Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 365/2015-T
Data da decisão: 2015-11-10  Selo  
Valor do pedido: € 19.397,82
Tema: IS – Verba 28 da TGIS; Terrenos para construção
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 DECISÃO ARBITRAL

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.  A…, S.A., contribuinte n.º …, com domicílio fiscal na Rua…, na ..., apresentou em 05/06/2015, pedido de pronúncia arbitral, no qual peticiona a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014, e a que correspondem os documentos com o n.º 2015…e n.º 2015 …, nos montantes de € 5.596,65 e € 13.801,17, respectivamente.

 

1.2.  O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, em 09/07/2015, como árbitro singular o signatário desta decisão.

 

1.3.  No dia 14/08/2015 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.  Cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) foi a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada, em 14/08/2015, para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.5.  Em 29/09/2015 a AT apresentou a resposta, acompanhada das respectivas cadernetas prediais.

 

1.6.  O tribunal arbitral em 29/09/2015 decidiu dispensar a realização da reunião a que n.º 1 do artigo 18.º do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, convidando ambas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas e agendou a data para prolação da decisão final.

 

1.7.  A Requerente e a Requerida não apresentaram alegações escritas facultativas.

 

 

 

2.      SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

 

Não existem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado dentro do prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, pelo que é tempestivo.

 

Verificam-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

 

3.      POSIÇÕES DAS PARTES

 

São duas as posições em confronto, a da Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral e a da AT na sua resposta.

 

Em síntese, a Requerente entende que:

 

a)      O conceito de “terreno para construção”, para efeitos fiscais, não pode ser considerado prédio com afectação habitacional, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo e da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (Tabela Geral);

 

b)      Os prédios em causa têm natureza de “terreno para construção”, conforme consta das cadernetas prediais, onde não existem edificações ou construções, pelo que não possuem, nem podiam possuir, licença de utilização para habitação, pelo que, o entendimento da AT padecerá de erro nos pressupostos de facto.

 

Doutro modo, sustenta a AT que:

 

a)      “(…) os prédios em apreço, tem natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que os actos de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos por consubstanciarem uma correcta interpretação da Verba 28.1 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”;

 

b)      “A Lei n.º 55-A/2012, de 29/ de Outubro veio alterar o art.º 1º do CIS, e aditar à TGIS a verba 28.1”;

 

 

 

c)      “Com esta alteração legislativa, o IS passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a €1.000.000,00.”;

 

d)      “A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.”;

 

e)      “Conforme resulta da expressão (…) valor das edificações autorizadas ou previstas”, constante do n.º 2 do art. 45º do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41º do CIMI.”;

 

f)         “Ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.”;

 

g)      “Note-se que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional.” - expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1  do CIMI.”;

 

h)      “Sendo certo que única referência à “afectação” dos prédios urbanos surge no capítulo relativo à determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos prédios urbanos (…), resultando do artigo 38.º do CIMI que o VPT dos prédios urbanos para habitação é determinado pela aplicação de uma fórmula que integra diversos fatores, sendo um deles o coeficiente de afetação (Ca).” [sublinhado da Requerida];

 

i)        Só se concebe que pudesse ser de outro modo, o que por mero exercício académico se concede, se o legislador, na redação original da aludida verba, tivesse adotado a definição prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do CIMI (“prédios urbanos habitacionais”), em vez de se referir a “prédios urbanos com afetação habitacional”, expressão distinta e mais ampla, reveladora da intenção de integrar, na norma de incidência objetiva, outras realidades, para além daquela.” [sublinhado da Requerida];

 

j)        Concluindo, “Pese embora sempre tenha sido este o entendimento da AT, nenhuma dúvida poderá subsistir para o ano ora em crise, i.e., 2014, porquanto, com a Lei n.º 83-C/2013 de 31-12-2013, foi alterada a letra daquele dispositivo passando a incluir expressamente os terrenos para construção como elemento objectivo de incidência da norma, pelo que falece necessariamente qualquer tentativa de chamar à colação qualquer questão interpretativa da letra da Lei.” [sublinhado da Requerida];

 

 

4.      MATÉRIA DE FACTO

 

4.1.  FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:

 

4.1.1.      A Requerente é única proprietária dos prédios urbanos da espécie “terreno para construção” sitos na freguesia…, concelho da ..., distrito de Coimbra, inscritos na matriz sob os artigos … e… .

 

4.1.2.      O valor patrimonial tributário (VPT) dos prédios urbanos em causa ascende a € 1.678.995,42 e € 4.140.351,18, respectivamente.

 

4.1.3.      O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2014, (documento n.º 2015…), no montante de € 5.596,65, terminou em 30 de Abril de 2015.

 

4.1.4.      O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2014, (documento n.º 2015…), no montante de € 13.801,17, terminou em 30 de Abril de 2015.

 

 

4.2.  FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

 

5.      O DIREITO

 

5.1.  (I)LEGALIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO DO SELO DE 2014

 

No caso em apreço, a questão fundamental sob apreciação pelo tribunal arbitral consiste em conhecer qual o âmbito de incidência da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (Tabela Geral) na sua redacção à data dos factos tributários. Ou seja, em 2014, a Verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo sujeitava a tributação os “terrenos para construção” cujo valor patrimonial tributário ascendesse ou ultrapassasse 1 milhão de euros?

 

Sobre esta matéria, importa, antes de mais, ter presente o seguinte.

 

Segundo João Ricardo Catarino e Vasco Branco Guimarães, “O Imposto do Selo sobre os prédios de elevado valor patrimonial foi criado em 2012, pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e representa, em termos substanciais, uma taxa adicional do IMI sobre esses prédios, apesar de se tratar, juridicamente, de mais um facto sujeito a Imposto do Selo.” [1].

 

Estão genericamente sujeitos a este imposto, os prédios urbanos de valor patrimonial tributário igual ou superior a 1 milhão de euros que estão afectos à habitação ou sejam terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do Imposto do Selo.” [sublinhado nosso] [2].

 

Por outro lado, conforme defendem António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás “Importa referir, em primeiro lugar, que o imposto do selo previsto na presente verba incide, tão só, sobre a propriedade urbana, pelo que, dela, ficarão excluídos todos os prédios que sejam classificados como rústicos.” [3].

 

“Deste modo, serão abrangidos pela verba 28.1, os prédios urbanos que se integrem na espécie de prédios urbanos habitacionais e os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, se destine a habitação (…) cujo valor patrimonial tributário constante da matriz seja igual ou superior a € 1.000.000.” [sublinhado nosso]  [4].

 

 

 

 

 

Conforme aponta, ainda, Andreia Gabriel Pereira, “No que à incidência objectiva diz respeito, a Administração fiscal tem sustentado que a previsão inicial da Verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo permitia, desde logo, a tributação dos terrenos para construção cujo valor patrimonial tributário ascendesse ou ultrapassasse 1 milhão de euros.” [5].

 

“Contudo, quanto a este ponto, é já abundante a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e a jurisprudência arbitral (emitida por tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária) em sentido contrário.” [6].

 

“Nos termos daquela jurisprudência, não tendo o legislador definido o conceito de «prédio urbano com afectação habitacional» de que depende a incidência da mencionada Verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, é necessário recorrer às regras do Código do IMI e, na medida em que do artigo 6.º do Código do IMI resulta uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, conclui-se que estes não podem estes ser considerados para efeitos de incidência do Imposto de Selo como «prédios urbanos com afectação habitacional» – cfr., a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 0505/14 ou a decisão arbitral emitida no processo n.º 202/2014, em 16 de Outubro de 2014.” [sublinhado nosso] [7].

 

Ora,Para pôr fim à crescente litigiosidade nesta matéria e reconhecendo a inexistência de norma legal que antes o permitisse, o legislador alterou, através do Orçamento do Estado para 2014, o ponto 28.1 da Verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, passando a prever-se expressamente que, para além dos «prédios habitacionais», estão incluídos na incidência desta Verba os «terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação» – cfr., artigo 194.º do Orçamento do Estado para 2014, aprovado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.” [sublinhado e realce nosso] [8].

 

 

 

 

 

 

 

 

“Simplesmente, como igualmente já sustentou o Supremo Tribunal Administrativo, a aludida alteração não tem carácter interpretativo – cfr., acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 0467/14 –, o que determina que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, se destine à habitação com valor igual ou superior a 1 milhão de euros somente podem ser sujeitos a tributação pela aplicação da Verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo a partir de 2014. Donde se afigura que as liquidações de Imposto do Selo efectuadas ao abrigo da Verba n.º 28, atinentes a terrenos para construção e que se reportem a 2012 e a 2013, continuam a ser passíveis de contestação.” [sublinhado nosso] [9].

 

Por todo o exposto, se até à referida alteração legislativa era controvertida a tributação dos “terrenos para construção” cujo valor patrimonial tributário ascendesse ou ultrapassasse 1 milhão de euros, à luz da Verba n.º 28 da Tabela Geral, a partir de 1 de Janeiro de 2014, não restam dúvidas de que efectivamente também esta realidade se encontra sujeita a Imposto do Selo. Razão pela qual, improcede o pedido da Requerente.

 

 

6.      DECISÃO

 

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita, decide julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a AT do pedido.

 

 

7.      VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 19.397,82 (dezanove mil, trezentos e noventa e sete euros e oitenta e dois cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

8.      CUSTAS

 

Custas a suportar pela Requerente, no montante de € 1.224 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do RJAT.

 

 

Notifique.

Lisboa, 10 de Novembro de 2015

 

 

O árbitro,

 

 

(Hélder Filipe Faustino)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.



[1]              Cfr. “Lições de Fiscalidade Vol. I – Princípios Gerais e Fiscalidade Interna”, 4.ª edição, 2015, pág. 430.

[2]              Op. Cit., pp. 430.

[3]              Cfr. “Tributação do Património – IMI, IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados)”, 1.ª edição, 2015, pág. 730.

[4]              Op. Cit., pp. 730.

[5]              Cfr. “As «Casas de Luxo» e o Imposto do Selo. Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (2.ª Secção), de 5 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 0993/14, Relator Cons. Francisco Rothes”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VII, N.º 4, Julho de 2015, pp. 237 e seguintes.

[6]              Op. Cit., pp. 237.

[7]              Op. Cit., pp. 238.

[8]              Op. Cit., pp. 238.

[9]              Op. Cit., pp. 238.