Decisão Arbitral
I. Relatório
1.A…, Ldª, pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua…, n.º…, …, …-…, Amadora, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade de liquidações de imposto do Selo - Verba 28.1, da Tabela Geral - relativas a primeiras prestações do ano de 2014, no montante global de € 5567,33.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 3 de Julho de 2015, foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em 15 do mesmo mês.
3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (RJAT), o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável e notificou as partes dessa designação em 31 de Agosto de 2015.
4. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 15 de Setembro de 2015.
6. Regularmente constituído, o tribunal arbitral é materialmente competente face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).
8. Por despacho de 4 de Novembro de 2015 foi designado o dia 15 do mesmo mês para a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT. Oportunamente notificadas as partes, veio a requerida solicitar a dispensa da realização da referida reunião. Com a concordância da requerente e atento o conhecimento que decorre das peças processuais, julgado suficiente, foi aceite o pedido de dispensa, sendo facultada às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas.
9. Ambas as partes apresentaram alegações em que, no essencial, reafirmam as respectivas posições expressas na petição e na resposta.
II. Matéria de facto
10. Está em causa no presente processo a incidência do imposto do Selo, prevista no artigo 1.º do Código do Imposto do Selo e Verba 28.1 da respectiva Tabela, sobre prédios urbanos habitacionais de valor igual ou superior a 1 milhão de euros, quando referida a imóveis em regime de propriedade total, ou vertical, mas compostos de partes susceptíveis de utilização independente.
11. Relativamente aos prédios que revestem tal característica entende a requerida (AT) que o valor limite a considerar para efeitos de incidência tributária é o valor resultante do somatório dos valores patrimoniais das partes habitacionais, objecto de avaliação separada. Diversamente, é entendimento da jurisprudência arbitral maioritária que tal valor limite deverá ser definido em função do valor patrimonial tributário atribuído a cada uma das unidades habitacionais susceptíveis de utilização independente.[i]
12. É, pois no quadro legal assim muito sumariamente definido que se insere o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral para cuja apreciação relevam os elementos factuais referidos nos pontos seguintes, que aqui se dão por inteiramente provados.
13. A requerente, no ano de 2014, era proprietária do prédio urbano situado Rua…, n.ºs…, …A, …B, …C e Rua de … …, n.ºs … e … A, freguesia de…, em Lisboa, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo U-… .
14. Na respectiva caderneta predial, o referido prédio, com o valor patrimonial total de € 1 796 135,21, é descrito como constituído em propriedade total, com 23 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.
15. De acordo com as normas aplicáveis à avaliação de prédios urbanos compostos de unidades susceptíveis de utilização independente, o valor patrimonial de cada uma dessas partes foi determinado separadamente, verificando-se que o valor patrimonial tributário total das unidades com afectação habitacional era de € 1 558 250,00.
16. O valor patrimonial tributário de cada uma das partes que integram o prédio em causa é inferior a um milhão de euros.
17. Considerando que o valor patrimonial tributário resultante do somatório dos valores patrimoniais das unidades habitacionais era, no ano de 2014, superior a um milhão de euros, a requerida (AT) procedeu à liquidação de Imposto do Selo a que se refere a Verba 28 da respectiva Tabela Geral relativamente a cada uma dessas unidades, apurando, com referência às primeiras prestações de pagamento, o montante total de € 5 567,33, conforme consta do anexo ao pedido, sendo este valor correspondente ao somatório dos valores daquelas primeiras prestações.
18. Para cobrança dessas primeiras prestações foram emitidos pela requerida (AT) os correspondentes documentos de cobrança, para pagamento voluntário em Abril de 2015.
19. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.
III. Matéria de direito
20. Relativamente às liquidações questionadas, como acima referido, a questão que motiva a discordância da requerente é a que se relaciona com a aplicação da norma da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo aos prédios urbanos, que, constituídos em propriedade total, são compostos por andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, mas cujo valor patrimonial tributário, considerado separadamente, é inferior ao valor limite que releva para efeitos da incidência tributária.
21. É a legalidade dessa tributação que a requerente vem contestar, alegando, no essencial, que:
- O prédio em causa foi adquirido para revenda em 17 de Dezembro de 2014, pelo que a respectiva tributação, em sede de IMI, se encontra suspensa, sendo o imposto devido apenas a partir do 3.º ano seguinte, inclusive, àquele em que o mesmo passou a figurar no inventário da empresa adquirente, conforme decorre do artigo 9.º, n.º 1, alínea e), do Código do IMI.
- Esta disposição é aplicável ao imposto do Selo em causa por remissão expressa da alínea U do artigo 5.º do respectivo Código, que, relativamente às situações abrangidas pela incidência prevista na Verba 28 da Tabela Geral, estabelece considerar-se constituída a obrigação tributária "no momento e de acordo com as regras previstas no CIMI, com as diversas adaptações."
- De referida norma resulta, assim, que a liquidação do imposto do Selo em causa, apenas se poderia efectuar após o terceiro ano seguinte àquele em que o prédio passou a figurar no inventário da empresa adquirente.
- Do exposto, conclui a requerente que a questionada liquidação " padece do vício de violação do princípio do início da tributação."
- A requerente invoca ainda outros vícios que, segundo entende, determinam a ilegalidade das questionadas liquidações, designadamente, "violação do princípio da igualdade ou de situações idênticas e do princípio da prevalência da substância sob a forma."
- Discordando da posição da requerida (AT) no que respeita à consideração do somatório do valor patrimonial tributário de cada uma das partes susceptíveis de utilização independente que compõem um prédio em propriedade total para delimitação do âmbito de incidência do imposto do selo, considera a requerente que " Ao considerar o valor total do prédio e emitindo liquidações de cobrança individualizada para efeitos de IMI e mesmo de imposto do Selo, a interpretação da AT, para além de uma incongruência formal, não tem qualquer correspondência com a letra e o espírito da lei, nem sequer possui qualquer afinidade com o elemento histórico, até porque a AT está a tributar o prédio e não o contribuinte, o que constitui uma violação manifesta do princípio da igualdade."
22. Assim, para a requerente, é "ilegal e inconstitucional por violação da igualdade dos sujeitos passivos perante a mesma realidade tributária, considerar como valor de referência o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão, pois se o proprietário constituísse propriedade horizontal sobre o mesmo prédio não haveria lugar à incidência do imposto, tudo dependendo afinal da mesma modalidade jurídica de constituição da propriedade adoptada."
23. Com os fundamentos acima sumariamente referidos, a requerente conclui pedindo a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação, a que correspondem os documentos de cobrança identificados em anexo ao pedido relativos às primeiras prestações do imposto respeitante ao prédio em causa e ao ano de 2014, com o valor total de € 5 567,33, peticionando, ainda, a restituição das prestações vincendas, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios.
24. A requerida (AT) apresentou resposta em que, além de defender a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, suscitou as excepções de incompetência do tribunal arbitral bem como a inimpugnabilidade dos actos.
25. A requerente respondeu por escrito às excepções suscitadas pela requerida, no essencial, mantendo a posição que havia já expresso no pedido de pronúncia arbitral.
Questões prévias
26. Sintetizados os elementos factuais relevantes bem como as posições que, em matéria de interpretação do direito aplicável, vêm sustentadas pelas partes, importa, antes de mais, analisar e decidir as questões prévias suscitadas pela requerida (AT) que, como acima referido, se prendem com a incompetência do tribunal arbitral para apreciar e decidir o objecto do pedido e com a inimpugnabilidade dos actos.
Da incompetência do tribunal arbitral
27. Considera a requerida que o presente processo tem como objecto a anulação não de um acto tributário mas, antes, do pagamento de uma prestação - a primeira - de um acto tributário, constante de notas de cobrança.
28. Trata-se de matéria que não consta, em absoluto, do conjunto da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do artigo 2.º do RJAT.
29. De onde, segundo a requerida, resulta que o objecto do pedido de pronúncia arbitral extravasa a competência do tribunal arbitral.
Da inimpugnabilidade dos actos
30. Para além da excepção relativa à incompetência do tribunal arbitral, a requerida (AT) invoca ainda uma outra excepção, esta relativa à inimpugnabilidade autónoma das prestações de pagamento de um tributo.
31. Sobre esta matéria, considera a requerida (AT) que dos elementos do processo se extrai que aquilo que a requerente impugna não são os actos de liquidação mas as prestações relativas ao pagamento de um valor unitário de imposto.
32. É, segundo a requerida, o que se retira da conjugação dos artigos 120.º e 113.º, n.º 1, do Código do IMI, para além do n,º 7 do artigo 23,º do Código do Imposto do Selo, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55.A/2012, de 29 de Outubro: o imposto do Selo a que se refere a Verba 28 da TGIS é liquidado anualmente não sendo o seu pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto.
33. Conclui, pois, a requerida que existe uma única liquidação de imposto, sendo o respectivo pagamento concretizado em prestações, não sendo permitida a impugnação de uma só prestação ou documento de cobrança desse valor parcelar.
34. Em abono da sua tese, a requerida cita diversas decisões arbitrais, no sentido da inimpugnabilidade autónoma de prestações de pagamento de imposto.
35. Em alegações, a requerida mantém a sua posição nesta matéria. A requerente, por seu lado, reafirma que solicitou ao Tribunal "expressa e claramente, a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação do Imposto do Selo da Verba 28, n.º 1, da Tabela Geral do Imposto do Selo, referente ao período de tributação mencionado no pedido, identificou o órgão periférico local que o praticou e mencionou os documentos onde o referido ato tributário foi inscrito para cobrança, com o respectivo valor."
36. Com efeito, como sustenta a requerida (AT), a tributação em imposto do Selo dos prédios urbanos a que se refere a Verba 28.1 da TTGIS origina uma liquidação anual, por cada prédio que se encontre nas condições aí referidas, seguindo, por remissão expressa, as regras do Código do IMI no tocante à respectiva cobrança, conforme decorre do artigo 23.º, n.º 7, do Código do Imposto do Selo.
37. De acordo com o disposto nos artigos 113.º e 120.º do CIMI, o imposto apurado naquela liquidação anual, é posteriormente cobrado em várias prestações, a ser pagas ao longo do ano, variando o número de prestações em função do montante de imposto liquidado.
38. No presente caso, conforme decorre dos elementos do processo, as liquidações foram efectuadas em Março de 2015, sendo o imposto apurado dividido para pagamento em diversas prestações.
39. Para pagamento das primeiras prestações, foram oportunamente emitidas as correspondentes notas de cobrança, decorrendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até ao final do mês de Abril seguinte.
40. Conforme aponta a requerida (AT), a requerente vem impugnar notas de cobrança parcelares, relativas à primeira prestação do imposto que lhe foi liquidado com referência ao prédio já acima identificado.
41. Pese embora as referências que faz ao acto tributário e à fundamentação que constitui suporte do seu pedido de declaração de ilegalidade das liquidações, não subsistem dúvidas que o objecto da contestação, tal como afirma a requerida (AT), é apenas o pagamento da primeira prestação.
42. É o que se extrai da petição, em que o que se indica é apenas o valor global da primeira prestação, da lista que lhe é anexa em que vêm discriminados os valores relativos à primeira prestação e a cada uma das partes autónomas a que a mesma se refere, e ainda do valor económico associado ao pedido, que, segundo a requerente, corresponde ao valor de imposto correspondente ao somatório das mesmas primeiras prestações.
43. Conforme salienta a requerida (AT), o Tribunal Arbitral já se pronunciou sobre esta matéria, em situações idênticas à do presente processo, destacando-se, entre outras decisões que vão no mesmo sentido [ii], as conclusões formuladas no proc. n.º 726/2014, a que inteiramente se adere:
“As prestações de pagamento de uma liquidação de IMI ou, na situação em análise, de uma liquidação de Imposto do Selo, nos termos da Verba 28, da TGIS, não são autonomamente sindicáveis, por terem origem numa única obrigação anual. Não sendo cada uma das prestações das liquidações de Imposto do Selo identificadas nos autos autonomamente impugnáveis, … estar-se-á perante um caso de incompetência do tribunal arbitral para apreciação e declaração da sua ilegalidade e consequente anulação. A conclusão de que a liquidação de Imposto de Selo, da verba 28 da TGIS, é incindível, não podendo cada uma das suas prestações ser autonomamente impugnada, determina a incompetência do tribunal arbitral e obsta ao prosseguimento do processo, bem como à apreciação de mérito da causa. Motivos pelos quais se decide absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.”
44. A fundamentação da decisão acima transcrita, que, sem reservas, se subscreve. é identicamente aplicável ao presente pedido de pronúncia arbitral, pelo que, igualmente, deve ser declarada procedente a excepção invocada pela requerida (AT), absolvendo-se esta da instância, por incompetência do tribunal arbitral para apreciação da legalidade das primeiras prestações de pagamento de imposto do Selo relativo a 2014 e ao prédio supra identificado.
45. Reconhecida a invocada excepção de incompetência do tribunal arbitral, fica, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no pedido.
IV. Decisão
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
a) Julgar procedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal arbitral e, em consequência, absolver a requerida (AT) da instância;
b) Condenar a requerente nas custas do processo.
Valor do processo: € 5 567,33
Custas: Ao abrigo do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 612,00 , a cargo da requerente.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2015,
O árbitro, Álvaro Caneira.
[i] A título meramente indicativo e referindo apenas as mais recentes decisões arbitrais, podem ver-se, neste sentido, as proferidas nos seguintes processos: 749/2014-T, 752/2014-T, 754/2014-T, 808/2014-T, 812/2014-T, 818/2014-T, 822/2014-T, 824/2014-T, 849/2014-T, 41/2015-T, 65/2015-T, 70/2015-T, 73/2015-T, 110/2015-T, 174/2015-T, 236/2015-T , 449/2015-T , 461/2015-T e 463/2015-T.
[ii] Vd. Procs. n.º120/2012-T, 408/2014-T, 797/2014-T, 37/2015-T, 90/2015-T. 137/2015-T e 140/2015-T, entre outros.