Decisão Arbitral
I. Relatório
1. No dia 15-06-2015, a sociedade A..., S. A., NIPC..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2014... e, por via disso, do acto de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativo ao ano de 2011.
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, notificando as partes.
3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:
4.1 A Requerente é um sujeito passivo de IRC que exerce, a título principal, a actividade de produção de medicamentos e, a título complementar, a actividade de comércio por grosso de produtos farmacêuticos e a actividade de fabricação de perfumes, cosméticos e produtos de higiene.
4.2 No decurso do exercício de 2011, a Requerente efectuou investimentos no montante global de € 4.057.983,75 nas suas instalações produtivas, localizadas no Concelho de... .
4.3 Daquele valor, a Requerente investiu a quantia de € 235.269,68 em activo imobilizado corpóreo adquirido em estado novo (não correspondente a terrenos, a edifícios — excepto instalações fabris —, a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, a mobiliário, a artigos de conforto ou decoração, a equipamentos sociais, ou a outros bens de investimento que não estejam directa ou imprescindivelmente associados à sua atividade produtiva).
4.4 Em 22 de maio de 2012, a Requerente submeteu a sua (primeira) declaração modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2011.
4.5 Na referida declaração modelo 22 de IRC, a Requerente registou uma matéria coletável não isenta de € 747.636,27 e uma colecta de € 185.346,57.
4.6 Por outro lado, a Requerente não registou naquela declaração qualquer dedução à colecta, tendo, portanto, liquidado IRC no montante — igual à colecta — de € 185.346,57.
4.7 A este valor, a Requerente deduziu (i) as retenções na fonte sofridas ao longo do exercício, no valor de € 53.650,15; e (ii) os pagamentos por conta efetuados, no montante de € 43.314, e acresceu (i) a derrama municipal, no valor de € 9.420,22; e (ii) as quantias devidas a título de tributações autónomas, no montante de € 7.900,02.
4.8 Em resultado, a Requerente apurou um total a pagar, a título de imposto, de € 105.702,66.
4.9 Nesta sequência, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação correspondente à liquidação de imposto n.º 2012 ... e efectuou o pagamento do valor total a pagar de € 105.702,66.
4.10 Posteriormente, em 18 de outubro de 2012, a Requerente e o Estado Português, representado pelo ..., I.P. –..., IP, celebraram um contrato fiscal de investimento, ao abrigo do disposto no artigo 41.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais e do artigo 9.º do Código Fiscal do Investimento, na redacção então em vigor.
4.11 De acordo com o referido contrato fiscal de investimento, a Requerente adquiriu o direito a deduzir à coleta de IRC dos exercícios de 2011 e de 2012 o valor correspondente a 15% das aplicações relevantes efetivamente realizadas naqueles períodos, até ao limite máximo de € 735.063,15.
4.12 Consequentemente, em resultado das aplicações relevantes que haviam sido realizadas no decurso do ano de 2011, a Requerente obteve o direito a deduzir à colecta do exercício de 2011 o valor de € 183.765,79.
4.13 Em 15 de outubro de 2013, a Requerente submeteu, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 122.º do Código do IRC, uma declaração modelo 22 de IRC de substituição referente ao exercício de 2011.
4.14 Nesta declaração de substituição, a Requerente manteve os valores anteriormente registados a título de (i) matéria colectável não isenta; (ii) colecta; (iii) retenções na fonte; (iv) pagamentos por conta; (v) derrama; e (vi) tributações autónomas e deduziu à colecta o indicado valor de € 183.765, correspondente aos mencionados benefícios fiscais de natureza contratual.
4.15 Em resultado, verificou-se (i) uma redução do IRC liquidado, de € 185.346,57 para € 1.580 e, consequentemente, (ii) o apuramento de um total a recuperar de € 78.063,13, em vez de um total a pagar de € 105.702,66.
4.16 Na sequência da declaração de substituição, a Requerente: (i) foi notificada da demonstração de liquidação correspondente à liquidação n.º 2014...; e (ii) foi reembolsada do montante de € 183.765,79, correspondente ao total a recuperar inscrito na declaração de substituição (€ 78.063,13) acrescido do montante que havia sido pago pela Requerente tendo por referência a autoliquidação originária, de maio de 2012 (€ 105.702,66).
4.17 Entretanto, já após a submissão da referida declaração de substituição, a Requerente procedeu a uma revisão interna de procedimentos, relativamente ao período de tributação de 2011, tendo concluído, nesse âmbito, que aquela declaração fiscal não reflectiu, como devia, a totalidade das deduções a que a Requerente tem direito, em concreto não reflectiu o benefício fiscal — previsto no artigo 3.º do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (doravante designado «RFAI») — decorrente do investimento descrito no artigo 5.º do presente requerimento inicial, consubstanciado no direito da Requerente a deduzir à colecta de IRC de 2011, e até à concorrência de 25% da mesma, o valor correspondente a 20% do montante de € 235.269,68 investido na referida aquisição de ativo imobilizado corpóreo, ou seja, in casu, o direito a deduzir o montante de € 46.336,64.
4.18 Em 22 de maio de 2014, a Requerente deduziu uma reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC do ano de 2011.
4.19 Em 7 de novembro de 2014, a Administração tributária notificou a Requerente do projeto de decisão de indeferimento e, bem assim, da informação elaborada no âmbito da reclamação graciosa.
4.20 Em reacção, a Requerente exerceu, em 14 de novembro de 2014, o seu direito de audição prévia, defendendo, no essencial, que o resultado da liquidação a considerar nos termos do disposto no artigo 92.º do Código do IRC é de € 1.422,70 e não — como entendeu, erradamente, a Administração tributária — de € 41.702,97.
4.21 Não obstante, por decisão do Senhor Diretor de Finanças de..., de 12 de dezembro de 2014, a reclamação graciosa apresentada pela Requerente foi julgada indeferida.
4.22 Não se tendo conformado com a mencionada decisão de indeferimento, em 14 de janeiro de 2015 a Requerente interpôs recurso hierárquico da mesma para a Senhora Ministra do Estado e das Finanças, tendo, nesse âmbito, procurado demonstrar, uma vez mais, o manifesto erro incorrido pela Administração tributária.
4.23 Não tendo a Requerente sido notificada, até à presente data, de qualquer decisão ou projeto de decisão referente ao indicado recurso hierárquico, vem a mesma requerer a declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação do IRC de 2011 e, bem assim, das decisões de indeferimento que o manteve na ordem jurídica.
4.24 A Requerente considera que a Administração tributária laborou em manifesto erro de direito, sendo a decisão de indeferimento, por essa razão, ilegal.
4.25 Com efeito, o artigo 92.º do Código do IRC, na redação em vigor em 2011 impõe que se compare — para efeitos de apuramento do resultado da liquidação — o imposto que existiria se a Requerente não usufruísse do benefício fiscal previsto no RFAI (em que o benefício fiscal contratual pode ser utilizado integralmente), daquele que resulta da utilização do benefício fiscal previsto no RFAI (em cujo contexto o benefício fiscal de natureza contratual apenas pode ser utilizado em parte).
4.26 Considera, por isso, a Requerente que o resultado da liquidação, determinado pelo artigo 92.º do Código do IRC, corresponde a 90% do imposto que seria liquidado se a Requerente se limitasse a deduzir apenas o benefício fiscal de natureza contratual (caso em que este seria totalmente aproveitado no exercício de 2011 e o valor global deduzido à colecta seria de € 183.346,57).
4.27. Uma vez que a Requerente preenche os requisitos previstos no artigo 3.º, n.º 1, do RFAI, para beneficiar do regime de apoio ao investimento previsto nesse diploma.
4.28 Tem a Requerente o direito de deduzir à colecta de IRC, até à concorrência de 25% da mesma, (i) 20% do valor de determinados investimentos realizados em regiões elegíveis para apoios estatais de finalidade regional, até ao montante de investimento de € 5.000.000,00; e (ii) 10% do valor desses mesmos investimentos, relativamente à parte que exceda os referidos € 5.000.000,00 [cf. artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do RFAI].
4.29 São elegíveis para esse efeito, os investimentos afectos à exploração da empresa, que não estejam na origem de outros benefícios fiscais da mesma natureza, que proporcionem a criação líquida de postos de trabalho, a manter pelo menos até ao fim do quarto exercício posterior (cf. artigo 2.º, n.ºs 2 e 3 e artigo 6.º do RFAI) e que tenham um dos destinos previstos nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 2º do RFAI.
4.30 O montante do investimento relevante a ter em conta corresponde ao valor das «adições, verificadas [no] exercício, de imobilizações corpóreas», excepto na medida em que as tais adições resultem de transferências de imobilizado em curso transitado de exercícios anteriores e não corresponderem a adiantamentos; e «bem assim, [do] que, tendo a natureza de ativo corpóreo e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições às imobilizações em curso» (cf. artigo 2.º, nºs 5 e 6, do RFAI).
4.31 Em princípio, a dedução à colecta de IRC acima descrita é efectuada na liquidação referente ao exercício em que os investimentos são efetivamente realizados (cf. artigo 3.º, n.º 2, do RFAI).
4.32 Se, porém, se verificar que a colecta desse exercício é insuficiente para absorver a totalidade do benefício fiscal, a parte não deduzida pode ainda sê-lo, nas mesmas condições, numa (ou em várias) das liquidações dos quatro exercícios posteriores (cf. artigo 3.º, n.º 3, do RFAI).
4.33 Finalmente, no que respeita aos deveres acessórios a cumprir por parte das entidades beneficiárias, o RFAI impõe aos respetivos beneficiários que disponham de documentação que identifique discriminadamente os investimentos relevantes e o respetivo montante e que evidencie o cálculo do benefício fiscal e da inexistência de dívidas ao Estado e à Segurança Social (cf. artigo 4.º do RFAI).
4.34 A Requerente é um sujeito passivo de IRC que se dedica, a título principal, a uma atividade económica enquadrável nas categorias previstas no citado artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RFAI.
4.35 No decurso do ano de 2011, a Requerente efectuou elevados investimentos nas suas instalações produtivas, dos quais € 235.269,68 correspondem a investimentos relevantes de acordo com a definição que resulta dos artigos 2.º, nºs 2 e 3, e 6.º do RFAI.
4.36 E a Requerente cumpriu todos os deveres acessórios a que está adstrita, nos termos do disposto no artigo 4.º do RFAI.
4.37 Considera, por isso, a Requerente que, de acordo com o disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do RFAI, teria, em abstrato, o direito a deduzir à colecta de IRC do exercício de 2011 um valor equivalente a 20% daquele investimento relevante, ou seja, € 47.053,94.
4.38 Como, todavia, aquele valor de € 47.053,94 é (ligeiramente) superior a 25% da colecta de IRC do exercício de 2011, a dedução em causa não pode ser totalmente efetuada na autoliquidação referente a esse exercício.
4.39 Assim, como decorre do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1, alínea a), 2 e 3, do RFAI, a dedução deve ser repartida da seguinte forma:
i) o montante de € 46.336,64 (quarenta e seis mil, trezentos e trinta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) — correspondente a 25% da coleta de IRC de 2011 deve ser deduzido na autoliquidação referente a esse período; e
ii) o valor remanescente — de € 717,30 — deve ser deduzido à colecta de um (ou, parcialmente, de vários) dos quatro exercícios posteriores, desde que a colecta registada nesses períodos o permita.
4.40 Nestes termos, impõe-se concluir pela existência do direito da Requerente à dedução à colecta do IRC de 2011 dos benefícios fiscais do RFAI, no montante de € 46.336,64.
4.41 Como decorre do citado artigo 92.º, n.º 1, do Código do IRC, na redação aplicável em 2011, o imposto liquidado não pode ser inferior a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de alguns benefícios fiscais (encontram-se, por exemplo, excluídos desta correção, entre outros, os benefícios com caráter contratual – cf. artigo 92.º, n.º 2, do Código do IRC).
4.42 Nestes termos, tendo em conta que, os benefícios decorrentes da aplicação do RFAI integravam a previsão do artigo 92.º, n.º 1, do Código do IRC, impõe-se que se compare — após a respetiva dedução à colecta — (i) o resultado então alcançado com (ii) aquele que teria sido apurado, no seu caso concreto, se a dedução não tivesse sido realizada.
4.43 Se não tivesse o direito a deduzir o referido montante de € 46.336,64, correspondente aos benefícios do RFAI, a Requerente deduziria, naturalmente, a totalidade do valor de € 183.346,57, correspondente aos benefícios fiscais de caráter contratual (e não apenas € 139.009,93).
4.44 Conclui assim a Requerente o seguinte: (i) o valor da coleta apurada em 2011 é de € 185.346,57; (ii) o valor dos benefícios fiscais do RFAI é — na medida em que se encontra limitado a 25% da coleta — de € 46.336,64 (quarenta e seis mil, trezentos e trinta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos); (iii) o valor dos benefícios fiscais de caráter contratual é de € 183.765,79.
4.45 Neste sentido, o montante total a deduzir — correspondente, naturalmente, ao total da colecta (€ 185.346,57) — é composto, em primeiro lugar, pelo valor de € 46.336,64, correspondente aos benefícios fiscais do RFAI, e, depois, até à concorrência da colecta de 2011, pelo valor dos benefícios fiscais de carácter contratual, ou seja, pelo valor € 139.009,93.
4.46 Paralelamente, o imposto que seria liquidado caso a Requerente não usufruísse dos benefícios fiscais do RFAI ascenderia a € 1.580,78.
4.47 Assim, o imposto a liquidar, nos termos do disposto do artigo 92.º, n.º 1, do Código do IRC, é de € 1.422,70 (correspondente a 90% do imposto — no referido montante de € 1.580,78 — que seria liquidado caso a Requerente não usufruísse do benefício fiscal previsto no RFAI) e que, nessa medida, o valor a reembolsar é de € 158,08.
4.48 Verifica-se assim um erro da Administração tributária na decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa.
4.49 Com efeito, a Administração tributária, ao invés de comparar o resultado decorrente da usufruição de benefícios fiscais do RFAI com aquele que obteria sem a utilização desses benefícios, comparou, em clara violação ao disposto no artigo 92.º do Código do IRC, dois cenários idênticos: comparou o imposto resultante da utilização do direito à dedução dos benefícios fiscais do RFAI com o imposto que resultaria da utilização desses mesmos benefícios.
4.50 Em consequência, a Administração tributária alcançou um resultado absurdo: a utilização do benefício fiscal do RFAI em vez de dar origem, como seria adequado, a uma redução de imposto a pagar, redunda num aumento da carga fiscal, correspondente a um adicional de imposto de € 40.122,20.
4.51 Para além disso, a decisão de indeferimento ora contestada contraria a orientação administrativa constante da Circular n.º 6/2013, do Senhor Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira
5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu nos seguintes termos:
5.1 Conforme consta do ponto 2 da petição de recurso hierárquico, na reclamação graciosa apresentada pretendia a Requerente ver reconhecidas as seguintes correcções à autoliquidação:
i) «o crédito fiscal ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”) relativamente aos investimentos realizados em 2011, no montante total de € 47.053,94, com a consequente aceitação da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC de substituição relativa ao período de tributação de 2011, para reconhecimento desse crédito fiscal»;
ii) «o reembolso do montante de € 158, 08 relativo ao IRC liquidado em excesso no período de tributação de 2011», e,
iii) «o reporte dos créditos fiscais do IRC relativos ao RFAI e ao Benefício Fiscal Contratual (“BFC”) que, por insuficiência de colecta, não foram passíveis de aproveitamento integral no período de tributação de 2011».
5.2 Deve ressalvar-se que certamente resulta de lapso a menção ao reconhecimento do crédito de RFAI, relativamente aos investimentos realizados em 2011 «com a consequente aceitação da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC de substituição relativa ao período de tributação de 2011, para reconhecimento desse crédito fiscal – cfr. al. i);
5.3 Da declaração de substituição apresentada constava, antes, o crédito fiscal proveniente de benefício fiscal contratual, e não constava qualquer crédito respeitante ao RFAI.
5.4 No projecto de decisão da reclamação graciosa, notificado para efeitos do exercício de direito de audição, expendeu-se:
«A Reclamante (…) pode beneficiar do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (…) [e]fectuou investimentos relevantes, elegíveis para efeitos do RFAI (…) [o] montante do benefício requerido pela reclamante não está cumulado, relativamente ao mesmo investimento, com outros benefícios, nomeadamente os constantes do Contrato Fiscal de Investimento celebrado em 2012/10/18 (…)
Considerando que a reclamante tem direito ao valor de € 46.336,64 relativo ao benefício fiscal do RFAI no exercício de 2011, atendendo ao limite do art. 92º do CIRC, o valor a considerar no resultado da liquidação (campo 371 da declaração de rendimento modelo 22) será de € 41.702,97 e não o valor de € 1.422,70 indicado pela reclamante».
5.5 E na decisão final da mesma reclamação consta: «Pretendendo a reclamante efectuar correcções à sua declaração de rendimentos modelo 22 de IRC de substituição referente ao período de tributação de 2011, considerando-se o crédito fiscal do RFAI no montante de € 46.336,64 e o crédito fiscal relativo ao benefício fiscal contratual no montante de € 139.009,93, o resultado da liquidação tem de ter em consideração o nº 1 do art. 92º do CIRC», e continua efectuando a demonstração matemática da liquidação, com os valores decorrentes da petição de RG, nos termos que aqui se dão por reproduzidos e que resultam € 41.702,94.
5.6 Como consta da mesma decisão: «O resultado da liquidação, por aplicação do art. 92º do CIRC, não poderá ser o valor indicado pela reclamante de € 1.422,70 (1580,78 IRC liquidado na declaração de substituição entregue * 90%)».
5.7 Pois, como explicitamente se escreveu «Não pode a reclamante partir do IRC liquidado na sua declaração de substituição, para calcular a aplicação do nº 1 do art. 92º do CIRC, uma vez que em tal declaração foi considerado o valor total do benefício fiscal contratual para efeitos de cálculo do imposto e não o valor pretendido de € 139.009,93».
5.8 Conforme se depreende do cotejo entre os pedidos formulados no âmbito da reclamação graciosa e o que foi decidido naquele meio de justiça administrativa, resulta que foi reconhecido à Requerente o direito a deduzir o valor de 46.336,64, a título de RFAI, relativamente ao exercício de 2011.
5.9 E não foi reconhecido o reembolso do montante de € 158, 08, relativo ao IRC pretensamente liquidado em excesso no período de tributação de 2011, em virtude da aplicação do limite do art. 92º do CIRC.
5.10 Resulta também que a Requerente pretendeu e pretende reportar os créditos fiscais de RFAI e de benefício fiscal contratual (doravante BFC) que não sejam susceptíveis de utilização em 2011 por insuficiência de colecta.
5.11 Sendo que forçosamente seriam diferentes os valores a reportar, consoante se aceitasse, ou não, a dedução a título de RFAI;
5.12 Em vista de dever ser feita prioritariamente a dedução a título de RFAI, por ter um prazo de dedução mais curto.
5.13 Veja-se que, o valor peticionado na reclamação graciosa para efeitos de utilização como dedução à colecta de 2011, a título de BFC, é de € 139.009,93;
5.14 Não o de € 183.765,79, indicados na autoliquidação (de substituição) reclamada.
5.15 E veja-se que a reclamante, agora Requerente arbitral, pretende o reconhecimento do direito a reportar o montante remanescente de BFC, por via da utilização prioritária do crédito de RFAI.
5.16 Em momento algum se registando, antes pelo contrário, renunciar a Requerente a tal reporte.
5.17 No entanto, concomitantemente, o que a então Reclamante pretendia e agora pretende é aplicar a limitação do art. 92º ao resultado da liquidação efectuada nos termos da declaração modelo 22 de substituição de 15.10.2013, na qual deduziu € 183.765,79, a título de BFC.
5.18 Sendo certo a aceitação da dedução de € 46.336,64, a título de RFAI, implica a redução da dedução de BFC, do valor de € 183.765,79, constante da referida modelo 22 de substituição, para o de €139.009,93, constante da petição da reclamação graciosa, por insuficiência de colecta.
5.19 O que significa que, aceitando a Administração Fiscal a dedução de RFAI pretendida, tal implica o reporte de € 46.336,64 (a diferença entre € 183.765,79 e €139.009,93), a título de BFC para os exercícios seguintes.
5.20 Valor não considerado (obviamente) na autoliquidação reclamada, nos termos da modelo 22 de substituição apresentada.
5.21 Por outro lado, também não se compreende a referência feita ao reconhecimento do «crédito fiscal ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”) relativamente aos investimentos realizados em 2011, no montante total de € 47.053,94, com a consequente aceitação da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC de substituição relativa ao período de tributação de 2011, para reconhecimento desse crédito fiscal»,
5.22 Uma vez que, conforme resulta da PI e do PA, a declaração de substituição apresentada foi aceite e, como consequência, foi determinado o valor a reembolsar de € 183.765,79.
5.23 Acontecendo, porém, que, depois de ser reembolsada, entendeu a ora Requerente apresentar RG invocando erro na autoliquidação, por não ter sido considerada nesta declaração de substituição qualquer valor a título de RFAI.
5.24 Assim, a controvérsia a dirimir pelo Tribunal Arbitral constituído consiste em determinar a forma de operação do limite imposto pelo art. 92º do CIRC, na redacção aplicável, no caso dos autos.
5.25 Isto é, a questão decidenda consiste em saber se o limite do art. 92º deve considerar os diferentes valores de colecta, conforme se utilize o benefício fiscal contratual € 183.765,79, constante da autoliquidação reclamada, o qual não virá, em caso de reconhecimento do direito à dedução de RFAI, a ser integralmente utilizado,
5.26 Ou antes, o de € 139.009,93 de benefício fiscal contratual, peticionado pela Reclamante, em caso de deferimento da pretensão a ver reconhecido o direito à dedução de € 46.336,64, a titulo de RFAI.
5.27 E que veio, efectivamente, a ser tido em conta na liquidação, em vista de ter sido deferido o direito à dedução de RFAI pelo valor de € 46.336,64.
5.28 E isto tendo em conta que o direito a reportar para as liquidações dos exercícios seguintes os créditos fiscais sobrantes, quer tenham sido reconhecidos a título de RFAI, quer a título de BFC, embora digam respeito a outros períodos de tributação, e portanto sejam estranhos à autoliquidação reclamada, neste sentido, são relevantes – crê-se – para a resolução do presente diferendo.
5.29 O RFAI constitui um benefício fiscal ao investimento em activos fixos tangíveis e activos fixos intangíveis, sendo que o artigo 2.º da lei que regula o RFAI atrás referida, nos números 2 a 6, define o âmbito de aplicação do regime ao nível do tipo de investimentos elegíveis e não elegíveis e das condições exigidas para que os sujeitos passivos de IRC possam beneficiar do incentivo fiscal em questão, sendo que, o artigo 3.º n.º 1 consagra a forma de cálculo do benefício fiscal.
5.30 De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do RFAI, este benefício fiscal, consiste numa “dedução à colecta de IRC”, sendo que a dedução se faz “até à concorrência de 25% da mesma”.
5.31 Assim, no caso concreto, o limite máximo da dedução a título de RFAI, em 2011, é de € 46.336,64 (25% x € 185.346,57).
5.32 Refere ainda o n.º 3 do artigo 3.º do RFAI que, quando a dedução “não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatros exercícios seguintes”.
5.33 Dado que a dedução é efectuada na liquidação respeitante ao período de tributação em que o investimento foi realizado, no caso concreto, em 2011, a dedução a efectuar será de € 46.336,64 - conforme decidido na reclamação graciosa.
5.34 Advém da própria natureza do benefício em causa o estabelecimento de vários limites à dedução à colecta dos montantes investidos, que têm a ver com os montantes investidos e com a região onde são realizados os investimentos, situação que pode conduzir a que a totalidade dos mesmos não possam ser deduzidos à colecta do ano em que foram realizados.
5.35 Ora, neste caso, a lei ainda permite a possibilidade do seu reporte.
5.36 Ademais, se de acordo com as normas do RFAI a requerente não puder deduzir à colecta no ano de 2011 determinado montante de investimentos realizados, então poderá deduzi-los até ao limite dos 4 exercícios posteriores.
5.37 Se, nesses períodos, ainda não tiver colecta suficiente para os deduzir, então perderá essa possibilidade.
5.38 Como decorre cristalinamente do teor da norma aplicável ratione temporis, uma vez que o RFAI não estava previsto nas exclusões registadas no nº 2 do art.º 92.º do CIRC, em vigor em 2011, é-lhe aplicável o disposto no nº 1 da mesma norma.
5.39 Não tendo o legislador, até à alteração do artigo realizada através do Decreto-Lei nº 82/2013, expressamente incluído o RFAI na norma constante do artigo 92º, nº 2 (como fez no caso do SIFIDE), só se pode concluir que isso resulta de uma opção em termos de política económica e financeira, especialmente se considerarmos que se trata de benefícios que foram sendo por si sucessivamente prorrogados sem qualquer rectificação da redacção do mencionado artigo, bem como que, da alteração do artigo operada pela Lei nº 82/2013, de 17 de Junho, não resulta que esta tenha sido introduzida com carácter interpretativo.
5.40 Serão excluídos desse cotejo os valores efectivamente deduzidos à colecta a título de BFC.
5.41 Certamente não o são os valores que tinham sido deduzidos mas – por erro do sujeito passivo – já não serão dedutíveis na íntegra e passarão a ser reportados para exercícios futuros!
5.42 Pois, vemos que o total de deduções à colecta consideradas pelo sujeito passivo na autoliquidação reclamada foi de € 183.765,79, a título de BFC;
5.43 Tendo apurado um IRC liquidado € 1.580,78, em virtude de ter considerado o referido valor de dedução à colecta de € 183.765,79 – integralmente respeitante a BFC.
5.44 Vemos que a fundamentação do deferimento parcial da RG reconduz-se à aplicação da norma de limitação à usufruição de benefícios fiscais constante do art. 92º do CIRC, em face das alterações às deduções à colecta peticionadas pela então reclamante.
5.45 O art. 92º do CIRC, introduzido pela Lei do OE para 2005, insere-se no capítulo referente à forma de liquidação de imposto e foi criado tendo em vista limitar os efeitos potencialmente negativos que os benefícios fiscais possam ter sobre a liquidação de imposto, donde, no essencial, tal artigo pretende criar um tecto mínimo de IRC a pagar, em cada ano.
5.46 Na versão inicial de 2005 e até 2009, a percentagem mínima era de 60%, com o OE para 2010 o limite foi elevado para 75% e com o OE para 2011, para 90%.
5.47 Assim, estamos perante uma norma referente à determinação da colecta que alterou, nos anos de 2010 e no aqui em causa de 2011, o limite efectivo de tributação, que tem a ver com o montante, quantum, do imposto a pagar.
5.48 Sobre o objectivo que presidiu à instituição de uma regra de limitação global dos benefícios fiscais, no artigo 86.º (entretanto renumerado para art.º 92.º) do Código do IRC, as notas justificativas inseridas nos Relatórios que acompanharam as propostas de Lei do OE para 2005 e para 2011, dão conta de dois tipos de motivações:
i) alargar a base de incidência do IRC, e
ii) garantir maior equidade no tratamento fiscal das empresas que usufruem de benefícios fiscais e aquelas que não usufruem.
5.49 Temos, pois, que a motivação que esteve na origem, do que numa primeira análise se poderia afigurar como uma medida exclusivamente relacionada com arrecadação de receita fiscal (pela via da limitação da despesa fiscal), ganhou entretanto uma nova dimensão: pretendeu-se igualmente alcançar o alinhamento do normativo fiscal português com as boas práticas de concorrência fiscal internacional (entre Estados), prosseguidas na OCDE e na União Europeia.
5.50 Por outro lado, deve notar-se também que a norma do art. 92º do CIRC tem a finalidade de limitar a aplicação de todos os benefícios fiscais (não expressamente excluídos) e não só do RFAI.
5.51 Ora, se se subscrevesse o entendimento da Requerente, o efeito pretendido pelo legislador, no sentido de impor limites à dedução dos benefícios à colecta e assim garantir uma colecta mínima, acabaria por ser totalmente neutralizado.
5.52 Bastaria declarar primeiro uma colecta insignificante e depois reclamar da autoliquidação, pedindo a utilização de uma fracção dos benefícios excluídos do limite (e o reporte do remanescente), ainda assim se calculando o limite sobre o valor primeiramente declarado!
5.53 Sustenta a Requerente que, sem prejuízo de a colecta não ser passível de absorver na sua globalidade o benefício do RFAI relativo ao exercício de 2011, acrescido do valor total de benefício fiscal contratual, pelo que os valores remanescentes serão reportados para exercícios futuros (como expressamente pediu na reclamação graciosa e no recurso hierárquico).
5.54 Não obstante tudo isto, para base de cálculo do limite do art. 92º do CIRC pretendia a Reclamante e ora Requerente que deveria ser tida em conta a colecta resultante da consideração do valor integral do benefício fiscal contratual como dedução à colecta naquele período de tributação - efectuada na autoliquidação (de substituição) de que vem reclamar.
5.55 Enquanto, concomitantemente, indica na sua petição – de forma expressa – que pretende utilizar somente o valor de € 139.009,93, e reportar o remanescente!
5.56 A não utilização efectiva do valor total de benefício fiscal contratual – conjugada com a pretensão do direito a reportar em períodos futuros a diferença entre o valor previamente inscrito a título de dedução à colecta e o valor que efectivamente utiliza, em virtude da dedução prioritária do RFAI – não pode deixar de ser tida em conta para efeitos de interpretação e aplicação do artigo 92.º do CIRC, como foi decidido pela AT.
5.57 Passámos de um valor total de deduções à colecta respeitante a BFC – logo, excluídos do limite – para um valor total de deduções à colecta que se decompõe em um valor respeitante a RFAI, de € 46.336,64 – não excluído do limite – e a um valor de € 139.009,93, respeitante a BFC.
5.58 Só estando excluído do limite, nos termos do nº 2, - naturalmente - o valor utilizado.
5.59 Pois o valor remanescente - a reportar - não faz parte da liquidação de 2011, poderá ser deduzido à colecta dos exercícios seguintes, se observados os requisitos legais.
5.60 Das disposições em análise resulta claríssimo que não foi intenção do legislador permitir aos contribuintes calcular o limite de usufruição de benefícios com base em valores não efectivamente deduzidos no exercício e reportáveis para os futuros.
5.61 Aceitar-se a interpretação da Requerente no sentido de que lhe assiste o legítimo direito de usufruir no futuro do benefício fiscal não deduzido efectivamente, mas utilizá-lo, ainda assim, para base de cálculo do limite do art. 92º, consubstanciaria a violação das mais elementares regras de hermenêutica jurídica.
5.62 Dispõe o artigo 11.º da LGT que na determinação do sentido das normas jurídicas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, constantes do artigo 9.º do Código Civil.
5.63 O n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil designa como elementos de interpretação da lei o elemento literal, que consiste na letra da lei, o elemento sistemático, que apela à unidade do sistema jurídico, o elemento histórico e o elemento teleológico, dispondo, por sua vez, o n.º 2 do preceito que não pode ser considerado um sentido que não tenha na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
5.64 Por outro lado, há que salientar que se trata in casu da interpretação de normas concernentes à aplicação em concreto de benefícios fiscais, sendo que o conceito de benefícios fiscais foi definido pelo legislador no artigo 2.º do EBF como “medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”.
5.65 Se se impõe ao legislador tal rigor na formulação das normas que consagram benefícios fiscais, então, por maioria de razão, igual rigor se impõe ao intérprete quando tem que determinar o sentido que as normas comportam, só lhe sendo permitido estender o texto e conformá-lo com o pensamento legislativo perante forte evidência de que o legislador disse menos do que queria, o que, como plenamente demonstrado, não ocorre na situação em apreciação nos presentes autos.
5.66 Argumenta, ainda, a Requerente que a sua pretensão gozaria de apoio na orientação vertida na Circular 6/2013.
5.67 Desde logo, não é idêntico o exemplo dado, nomeadamente em face de estar em causa somente um benefício que opera por dedução ao rendimento tributável, enquanto aqui cuidamos de benefícios que operam por dedução à colecta.
5.68 Também é diferente o exemplo da Circular e o caso dos autos, em vista de, no primeiro, estar em causa um benefício não excluído do limite e aqui cuidarmos de um caso em que se pretende deduzir um benefício também não excluído, reduzindo concomitantemente o valor da dedução a título de BFC, excluído do limite.
5.69 E, acima de tudo, vemos que os valores a reportar, no exemplo, estão a jusante, isto é, decorrem da aplicação da norma;
5.70 Cumpre notar ainda que, a dar razão à pretensão da Requerente, tal implicaria para a AT a violação dos imperativos constitucionais a que está vinculada, nomeadamente os princípios da legalidade tributária, e, bem assim, o da igualdade tributária.
5.71 Ora, carece de qualquer fundamento axiologicamente aceitável, a pretensão da Requerente de calcular o limite sobre uma colecta apurada sobre um valor de benefício que acaba por não utilizar, reportando para os exercícios seguintes.
6. No dia 14/10/2015, foi proferido despacho arbitral, dispensando a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, dado não estarem presentes as circunstâncias objecto das diversas alíneas do n.º 1 desta disposição, e dispensando igualmente, em conformidade com o n.º 2 do art. 18.º do RJAT, a produção de alegações orais, dado estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respectivos articulados.
II - Factos Provados
1. A Requerente é um sujeito passivo de IRC que exerce, a título principal, a actividade de produção de medicamentos e, a título complementar, a actividade de comércio por grosso de produtos farmacêuticos e a actividade de fabricação de perfumes, cosméticos e produtos de higiene.
2. No decurso do exercício de 2011, a Requerente efectuou investimentos no montante global de € 4.057.983,75 nas suas instalações produtivas, localizadas no Concelho de... .
3. Daquele valor, a Requerente investiu a quantia de € 235.269,68 em activo imobilizado corpóreo adquirido em estado novo (não correspondente a terrenos, a edifícios — excepto instalações fabris —, a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, a mobiliário, a artigos de conforto ou decoração, a equipamentos sociais, ou a outros bens de investimento que não estejam directa ou imprescindivelmente associados à sua atividade produtiva).
4. Em 22 de maio de 2012, a Requerente submeteu uma declaração modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2011.
5. Na referida declaração modelo 22 de IRC, a Requerente registou uma matéria coletável não isenta de € 747.636,27 e uma colecta de € 185.346,57.
6. A este valor, a Requerente deduziu (i) as retenções na fonte sofridas ao longo do exercício, no valor de € 53.650,15; e (ii) os pagamentos por conta efetuados, no montante de € 43.314, e acresceu (i) a derrama municipal, no valor de € 9.420,22; e (ii) as quantias devidas a título de tributações autónomas, no montante de € 7.900,02.
7. Em resultado, a Requerente apurou um total a pagar, a título de imposto, de € 105.702,66.
8. A Requerente foi notificada da demonstração de liquidação correspondente à liquidação de imposto n.º 2012 ... e efectuou o pagamento do valor total a pagar de € 105.702,66.
9. Em 18 de outubro de 2012, a Requerente e o Estado Português, representado pelo..., I.P. –..., IP, celebraram um contrato fiscal de investimento.
10. Em 15 de outubro de 2013, a Requerente submeteu uma declaração modelo 22 de IRC de substituição referente ao exercício de 2011.
11. Nesta declaração de substituição, a Requerente manteve os valores anteriormente registados a título de (i) matéria colectável não isenta; (ii) colecta; (iii) retenções na fonte; (iv) pagamentos por conta; (v) derrama; e (vi) tributações autónomas e deduziu à colecta o valor de € 183.765, correspondente a benefícios fiscais de natureza contratual.
12. Em resultado, verificou-se (i) uma redução do IRC liquidado, de € 185.346,57 para € 1.580 e, consequentemente, (ii) o apuramento de um total a recuperar de € 78.063,13, em vez de um total a pagar de € 105.702,66.
13. A Requerente: (i) foi notificada da demonstração de liquidação correspondente à liquidação n.º 2014...; e (ii) foi reembolsada do montante de € 183.765,79, correspondente ao total a recuperar inscrito na declaração de substituição (€ 78.063,13) acrescido do montante que havia sido pago pela Requerente tendo por referência a autoliquidação originária, de maio de 2012 (€ 105.702,66).
14. Em 22 de maio de 2014, a Requerente deduziu uma reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC do ano de 2011.
15. Em 7 de novembro de 2014, a Administração tributária notificou a Requerente do projeto de decisão de indeferimento e, bem assim, da informação elaborada no âmbito da reclamação graciosa.
16. A Requerente exerceu, em 14 de novembro de 2014, o seu direito de audição prévia.
17. Por decisão do Senhor Diretor de Finanças de..., de 12 de dezembro de 2014, a reclamação graciosa apresentada pela Requerente foi julgada indeferida.
18. Em 14 de janeiro de 2015 a Requerente interpôs recurso hierárquico da mesma para a Senhora Ministra do Estado e das Finanças.
4.19. A Requerente não foi notificada, até à presente data, de qualquer decisão ou projeto de decisão referente ao indicado recurso hierárquico.
III – Factos não provados
Não há factos não provados, com relevo para a decisão da causa.
IV - Do Direito
1. A questão a apreciar neste processo prende-se exclusivamente com a ilegalidade do acto de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativo ao ano de 2011, em face da norma prevista no art. 92º do CIRC na redacção vigente em 2011.
Esta questão já foi examinada num caso semelhante, decidido no processo 702/2014-T deste Centro de Arbitragem, que foi integrado pelo Árbitro ora signatário, pelo que se irá parcialmente seguir a fundamentação desse acórdão:
2. Refere o artigo 92º do CIRC, na redacção vigente à data:
“1 - Para as entidades que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º.
2 - Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:
a) Os que revistam carácter contratual;
b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II);
c) Os benefícios fiscais às zonas francas previstos nos artigos 33.º e seguintes do Estatuto dos Benefícios Fiscais e os que operem por redução de taxa;
d) Os previstos nos artigos 19.º, 32.º e 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais"
Ao contrário do que acontece na redacção actual do artigo 92º, em 2011 o regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI) não estava expressamente previsto no número 2.
3. Da mesma forma, o art. 3.º do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), aprovado pelo art. 13.º da Lei 10/2009, de 10 de Março, dispunha na data o seguinte:
1 – Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efectuem, em 2009, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:
a) Dedução à colecta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:
i) 20 % do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de € 5 000 000;
ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a € 5 000 000;
b) Isenção de imposto municipal sobre imóveis, por um período até cinco anos, relativamente aos prédios da sua propriedade que constituam investimento relevante;
c) Isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante;
d) Isenção de imposto do selo relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante.
2 – A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efectuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se inicie em 2009.
3 – Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.
4 – Para efeitos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1, as isenções aí previstas são condicionadas ao reconhecimento, pela competente assembleia municipal, do interesse do investimento para a região.
5 – O montante global dos incentivos fiscais concedidos nos termos dos números anteriores não pode exceder o valor que resultar da aplicação dos limites máximos aplicáveis ao investimento com finalidade regional para o período de 2007-2013, em vigor na região na qual o investimento seja efectuado, constantes do artigo 7.º".
4. Verifica-se assim que na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do RFAI se estabelece uma percentagem máxima de dedução anual à colecta do IRC em 25%, que implica que a colecta de IRC não poderia baixar de 75% da colecta que haveria sem o RFAI.
Pelo contrário, no artigo 92.º do CIRC regula-se, em termos genéricos, a percentagem máxima de redução anual da colecta do IRC em resultado da utilização dos diversos benefícios fiscais e regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º do mesmo diploma.
O que dispõe o artigo 92.º do CIRC é que a colecta mínima de IRC não pode ser inferior a 90% da colecta que haveria sem a aplicação de benefícios fiscais ou outros regimes já referidos. Exceptuam-se apenas os benefícios fiscais referidos no seu n.º 2.
Analisemos como se devem compatibilizar essas disposições.
Note-se, em primeiro lugar, que a percentagem da colecta mínima, constante do artigo 92.º do CIRC tem vindo a ser aumentada várias vezes. Inicialmente, na redacção dada ao então art. 86.º CIRC, pela Lei 55-B/2014, de 30 de Dezembro, essa percentagem era de 60%. Depois, através da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril a percentagem da colecta mínima foi aumentada para 75%. Finalmente, através da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro de 2010, essa percentagem foi ainda incrementada para 90%.
Assim, na altura em que surgiram, as normas do CIRC e do RFAI podiam conviver perfeitamente, uma vez que inicialmente teríamos uma percentagem de limite das deduções a 25% para o RFAI e uma percentagem de 40% para o IRC em geral, passando estas duas percentagens a coincidir, a partir de Abril de 2010. Apenas a partir de 2011 a questão se vem colocar, com a elevação da percentagem da colecta mínima do IRC para 90%. No entanto, a mesma Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que alterou o artigo 92.º do CIRC, veio igualmente renovar para 2011 o RFAI.
Esta questão, apesar de muito pouco debatida na doutrina, já foi objecto de algumas tomadas de posição. Assim RODRIGO RABECA DOMINGUES, "O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento", em Revisores e Auditores: Revista da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, n.º 56 (2012), pp. 44-50 (49-50), sustenta que "considerando-se que seria perdido o direito ao reporte do RFAI, o legislador estaria a esvaziar o RFAI (que ele próprio criou) de grande parte do seu interesse e finalidade – a promoção do investimento empresarial e a criação de emprego. Mais ainda, seria difícil sustentar-se que na mesma Lei (o Orçamento de Estado para 2011), o legislador prorrogue o RFAI até 31 de Dezembro de 2011 e, em simultâneo, crie uma norma que, se interpretada de uma forma cega, esvaziasse o RFAI de grande parte do seu interesse económico e fiscal". O autor conclui, por isso, que "o racional do artigo 92.º do Código do IRC não pretende ferir o reporte de benefícios fiscais".
Esta posição não é, no entanto, unânime na doutrina, pronunciando-se ABÍLIO JOSÉ DA COSTA SOUSA, Estatuto dos Benefícios Fiscais Comentado, Moneris/Vida Económica, 2013, p. 138, a propósito do RFAI no sentido de que "a utilização deste benefício encontra-se condicionada pelo artigo 92.º do Código do IRC, pelo que na prática o mesmo não pode exceder 10% do IRC liquidado".
Concordamos com esta última posição.
Efectivamente, o objectivo inicial do art. 86.º, posteriormente art. 92.º CIRC foi estabelecer um limite aos benefícios fiscais concedidos às empresas. Na sua versão inicial havia uma indicação expressa dos benefícios fiscais a que se aplicava esse limite, mas já se referia no Relatório OE 2005 (p 52) que se pretendia estabelecer um “limite à redução da taxa efectiva de tributação por utilização de benefícios fiscais”.
Posteriormente esse limite passou a abranger todo e qualquer benefício fiscal não expressamente exceptuado nessa disposição. Não se pode duvidar que o artigo 92.º, n.º 1, do CIRC visa limitar o relevo a benefícios fiscais concedidos por outras normas, pois é precisamente essa uma das suas funções, como resulta com evidência do seu texto. Assim, o objectivo dessa norma é naturalmente a sua aplicação a todos os benefícios fiscais, funcionando assim como norma de sobreposição, que se aplica independentemente do valor dos vários benefícios fiscais concedidos. Esse objectivo resulta claro das notas justificativas inseridas no Relatório que acompanhou a proposta de Lei do OE para 2011, a qual refere dois tipos de motivações: alargar a base de incidência do IRC, e garantir maior equidade no tratamento fiscal das empresas que usufruem de benefícios fiscais e aquelas que não usufruem. No Relatório OE 2011 (p 72) é efectivamente referido o seguinte:
-: “(…) com a preocupação de alargar a base de incidência do IRC e de garantir maior equidade no tratamento fiscal das empresas, a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2011 procede a uma revisão do limite global ao aproveitamento de benefícios fiscais que figura no artigo 92.º do Código do IRC.
Trata-se de uma disposição que foi já objecto de revisão na Lei do Orçamento do Estado para 2010, momento em que se elevou a percentagem de referência de 60% para os actuais 75%, apontando para uma taxa de tributação efectiva de 18,75%.Com a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2011 introduzem-se duas alterações tendentes a reforçar esta limitação: primeiro, elevando para 90% a percentagem de referência abaixo da qual se desconsideram os benefícios fiscais; e segundo, invertendo a estrutura desta regra de limitação, dado que em vez de enunciar positivamente os benefícios a que se aplica, passa a aplicar-se genericamente a qualquer benefício fiscal, enunciando-se apenas as excepções.
Com isto, aponta-se para uma taxa de tributação efectiva de 22,5% e reproduz-se no âmbito do IRC uma regra de moralização semelhante à que se introduz em sede de IRS”.
Ora, perante esta justificação, é manifesto que todo e qualquer benefício não exceptuado expressamente no art. 92.º, como era o caso do RFAI, estava sujeito ao limite máximo de 10%, não sendo possível interpretar isoladamente o art. 3.º RFAI, sem tomar em consideração a limitação prevista no art. 92.º, n.º 1, CIRC.
5. Em princípio, a dedução à colecta de IRC acima descrita é efectuada na liquidação referente ao exercício em que os investimentos são efetivamente realizados (cf. artigo 3.º, n.º 2, do RFAI).
Se, porém, se verificar que a colecta desse exercício é insuficiente para absorver a totalidade do benefício fiscal, a parte não deduzida pode ainda sê-lo, nas mesmas condições, numa (ou em várias) das liquidações dos quatro exercícios posteriores (cf. artigo 3.º, n.º 3, do RFAI).
De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do RFAI, este benefício fiscal, consiste numa “dedução à colecta de IRC”, sendo que a dedução se faz “até à concorrência de 25% da mesma”.
No caso concreto, o limite máximo da dedução a título de RFAI, em 2011, é de € 46.336,64 (25% x € 185.346,57).
Uma vez que o RFAI não estava previsto nas exclusões registadas no nº 2 do art.º 92.º do CIRC, em vigor em 2011, é-lhe aplicável o disposto no nº 1 da mesma norma, reduzindo-se a dedução a 10%.
Assim, e como refere o Acórdão do CAAD nº 702/2014-T:
“Ora, perante esta justificação, é manifesto que todo e qualquer benefício não exceptuado expressamente no art. 92.º, como era o caso do RFAI, estava sujeito ao limite máximo de 10% que essa norma institui, não tendo assim a requerente razão na interpretação que propugna. (…)
Para além disso, é notório que a preocupação legislativa prioritária no Orçamento do Estado de 2011, era a redução do défice das finanças públicas, garantindo um determinado nível de receita fiscal, em sintonia com os compromissos assumidos pelos credores internacionais. Por isso, as condições específicas em que este Orçamento foi elaborado, apontam inequivocamente para que o objectivo de garantir a receita fiscal tinha primazia sobre a manutenção dos benefícios fiscais não expressamente indicados, pelo menos no que concerne à sua relevância nesse ano de 2011. (…)
De qualquer modo, a eliminação que a mesma Lei n.º 55-A/2010 efectuou da referência aos «benefícios na modalidade de dedução à colecta», que na redacção anterior se fazia no n.º 2 do artigo 92.º do CIRC, para indicar os benefícios fiscais excluídos do regime do n.º 1, não pode deixar de ser interpretada como sujeitando à nova limitação feita no n.º 1 todos os benefícios fiscais não mantidos na nova lista, sendo esta a única interpretação que tem na letra na lei o mínimo de correspondência verbal exigido pelo artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil”.
6. Afirma todavia a Requerente que, uma vez que a colecta não é susceptível de absorver na sua totalidade o benefício do RFAI relativo ao exercício de 2011, acrescido do valor total de benefício fiscal contratual, pelo que os valores excedentes serão reportados para exercícios futuros. Pretende, por isso, utilizar o RFAI até ao limite legalmente previsto e reportar o benefício fiscal contratual para exercícios futuros.
Pelo contrário, a Autoridade Tributária sustenta que, ao utilizar os benefícios fiscais contratuais, a Requerente deixa de poder utilizar o RFAI até ao limite legalmente previsto, sob pena de se pôr em causa a limitação pretendida pelo art. 92º do CIRC, através da conjugação de deduções de benefícios fiscais limitáveis e ilimitáveis.
7. Sobre esta questão, escreveu-se no acórdão emitido no processo 702/2014 o seguinte:
"Dissecando a norma do artigo 92.º, n.º 1, detecta-se que
– a hipótese (o que desencadeia a consequência jurídica), é os sujeitos passivos de IRC usufruírem de benefícios fiscais e outros regimes aí indicados que reduzem a colecta de IRC em mais de 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo;
– a estatuição (a consequência jurídica desencadeada pela verificação dessa hipótese) é o montante do imposto a liquidar passar a ser 90% do que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º.
A referência ao «disposto no número anterior», que se faz no n.º 2 do artigo 92.º, aponta literalmente no sentido de a exclusão que se prevê se reportar à parte dispositiva e não à previsão do n.º 1. Com efeito, se se pretendesse aludir à previsão deste n.º 1, a fórmula adequada para exprimir o pensamento legislativo seria «excluem-se do previsto no número anterior os seguintes benefícios fiscais...», o que teria como efeito afastar os benefícios fiscais nele indicados de tudo o que estabelece no n.º 1, já que, afastada uma situação da previsão de norma, está necessariamente excluída da sua estatuição (…).
A razão de ser do n.º 2, não justifica uma interpretação diferente da que resulta do teor literal.
Na verdade, o objectivo do n.º 2, ao excluir os benefícios fiscais aí arrolados da estatuição do n.º 1, é apenas estabelecer que esses benefícios fiscais não sofrem limitação, pelo que, mesmo que da sua aplicação resulte que o IRC apurado é inferior à percentagem referida no n.º 1, não há qualquer redução nesses benefícios fiscais (…).
Mas, não se depreende do n.º 2 do artigo 92.º, que os benefícios fiscais aí indicados devam ser neutros para efeitos da aplicação do n.º 1, designadamente que não devam ser considerados como deduções previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º ou que não devam ser considerados benefícios fiscais.
Aliás, o próprio facto de haver acordo das Partes quanto à relevância desses benefícios fiscais referidos no n.º 2 do artigo 92.º para determinar a «segunda grandeza», basta para concluir que, em coerência, à face da interpretação da própria Requerente, não está legislativamente consagrada essa alegada neutralidade.
Por outro lado, não se detectam razões que justifiquem a adopção de uma interpretação diferente daquela para que aponta o teor literal, designadamente a nível da congruência e razoabilidade da solução par que este teor aponta.
É certo que, como refere a Requerente, através da ponderação dos benefícios fiscais indicados no n.º 2 do artigo 92.º para determinação do limite que resulta do seu no n.º 1, outros benefícios fiscais poderão sofrer uma limitação superior à que teriam se os primeiros não fossem considerados. Isto é, no caso em apreço, por existirem SIFIDE e benefícios fiscais contratuais (indicados no n.º 2), o benefício fiscal do RFAI pode será mais reduzido do que seria se aqueles primeiros benefícios fiscais não fossem considerados.
Mas, nisso não há qualquer incongruência, pois, desde logo, a limitação da generalidade dos benefícios fiscais não previstos no n.º 2 do artigo 92.º é precisamente o efeito que se pretende obter com o n.º 1 deste artigo.
Para além disso, nos casos em que existem benefícios fiscais indicados no n.º 2 do artigo 92.º concomitantemente com outros, apesar de não se querer afectar a relevância dos primeiros, eles não deixam de afectar a obtenção de receitas e, consequentemente, de dificultar o objectivo primacial do Orçamento do Estado para 2011, que é progredir no caminho para a consolidação das finanças públicas e assegurando um determinado nível de receitas, através de uma taxa de tributação efectiva de 22,5%.
E, por isso, sintoniza-se com este desígnio e afigura-se razoável e equilibrada uma solução legislativa que se reconduz a que, quando há concorrência de benefícios fiscais ilimitáveis e limitáveis (à face da perspectiva plasmada no artigo 92.º), sendo maior o efeito negativo para a obtenção de receitas, seja também maior a limitação dos limitáveis".
Concorda-se assim com a posição da AT de que aceitar-se a interpretação da Requerente no sentido de que lhe assiste o legítimo direito de usufruir no futuro do benefício fiscal não deduzido efectivamente, mas utilizá-lo, ainda assim, para base de cálculo do limite do art. 92º, não estaria em conformidade com as regras de hermenêutica jurídica.
8. Refira-se ainda que, segundo o artigo 2º, nº1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, os benefícios fiscais são “medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”.
Ora, permitir que se considere os benefícios fiscais para base de cálculo do limite do artigo 92º do CIRS, ainda que estes não tenham sido efectivamente deduzidos e só o sejam em exercícios futuros, implicaria contrariar o carácter excepcional dos benefícios fiscais, nos termos do artigo 2º do EBF.
Tal não significa que a Requerente não tenha o legítimo direito de utilizar estes benefícios não efectivamente deduzidos em exercícios futuros, mas apenas que estes não podem ter a função de aumentar os limites do artigo 92º do CIRS na autoliquidação de 2011, como seria o caso da utilização conjugada do RFAI e dos benefícios fiscais de carácter contratual, da forma pretendida.
9. Em face de todo o exposto, impõe-se concluir pela legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2014... e, bem assim, pela legalidade da autoliquidação de IRC do exercício de 2011.
IV – Decisão
Julga-se improcedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2014... e, bem assim, da autoliquidação de IRC do exercício de 2011.
Fixa-se ao processo o valor de € 158,08 (valor indicado e não contestado), e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 306.00 euros nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas a cargo da entidade requerente.
Lisboa, 30 de Novembro de 2015
O Árbitro
(Luís Menezes Leitão)