 3.ª ed., Área Editores, 2002; Borges, António & Pedro Cabrita, Mais e Menos Valias – Tributação e Reinvestimento, 3.ª ed., Área Editores, 2003; Guerreiro, Tiago Caiado, O Novo Regime Fiscal das SGPS, Vida Económica, 2003; Melo, Miguel Luís Cortês Pinto, A Tributação das Mais-Valias Realizadas na Transmissão Onerosa de Partes de Capital pelas SGPS, Almedina, 2007; Nunes, Gonçalo Avelãs, Tributação dos Grupos de Sociedades pelo Lucro Consolidado em Sede de IRC, Almedina, 2001; Palma, Rui Camacho, "Algumas Questões em Aberto sobre o Regime de Tributação das SGPS", Fisco n.º 115/116, 2004.
[2] Ver considerações no Acórdão do Processo nº 21/2012-T do CAAD.
[3] Oliveira, Dulce Helena Nogueira de, O Regime Fiscal das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (Univ. Porto, 2007), pp. 11-12, 20.
[4] Veja-se a extensa análise deste processo legislativo no Acórdão n.º 42/2014 do Tribunal Constitucional.
[5] Moura, Luís Graça, "A «Nova» Tributação do Rendimento das SGPS: Reflexões acerca da Tributação de Mais-Valias no Quadro do Princípio da Segurança Jurídica", Revista Jurídica da Universidade Portucalense Infante D. Henrique, n.º 10, 2003, p. 122.
[6] Processo n.º 12/2013-T do CAAD.
[7] Palma, Rui Camacho, "Algumas Questões em Aberto sobre o Regime de Tributação das SGPS", Fisco n.º 115/116, Setembro de 2004, p. 34; Guerreiro, Tiago Caiado, O Novo Regime Fiscal das SGPS, Vida Económica, 2003
[8] Antunes, José Engrácia, "A Tributação dos Grupos de Sociedades", Fiscalidade. Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 45, 2011, p. 20.
[9] Júlio Tormenta, As Sociedades Gestoras de Participações Sociais como Instrumento de Planeamento Fiscal e os seus Limites, 2011, p. 139.
[10] Ou seja , antes da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que republicou o CIRC e alterou a redacção do artigo 23º.
[11] Processo n.º 12/2013-T do CAAD.
[12] Processo n.º 91/2012-T do CAAD.
[13] Processo n.º 91/2012-T do CAAD.
[14] Processo n.º 226/2013-T do CAAD.
[15] Processos n.ºs 91/2012-T e 12/2013-T do CAAD.
[16] Antes da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que, como já referimos, republicou o CIRC e deu nova redacção ao art. 23º.
[17] Processo n.º 12/2013-T do CAAD.
[18] Processo n.º 91/2012-T do CAAD.
[19] Sobre o tema há abundantes fontes doutrinárias e jurisprudenciais. Sobressaindo: Tavares, Tomás Cantista, "Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos", CTF 396, 1999, pp. 7-180; Portugal, António, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004. E ainda: Acórdão do STA 186/06, de 12/7/2006; 107/11, de 30/11/2011; 1077/08, de 20/5/2009; 246/02, de 10/7/2002 e Acórdão do TCA Sul 5251/11, de 24/4/2012; Processos 9/2012-T e 69/2012-T, 12/2013-T, 24/2013-T, 39/2013-T e 80/2013- T do CAAD.
[20] Oliveira, Dulce Helena Nogueira de, O Regime Fiscal das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (Univ. Porto, 2007), p. 13.
[21] Guerreiro, Tiago Caiado, "O Novo Regime Fiscal das SGPS, como Estruturar e Organizar um Processo de Optimização Fiscal", Vida Económica, 2003, pp. 37-39.
[22] Palma, Rui Camacho, "Algumas Questões em Aberto sobre o Regime de Tributação das SGPS", Fisco, n.º 115/116, Vol. XV, 2004, p. 56.
[23] Silva, Artur, "Alguns Aspectos da Tributação das SGPS", Revista TOC, n.º 48, 2004, pp. 28-32.
[24] Oliveira, Dulce Helena Nogueira de, O Regime Fiscal das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (Univ. Porto, 2007), p. 13.
[25] Veja-se, a propósito, as judiciosas observações expendidas no Acórdão do Processo n.º 12/2013-T do CAAD.
[26] Portugal, António Moura, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, 2004, p. 104.
[27] Processo n.º 24/2012-T do CAAD.
[28] Trata-se na essência de um problema de legalidade (mormente por afronta ao art. 8º da LGT) e não de inconstitucionalidade, na estrita medida em que as Circulares não são normas para efeitos de apreciação da sua constitucionalidade, exprimindo apenas a interpretação que a AT faz de determinada norma legal, nessa medida integrando a fundamentação de uma determinada liquidação, e não mais. Isto não obstante a actuação da AT violar, em tal caso, o princípio da legalidade plasmado no artigo 103.º, e o da reserva de lei formal constante do artigo 165.º, n.º 1 al. i), ambos da Constituição. Cfr. As considerações a esse respeito no Acórdão do Processo n.º 780/2014-T do CAAD.
[29] Processo n.º 24/2012-T do CAAD.
[30] Processo n.º 780/2014-T do CAAD.
[31] Neste sentido, Gama, João Taborda da, "Tendo Surgido Dúvidas sobre o Valor das Circulares e Outras Orientações Genéricas...", in Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches, III, 2011, pp. 155ss..
[32] Acórdão STA Proc. 01076/13
[33] Processo n.º 780/2014-T do CAAD.
[34] No mesmo sentido deste argumento, cfr. Processo n.º 21/2012-T do CAAD.
[35] Processo n.º 21/2012-T do CAAD.
[36] Objecto de longa e cuidada análise no Acórdão nº 42/2014 do Tribunal Constitucional.
[37] Citámos expressões que aparecem no relatório do Acórdão nº 42/2014, do Tribunal Constitucional.
[38] "a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e [a] possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria" (ponto 7 da Circular).
[39] Uma advertência que encontramos no Acórdão do Processo n.º 24/2013-T do CAAD.
[40] Dourado, Ana Paula, O Princípio da Legalidade – Tipicidade, Conceitos Indeterminados e Margem de Livre Apreciação, Almedina, 2007; Gama, João Taborda da, "Tendo Surgido Dúvidas sobre o Valor das Circulares e Outras Orientações Genéricas...", in Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches, III, 2011, pp. 155ss..
[40] Acórdão STA Proc. 01076/13
[40] Processo n.º 780/2014-T do CAAD.
[41] Acórdão nº 42/2014 do Tribunal Constitucional
[42] A referência ao art. 31º, 2 do EBF faz-se depois ao art. 32º, 2 do EBF, como vimos.
[43] Processo n.º 80/2013-T do CAAD.
[44] Processo n.º 12/2013-T do CAAD.
[45] Processo n.º 113/2013-T do CAAD.
[46] Martins, António, "Uma Nota sobre o Conceito de Fonte Produtora Constante do Artigo 23.º do Código do IRC: Sua Relação com Partes de Capital e Prestações Acessórias", Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, n.º 2, Ano I, p. 50.
[47] Processo n.º 12/2013-T do CAAD.
[48] Processo n.º 12/2013-T do CAAD.
[49] Processo n.º 69/2012-T do CAAD.
[50] Ver, por exemplo: Ferreira, Rogério Fernandes & José Vieira dos Reis, "Prestações Acessórias e Partes de Capital", Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, n.º 4, 2011
[51] O Acórdão do Processo n.º 12/2013-T do CAAD teve grande influência na formação jurisprudencial desta posição maioritária. Veja-se, por exemplo os Acórdãos do Processos n.º 80/2013- T e 113/2013-T do CAAD.
[52] Processo n.º 12/2013-T do CAAD.
[53] Processo nº 376/2014 – T do CAAD.
[54] Processo n.º 12/2013-T do CAAD.
[55] Nomeadamente sustentando, em síntese, que os quantitativos referentes a prestações suplementares, a prestações acessórias de capital e a suprimentos não remunerados – isto é, sem juros – deverão concorrer para a formação do lucro tributável.
[56] Os dividendos e as mais-valias obtidas na alienação de participações sociais teriam um tratamento fiscal privilegiado, mas não os juros e as remunerações da prestação de serviços de gestão às participadas, por exemplo.
[57] No mesmo sentido, ver Acórdão do Processo n.º 780/2014-T do CAAD.
[58] Neste sentido, Acórdão STA Proc. 01076/13.
[59] Também aqui acompanhamos o Acórdão STA Proc. 01076/13.
[60] Cfr. o Acórdão de 27/9/2000, recurso nº 25033.
[61] Cfr. “Relevância, em termos de apuramento do lucro tributável, de documentos internos justificativos de compras de existências”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 365, 1992, pp. 346 ss.