Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 262/2015-T
Data da decisão: 2016-01-22  IRC  
Valor do pedido: € 109.487,30
Tema: IRC - custo; princípio da especialização dos exercícios; princípio da justiça
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), João Espanha e Maria Manuela do Nascimento Roseiro, acordam o seguinte: 

 

I.                   Relatório

 

1.A Requerente A…, S.A., com o número de pessoa colectiva…, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA).

 

2. Em tal requerimento, a Requerente começou por solicitar a pronúncia arbitral sobre “a ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (doravante “IRC”) relativa ao exercício de 2008 (Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2013… e Compensação n.º 2013…)”,  no montante de 109.487, 30 €.

 

2.1.Posteriormente, em resultado de convite do Tribunal, a Requerente procedeu à correcção do Pedido, que passou a ter como objecto “a ilegalidade do despacho da Senhora Directora de Serviços do IRC de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º …2014…, de 16-12-2014 (…) e, consequentemente, a ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (doravante “IRC”) relativa ao exercício de 2008 (Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2013… e Compensação n.º 2013…), nos termos do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário …”

2.1.1.A Requerente termina pedindo:

(i) “a revogação do despacho da Senhora Directora de Serviços do IRC de indeferimento do Recurso Hierárquico (…), com a consequente

(ii) anulação do acto de liquidação de IRC n.º 2013… e Compensação n.º 2013…, com base na sua ilegalidade por assentar em fundamentação que enferma de deficiente interpretação das normas em concreto aplicáveis, nos termos do artigo 99.º do CPPT (…) e dos artigos 20.º, n.º 1, al.c), 23.º, n.º1, al.c) e 35.º todos do CIRC; 4.º, n.º 1 da LGT; artigos 103.º e 104.º da CRP;

(iii) “(…) reembolso do total do montante pago, de 141.222,88 € (cento e quarenta e um mil duzentos e vinte e dois euros e oitenta e oito cêntimos), acrescido dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data do reembolso, nos termos do artigo 43.º, da LGT.”

 

3.Em 21/04/2015 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

3.1.No pedido de pronúncia arbitral, em conformidade com o disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea g), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a Requerente manifestou a intenção de designar árbitro nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do referido RJAT.

3.2.Em consequência, a constituição do tribunal arbitral processou-se de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 2 e no n.º 3 do artigo 6.º e nos n.ºs 2, 4, 5 e 6 do artigo 11.º do RJAT, tendo as partes procedido à designação do respectivo árbitro, o Dr. João Espanha, indicado pela Requerente, e a Drª Maria Manuela do Nascimento Roseiro, indicada pela Requerida, os quais, por seu turno, com observância do estatuído no artigo 3.º, n.º 2, alínea b), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, designaram como árbitro Presidente, a Conselheira Fernanda Maçãs.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Exmo. Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 1/7/2015.

Em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, foi comunicado que o Tribunal Arbitral colectivo ficava constituído em 16/7/2015.

3.3. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

a.      O presente Pedido de apreciação tem por objecto a liquidação adicional de IRC derivada das seguintes correcções efectuadas após Inspecção Tributária realizada ao exercício de 2008: a) €3.193.526,54 - juros a receber da B…, Lda. (“B…Brasil”) capitalizados entre Outubro de 2000 e 31 de Dezembro de 2007; b) € 480.719,62 - juros a receber da B… Brasil capitalizados em 2008; c) €184.493,45 - variação cambial, de todos os juros a receber da B… Brasil capitalizados até final de 2008, relativa ao exercício de 2008;

b.      Em 2000 e 2001, efectuou financiamentos em dólares dos Estados Unidos da América (“USD”), à sua participada B… Brasil tendo recebido o primeiro pagamento dos juros em 2006 mas não considerou os proveitos relativos aos mesmos, nem os custos relativos às diferenças de câmbio associadas ao capital dos empréstimos, até ao exercício fiscal de 2008 por entender que só estaria obrigada a reconhecer aqueles proveitos no momento do seu recebimento, altura em que poderia vir a beneficiar do crédito de imposto por dupla tributação internacional correspondente à retenção na fonte de que os juros são objecto no Brasil, o que só ocorre com o pagamento;

c.       Procedeu então em 2008 à contabilização acumulada dos proveitos pelo seu valor líquido das diferenças cambiais que estão associados aos juros devidos pela B… Brasil de que era credora, capitalizados entre Outubro de 2000 e 31 de Dezembro de 2007; ou seja, os proveitos no montante de 3.193.526,54 € foram calculados considerando o valor de proveitos brutos, 3.706.609 € (três milhões setecentos e seis mil e seiscentos e nove euros), ao qual foram deduzidos os custos relativos a perdas cambiais (€ 513.083), o que foi considerado correcto pela AT (no último parágrafo da página 12 do RIT);

d.      Contudo, a AT não admite que a Requerente, também entre Outubro de 2000 e 31 de Dezembro de 2007, incorreu em perdas cambiais no montante de 5.824.813,31 € relativos ao capital dos empréstimos efectuados, considerando que o valor emprestado à B… Brasil em USD foi de 12.130.000 e que, utilizando a taxa de câmbio de 1,4721 correspondente à data de 31 de Dezembro de 2007, resulta no apuramento do montante em Euros de 8.239.929,35;

e.       Valor esse que, comparado com o valor histórico contabilizado em € 14.064.742,66, resulta numa perda cambial de € 5.824.813,31, que deve ser considerada como custo, nos termos do art.º 23.º, n.º 1, al. c) do CIRC, não sendo discutível que as “diferenças cambiais” constituem custo para efeitos de IRC, assim devendo ser consideradas na respectiva liquidação de IRC;

f.       Essas diferenças cambiais foram já admitidas pela AT quanto aos juros, relativamente aos exercícios de 2000 a 2007, faltando admitir essas mesmas diferenças cambiais reportadas ao capital dos empréstimos, pelo que tendo tido proveitos de € 3.193.526,54 correspondente aos juros líquidos, tendo em conta os custos de € 5.824.813,31, verifica-se uma perda global de € 2.631.286,77;

g.      Ao não ter contabilizado estes valores como proveitos e como custos em cada um dos anos de 2000 a 2007 – o que podia/devia ter feito - prejudicou-se efectivamente em € 5.824.813,31, a si própria e nunca ao erário público;

h.      A diferença cambial de €5.824.813,31, contabilizada em 2008, e correspondente às variações cambiais associadas ao financiamento à B…Brasil, deverá igualmente ser considerada no cálculo do imposto, pelas mesmas razões que levaram à tributação da variação patrimonial positiva, correspondente aos proveitos dos juros capitalizados e não pagos pela B…Brasil (cf. artigo 23.º, n.º 1, al. c) do CIRC) – isto é, por não ser uma variação patrimonial excepcionada para efeitos de formação do lucro tributável;

i.        De resto, a AT, relativamente aos juros a receber da B… Brasil capitalizados em 2008 e à variação cambial de todos os juros capitalizados até final de 2008 e relativos ao exercício de 2008 (positiva), acresceu-os ao lucro tributável.

j.        No indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado pela Requerente a AT não aprecia os argumentos apresentados supra e apenas afirma que a Requerente "efectuou uma dedução ao lucro tributável, "anulando" assim, o efeito fiscal, no que concerne ao apuramento da matéria colectável" mas não considera os proveitos e os custos;

k.      Para uma correcta tributação, não só deverão ser valorados os proveitos, mas igualmente os custos incorridos, neste caso por variação cambial, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, al. c) do CIRC, tanto dos juros (diferenças cambiais já consideradas) como do capital (diferenças cambiais aqui demonstradas e que deverão ser admitidas pela AT na liquidação de IRC);

l.        A AT não pode entender que para efeitos de tributação deverão ser apenas considerados os proveitos ignorando os custos, neste caso perdas cambiais, porque isso consiste na violação da verdade material e do princípio da capacidade contributiva ínsito no princípio da igualdade fiscal, sendo de realçar o disposto no art. 4.º, n.º 1, da LGT e do art. 104.º, n.º 2, da CRP;

m.    Entendendo a AT efectuar quaisquer correcções, então as mesmas deverão ter em consideração tanto os proveitos como os custos, de forma a existir uma exacta correspondência com o princípio da verdade material e com o princípio da capacidade contributiva; caso contrário nenhuma correcção deverá ser admitida, uma vez que resultará numa violação dos mencionados princípios.

n.      O indeferimento da Reclamação Graciosa e do Recurso Hierárquico confirma a violação pela AT da verdade material e, consequentemente, do princípio da capacidade contributiva ínsito no princípio da igualdade fiscal, negando o princípio da capacidade económica e afastando-se da verdade material dos factos;

o.      A liquidação encontra-se integralmente paga, em fase de processo de execução fiscal, totalizando o montante de €141.222,88, devendo a anulação do acto de liquidação de IRC resultar na anulação dos efeitos resultantes do mencionado processo de execução fiscal, devendo ser restituída a quantia integralmente paga de forma a reconstituir a situação do Requerente que existia em momento anterior às correcções propostas.

p.      Para a Requerente são também devidos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 35.º, número 10, ex vi artigo 43.º, número 4, ambos da LGT.

 

5. 1. A autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e juntou processo instrutor, invocando, na defesa, por impugnação, em síntese: 

a.       Quanto às correcções relativas aos juros, no montante de € 3.193.526,54, correspondem à capitalização dos juros do empréstimo efectuado à B… Brasil, à data de 2007/12/31, que foi aceite pela Administração Fiscal, como decorre do Relatório de Inspecção;

b.      Como explicado no Relatório do RIT, «o SP movimentou contabilisticamente as contas 592 – resultados transitados/ajustamentos em participadas (a crédito) e 2711 – acréscimos de proveitos/juros a receber - C… Holding (a débito), considerou aquela importância uma variação patrimonial positiva não refletida no resultado líquido e, simultaneamente, efectuou uma dedução ao lucro tributável, “anulando” assim, o efeito fiscal, no que concerne ao apuramento da matéria coletável»;

c.       Mas «nos termos do Plano Oficial de Contabilidade (POC), nomeadamente a nota explicativa da conta 59 - Resultados Transitados e diretriz contabilística n.º 8, de 1992/01/19, os artigos 18.º, 17º, 24º do CIRC, a diretriz contabilística n.º 26, conclui-se que a dedução efetuada pelo SP no Quadro 07 da declaração modelo 22 no valor de € 3.193.526,54 não poderá ser aceite, uma vez que os benefícios económicos devem ser reconhecidos logo que apurados, independentemente do seu recebimento, ou seja, da ocorrência do respetivo fluxo financeiro, de acordo com o estipulado no artigo 18.º do CIRC, conjugado com a diretriz contabilística n.º26.»;

d.      Mas, apesar de a Requerente afirmar no Pedido de pronúncia arbitral que não concorda com as correcções levadas a cabo pela Administração Fiscal, as correcções relativas aos juros não são questionadas no Pedido, pelo que o litígio tem como objecto unicamente a desconsideração dos custos correspondentes às diferenças cambiais;

e.       Quanto às correcções relativas aos custos correspondentes a diferenças cambiais e ao princípio da periodização do lucro tributável, tendo em conta o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC nunca a Administração Fiscal questionou o facto de as diferenças cambiais constituírem um custo dedutível em sede de IRC, mas sim o facto de a Requerente não ter procedido à contabilização dessas diferenças cambiais nos exercícios devidos, de acordo com o disposto no artigo 18.º do Código do IRC, que prevê o princípio da especialização dos exercícios, igualmente consagrado no POC;

f.       Em obediência a este princípio, os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis aos exercícios a que digam respeito, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos respetivos, incorporando a própria noção de lucro ou de prejuízo;

g.      As diferenças cambiais relativas aos empréstimos concedidos deveriam ter sido contabilizadas no final de cada exercício, reflectindo as flutuações cambiais que ocorrem nos mercados, resultando na actualização do valor dos empréstimos efectuados em moeda estrangeira (no caso subjacente, na divisa americana) à data de 31 de Dezembro de cada ano e, sendo negativas, consubstanciariam um custo contabilizado como tal (neste sentido, Ac. 0269/12, de 09-05-2012, do STA);

h.      Na situação dos autos, a Requerente apenas no exercício de 2008 procedeu à contabilização numa conta 59 – Resultados transitados, de todos os valores de proveitos (juros vencidos) e custos (diferenças cambiais negativas) acumulados desde 2000 até 2007 (inclusive);

i.        Ao contabilizar num único exercício futuro todos os proveitos e custos que deveriam ter sido contabilizados em anos anteriores (e que, desta forma, espelhariam a capacidade económica da empresa) contrariou o imposto pela lei, não obedecendo ao Princípio da Especialização dos Exercícios, e tendo um procedimento incongruente face ao POC, normativo contabilístico e regras fiscais (cf. item 5.2.1) e à Norma Internacional de Contabilidade (NIC) 21, designadamente o item 16;

j.        No caso dos autos, o montante negativo apurado das diferenças cambiais foi calculado com base na taxa de câmbio, à data de 2007-12-31 (1,4721 dólares), critério incorrecto e inaceitável dado que as diferenças cambiais têm de ser apuradas anualmente, à data de fecho dos exercícios;

k.      Do cálculo adoptado pela Requerente parece que a valorização do euro face ao dólar americano foi fixa no período compreendido entre 2000 a 2007 e permitiria utilizar uma taxa de câmbio numa data em que o euro atingiu um dos seus pontos máximos, fazendo tábua rasa de todas as variações ocorridas em anos anteriores (a 26 de Outubro de 2000, o euro atingiu o mínimo histórico face ao dólar de 82 cêntimos; a 2 de Janeiro de 2002, quando as notas e moedas do euro entraram em circulação em Portugal, o euro valia 90 cêntimos do dólar, atingiu a paridade em meados de 2002 e ganhou terreno até 2004; em 15 de Julho de 2008, atingiu o máximo histórico de 1,59 dólares);

l.        Foi por opção – errada, porque desrespeita as normas contabilísticas e fiscais, e a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas, conforme disposto no art. 6.º do Código Civil - que a Requerente não considerou os proveitos relativos aos juros dos financiamentos, assim como os custos relativos às diferenças de câmbio associadas ao capital dos empréstimos até ao exercício de 2008;

m.    A Requerente também não esclarece por que razão tendo o primeiro pagamento de juros relativos aos financiamentos ocorrido em 2006, decidiu contabilizar os juros vencidos e as actualizações cambiais somente no exercício de 2008 (a propósito da dedutibilidade de gastos decorrentes de variações cambiais, cf. teor do Ac do STA, de 09-02-1993, processo 14344);

n.      Quanto à alegada violação do principio da capacidade contributiva e da verdade material, ter-se-á em conta que a Requerente não evidenciou na contabilidade os gastos correspondentes às variações cambiais desde 2000, não reflectindo as componentes positivas e negativas que corresponderia à sua capacidade económica e a alegada violação do princípio da capacidade contributiva - se existisse, no que não se concede em absoluto - seria fruto da violação do princípio da especialização dos exercícios e de todo um conjunto de regras contabilísticas conforme supra explanado (cf. Acórdãos do STA, de 05-07-2012, proc.0658/11 e de 13/11/2002, proc. n.º 01333/02).

 

5.2. A Requerida apresentou também defesa por excepção alegando a caducidade do pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

a.       Conforme o pedido e a causa de pedir formulados pela Requerente, o pedido vem deduzido contra a liquidação adicional de IRC n.º 2013…, acima referenciada, a qual teve como data limite de pagamento 17/6/2013;

b.      De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, à data em que foi entregue o presente pedido de pronúncia arbitral, aceite a 17/4/2015, já havia precludido o prazo de 90 dias contado da data limite para pagamento daquela liquidação. 

 

6. Por despacho, de 21 de Outubro de 2015, o Tribunal convidou a Requerente para aperfeiçoar, querendo, o objecto do pedido Arbitral formulado, e, para efeitos de produção de prova, foi agendada a realização da audiência de julgamento para o dia 25 de Novembro de 2015 às 10 horas.

 

7. Na audiência de julgamento, houve lugar à produção da prova testemunhal, e, ouvidas as partes, “o Tribunal solicitou à Requerente que no prazo de 5 dias proceda à junção aos autos de documentos que comprovem as taxas oficiais de câmbio entre 2000 a 2008, de modo a esclarecer o gráfico constante do relatório de inspeção e o quadro do artigo 26.º do pedido de pronúncia arbitral”. Nessa mesma audiência foi designado prazo para apresentação das alegações escritas e sucessivas sobre que se formara acordo das partes, bem como fixado o dia 16 de Janeiro de 2016 como data limite para a prolação da Decisão Arbitral.

7.1. Por requerimento de 1/12/2015 veio o Sujeito Passivo proceder à junção aos autos dos documentos solicitados na audiência de julgamento pelo Tribunal.

 

8. A Requerente e a Requerida apresentaram alegações escritas no prazo legal, pugnando, no essencial, pelas posições inicialmente defendidas.

 

II. Saneamento

 

9. Quanto à caducidade do pedido de pronúncia arbitral 

9.1. A Requerida apresentou defesa por excepção, argumentando, entre o mais, que o presente pedido de pronúncia arbitral vem dirigido “contra a liquidação adicional n.º 2013.., com imposto adicional a pagar no montante de €109.487,30, e correspondentes juros compensatórios, a qual teve como data limite de pagamento 2013-06-17”.

Para a AT, verifica-se a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral por o mesmo ter dado entrada mais de 90 dias após decurso do prazo de pagamento da liquidação adicional. E acrescenta, “Muito embora o requerente não deixe de referir o indeferimento do recurso hierárquico, o pedido formulado respeita à liquidação adicional de imposto, verificando-se a caducidade do direito de acção (…).” 

Dos autos resulta que o despacho de indeferimento do recurso hierárquico data de 16 de Dezembro de 2014 e que foi notificado à Requerente em 20 de Janeiro de 2015 (cfr.  doc. 2, junto com o pedido arbitral). Por sua vez, o presente pedido deu entrada em 17 de Abril de 2015 (conforme registo da plataforma do CAAD). 

Cumpre decidir.

Na resposta à excepção suscitada pela AT veio a Requerente alegar, entre o mais que a revogação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico é um meio para obter a declaração de ilegalidade da liquidação do IRC em causa e que, por outro lado, “Dúvidas não podem  (…) subsistir de que o pedido de pronúncia arbitral é interposto na sequência do indeferimento do recurso hierárquico, sendo o prazo de interposição contado em função deste facto, tendo sempre em vista o último objectivo da anulação da liquidação de IRC”.

Entretanto, convidada pelo Tribunal a aperfeiçoar o seu pedido, a Requerente veio apresentar aperfeiçoamento tanto do pedido inicial como do final nos seguintes termos:

“A…, S.A., (…) vem, nos termos do artigo 10.º, n.º1, alínea a) e n.º 2, alínea c) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (Decreto-Lei n.º10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações subsequentes), apresentar o seu pedido de pronúncia arbitral, tendo por fundamento a ilegalidade do despacho da Senhora Directora de Serviços do IRC de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º …2014…, de 16-12-2014 (…) e, consequentemente, a ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (doravante “IRC”) relativa ao exercício de 2008 (Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2013… e Compensação n.º 2013…), nos termos do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário …”  e, nestes termos, deve ser determinada:

“(i) a revogação[1] do despacho da Senhora Directora de Serviços do IRC de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º …2014…, de 16-12-2014, conforme a fundamentação que se encontra junta ao mesmo – Informação n.º …/2014 (…), com base na sua ilegalidade por assentar em fundamentação que enferma de deficiente interpretação das normas em concreto aplicáveis, nos termos do artigo 99.º do CPPT e das normas em concreto aplicáveis” (sic), “em particular, dos artigos 20.º, n.º 1, al. c), 23.º, n.º 1, al. c) e 35.º todos do CIRC; 4.º, n.º 1 da LGT; artigos 103.º e 104.º da CRP, resultando, consequentemente, na anulação do acto de liquidação de IRC n.º 2013…e Compensação n.º 2013…, nos mesmos termos e fundamentos; e (ii) ser o Requerente reembolsado do total do montante pago, de 141.222,88 € (cento e quarenta e um mil duzentos e vinte e dois euros e oitenta e oito cêntimos), acrescido dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso, nos termos do artigo 43.º da LGT.”

A Requerente esclareceu o que, em abono da verdade, já resultava do seu requerimento: o pedido de pronúncia arbitral vem formulado do indeferimento do recurso hierárquico que, sobre a matéria, apresentou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira. Contando-se o prazo para o pedido de pronúncia arbitral da notificação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico (datado de 16 de Dezembro de 2014 e notificado à Requerente em 20 de Janeiro de 2015), e não da data limite de pagamento da liquidação (17 de Junho de 2013), a Requerente deu entrada do referido pedido em tempo.

Improcede, pois, a excepção invocada pela Requerida.

 

9.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

9.3. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

9.4. O processo não enferma de nulidades.

9.5. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III. Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

10. Factos provados

 

10.1.Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente - cuja actividade inclui obras de engenharia civil e compra e venda de bens imobiliários, tendo expandido a sua actuação para África e Brasil - efectuou empréstimos, em dólares americanos, à empresa sua associada, B…, Lda., sediada no Brasil (B…  Brasil) nos anos de 2000 e 2001, com quem outorgou, ao abrigo do 1256º do Código Civil brasileiro, doze contratos de mútuo (designados “instrumento particular de mútuo”) (PA, anexo 8 ao RIT, RG3, fls. 70 a 82, e testemunhas apresentadas pela Requerente);

b)      Os doze contratos referidos no número anterior prevêem nas respectivas cláusulas: disponibilização, numa única remessa ou em partes, de quantias em moeda nacional mas equivalentes, à data do fechamento do câmbio, a determinadas quantias em dólares dos EUA e totalizam o montante de 12.130.000 (doze milhões e centro e trinta mil dólares, correspondendo à soma das quantias em dólares, constantes dos diferentes contratos, de 1.050.000,00, 1.860.000,00, 3.000,000,00, 3.290.000,00, 170.000,00, 210.000,00, 220.000,00, 330.000,00, 350.000,00, 350.000,00, 400.000,00 e 900.000,00); restituição das importâncias mutuadas no 24º mês a contar das datas de fechamento de câmbio das respectivas remessas; pagamento de juros semestralmente, com aplicação de taxa de juro de 5% em seis dos contratos e 5,5% em outros seis (art. 9º do Pedido, art. 24º da Resposta, anexo 8 do RIT, PA, RG 3, p. 70 a 82);

c)      Até ao exercício de 2008 a Requerente não procedeu aos devidos registos dos empréstimos referidos nos números anteriores, de acordo com o definido na directriz contabilística nº 8 e com o princípio da especialização de exercícios, só o vindo a fazer na sequência de ênfase efectuada pelo Revisor Oficial de Contas, na certificação legal de contas de 2008, datada de 9 de Março de 2009 (RIT, II.3.2. PA, RG 2, fls. 42);

d)     A Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos de IRC Modelo 22, referente ao período de 2008, em 28 de Outubro de 2009, tendo apurado um prejuízo fiscal de €1.949.958,12 e, para efeitos de autoliquidação, um reembolso de €29.657,95, que veio a receber através de transferência bancária de 30-10-2009 (PA, RG 2, anexo 7 ao RIT, fls. 58 a 60 v. RH, fls. 42);

e)      As correcções efectuadas quanto ao IRC resultavam da verificação, de que os empréstimos referidos nas alíneas a) e b), pagos parcialmente a partir de 2006, foram contabilizados no exercício de 2008 nas correspondentes contas de proveitos e ganhos financeiros (artigos 10º e 11º do Pedido, art. 26º Resposta, RI, III. 1.1. e exercício de audição em RG, a fls. 181 do PA, RG, p. 181 e declarações das testemunhas);

f)        Os empréstimos foram contabilizados na conta POC 4131002 – Investimentos Financeiros/empréstimos de financiamento C… Holding SA, que, no exercício de 2008, apresentava o saldo inicial de €15.219.543,53 (RIT, III.1.1., PA, fls. 42,v.);

g)      No exercício de 2008, para apuramento do montante global dos juros contabilizados na conta POC 2711 (no valor global de € 3.858.739,61), a Requerente calculou o número de dias do empréstimo até 2007/12/31 e 2008/12/31, tendo aplicado uma taxa de juro variável na ordem dos 5% e 5,5% (de acordo com o estabelecido nos respectivos contratos) e efectuou a actualização cambial do capital e de juros à data de 2007/12/31 e de 2008/12/31 (art. 26º da Resposta, RIT, III.1.1., PA, RG, 3, fls. 42, verso);

h)      Os juros foram contabilizados por débito da conta POC 2711-Acréscimos de proveitos/juros a receber/C… Holding por crédito da conta 592-Resultados transitados/ajustamentos em participadas (RIT, III.1.1., PA, RG, 3, fls. 43);

i)        Para efeitos de apuramento do resultado fiscal, a Requerente inscreveu os juros referido no número anterior no campo 202 do quadro 07, como variação patrimonial positiva não reflectida no resultado líquido e, simultaneamente, deduziu o mesmo montante no campo 237 da declaração RIT, IX.2.1.  PA, RG, 3, fls. 50, verso);

j)        A Requerente efectuou, em 2008, o cálculo da variação cambial acumulada do financiamento concedido à B… Brasil, por aplicação da taxa de câmbio 1,4721, vigente à data de 2007/12/31, tendo apurado o montante negativo de € 5.824.813,31 (RIT, IX.2.1., PA, RG, 3, fls. 50, verso);

k)      O montante de € 5.824.813,31 foi, em termos contabilísticos, debitado na conta 59 – resultados transitados, por crédito da conta 413 – Empréstimos de financiamento, conduzindo a uma diminuição da situação líquida da empresa RIT, IX.2.1., PA, RG, 3, fls. 50, verso);

l)        Em termos fiscais, o montante de € 5.824.813,31 foi inscrito no campo 203 da declaração de IRC, como uma variação patrimonial negativa não reflectida no resultado líquido, sendo o mesmo valor simultaneamente acrescido no campo 225 da declaração (RIT, IX.2.1., PA, RG, 3, fls. 51, verso);

m)    A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva externa ao exercício de 2008, desencadeada pela Ordem de Serviço n.º OI2012…, que decorreu entre 7 de Novembro de 2012 e 25 de Fevereiro de 2013, e que deu origem ao Projecto de Relatório de Inspecção notificado à Requerente por ofício nº…, de 6 de Março de 2014 (RIT, II.1 e anexo 21, PA, RG 2, fls. 40 e RG.6, fls 180);

n)      No Projecto de Relatório de Inspecção Tributária que resultou da acção inspectiva foram identificadas divergências/irregularidades em algumas contas, apontando-se quanto ao IRC correcções num montante global de € 4.276.831,63, correspondentes a (i) € 3.193.526,54 – juros a receber da B… Brasil capitalizados entre Outubro de 2000 e 31 de Dezembro de 2007; (ii) € 480.719,62 – juros a receber da B… Brasil capitalizados em 2008; (iii) € 184.493,45 – variação cambial (iv) custos financeiros não aceites fiscalmente (v) 297.695,42 – custos relativos a créditos fiscais de cobrança duvidosa não aceites fiscalmente, designadamente (com relevo para aos autos) as relativas a Deduções efectuadas no Quadro 07 da declaração Modelo 22 (RIT, III., PA, RG 2, fls. 42);

o)       O projecto de Relatório da IT referido no número anterior,  contendo as correcções à matéria colectável, em sede de IRC, no valor total de €4.276.831,63, de que o montante de € 3.858.739,61 respeitava “às deduções efectuadas no Q07-Modelo 22: € 3.193.526,24+€ 480.719,62 + € 184.493,45), foi notificado à Requerente através de oficio n.º 016651, de 2013/03/06, para exercer no prazo de 15 (quinze) dias o direito de audição sobre as correcções propostas (RIT, III.1.1. e 3.1, PA.RG, 3, fls. 44, v. e 49; PA, RG 6, fls.180);

p)      O direito de audição foi exercido através de documento entrado nos serviços da AT em 19 de Março de 2013, onde a Requerente manifestou a sua discordância com as correcções (i) (ii) (iii) e (v), referidas na alínea n) com parte das correcções relativas a custos financeiros (iv) [2]. (PA, RG 6, fls.180 a 182);

q)      No exercício do direito de audiência a Requerente invocou que “a correcção proposta, ao esquecer as diferenças cambiais que penalizaram a A… e, considerando, tão somente, os juros não capitalizados e não recebidos como proveitos, não está a proceder de forma correcta (e muito menos justa face ao princípio da capacidade contributiva constitucionalmente consagrado)” e que “a variação patrimonial negativa de € 5.824.813,31 contabilizada em 2008 e correspondente às variações cambiais associadas ao financiamento à B… Brasil, deverá igualmente ser considerada, pelas mesmas razões que levaram à tributação patrimonial positiva correspondente aos proveitos dos juros capitalizados e não pagos pela B… Brasil (cf. artigo 23º, nº 1, al. c) do CIRC) – isto é por não ser uma variação patrimonial excepcionada para efeitos de formação de lucro tributável “ (PA, RG 6, fls. 181 e v);

r)       Em 20 de Março de 2013, a Requerente entregou uma declaração de substituição onde acresceu ao campo 225 o montante de € 55.159,58 correspondente a correcção referente a encargos financeiros, aceite em audição prévia, e com apuramento de lucro tributável de €1.894.798,54 (RIT, IX.2.2., PA, RG fls, 52 e 55, v.);

s)       O Relatório Final de IT, de 25 de Marco de 2013, concluiu a análise da resposta referente à matéria das deduções no quadro 07 da seguinte forma: «Por não ter respeitado o princípio da especialização de exercícios, está o SP, agora, no exercício de 2008, a reflectir uma taxa de câmbio apurada no fecho de 2007, que deveria ter sido apurada, anualmente, no fecho de cada exercício, em anos anteriores, tal como preconiza o POC, bem como as normas internacionais de contabilidade. Em conclusão, a pretensão do contribuinte em desconsiderar o montante acrescido na modelo 22 das diferenças cambiais negativas não será aceite, por se considerar que se encontram correctamente acrescidas no cálculo do resultado fiscal. Quanto ao montante respeitante aos juros vencidos, não pode o SP fazer depender a sua tributação em função do recebimento daqueles juros, pelo que, não poderão os mesmos ser deduzidos, agora no campo 237 da modelo 22 referente ao exercício de 2008, consequentemente a AT mantém a sua correcção, com a fundamentação expressa no projecto de relatório. Por último, refira-se que o SP afirma que optou, até ao exercício de 2008 por não considerar os proveitos relativos aos juros dos financiamentos concedidos à B… Brasil por entender que só deveria reconhecê-los no momento do seu recebimento. Ora, como já vimos, esta opção não obedece às normas contabilísticas e fiscais. E também declarou que os juros foram pagos, pela primeira vez em 2006. O que ficou por esclarecer é por que razão somente no exercício de 2008 decidiu contabilizar os juros vencidos e as actualizações cambiais, quando o deveria ter feito oportunamente”  (RIT, IX.2.1, PA, RG 2, fls. 52);  

t)       Em resultado da análise efectuada pelo Relatório final foram assim apurados os montantes de correcções e alterado o Resultado fiscal declarado no exercício de 2008: correcções em sede de IRC € 4.156.435,03, com alteração do resultado de prejuízo de €1.894.798,54 para lucro tributável de €2.261.636,49 (art. 31º da Resposta e RIT, PA RG 2, fls. 54, v. e 55);

u)      Atendendo aos prejuízos a reportar do período de 2007, no valor de €1.610.394,27, nos termos do art. 52º do CIRC foi apurada a matéria colectável no valor de € 651.242,22 (€ 2.261.636,49 - € 1.610.394,27 = € 651.242,22) (art. 32 da Resposta e RIT, IX.2.5, PA RG2, fls. 54.v e 55);

v)      Foi emitida, com data de 27 de Maio de 2013 a liquidação adicional n.º 2013… e compensação nº 2013…, com demonstração de liquidação de juros e de acerto de contas, num total a pagar de €109.487,30 (€91.397,14, de valor do imposto; €18.086,60, de juros compensatórios e €3,26, de juros de mora) (art. 33 º da Resposta e PA, RG 1, fls. 4 decisão do RH, e doc. nº 2 junto com o Pedido);

w)    Em 25 de Setembro de 2013, a Requerente apresentou reclamação graciosa - que foi processada com o nº …2013… – pedindo a anulação da liquidação referida no número anterior, invocando, designadamente, a desconsideração como custos de perdas cambiais no montante de €5.824.813,31 (art. 34 da Resposta e PA, RG 1, fls. 4 a 10); 

x)      Notificada pelo ofício nº … de 13 de Fevereiro de 2014 do projecto de indeferimento e para exercício de audição prévia, a Requerente respondeu em 6 de Março de 2014 (PA, RG7, fls. 212 a 222); 

y)      A Reclamação Graciosa foi indeferida por despacho de 21 de Março de 2014 do Director de Finanças Adjunto, sob informação da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, datada de 10 de Março de 2014 (cfr. o PA);

z)      Em 28 de Abril de 2014, a Requerente apresentou recurso hierárquico (Processo nº …/14) da decisão referida no número anterior, manifestando discordância quanto ao projecto de decisão, designadamente quanto à desconsideração como custos das perdas cambiais, sem consideração correspondente das perdas cambiais (PA, RG7, fls. 212 a 222);

aa)   Tendo sido o acto recorrido mantido por despacho de 29 de Maio de 2014 do Director de Finanças de Lisboa (sob informação de 26 de Maio de 2014) o recurso indeferido por despacho da Directora de Serviços do IRC de 16 de Dezembro de 2014 nos termos do teor da Informação nº… /2014, da DSIRC, datada de 27 de Outubro de 2014 (PA – RH, fls. 38);

bb)  O referido despacho foi notificado à Requerente em 20 de Janeiro de 2015 (cfr. doc 2 junto aos autos pela Requerente) e o pedido arbitral deu entrada em 17 de Abril de 2015, conforme registo na plataforma do CAAD;

cc)  A liquidação encontra-se integralmente paga, em fase de processo de execução fiscal, totalizando o montante de €141.222,88;

dd)No período entre  Outubro  de 2000 e 31 de Dezembro de 2007  a
Requerente incorreu em perdas cambiais relativas ao capital dos
empréstimos efectuados;

ee)  A Requerente fez referência à existência dessas perdas na declaração
Modelo 22 de IRC;

ff)   Na referida declaração a Requerente imputou a essas perdas o valor
de €5.824.813,31;

gg)  A AT, em sede de liquidação, não teve em conta qualquer custo
respeitante às referidas variações cambiais.

 

10.2.Factos dados como não provados

 

Não ficou provado que os custos relativos às diferenças de câmbio associadas ao capital dos empréstimos, até ao exercício de 2008, correspondam ao montante declarado pela Requerente no Modelo 22 de IRC (€5.824.813,31).  

 

10.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada 

 

A factualidade provada teve por base a posição assumida por cada uma das Partes e não contrariada pela parte oposta, a análise crítica dos documentos juntos aos autos (nos articulados e na fase de audiência) e cuja autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes.

Assentou, por outro lado, no teor dos depoimentos testemunhais produzidos em julgamento, sendo que estes se revelaram credíveis, atenta, quer a convicção, clareza, coerência e pertinência com que foram prestados.

 

10.4. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

III.2.Matéria de Direito

 

11. 1. Quanto à ilegalidade da liquidação objecto de impugnação 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) efectuou uma inspecção à Requerente, relativa ao ano de 2008, de que resultaram, em matéria de IRC, várias correcções ao lucro tributável, sendo apenas sindicadas as que dizem respeito às variações cambiais registadas pela Requerente.

Tais variações são as seguintes:

a)      €3.193.526,54 – juros a receber da B…, Lda. (“B… Brasil”) capitalizados entre Outubro de 2000 e 31 de Dezembro de 2007;

b)      €480.719,62 – juros a receber da B… Brasil capitalizados em 2008;

c)      €184.493,45 – variação cambial de todos os juros a receber da B… Brasil capitalizados até final de 2008, relativa ao exercício de 2007.

d)     (€5.824.813,31) - variação cambial do valor do empréstimo concedido à B… Brasil.

Resulta do probatório que a Requerente como acionista da B…Brasil efectuou a esta última financiamentos em dólares (num montante total de 12.130.000) dos Estados Unidos da América (“USD”), nos anos de 2000 e 2001, com base em doze contratos de mútuo.

Durante anos a Requerente não procedeu, designadamente para efeitos fiscais e de acordo com o princípio da especialização de exercícios, à devida contabilização como proveitos dos juros de que era credora. Também não procedeu à actualização cambial dos créditos do capital mutuado e, portanto, não contabilizou, em cada um dos exercícios, quaisquer perdas ou ganhos cambiais.

Na sequência de ênfase do ROC na certificação leal de contas relativas ao exercício de 2008, a Requerente, de acordo com a directriz contabilística nº 8, contabilizou os juros a receber da A… capitalizados até 31.12.2007, a débito na conta 2711 – acréscimos de proveitos/juros a receber por contrapartida da conta 592 – resultados transitados/ajustamentos em participadas, a crédito. Em simultâneo, registou os juros a receber respeitantes ao exercício de 2008, no montante de €480.719,62, movimentando a mesma conta 2711, por contrapartida da conta de proveitos e ganhos financeiros 782-ganhos em empresas do grupo e associadas, a crédito.

A Requerente registou a variação cambial, de €184.493,45, relativa aos juros relativos a 2008, capitalizados até 31.12.2007, mediante contabilização a débito da conta 2711, por contrapartida da conta de proveitos e ganhos financeiros 785- diferenças de câmbios favoráveis. 

Relativamente ao capital mutuado, a Requerente calculou uma variação cambial acumulada, de €5.824.813,31 por aplicação da taxa de câmbio 1,4721, vigente à data de 31.12.2007, resultante da diferença entre o valor inicial do financiamento, de € 14.064.742,66, contabilizado na conta POC 4131002 – investimentos Financeiros/empréstimos de financiamento e o valor actualizado, de € 8.239.929,35, tendo esta diferença - € 5.824.813,31 - sido registada na conta 592-resultados transitados/ajustamentos em participadas, a débito.

Em 28 de Outubro de 2009 a Requerente entregou a declaração modelo 22 relativa a 2008, da seguinte forma:

- inscreveu o montante de €3.193.526,54 (que diz corresponder ao valor dos juros deduzidos das variações cambiais negativas acumuladas) como variação patrimonial positiva não reflectida no resultado, nos termos do artigo 21.º do CIRC, no campo 202 do Quadro 07, mas deduziu também idêntica quantia ao lucro tributável no campo 237 da declaração.

- o montante das diferenças cambiais acumuladas relativas ao capital mutuado, de €5.824.813,31, foi inscrito no campo 203 do quadro 07 da declaração periódica do IRC, como uma variação patrimonial negativa não reflectida no resultado líquido do exercício e, simultaneamente, o mesmo montante foi acrescido no campo 225 do quadro 07 da referida declaração, “anulando” desta forma o seu efeito no resultado fiscal.

Na sequência de acção inspectiva, a AT efectuou correcções à declaração da Requerente que incluíram a eliminação da dedução da variação patrimonial positiva relativa a juros acumulados até 31/12/207. Ou seja, a AT considerou que devia ser tributado o efeito positivo relativo aos juros e sua actualização cambial, mas não corrigiu a declaração do contribuinte de modo a que o lucro tributável fosse influenciado (diminuído) pelo efeito da actualização cambial do crédito concedido à empresa associada.  

É esta diferença de critério que a Requerente contesta, demandando que, à semelhança do que sucede com os juros e suas variações cambiais, também a variação cambial respeitante ao capital seja considerada nas correcções a efectuar pela AT relativamente ao exercício de 2008.

Esta é, em suma, a questão central a que se cinge o litígio e que cumpre dirimir.

O que se questiona é se deve a AT atender à variação patrimonial negativa constituída pela diferença cambial reativa ao capital mutuado pela Requerente à B… Brasil registada ao longo de exercícios anteriores e lançada apenas em 2008.

Como vimos, no entendimento da Requerente, tal reconhecimento é corolário da correcção, para mais, feita ao seu lucro tributável de 2008, relativamente aos juros do empréstimo, cuja especialização também deveria ter sido feita ao longo de exercícios anteriores e cujo registo em 2008 a AT aceita. A não ser assim, e de acordo com a Requerente, a prática adoptada pela AT consistirá na violação da verdade material e consequentemente do princípio da capacidade contributiva, ínsito no princípio da igualdade fiscal.

Contesta a Requerida, defendendo que a tal se opõe o princípio da especialização dos exercícios, consagrado na lei contabilística (à data como agora) e no artigo 18.º do CIRC (igualmente, à data como agora), sendo que a não observância de tal princípio pela Requerente é que violaria o princípio da verdade material.

Quid juris?

 

11.1.1.O regime contabilístico e fiscal das diferenças cambiais, vigente à data dos factos, encontra-se exposto e descrito no ponto 6. do Acórdão 76/2012-T do CAAD, o qual reproduzimos na parte considerada pertinente :

“O art. 17.º do CIRC, na redacção vigente em 2006[3], estabelece que «o lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».”

“O art. 18.º do CIRC, na mesma redacção, estabelece, nos seus n.ºs 1 e 2, que «os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios» e que «as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas».“

“O art. 20.º do CIRC estabelece que «consideram-se proveitos ou ganhos os derivados de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, designadamente os resultantes de» «rendimentos de carácter financeiro, tais como juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio e prémios de emissão de obrigações»,”

“O art. 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2006[4], estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

1 – Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...)

c) Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso; “

“Como resulta do teor expresso dos transcritos artigos 20.º e 23.º, as diferenças de câmbio, positivas ou negativas, são de considerar na determinação do lucro tributável, como ganhos ou perdas.”

“O princípio da especialização económica dos exercícios, a que se refere o n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, traduz-se na regra de que devem ser considerados como ganhos ou perdas de determinado exercício os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, que a esse exercício digam respeito, sendo irrelevante o exercício em que elas se materializam.”

“No n.º 2 do mesmo artigo 18.º prevê-se uma excepção apenas para as componentes positivas ou negativas do lucro tributável que, na data de encerramento das contas de determinado exercício, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas, o que revela bem que, nos outros casos, essas componentes positivas ou negativas apuradas à data do encerramento das contas relevam para apuramento da liquidação desse exercício.”

“No caso em apreço, é manifesto que não se está perante uma situação enquadrável nesta excepção, pois as variações cambiais no final de cada exercício são perfeitamente apuráveis.”

“Por outro lado, o apuramento do lucro tributável faz-se com base na contabilidade e as regras contabilísticas aplicáveis em 2006 impunham a contabilização das diferenças cambiais para efeitos da determinação do resultado contabilístico.”

“Na verdade, desde as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 228/86, de 13 de Agosto, no Plano Oficial de Contabilidade aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47/77, de 7 de Fevereiro, os resultados das diferenças de câmbio passaram a ser considerados, em regra, como correntes e a relevar para o balanço. Designadamente no que concerne a créditos ou débitos vencíveis a médio e longo prazo, como é o caso dos que estão em causa no presente processo, as diferenças de câmbios passaram a poder ser diferidas apenas «quando existam motivos objectivos para considerar reversível evolução sofrida pelo câmbio» (como se esclarece no Preâmbulo daquele diploma). Esta intenção legislativa veio a ser concretizada no texto do diploma nos seguintes termos:

2.2.1 - As operações em moeda estrangeira são registadas no câmbio da data considerada para a operação, salvo se o câmbio estiver fixado pelas partes ou garantido por uma terceira entidade. À data do balanço, os créditos ou débitos resultantes dessas operações, em relação às quais não exista fixação ou garantia de câmbio, são actualizados com base no câmbio dessa data;

2.2.2 - No caso dos créditos ou débitos a curto prazo, as diferenças de câmbio resultantes da actualização referida em 2.2.1 são registadas nas subcontas 667 ou 767.

 Tratando-se de créditos e débitos vencíveis a médio e longo prazo, as diferenças de câmbio apuradas à data do balanço são registadas nas subcontas 667 ou 767, se existirem indicadores razoáveis de que a evolução sofrida pela taxa de câmbio é irreversível no futuro imediato; caso contrário, são registadas nas subcontas 2712 ou 2752 e transferidas, respectivamente, para as subcontas 667 ou 767 nos exercícios em que se realizarem os pagamentos ou recebimentos, totais ou parciais, dos débitos ou dos créditos com que estão relacionadas e pela parte correspondente a cada pagamento ou recebimento;”

            “No Plano Oficial de Contabilidade aprovado pelo Decreto-Lei n.º 410/89, de 21 de Novembro, vigente em 2006[5], veio reforçar a obrigação de contabilização das diferenças de câmbios no balanço, quanto às perdas, esclarecendo expressamente que as diferenças de câmbio são, em regra, «reconhecidas como resultados do exercício» e restringindo a possibilidade de diferimento aos casos de diferenças de câmbio favoráveis (ganhos) e não também de perdas, ao estabelecer o seguinte:

 5.2 - Dívidas de e a terceiros

5.2.1 - As operações em moeda estrangeira são registadas ao câmbio da data considerada para a operação, salvo se o câmbio estiver fixado pelas partes ou garantido por uma terceira entidade.

À data do balanço, as dívidas de ou a terceiros resultantes dessas operações, em relação às quais não exista fixação ou garantia de câmbio, são actualizadas com base no câmbio dessa data.

5.2.2 - Como princípio geral, as diferenças de câmbio resultantes da actualização referida em 5.2.1 são reconhecidas como resultados do exercício e registada nas contas 685 «Custos e perdas financeiros - Diferenças de câmbio desfavoráveis» ou 785 «Proveitos e ganhos financeiros - Diferenças de câmbio favoráveis».

Tratando-se de diferenças de câmbio favoráveis resultantes de dívidas a médio e longo prazo, deverão ser diferidas, caso existam expectativas razoáveis de que o ganho é reversível. Estas serão transferidas para a conta 785 no exercício em que se realizaram os pagamentos ou recebimentos, totais ou parciais, das dívidas com que estão relacionadas e pela parte correspondente a cada pagamento ou recebimento.”

“Assim, é de concluir que a contabilização das diferenças de câmbio desfavoráveis como resultados do exercício era imposta pelas normas contabilísticas vigentes à data em que ocorreram os factos em apreço.”

Andou mal, pois, a Requerente ao não contabilizar em cada um dos exercícios a que diziam respeito, (i) os juros e (ii) as variações cambiais respeitantes quer a esses juros quer ao valor do capital mutuado, pois violou as regras do princípio da especialização dos exercícios que, sendo regras contabilísticas – ademais expressamente acolhidas pelo CIRC no seu artigo 18.º, devia ter observado.

Não obstante o exposto, importa averiguar e decidir em que medida está a Requerida legitimada a corrigir apenas a declaração da Requerente no que diz respeito às variações patrimoniais positivas, agravando o lucro tributável e a desconsiderar as actualizações cambiais relativas ao capital, que iriam atenuar a tributação, com o argumento da violação do princípio da especialização dos exercícios.

Vejamos.

 

11.1.2. Da periodização dos resultados imposta por necessidades de gestão e de informação económica deriva o «princípio da especialização dos exercícios», “caracterizado pela cisão da vida da empresa em intervalos temporais e pela imputação a dada um deles das componentes, positivas e negativas, que tornem possível determinar o resultado que lhe corresponde”. (…) sendo que essa especialização “impõe a realização de inventário de fim de exercício, dela decorrendo a necessidade de imputar a cada exercício todos os proveitos e custos que lhe são inerentes e só esses” [6].

O mesmo Autor,[7] referindo-se à importância e razão de ser do princípio da especialização dos exercícios, pondera que “a especialização temporal das componentes do lucro é ainda mais importante para efeitos fiscais do que contabilísticos, dados os condicionalismos em que decorre a determinação do imposto a pagar, de modo a evitar desvios de resultados entre exercícios diferentes com propósitos de minimização da carga fiscal, (…). Com efeito, essa imputação temporal pode ser instrumento de uma manipulação de resultados, de modo, a, designadamente:

a)      Diferir no tempo os lucros;

b)      Fraccionar os lucros, distribuindo-os por exercícios diferentes, com o objectivo de evitar, num imposto de taxas progressivas, a tributação por taxas mais elevadas;

c)      Concentrar o lucro em exercício onde se podem efectivar deduções mais avultadas (v.g. por reporte de  prejuízos ou por incentivos fiscais).”   

 

O princípio da especialização dos exercícios “visa tributar a riqueza gerada em cada exercício, independentemente do seu efectivo recebimento”, pelo que ganha especial “relevância nos casos em que não existe coincidência entre o exercício em que os ganhos ou perdas são contabilizados e o exercício em que os recebimentos ou despesas correspondentes têm lugar.

Como ficou consignado, no Acórdão do STA, de 27/4/2008, proc nº 0807/07, “Aquele princípio vale assim para os casos em que os custos são contabilizados num exercício mas em que a despesa efectiva só é suportada noutro, e para os casos em que o ganho ainda que contabilizado num exercício, só é, de facto, recebido noutro. Ora em tais situações, em que existe desencontro entre a contabilização dos custos e dos proveitos e a sua efectiva concretização, a lei ordena que os mesmos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram. Daí que se devam imputar ao exercício os encargos que emergem de operações nele realizadas, ainda que nele não suportadas, do mesmo modo que se devem imputar a um exercício os proveitos resultantes de operações nele feitas mesmo que arrecadados noutro.”

Não obstante o exposto, constitui igualmente jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal que a rigidez deste princípio tem de ser colmatada ou temperada com a invocação do princípio da justiça, nas situações em que, por exemplo, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do acto tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado. Neste sentido, ficou consignado no Acórdão do STA, de 9 de Maio, de 2012, processo n.º 269/12, reproduzindo o Acórdão do mesmo Tribunal de 19/11/2008, proc. n.º 0325/08:

 “O princípio da justiça é um princípio básico que deve enformar toda a actividade da Administração Tributária, como resulta do preceituado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, cuja relevância não se esgota no âmbito dos actos praticados no exercício de poderes discricionários, embora tenha aí um domínio primacial de aplicação. Não fazendo o art. 266.º, n.º 2, da CRP, qualquer distinção, na aplicação da legalidade, tanto pela Administração como pelos tribunais, não pode ser encarada isoladamente cada norma que enquadra uma determinada actuação da Administração, antes terá de se atender à globalidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9º, nº1, do CC). Não se pode afirmar, que, nos casos de exercício de poderes vinculados, a obediência a uma determinada lei ordinária se sobrepõe aos princípios constitucionais referidos, pois estes princípios fazem também parte do bloco normativo aplicável, eles são também definidores da legalidade e, como normas constitucionais, são de aplicação prioritária em relação ao direito ordinário”.

Mais adiante, pode ler-se no mesmo Acórdão que “do referido art. 18.º, n.º 1, do CIRC resulta uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes. Mas, o exercício deste poder de controle, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação de flagrante injustiça e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição.

“Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário de duração prolongada e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflecte um das preocupações nucleares de um Estado de Direito) é manifesto que, numa situação de incompatibilidade se deve dar prevalência a este último princípio.”   

Sobre esta temática realce-se a jurisprudência arbitral que se assinala no Acórdão n.º 362/2014-T do CAAD:

“O Supremo Tribunal Administrativo tem (…) decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios»[8]”.

No mesmo sentido, pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul[9], prolatando como segue:

I.- O princípio da especialização ou autonomia dos exercícios impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.
II.- Tal princípio sofre as excepções, previstas na lei, quais sejam: - nos casos em que haja imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento das componentes positivas ou negativas e das obras de carácter plurianual (artigo 18°, nos 2 e 5 e 19° do CIRC); nas situações em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte e quando esse erro não resultar de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar as transferências de resultados entre exercícios.

 

11.1.3. Depois da breve incursão pelos preceitos legais aplicáveis e da jurisprudência sobre o sentido e alcance do princípio da especialização dos exercícios regressemos ao caso dos autos.

Como ficou dito, a Requerente evidenciou na sua declaração que havia correcções ao lucro tributável, mas que se anulavam reciprocamente, não se repercutindo sobre aquele.

Por sua vez a AT, nas suas correcções, limitou-se a acrescer ao lucro tributável todos os lançamentos, registados em contas de resultados, relativos aos juros e respectivas variações cambiais, mas não corrigiu (o que faria decrescer o lucro tributável do mesmo exercício) a variação cambial relativa ao capital do empréstimo a que tais juros respeitam.

Segundo a Requerente, para além da variação patrimonial positiva, incorreu no mesmo período referido em supra, em perdas cambiais no montante de 5.824.813,31 € (cinco milhões oitocentos e vinte e quatro mil e oitocentos e treze euros e trinta e um cêntimos), relativos ao capital dos empréstimos efectuados.

Não se discute a razão da AT quando à liquidação relativa aos juros não contabilizados como proveitos (e respectivas actualizações cambiais), e como tal não tributados, a questão está em não ter atendido, de igual modo, às componentes negativas do lucro tributável.

Argumenta a AT que sobre a mesma não recai qualquer obrigação de reconstruir uma pretensa verdade contabilística dos contribuintes, impendendo sobre os sujeitos passivos o respeito pela lei contabilística e fiscal.

Por força do preceituado no artigo 266.º da CRP a actividade da Administração Tributária tem de ser levada a cabo “em subordinação à Constituição e à lei e deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos (princípio da legalidade) e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé”.

Segundo DIOGO LEITE CAMPOS E OUTROS, “por força daquela norma constitucional a actuação da administração, para ser legal, terá de estar em sintonia com os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé que, tendo um conteúdo próprio, não deixam de fazer parte do bloco de legalidade que tal actuação deve respeitar” (cfr. Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª ed. 2012, p.446).

Segundo os mesmos Autores (ob. cit., p. 449) os princípios da justiça e imparcialidade impõem à administração, no domínio do procedimento tributário, que se norteie “por critérios de isenção na averiguação das situações fácticas, realizando todas as diligências que se afigurem necessárias para averiguar a verdade material, independentemente de os factos a averiguar serem contrários aos interesses patrimoniais que à administração tributária cabe defender”, o que tem consagração no artigo 58.º da LGT.

 Ora, no caso dos autos, na ausência de norma legal que justifique o tratamento diferenciado entre as componentes positivas e as negativas do lucro tributável, os princípios mencionados imporiam que a AT atendesse ao lucro tributável globalmente considerado, fazendo correcções à declaração do contribuinte, quer no que se refere às componentes que agravam o lucro tributável, quer às que iriam contribuir para o atenuar.

Com efeito, relativamente ao registo das desvalorizações cambiais do capital, podendo o respectivo registo ser feito anualmente, tal não era obrigatório. O POC (5.2.2.) previa que no caso de se tratar de créditos e dívidas de médio e longo prazo, o registo poderia ser feito de forma distinta. Se a empresa optou por o fazer de forma diferente (originalmente, aquando da restituição do capital), só em circunstâncias justificadas e ponderosas poderia alterar o critério seguido, em nome do princípio da consistência – para mais tratando-se de um efeito potencial, susceptível de reversão. Nessa medida, não há necessariamente razão para impor o mesmo tratamento às diferenças cambiais associadas a rendimentos correntes (juros vencidos) e às diferenças resultantes da atualização cambial do capital, que poderiam ser relevadas apenas na data do seu reembolso ou recebimento.

Podendo, todavia, a Requerente optar por tratar distintamente os juros e o capital, bem assim as respectivas diferenças cambiais, a sua decisão foi relevar contabilisticamente o impacto económico desses empréstimos nas suas diversas vertentes. Fosse pelo zelo em seguir as recomendações do ROC, fosse (como tudo leva a crer) por razões de transparência e clareza no seu relato financeiro, resulta claro dos elementos carreados aos autos que a opção da Requerente foi relevar os múltiplos aspectos e vertentes da sua operação financeira com a sua subsidiária brasileira, tão logo foi alertada para o erro em que incorria. Opção essa que, no caso vertente, é legítima e não merece censura, porquanto nada teve que ver com manipulação ou transferência de resultados entre exercícios com vista a obter ganho à custa da Fazenda.

Nesta perspectiva, ao limitar as correcções à declaração do contribuinte na componente que agrava a tributação, a AT não procede de forma correcta, pois desvaloriza os registos contabilísticos e respectivo impacto fiscal da operação como um todo, sendo que foi como um todo que a Requerente a quis trabalhar. Nessa medida, a AT deve respeitar a opção, legítima neste caso concreto, da Requerente, pelo que se encontra vinculada a corrigir simetricamente as componentes que provocariam uma menor tributação.

Contra este entendimento não colhe a argumentação quanto à violação do princípio da especialização dos exercícios, porquanto, como vimos, este é um instrumento para conseguir obter uma tributação justa e não um expediente que permita à AT cobrar imposto superior ao que era devido.

Improcede igualmente que se faça recair apenas sobre o contribuinte a responsabilidade pela regularidade e correcção das suas declarações.

Com efeito, o fenómeno da privatização da justiça não pode transferir para o contribuinte o ónus de incorrer em prejuízos resultantes dos erros nas auto-liquidações, que inclusive, em certos contextos, são equiparados a erros dos serviços da administração (vg., a título de exemplo, os artigos 52.º, n.º 2, da LGT, 78.º, n.º 2, da LGT e 131.º do CPPT).      

  Por conseguinte, para além de princípios, tais como, os da boa fé, da justiça, da verdade material, o próprio princípio da legalidade entendido em sentido amplo (como bloco de legalidade que inclui os mencionados princípios constitucionais) imporia que a AT procedesse à apreciação global do valor do lucro tributável do contribuinte, corrigindo a declaração quer no que se refere às variações patrimoniais positivas quer às negativas.

Por outro, atentas as circunstâncias que rodearam o caso, emerge dos autos evidência suficiente para concluir que o não cumprimento do princípio da especialização dos exercícios não resultou “de omissões voluntárias e intencionais, mas sim de um erro, erro esse que, logo que detectado, foi objecto de correcção de acordo com a opção tomada pela Requerente, qual seja, de relevar contabilisticamente todos os aspectos da sua operação financeira com a sua subsidiária brasileira.

Assim sendo, não estamos, por conseguinte, perante uma omissão voluntária ou intencional, designadamente com vista a operar transferências de resultados entre exercícios, contornando-se as finalidades visadas por lei com a consagração do princípio da especialização dos exercícios.

Finalmente, resultando dos autos, um acréscimo de liquidação indevido a favor do Estado, a aplicação do princípio da justiça visa precisamente repor o equilíbrio entre a AT e o contribuinte. Não havendo prejuízo para o Estado, não há, desta forma, intenção que possa ter como objecto esse prejuízo.

Assim sendo, comungando com a jurisprudência acima referenciada, entendemos que, não sendo o princípio da especialização dos exercícios um princípio absoluto, e que o mesmo, enquanto norma contabilística e fiscal, não pode ser interpretado e aplicado em prejuízo dos princípios da verdade material, capacidade contributiva e da justiça. Dito por outras palavras, não pode o mesmo ser invocado para obstar à aceitação fiscal de todas as variações cambiais registadas pela Requerente no exercício de 2008, pese embora as mesmas devessem ter sido registadas em exercícios anteriores.

Outra coisa não faria sentido – sobretudo, exigir-se, como faz a AT, que tal princípio só deva ser observado quanto às componentes negativas do lucro tributável (rectius, quanto a algumas componentes negativas, pois parte delas – as respeitantes aos juros – foram aceites pela AT), mas já sendo dispensável quanto às componentes positivas.

Ante as circunstâncias do caso dos autos, atendendo, por um lado, às operações em causa e aos moldes em que as mesmas ocorreram, bem como ao facto de não ter havido qualquer intenção de omitir custos ou diferir o seu pagamento, e, por outro lado, ponderados os interesses e princípios em confronto, entende-se haver razões para dar prevalência ao princípio da justiça, concluindo-se pela ilegalidade das correcções efectuadas pela AT.

Nesta sequência, tendo ficado provado que a Requerente incorreu em perdas cambiais relativas ao capital mutuado, que não foram consideradas pela AT na liquidação, quando o deveriam ter sido, a liquidação sofre de ilegalidade, independentemente do exacto valor a que tais variações cambiais correspondam.

Termos em que, não pode deixar de concluir-se pela ilegalidade do despacho da Senhora Directora de Serviços do IRC de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º …2014…, de 16-12-2014, com a consequente anulação do acto de liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 2008 (Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2013 … e Compensação n.º 2013…), e reembolso do montante pago na quantia que vier a ser fixada em execução de sentença.

 

11.2. Quanto aos juros indemnizatórios

 

A requerente peticiona, ainda, o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do
artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

De acordo com o estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da RJAT (na esteira do preceituado no artigo 100.º do CPPT), deve a administração tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

Por outro lado, estabelece o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” – o que deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. Com efeito, embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deve entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se conforma com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT.

Ora, sendo a liquidação adicional controvertida anulada por ilegal, em regra deve haver lugar não apenas ao reembolso do imposto pago, mas igualmente ao pagamento de juros indemnizatórios, pois só assim pode ser restabelecida “(…) a situação que existiria se o acto tributário objecto de decisão arbitral não tivesse sido praticado”. Refira-se que não se trata aqui de estabelecer um nexo objectivo entre a anulação da liquidação e o dever de pagamento de juros, mas sim a imputação de uma responsabilidade ligada à culpa dos serviços da AT, que promoveram uma liquidação que, pela não aceitação dos custos ligados à variação cambial registada, quanto ao capital do mútuo, em 2008, ficou ferida de ilegalidade.

No caso vertente, contudo, julgamos não ser esse o caso.

Com efeito, no preenchimento da Declaração M22 que deu origem à liquidação adicional em crise, a Requerente foi tudo menos clara. E só após múltiplas diligências quer da Requerida, quer da Requerente, se conseguiu compreender a situação de facto que subjaz à questão decidenda, tendo inclusivamente o Tribunal tido grande dificuldade em recortar, com a necessária precisão, a referida questão.

Tratando-se afinal de uma actuação errónea, facto é que a mesma não pode ser apenas ou primacialmente imputada aos serviços da AT, mas sobretudo à imperícia da Requerente no seu relacionamento com a AT – daí a não aplicação ao caso do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Consequentemente, a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

Termos em que improcede o pedido.

 

IV. Decisão

 

Termos em que acorda o presente Tribunal Arbitral em:

 

a.       Julgar improcedente a excepção de caducidade do pedido arbitral;

b.      Julgar procedente o pedido de anulação do despacho da Senhora Directora de Serviços do IRC de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º …2014…, de 16-12-2014, e, nesta sequência,

c.       Anular o acto de liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 2008 (Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2013 … e Compensação n.º 2013…);

d.      Condenar a Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante que vier a ser fixado em execução de sentença;

e.       Julgar improcedente o pedido de condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.

 

V.Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 109,487, 30 € .

 

 

Lisboa, 22 de Janeiro de 2016.

 

 

Os árbitros,

 

Fernanda Maçãs,

 

 

 

 

João Espanha

 

 

 

 

 

Maria Manuela do Nascimento Roseiro

 

 



[1] A Requerente pede a “revogação” do despacho, mas como o faz com fundamento em ilegalidade, deve entender-se que pede a “anulação”.

[2] Foram aceites as correcções referentes a tributações autónomas e, parcialmente, as relativas a custos financeiros e em sede de Imposto do Selo (PA, RG 6, fls. 180/181). 

[3] Idêntica à redacção em vigor em 2008.

[4] Ídem.

[5] Íbidem.

[6] Cfr. MANUEL H. F. PEREIRA, “A periodização do lucro tributável”, Ciência e Técnica Fiscal, 1988, nº 349,  pp. 77 ss.

[7] Cfr. ob. cit., pp. 80-81.

[8] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2-4-2008, processo n.º 0807/07.

[9] Acórdão do TCA Sul de 28 -03-2007, processo nº 1551/06