Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 369/2015-T
Data da decisão: 2016-01-25  IRC  
Valor do pedido: € 151.824,09
Tema: IRC - Convenções sobre dupla tributação: método da imputação ordinária; Benefícios Fiscais (RFAI): valor a deduzir à coleta do IRC; dedução à coleta das tributações autónomas e da derrama estadual; reconhecimento de um direito; competência dos tribunais arbitrais (CAAD)
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Decisão Arbitral

 

A..., SGPS, S.A. (que também já foi denominada “B..., SGPS, S.A.” e “C..., SGPS, S.A.”), NIPC..., com sede na Rua..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, requereu pronúncia arbitral sobre o indeferimento de reclamação graciosa por si apresentada, relativa a liquidação adicional de IRC de 2011 (liquidação nº 2014...) e demonstração de acerto de contas n.º 2014..., pedindo a anulação daquela decisão e a consequente anulação parcial da liquidação, bem como a devolução do imposto indevidamente pago (não reembolsado), acrescido de juros indemnizatórios.

A Reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 09/03/2015, do Diretor da UGC, de que foi notificada a Requerente através do ofício n.º..., de 10/03/2015, remetido por correio registado da mesma data.

A Requerente apresentou o seu Recurso Arbitral em 09/06/2015, aceite pelo CAAD em 11/06/2015.

É requerida a (AT) - Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente optou por designar árbitro, indicando para exercer tais funções o Sr. Prof. Doutor António Martins. A Requerida designou como árbitro o Sr. Dr. Rodrigo de Castro, tendo o árbitro presidente, Sr. Prof. Doutor Rui Duarte Morais, sido designado por consenso entre aqueles.

O tribunal arbitral ficou constituído em 21/08/2015.

A AT apresentou, oportunamente, a sua Resposta.

Foi dispensada a realização da reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT.

Não havendo lugar a produção de prova, tiveram lugar no CAAD, em 03/12/2015, alegações orais.

 

            I - Relatório

 

A Requerente insurge-se contra o indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada, relativa a liquidação adicional do IRC de 2011, na medida em que a decisão que versou sobre tal pedido indeferiu as suas pretensões de: a) anulação da redução, efetuada pela AT, do crédito de imposto por dupla tributação internacional previsto nos artigos 90.º e 91.º do CIRC, no montante de € 52.137,17; b) dedução dos benefícios fiscais instituídos pelo RFAI 2009 às coletas da derrama estadual e das tributações autónomas do grupo que encabeça; c) reporte para os exercícios fiscais subsequentes dos benefícios fiscais obtidos ao abrigo do RFAI 2009 não deduzidos em consequência da aplicação do artigo 92.º do CIRC.

A Requerente pretende ainda a condenação da AT no pagamento de juros devidos pela não restituição do imposto que considera ter sido liquidado em excesso.

 

A Requerida AT sustenta a legalidade da liquidação. Analisaremos posteriormente, a propósito de cada uma das questões suscitadas, os argumentos aduzidos pelas partes.

 

O processo é próprio e tempestivo, as partes são legítimas e estão devidamente representadas, não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer.

 

II - Factos provados

Estão documentalmente provados os seguintes factos, com interesse para a boa decisão da causa:

  1. Em 2011, a Requerente encabeçava um grupo de sociedades ao qual era aplicado o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo, portanto, sujeito passivo do IRC relativo a esse grupo.
  2. Em resultado de ação inspetiva interna, foram efetuadas pela AT as seguintes correções ao imposto autoliquidado pela Requerente: a) redução do crédito de imposto por dupla tributação internacional, ao abrigo dos art.ºs 90º e 91º do CIRC, no montante de € 52.137,17; b) desconsideração da dedutibilidade de benefícios fiscais obtidos ao abrigo do RFAI à coleta da derrama estadual e das tributações autónomas do grupo, no montante de € 381,728,33; c) aumento do imposto, relativamente ao autoliquidado, em razão de ajustamentos feitos por invocação do disposto no do art.º 92º do CIRC, no montante de € 48.984,88;
  3. O crédito de imposto por dupla tributação internacional referido no ponto 2. a) resulta de rendimentos derivados de direitos de transmissão de conteúdos recebidos pelas sociedades D... S.A.” e “E..., S.A.” (as quais integram o grupo, sujeito ao RETGS, de que a Requerente é sociedade dominante), com origem em Cabo Verde, os quais foram, nesse país, sujeitos a retenção na fonte por aplicação da taxa de 10% ao respetivo valor bruto.
  4. O crédito de imposto resultante de benefícios fiscais previstos no RFAI 2009 foi apurado na esfera da sociedade F..., S. A., atualmente G..., S.A., a qual também integrava o grupo, sujeito ao RETGS de que a Requerente era sociedade dominante
  5. Tais correções deram origem à liquidação adicional ora impugnada.
  6. A liquidação adicional ora impugnada deu origem a um reembolso de imposto de valor inferior àquele que a requerente tinha apurado na sua declaração.
  7. A Requerente deduziu tempestivamente, em 05/01/2015, reclamação graciosa contra aquela liquidação, a qual foi totalmente indeferida, tendo tal decisão sido remetida, por correio registado, em 10/03/2015.

 

Não existem factos não provados relevantes para a boa decisão da causa.

 

III - Conhecendo do mérito:

A)    Redução do crédito de imposto por dupla tributação internacional

 

A Requerente pretende a anulação da redução, operada em sede de ação inspetiva, do crédito de imposto por dupla tributação internacional feita por invocação dos art.º 90º e 91º do CIRC, no montante de € 52.137,17.

 

Conhecendo da questão:

 

Nenhuma divergência existe quanto à qualificação como royalties dos rendimentos em causa.

Existindo em vigor, à data dos factos, uma Convenção sobre Dupla Tributação entre Portugal e Cabo Verde (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 63/2000), temos que a apreciação da questão deve ser feita à luz do articulado convencional, dada a superioridade hierárquica das normas constantes de convenções internacionais relativamente às de origem interna, tal como resulta do art.º 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

 

Do articulado da referida Convenção relevam diretamente para a apreciação do caso em análise as seguintes normas

 

Artigo 12.º

Royalties

1 - As royalties provenientes de um Estado Contratante e pagas a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributadas nesse outro Estado.

2 - Todavia, essas royalties podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se a pessoa que receber as royalties for o seu beneficiário efetivo, o imposto assim estabelecido não excederá 10% do montante bruto das royalties.

As autoridades competentes dos Estados Contratantes estabelecerão, de comum acordo, a forma de aplicar este limite.

 

Artigo 23.º

Métodos (de eliminação da dupla tributação)

 

1 - a) Quando um residente de um Estado Contratante obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados no outro Estado Contratante, o primeiro Estado deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago nesse outro Estado. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nesse outro Estado.

 

Começamos por observar que, no tocante às royalties, a solução acolhida na CDT Portugal – Cabo Verde (e, também, na generalidade das convenções celebradas por Portugal) se afasta do preconizado no MOCDE, porquanto este consagra a regra da competência exclusiva do estado da residência para tributar este tipo de rendimentos[1].

Assim sendo, o problema do montante do crédito de imposto (do valor a ser deduzido pelo estado da residência, relativo ao imposto pago no estado de fonte) não se coloca, no âmbito do MOCDE, quanto às royalties. Esta constatação assume alguma relevância na análise do caso concreto, uma vez que os Comentários ao n.º 1 do Artigo 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE, em que a AT se louva para estribar o seu entendimento, não poderão ser entendidos como referindo-se ao caso das royalties, pela simples razão de que, na economia deste Modelo de Convenção, nenhuma questão de dupla tributação internacional se suscita quanto a estes rendimentos.

O “equilíbrio” entre o direito à tributação do estado da fonte e o do estado de residência, quando estão em causa convenções como a celebrada com Cabo Verde – as que consagram a competência cumulativa dos dois estados contratantes para tributar as royalties - é conseguido da forma seguinte: o estado da fonte tributará os rendimentos brutos a uma taxa, que, no máximo, não pode exceder um valor convencionalmente fixado (no caso, 10%) e o estado da residência deduzirá o valor desta coleta à do seu imposto, calculado numa base mundial, no qual se incluem os rendimentos brutos obtidos no outro país (i. e., o rendimento efetivamente obtido acrescido do imposto aí pago).

Exatamente porque é assim é que ”muitos dos estados co-contratantes, quando exportadores importantes de tecnologia, tentam a inclusão de uma taxa de retenção na fonte baixa, avançando o argumento de que suportam a dedução das despesas necessárias à produção do bem ou ao nascimento do direito que dá origem às royalties[2] “.

Nenhuma dúvida parece, pois, existir, que pelo menos no caso das royalties, o imposto pago no país da fonte, incidente sobre rendimentos brutos, é dedutível à coleta do IRC, calculada com base no rendimento mundial do sujeito passivo[3], no apuramento do qual são considerados todos os gastos fiscalmente relevantes, incluindo os originados pela produção dos rendimentos obtidos no estrangeiro.

O mesmo é dizer que, pelo menos relativamente às royalties, a parte final do art.º 23º da CDT Portugal - Cabo Verde (a importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nesse outro Estado) apenas terá aplicação no caso, improvável, de a taxa do IRC aplicável a um determinado contribuinte ser inferior à taxa a que os rendimentos foram sujeitos no estado da fonte: «a dedução máxima é equivalente à taxa do imposto do estado de residência aplicada sobre o rendimento obtido no outro estado» [4].

Esta interpretação da norma convencional é a mais conforme com o princípio da boa-fé que, nos termos do art.º 26.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, preside à interpretação dos acordos internacionais entre estados. Portugal e Cabo Verde celebraram uma CDT visando a eliminação de situações de dupla tributação internacional relativamente a rendimentos que um residente em um desses estados obtenha no outro. A total eliminação da dupla tributação internacional é a regra, o objetivo prosseguido pelas partes, pelo que é neste sentido que deverão ser resolvidas eventuais dúvidas interpretativas do articulado convencional.

Um Estado que, em razão de uma alteração posterior das suas normas internas[5], pretenda limitar, unilateralmente, o sentido e objetivos do pactuado com o outro estado contratante não estará, certamente, a cumprir com os ditames da boa-fé.

No caso concreto, encontramos, na parte final do art.º 12 da Convenção Portugal-Cabo Verde, uma disposição algo “invulgar” em termos de articulados convencionais: as autoridades competentes dos Estados Contratantes estabelecerão, de comum acordo, a forma de aplicar este limite.

Podemos admitir que este parágrafo traduza uma abertura dos estados contratantes à consagração de regras especiais na determinação do crédito de imposto a ser aplicado pelo estado de residência. Só que um tal acordo nunca existiu, pelo que a AT não o alega ao fundamentar a sua posição.

 

Acresce, como segundo fundamento do nosso entendimento, que só a dedução integral do imposto pago no estado da fonte à coleta do imposto do estado da residência, (imposto cuja matéria coletável foi calculada tendo em consideração os gastos suportados para a obtenção dos rendimentos de fonte estrangeira) permite dar total concretização ao princípio da neutralidade na exportação de capitais que o método da imputação (crédito de imposto) visa lograr[6]: o imposto total a pagar pelo sujeito passivo (a soma do imposto a ser pago nos estados da fonte e da residência) deverá ser igual ao imposto que ele pagaria caso todo o seu rendimento tivesse origem (fonte) no estado de residência.

Assim, consideramos que`, no caso concreto, não deve haver lugar à aplicação do disposto no artigo 91.º, n.º 1, al. b), desde logo porquanto a sua aplicação frustraria parcialmente o objetivo de total eliminação da dupla tributação em situações envolvendo Portugal e Cabo Verde, o objetivo principal prosseguido pela convenção subscrita pelos dois países.

Não podemos, pois, subscrever o entendimento administrativo de que o disposto nesta norma é, sem mais, aplicável quer nos casos de concessão unilateral (pela lei interna portuguesa) de crédito de imposto, quer quando exista uma CDT[7].

Tem, pois, razão a Requerente quanto a esta questão.

 

B)    Dedução dos benefícios fiscais instituídos pelo RFAI 2009 à coleta da derrama estadual do Grupo

A Requerente sustenta, em resumo, que, sendo a derrama estadual parte integrante da coleta de IRC, os créditos de imposto apurados no âmbito do RFAI podem ser deduzidos até à concorrência do valor da derrama estadual apurada pelo grupo (sujeito ao RETGS).

Isto porquanto, apesar de reconhecer que o IRC stricto sensu e a derrama estadual possuem normas de incidência distintas, entende que a sua liquidação se processa de forma única, sendo feita nos termos previstos no artigo 90.º do CIRC, cujo n.º 2 estipula que ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as deduções aí previstas (nela se incluindo a dedução referente aos benefícios fiscais) e pela ordem nela indicada, ressalvando-se que quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

Por seu lado, a AT defende, em resumo, que a dedução do RFAI 2009 só deverá ter lugar relativamente à derrama estadual apurada pela sociedade na esfera da qual se originou o benefício e não já ao somatório das derramas estaduais das várias sociedades que integram o grupo. Isto porquanto – entende a AT - a derrama estadual incide, nos termos do n.º 1 do art.º 87º-A do CIRC, sobre o lucro individual de cada uma das sociedades do grupo, ou seja, “a derrama estadual que a sociedade dominante paga não corresponde a uma derrama estadual do grupo mas sim ao somatório das derramas estaduais apuradas em cada sociedade individualmente (…) não se podendo propriamente falar de uma derrama estadual de grupo mas sim de um somatório das derramas estaduais individuais, apesar de a sociedade dominante ser responsável pelo respetivo pagamento”. “A derrama estadual não segue, pois, o mesmo regime previsto no art.º 70.º do CIRC para a determinação do lucro tributável do grupo”. “Estamos perante o somatório das diferentes coletas de derrama estadual das diversas sociedades do grupo ao qual se pretende deduzir um benefício fiscal gerado por uma única sociedade do grupo”.

Importa começar por atentar nos dispositivos legais aplicáveis.

Dispunha o n.º 1 do art.º 70.º do CIRC, na versão vigente em 2011: relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.

 

Por seu lado, o art.º 87.º-A do CIRC, aditado pela Lei n.º 12-A/2010, de 30/06, estipulava, sob a epígrafe Derrama Estadual:

1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incide uma taxa adicional de 2,5 %.

2 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a taxa a que se refere o número anterior incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

3 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º .

 

É bom de ver que o legislador previu expressamente a situação das sociedades sujeitas ao RETGS relativamente à derrama estadual. Este tributo, não obstante o seu carácter acessório relativamente ao IRC, ficou excluído do âmbito de aplicação do RETGS, uma vez que não incide sobre o lucro global de um grupo de sociedades (sobre a soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais das sociedades que o integrem), mas sim sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante.

O que bem se compreende, se atentarmos nos objetivos da Lei 12-A/2010, a qual “aprova um conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC)”.

 

É evidente que a soma dos lucros das sociedades integrantes de um grupo resultará em montante superior ao do montante da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais de tais sociedades.

Resulta, pois, claro, da letra e da ratio da lei, que à derrama estadual não são aplicáveis as regras gerais do RETGS, pelo que a existência de um grupo de sociedades é irrelevante para efeitos deste imposto.

Assim, improcede a pretensão da Requerente de deduzir o crédito de imposto relativo ao RFAI, de que é titular uma das sociedades do grupo por ela dominada, à “coleta da derrama estadual do grupo”, porquanto, pura e simplesmente, esta não existe, como bem entende a AT.

 

 

C)    Dedução dos benefícios fiscais instituídos pelo RFAI 2009 à coleta das tributações autónomas.

A Requerente pretende deduzir o crédito resultante do benefício fiscal em questão à coleta das tributações autónomas relativa ao exercício em questão (2011).

Para tal sustenta, em resumo: que as tributações autónomas “são IRC” (integram este imposto), louvando-se, para esta conclusão, em numerosa jurisprudência, quer do STA quer dos Tribunais Arbitrais (CAAD); que o n.º 1 do artigo 90.º do CIRC se refere à liquidação final de IRC, da qual consta o total do montante de imposto a pagar a este título e que inclui não só a coleta de IRC stricto sensu, mas também a derrama estadual e as tributações autónomas, pois que menciona a liquidação do IRC que se processa com base na declaração de rendimentos apresentada pelos sujeitos passivos ao abrigo do artigo 120.º do CIRC, da qual consta não apenas a matéria coletável que servirá de base ao cálculo da coleta de IRC stricto sensu, mas também o lucro tributável a partir do qual será calculada a derrama estadual na esfera de cada sociedade e os eventuais gastos aos quais serão aplicáveis as tributações autónomas.

Por seu lado, a AT sustenta, em resumo, que a lei não prevê a possibilidade de se efetuarem as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC ao montante devido a título de tributação autónoma pois, se tivesse sido essa a intenção, o legislador tê-lo-ia referido expressamente, dispondo no sentido de que as deduções em causa seriam feitas ao montante apurado nos termos do número anterior e do artigo 88.º; que visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incidem e ainda combater a evasão fiscal que algumas destas despesas, pela sua natureza, potenciam, não poderá ela mesma, através da consideração do seu montante para efeito de dedução de benefícios, constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador; que sendo certo que as tributações autónomas têm natureza de IRC, não se pode, contudo, olvidar que elas tributam despesa e não rendimento, oneram determinados encargos incorridos pelas empresas e apuram-se de forma totalmente independente do IRC, pelo que apenas lhe são aplicáveis as normas que no Código do IRC a elas diretamente se referem.

 

Apreciando:

Quanto à natureza das tributações autónomas como constituindo parte integrante do IRC, o entendimento jurisprudencial referido pela Requerente não nos merece qualquer reticência. Porém, questão diferente é saber em que se projeta tal entendimento, ou seja, a natureza das tributações autónomas não resolve, só por si, a questão em análise.

Começaremos por lembrar que tal jurisprudência visava responder a uma questão concreta: se a coleta das tributações autónomas era dedutível à coleta do IRC, o que aconteceria se “não fossem IRC”. Ou seja, não podemos retirar desta jurisprudência a conclusão que às tributações autónomas são aplicáveis, para todos os efeitos, as regras gerais do IRC.

Na realidade, são marcantes as diferenças entre o que se pretende tributar via IRC e via tributações autónomas e, ainda, a diferente intencionalidade que preside a cada uma destas tributações[8].

Assim, outros arestos, a que a Requerente faz também referência, deixaram bem claro que as tributações autónomas não partilham de algumas das características essenciais do IRC, nomeadamente que devem ser havidas como um imposto não periódico[9].

Assente que a resposta à questão sub judice não decorre diretamente da natureza das tributações autónomas, se estas “são ou não IRC”, importa recordar os preceitos legais em causa, na redação vigente em 2011.

Dispunham os n.º 1, 2 e 6 do art.º 90.º do CIRC:

 

1 — A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos: 

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

b) (…)
c) (…)

 — Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

6 — Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

 

Por seu lado, os n. 1 a 3 do art.º 3.º  da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, que instituiu o RFAI 2009, dispõem o seguinte:

 

Incentivos fiscais

1 - Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efetuem, em 2009, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:

a) Dedução à coleta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:

i) 20 % do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de (euro) 5 000 000;

ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a (euro) 5 000 000;

b) Isenção de imposto municipal sobre imóveis, por um período até cinco anos, relativamente aos prédios da sua propriedade que constituam investimento relevante;

c) Isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante;

d) Isenção de imposto do selo relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante.

2 - A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efetuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se inicie em 2009.

3 - Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de coleta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.

 

Tendo presente estes normativos, importa saber se o montante das tributações autónomas pode ser entendido como coleta de IRC para efeitos deste benefício fiscal.

Transcrevendo, com a devida vénia, do acórdão do CAAD n.º 219/2015-T[10], diremos: “Assim, a questão que interessa resolver, é, independentemente da natureza do imposto a que se referem as tributações autónomas, a de saber se o montante das tributações autónomas é «apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC», pois, se o for, terá de se concluir que, para determinar o limite da dedução, se atende à coleta proveniente das tributações autónomas.

O artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

Por isso, ele aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária nos termos do artigo 90.º do CIRC, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A sua autonomia restringe-se às taxas aplicáveis e à respetiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efetuado nos termos do artigo 90.º.

As diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o montante resultante do lucro tributável residem na determinação da matéria tributação e nas taxas, previstas nos Capítulos III e IV do CIRC, mas não nas formas de liquidação, que se preveem no Capítulo V do mesmo Código e são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matérias tributável de IRC.

Por isso, sendo para o artigo 90.º, inserido neste Capítulo V, que se remete no artigo [3.º, n.º 1, do RFAI], não se vê suporte legal para efetuar uma distinção entre a coleta proveniente das tributações autónomas e a restante coleta de IRC, pelo facto de serem distintas as taxas e as formas da determinação da matéria tributável.

(…)

Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal (….) ser limitada à coleta do artigo 90º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja coleta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas”.

Temos, portanto, que o elemento literal da norma não exclui a interpretação feita pela Requerente, pois que a dedutibilidade do benefício fiscal em causa à coleta das tributações autónomas encontra um “mínimo de correspondência verbal” no texto legislativo (art.º 9º, n.º 2, do Código Civil).

É certo que as tributações autónomas, além de terem por objetivo garantir um mínimo de coleta relativamente às sociedades que apresentem prejuízos (questão que não se coloca no caso concreto), visam reduzir a “comparticipação fiscal” em certas despesas e, eventualmente, desincentivar a sua realização, sendo que tais objetivos serão menos logrados com a possibilidade de a respetiva coleta poder ser objeto de deduções.

Mas, por outro lado, os benefícios fiscais são «medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

No confronto entre entes dois objetivos, é a própria lei que nos indica o que deve prevalecer. Os interesses públicos que determinam a criação de um benefício fiscal são, por natureza, superiores aos da tributação que impedem.

Tal é, ainda mais, manifesto relativamente aos incentivos fiscais ao investimento, uma vez que constituem uma verdadeira promessa pública, no sentido de que aos sujeitos passivos que adotarem determinados comportamentos, supostamente do maior interesse económico e social, é garantida determinada “recompensa fiscal”.

Uma interpretação da lei, não expressamente imposta pelo texto legal, que restrinja o “aproveitamento” dos benefícios fiscais em causa feriria a credibilidade das “promessas legislativas” em matéria fiscal, seria, em suma, contrária ao princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito.

Aceite a dedutibilidade à coleta das tributações autónomas dos créditos resultantes do RFAI, pergunta-se: relativamente a um grupo de sociedades sujeito ao RETGS, a dedução deverá ser feita à coleta das tributações autónomas relativa ao conjunto das sociedades do grupo ou apenas relativamente à de cada uma das sociedades que aproveitou de tal benefício fiscal?

Pensamos que a resposta decorre diretamente da lei, uma vez que o n.º 6 do art.º 90º do CIRC dispunha que quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1”.

 

              Tem, pois, razão a Requerente.

  

D)    Aplicação do artigo 92.º do CIRC 

A Requerente entende que não tem que proceder à dedução máxima permitida pelo artigo 3.º do RFAI 2009, pois considera que o n.º 2 do artigo 90.º do CIRC apenas exige que o sujeito passivo deduza parte dos benefícios fiscais a que tem direito e não a totalidade dos mesmos, pois, caso contrário, poderia perder o direito a deduzir determinados benefícios fiscais – o que poderia acontecer fruto da aplicação das regras que limitam temporalmente o reporte dos mesmos e de que o artigo 3.º n.º 3 do RFAI é um exemplo -, o que não poderia certamente ter sido a intenção do legislador.

Em concreto, do montante do RFAI 2009 que ainda permanecia disponível para dedução, a Requerente apenas pretende deduzir à coleta de IRC, relativa a 2011, a quantia suficiente para que o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º corresponda exatamente a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais.

Por seu lado, a AT entende que o legislador, ao prever a possibilidade de reporte do benefício fiscal referente ao RFAI para exercícios futuros, pressupôs que a dedução do benefício se fizesse até ao limite traçado na lei, isto é, 10% da coleta de IRC, porquanto o texto da lei (n.º 3 do art.º 3.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março) refere claramente que apenas se pode reportar o benefício que não foi deduzido por insuficiência de coleta.

Esta conclusão resultaria também - segundo a AT - do disposto no n.º 2, do artigo 90.º, do Código do IRC, uma vez que aí é referido que à coleta de IRC são efetuadas as deduções relativas à dupla tributação internacional, aos benefícios fiscais, ao pagamento especial por conta e às retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso, pela ordem indicada. Ou seja, havendo uma enumeração, fixada imperativamente em termos sequenciais, não pode o contribuinte escolher o exercício em que deduz os benefícios fiscais, de forma a evitar o ajustamento decorrente da aplicação do artigo 92.º do Código do IRC. Assim sendo, cada uma das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º deverá fazer-se pela ordem nele indicada, só se passando de uma dedução para a imediatamente seguinte no caso de ainda existir um valor remanescente de coleta, decorrente da insuficiência do montante da dedução anteriormente efetuado, pelo que a pretensão da Requerente no sentido de apenas pretende deduzir à coleta de IRC parte do montante corresponde ao RFAI, não encontra qualquer suporte no bloco legal.

Mais entende a AT, que o valor do RFAI não deduzido por força da aplicação do disposto no art.º 92.º do CIRC não pode ser reportado para os exercícios seguintes.

 

Começaremos por atentar no teor de tal norma, na redação vigente em 2011:

1- Para as entidades que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º

2- Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:
a) Os que revistam carácter contratual;

b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II);

c) Os benefícios fiscais às zonas francas previstos nos artigos 33.º e seguintes do Estatuto dos Benefícios Fiscais e os que operem por redução de taxa;

d) Os previstos nos artigos 19.º, 32.º e 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. 

 

A primeira conclusão a extrair de tal norma é a de que o benefício fiscal em matéria de IRC previsto no RFAI estava subordinado, em 2011, ao limite global de deduções à coleta então previsto no n.º 1 do artigo 92.º do CIRC.

Porém, como vem concluindo a jurisprudência arbitral, cujo entendimento sufragamos[11], “esta conclusão não basta para resolver a questão, pois a possibilidade de reporte do benefício fiscal do RFAI não afeta necessariamente o limite do artigo 92.º, n.º 1. Basta que, no ano em causa, seja utilizado o montante do benefício fiscal que, aditado aos restantes benefícios fiscais e regimes aí previstos, não ultrapasse o limite de 25% [no caso, 10%] da coleta, de forma a permitir que o imposto liquidado não seja inferior a75% [no caso, 90%] do que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º.

Isto é, se para atingir os objetivos de garantir que, em cada ano, o imposto cobrado não resulte inferior a determinada percentagem daquele que seria devido se não existissem deduções relativas a benefícios fiscais (excetuados os elencados no n.º 2 do art.º 90) basta que a dedução à coleta não exceda 25% [no caso, 10%] da coleta.

Assim sendo, não advém do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC qualquer obstáculo ao reporte de montantes dedutíveis, desde que, em cada ano, não se exceda o limite mínimo de imposto liquidado que se pretende”.

Analisemos, agora, o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do RFAI: quando a dedução referida no número anterior não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de coleta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.

“É manifesto que esta norma tem subjacente uma intenção legislativa de que os benefícios fiscais de apoio ao investimento sejam aproveitados pelos contribuintes, numa medida razoável, que serão os quatro anos subsequentes àquele em que ocorre o investimento.

Esta possibilidade de dedução nos quatro períodos subsequentes constitui uma importante garantia para o contribuinte, por aumentar as possibilidades de este usufruir integralmente do benefício fiscal, libertando-o da contingência de não haver coleta suficiente para a dedução integral no ano do investimento, a possibilidade de reporte deve ser considerada como um fator importante ou mesmo decisivo para motivar decisões de investimento.

Sendo de presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) para atingir o objetivo visado de incentivar o investimento, a referência à possibilidade de reporte em caso de insuficiência de coleta não deverá ser interpretada com o alcance de dificultar aos contribuintes usufruírem do benefício fiscal, pois o objetivo da norma é precisamente o contrário, aumentar as possibilidades de os contribuintes poderem vir efetivamente a usufruir do benefício, que legislativamente se entende ser uma contrapartida justa do investimento.

Sendo assim, numa interpretação teleológica, que permita encontrar na lei forma de assegurar os objetivos visados legislativamente e não prejudicá-los, a possibilidade de dedução deverá existir na generalidade das situações em que a coleta de IRC disponível para usufruir do benefício fiscal não seja suficiente para o seu aproveitamento integral, o que não deixa de ser uma interpretação com correspondência na letra da lei, pois do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC resulta uma diminuição da coleta disponível para usufruir de benefícios fiscais em IRC. E, por isso, quando esta coleta disponível for insuficiência para deduzir a totalidade do benefício fiscal resultante do investimento, estar-se-á perante uma situação de «insuficiência de coleta» para efeitos do artigo 3.º, n.º 3, do RFAI.

Assim, conclui-se que a posição defendida pela Requerente encontra na letra da lei, mesmo por interpretação meramente declarativa, correspondência verbal na letra do artigo 3.º, n.º 3, do RFAI, mesmo mais do que o mínimo insuficientemente expresso exigido pelo artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil. Para além disso, mesmo que fosse necessária uma interpretação extensiva, ela seria permitida pelo artigo 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, pois é claro que a intenção legislativa subjacente ao n.º 3 do artigo 3.º do RFAI é permitir ao contribuinte utilizar o benefício fiscal a que tem direito em anos subsequentes, até ao limite de quatro, quando não puder utilizá-lo em anos anteriores.

Por outro lado, esta interpretação é a que assegura congruência valorativa do sistema jurídico, pois não seria coerente admitir no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do RFAI uma dedução à coleta de IRC até 25% e, ao mesmo tempo, restringir definitivamente o benefício por via do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC.

Por isso, se é certo que as preocupações de consolidação das finanças públicas podem justificar que, em cada ano, se sobreponha a obtenção da receita mínima de IRC ao benefício fiscal, aquelas preocupações já não podem explicar que não haja a possibilidade de utilização do benefício fiscal num dos quatro anos subsequentes, se tal utilização em algum deles não afetar aquela consolidação.

Conclui-se, assim, que o benefício fiscal resultante do RFAI em matéria de IRC apenas pode ser utilizado na medida em que não ponha em causa o limite previsto no artigo 92.º, n.º 1, do CIRC, mas não se vislumbra obstáculo legal a que a parte que não seja utilizada no ano do investimento possa ser utilizada para dedução à coleta de IRC nos anos subsequentes, até ao limite previsto no n.º 3 do artigo 3.º do RFAI.

Por isso, no caso em apreço, não permitindo o limite previsto no artigo 92.º, n.º 1, do CIRC a dedução à coleta do montante total do investimento efetuado que beneficia do regime do RFAI, esta não tinha de (ou não podia) imputar todo esse investimento a esse ano, ficando sem direito a dedução na parte em que se ultrapassaria esse limite, podendo usar da faculdade prevista n n.º 3 do artigo 3.º do RFAI”[12].

 

E) Direito ao reporte para exercícios fiscais subsequentes dos benefícios fiscais obtidos ao abrigo do RFAI 2009 mas não deduzidos em consequência da aplicação do art.º 92º do CIRC.

A Requerente, na reclamação graciosa que apresentou, pedia que lhe fosse reconhecido o direito de reportar para exercícios fiscais subsequentes os benefícios fiscais obtidos ao abrigo do RFAI 2009 não deduzidos em consequência da aplicação do art.º 92.º do CIRC.

Ora, estando em causa o “reconhecimento de um direito”, tal pedido não cabe na competência, em razão da matéria, que a lei atribui aos tribunais arbitrais (CAAD) em matéria tributária, pois apenas lhes conferiu os poderes de cognição que os tribunais tributários estaduais exercem nos processos de impugnação, quais sejam, nomeadamente, os de conhecer da legalidade das liquidações, juros indemnizatórios e indemnização por prestação de garantia indevida. Ou seja, o conhecimento de pedidos que, nos tribunais estaduais, devam ser tramitadas por outras formas processuais, - no caso, uma ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido - não está incluído na competência que a lei atribuiu aos tribunais arbitrais em matéria tributária (art.º 2 do RJAT).

Não pode, pois, este tribunal arbitral conhecer de tal pedido[13].

 

            F) Juros indemnizatórios

A Requerente peticiona a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao montante do imposto que, havendo ganho de causa, lhe deva ser reembolsado[14], pois tendo a autoliquidação sido efetuada com base em orientações genéricas da AT - segundo alega - e a liquidação adicional ora impugnada praticada pelos próprios serviços, está em causa um erro imputável aos serviços, o que dá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT

Por seu lado, a AT entende que inexistindo erro na autoliquidação imputável à AT e tendo a AT proferido a sua decisão antes de decorrido o prazo de 1 ano após o pedido, não existe qualquer fundamento legal para pedir os juros indemnizatórios peticionados pela Requerente ao abrigo do art.º 43º da LGT.

Cumpre começar por deixar claro que o que está em causa é uma liquidação adicional, promovida pela AT e não um erro na autoliquidação.

Assim sendo, estamos perante uma situação de anulação parcial, por ilegalidade, de um ato administrativo de liquidação “puro”.

Dispõe o art.º 43º, n.º 1, da LGT que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

É entendimento pacífico que o erro dos serviços ao procederem a uma liquidação se considera verificado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação, salvo se tal erro for imputável ao sujeito passivo (o que não é o caso).

 Nenhuma dúvida oferece que os tribunais arbitrais do CAAD têm a mesma competência que os tribunais estaduais em matéria de processos de impugnação e que as decisões arbitrais são equiparadas às decisões daqueles.

Também não nos oferece dívidas que a exigência de um pagamento excessivo de imposto equivale economicamente à decisão de efetuar um reembolso inferior ao devido, sendo que a função dos juros indemnizatórios, é a de compensar a forçada improdutividade das importâncias de que o sujeito passivo ficou privado.

Pelo que tem a Requerente direito ao pagamento de juros indemnizatórios relativamente à quantia que, ilegalmente, não lhe foi reembolsada, a calcular à taxa legal desde a data em que tal reembolso deveria ter acontecido (art.º 104º, n.º 6 do CIRC).

 

Pelo exposto, os árbitros que constituem o presente Tribunal Arbitral acordam em:

 

A)    Anular parcialmente o despacho que decidiu pelo indeferimento total do pedido de reclamação graciosa formulado pela Requerente;

B)    Anular parcialmente a liquidação impugnada, a qual deve ser reformulada como se segue:

B1) Aceitação, como dedução à coleta, de um crédito de imposto por dupla tributação internacional de € 52.137,17, montante que acresce ao já reconhecido a tal título;

B2) Aceitação da dedução dos benefícios fiscais instituídos pelo RFAI 2009 à coleta das tributações autónomas do grupo, sujeito ao RETGS, encabeçado pela Requerente;

B2) Relativamente ao montante do RFAI 2009 que ainda permanecia disponível para dedução em 2011, a dedução à coleta de IRC do grupo (incluindo a coleta das tributações autónomas) deverá ser apenas na quantia suficiente para que o valor do imposto a pagar corresponda a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais.

C)    Não conhecer do pedido de reconhecimento do direito ao “reporte para os exercícios fiscais subsequentes dos benefícios fiscais obtidos ao abrigo do RFAI 2009 não deduzidos em consequência da aplicação do art.º 92.º do CIRC”.

D) Condenar a Requerida, Administração Tributária e Aduaneira, no pagamento de juros indemnizatórios, a calcular sobre o montante de imposto indevidamente não reembolsado, às taxas legais aplicáveis, contados desde a data limite em que tal reembolso deveria ter tido lugar.

C)    Julgar improcedentes os demais pedidos.

 

Fixa-se o valor da causa em € 151.824,09.

As custas do processo (taxa de arbitragem) são da integral responsabilidade da Requerente (art.º 5º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

 

 

Lisboa, 25 de janeiro de 2016

 

Rui Duarte Morais

 

 

 

António Martins

 

 

 

Rodrigo de Castro

 

 

 



[1] Artigo 12.º do MOCDE (Royalties): 1. As royalties provenientes de um Estado contratante e pagas a um residente do outro Estado contratante só podem ser tributadas nesse outro Estado.

[2] Maria Margarida Cordeiro de Mesquita, As Convenções sobre Dupla Tributação, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 179, 1988, pág. 203.

A Autora considera que a fixação de taxas de 10% como limite máximo do imposto passível de ser cobrado pelo estado da fonte corresponde ao interesse dos estados que, no contexto bilateral, sejam “exportadores importantes de tecnologia”. Tal é – acrescentamos nós – o caso de Portugal relativamente a Cabo Verde.

[3] Assim era, obrigatoriamente, no quadro legal vigente antes da reforma do IRC de 2014.

[4] Maria Margarida Cordeiro de Mesquita, cit., pág. 290.

[5] O que seria o caso, pois a CDT Portugal – Cabo Verde data de 2000 e a consideração dos gastos suportados para a obtenção do rendimento de fonte estrangeira (hoje constante da al. b) do n.º 2 do art.º 91.º-A do CIRC), foi introduzida, ainda que com diferente redação, pela Lei 39-A/2005, de 29 de Julho.

[6] Por todos, Rui Duarte Morais, Imputação de Lucros de Sociedades Não Residentes…., 2005, pág. 146-151.

[7] O entendimento administrativo que, também no presente processo, é feito do disposto no artigo 91.º, n.º 1, al. b), do CIRC aparece explicitado no relatório que Maria dos Prazeres Lousa apresentou ao Congresso da IFA de 2011,em Paris, o qual se encontra publicado em Cahiers de Droit Fiscal International, vol. 96b, pág. 541 a 550. Não cumpre aqui apreciar da substância de tal entendimento que, em vários aspetos, entendemos não ser de subscrever.

[8] As “diferenças” entre a tributação em IRC stricto sensu e as tributações autónomas aparecem claramente explicitadas por Fernando Carreira de Araújo e António Fernandes de Oliveira em «A dedutibilidade em IRC dos encargos fiscais com as tributações autónomas», Cadernos de Justiça Tributária, n.º 3, 2014, pág. 3 a 19.

O facto de os Tribunais terem considerado – cremos que bem – que a coleta das tributações autónomas não era dedutível à coleta do IRC (questão entretanto expressamente resolvida por via legislativa) não “apaga” tais diferenças.

[9] Cfr. Paula Rosado Pereira, «Novamente a questão da retroactividade da lei fiscal no campo da tributação autónoma de encargos: comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo nº 0281/11, de 6 de julho de 2011, 2ª secção», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Coimbra, ano IV, n.º 3 (2011), pág. 267 a 284.

 

[10] Árbitros: Jorge Lopes de Sousa; Vasco Valdez; Maria Isabel Guerreiro.

[11] Ac. CAAD n.º 693/2014, árbitros Jorge de Sousa, Henrique Nogueira Nunes e Nuno Pombo.

[12] Ibidem.

[13] No mesmo sentido o Ac. CAAD n.º 693/2014, árbitros Jorge de Sousa, Henrique Nogueira Nunes e Nuno Pombo.

[14] Reembolso que acrescerá ao já efetuado.