Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 326/2015-T
Data da decisão: 2015-11-12  IRC  
Valor do pedido: € 501.792,25
Tema: IRC – Encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital; prestações suplementares; artigo 32.º do EBF
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dr.ª Filomena Oliveira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-08-2015, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A… SGPS, SA (doravante designada por A… ou Requerente), sociedade anónima, titular do Número de Identificação de Pessoa Colectiva (NIPC)…, com sede no Lugar de…. Apartado…, …---- São Mamede de Infesta, na qualidade de sociedade dominante do Grupo A…, veio, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ("Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria" - RJAT) e dos artigos 102.º e 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), dos n.ºs 1 e 2 alínea d) do art 95," da Lei Geral Tributária ("LGT"), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com vista à anulação da liquidação de IRC n.º 2014…, de 23-12-2014, referente ao exercício fiscal de 2012.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 09-06-2015 e notificado nessa data à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 24-07-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 10-08-2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência da presente acção arbitral e suscitando uma questão prévia em que manifesta o seu entendimento de que, em caso de anulação da liquidação, ela terá de ser parcial, na parte correspondente à correcção à matéria colectável da Requerente no valor de € 1.633.914,75.

Por despacho de 01-10-2015, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente A…SGPS, SA é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS);

b)      A empresa está enquadrada no regime geral de tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC), sendo tributada pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) previsto no artigo 69.º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (CIRC), sendo ela própria a sociedade dominante, sendo o grupo constituído pelas seguintes empresas:

 

Designação social

NIPC

A…

B…

C…

D…

E…

F…

G…

H…atualmente I

 

 

c)      Em 31-12-2012, a Requerente detinha as seguintes participações financeiras:

 

Designação Social

%

Empresas do grupo:

G…

100

B…

100

J…

38

K…

75

D…

95

E…

100

F…

100

H…

100

L…

98,33

M…

5,91

N…

15,58

O…

82,20

P…

100

Q…

1

R…

65

S…

100

T…

50

U…

85

V…

92,59

X…                                                       a)

0

Empresas associadas

 

Z…

27,24

AA…

36,28

BB…

45,02

CC…

36

a)      A participação direta na X…é de 1 ação de valor nominal de 10 rupias

 

d)     Na declaração de rendimentos de IRC do período de 2012, a Requerente, no apuramento do Lucro Tributável, não referiu, no campo 779, acréscimo referente a encargos financeiros suportados com aquisições de partes de capital;

e)      Em cumprimento da ordem de serviço n.º … de 28-05-2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente, de âmbito geral, relativamente ao exercício de 2012;

f)       Na sequência dessa inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

 III.1 - Correções à Matéria Tributável - IRC

III.1. 1 - Encargos Financeiros suportados com a aquisição de partes de capital - 1.633.914,75 euros

a) Matéria de facto

Da análise à declaração de rendimentos de IRC do período de 2012, verificámos que o sujeito passivo, no apuramento do Lucro Tributável, não procedeu, no campo 779, ao acréscimo referente a encargos financeiros suportados com as aquisições de partes de capital, conforme previsto no n,º 2 do artigo 32.º do EBF.

De acordo com o preconizado no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, "as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades"

Para efeitos do correto apuramento dos encargos financeiros a excluir, conforme infra exposto, devem ser consideradas como partes de capital as prestações suplementares e as prestações acessórias com idêntico regime.

O sujeito passivo, no período de 2012, apresentava no seu balancete analítico, relativamente a partes de capital, os seguintes saldos nas subcontas de Investimentos Financeiros (41), relativos a partes sociais e a prestações acessórias:

As Prestações Acessórias com características de prestações suplementares (4161 e 4162), no montante total de 80.271.403,47 euros, foram realizadas a favor das seguintes empresas:

 

 

b} Da norma do art.º 32.º do EBF

O regime jurídico das SGPS, previsto no DL n.º 495/88, de 30 de dezembro, define que o objeto típico de tais sociedades é "a gestão de participações sociais como forma indireta do exercício da atividade económica" (cfr n.º 1 do art. 1.º daquele normativo). Acrescenta

 

Q número 2 do mesmo artigo, com a redação dada pelo art, l." do DL n.º 318/94, de 24 de Dezembro, que a participação numa sociedade é considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

Assim, a legislação procurou limitar a atividade das SGPS à gestão de participações sociais estáveis, evitando que estas servissem como meio de especulação mobiliária ou de evasão à tributação sobre as mais-valias.

A Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003) veio, no seu art. 38.º, introduzir uma mudança significativa ao regime fiscal aplicável à atividade que constitui o objeto típico das SGPS por via da alteração que inseriu no artigo 31.º (atual art. 32.º) do EBF.

Esta alteração consubstancia-se em que, quer os rendimentos associados à detenção das partes de capital, como são as mais valias, quer os gastos, como os encargos financeiros suportados com os financiamentos obtidos tendo em vista a detenção das partes de capital, não concorrem para o apuramento do lucro tributável. Em síntese, a atividade tipificada no art.º 1.º do regime das SGPS está, em regra, excluída de tributação.

Tal encontra-se concretizado no n.º 2 do art. 32.º do EBF que estabelece que "As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades."

Este regime consubstancia-se na atribuição de um benefício que, contudo, foi compensado pela não concorrência, para efeitos de apuramento do lucro tributável, dos encargos financeiros suportados, criando um ambiente de neutralidade entre os ganhos com determinados ativos financeiros e os gastos associados ao passivo necessário à aquisição e manutenção desses ativos. Ativos esses que no futuro geram no seu todo, ganhos excluídos de tributação.

Estabelece, assim, o art. 32.º do EBF a existência de uma ligação entre a aquisição de partes de capital detidas e mantidas ao longo de um dado período mínimo, em consonância com o regime jurídico da SGPS, e a relevância fiscal dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição.

A desconsideração como gastos dos encargos financeiros para efeitos de determinação do lucro tributável, consagrada no n.º 2 do art. 32.º do EBF, consubstancia um corolário do princípio geral da indispensabilidade dos gastos segundo o qual a dedução fiscal é condicionada à sua conexão com a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto e do qual resulta que se determinados gastos estão relacionados com rendimentos não sujeitos a imposto não são fiscalmente dedutíveis, princípio estabelecido no n.º 1 do art. 23.º do CIRC.

Nesta conformidade e tendo por referência a ratio legis do art. 32.º do EBF, importa demonstrar que o conceito de partes de capital para efeitos desta norma abrange as partes sociais e as prestações suplementares, bem como as prestações acessórias sob o mesmo regime.

Note-se, contudo, que esta equiparação a "partes de capital" apenas abrange as prestações suplementares e as prestações-acessórias sob o regime das prestações suplementares que comprovadamente se encontrem sujeitas a um regime idêntico ao consagrado nos artigos 210.º e seguintes do CSC, do qual nos parece ser de destacar como aspetos essenciais:

l. não serem remuneradas;

II. a respetiva restituição não poder ocorrer, se da mesma resultar que a situação líquida da sociedade fica inferior à soma do capital e da reserva legal;

III. a respetiva restituição depender de deliberação dos sócios;

IV. as mesmas não poderem ser restituídas depois de declarada a falência da sociedade.

c) Das partes sociais e das prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares

No âmbito da problemática em apreço, isto é, a de saber se é devido, ou não, designadamente para efeitos da aplicação do n.º 2 do art.º 32.º do EBF, relativamente às prestações suplementares (ou prestações acessórias com o regime das prestações suplementares) o tratamento conferido as partes de capital, cumpre, em primeira linha, chamar à colação as regras de interpretação das normas fiscais, conforme previstas no art.º 11.º da LGT, e, em particular, nos seus números 2 e 3.

Assim, de acordo com o referido n.º 2, "sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se

Atenta a ausência de uma norma na legislação fiscal que, expressamente, proceda à definição do conceito de "partes de capital" (sem prejuízo de haver, diversas normas do CIRC que ao mesmo fazem referência, tais como os números 3 a 5 do art.º 23.º do CIRC), e atendendo a que a norma fiscal sob aplicação - n.º 2 do art.º 32.º do EBF - emprega um termo ("partes de capital") próprio do normativo contabilístico, é no sentido que aí tem tal conceito, que o mesmo deve ser interpretado, dado que, nos termos do n.º 2 do art.º 11.º da LGT, outro não decorre "diretamente da lei". Ademais, o direito societário apenas prevê o conceito de "capital social".

Adicionalmente, o n.º 3 do art.º 11.º da LGT estipula que "Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários"4, consagrando, deste modo, o legislador fiscal o "princípio da substância sobre a forma".

Também Rui Nuno Marques, in "Revista de Doutrina Tributária", 3.º Trimestre de 2002, defende que "em sede de Direito Tributário não se atende tanto à forma jurídica utilizada pelos contraentes, mas aos efeitos económicos do negócio jurídico. Desta forma assegura-se uma tributação neutra que não poderia ser influenciada pelas formas jurídicas escolhidas pelos particulares fazendo apelo ao velho princípio do direito romano «plus est in re quam in existimatiomne», prevalecendo assim, em Direito Tributário a substância económica sobre a forma jurídica (art.º 11º, n.º 3 da LGT)".

O ordenamento jus-fiscal português faz, assim, uso de um método de interpretação que, não sendo de interpretação económica pura, também não é de interpretação literal, mas sim de interpretação teleológica e sistemática.

Conforme refere Casalta Nabais, o princípio consagrado no citado n.º 3 do art.º 11.º da LGT parece ir ao encontro de uma teoria mitigada da interpretação económica das normas fiscais, segundo a qual se deve ter em conta a finalidade destas, bem como o seu significado económico e a evolução das circunstâncias, embora com limites.

Atendendo aos interesses próprios da fiscalidade, o sentido e alcance conceptual da expressão partes de capital é mais amplo do que o de mera participação no capital social.

 

l. À luz do papel desempenhado na sociedade beneficiária:

As prestações suplementares desempenham ao longo da sua vida útil uma função de apoio aos capitais permanentes, à semelhança do capital social, e, consequentemente, detêm, em regra, uma elevada permanência na empresa, pelo que, substantivamente, são abrangidas pelo conceito de partes de capital e sujeitas ao regime das mais e menos valias fiscais.

As prestações suplementares, exemplo paradigmático de financiamento por capitais próprios, consistem em entregas efetuadas pelos sócios, para reforço daqueles, em determinado momento da vida de uma empresa, assumindo a forma de capital adicional. Assim, e ainda que as prestações suplementares apresentem distinções face ao capital social, não deixam de ter com este, no que a esta matéria diz respeito, uma natureza análoga.7

Este é também o entendimento sustentado por Sofia Gouveia Pereira m "As prestações suplementares no Direito Societário Português", página 245, Editora Principia, edição de janeiro de 2004, onde refere que "...quanto à natureza jurídica optámos por considerar as prestações suplementares um ágio (posterior), ou "sobre preço da quota" aproximando-as de capital social e afastando-as do empréstimo dos sócios, quanto à sua função, essa poderá ser. como vimos, quer de reforço do capital social, actuando como um capital social "inominal" ou de "segunda linha" (...).

No mesmo sentido, Gonçalves da Silva e Esteves Pereira consideram que as prestações suplementares se justificam por duas razões concorrentes:

1. Por nem sempre haver possibilidade de prever qual o capital necessário para o desenvolvimento dos negócios sociais, peio menos em determinadas épocas;

2. Porque, "embora não constituam um aumento de capital, serem a ele equivalentes, dispensando o cumprimento das respetivas formalidades legais e o dispêndio das despesas inerentes", acrescentando, ainda, que "Na realidade, as prestações suplementares constituem um capital adicional, distinto do capital nominal8, ocupando um lugar intermédio entre este e as reservas propriamente ditas, pelo que devem ser levadas a uma conta específica da situação líquida adicional, adicional, precisamente com os seguintes código e título: 53 - Prestações Suplementares (...)" .

E a própria jurisprudência que acompanha tal orientação na interpretação das normas fiscais, acolhendo o princípio da substância sobre a forma. Veja-se, neste âmbito, entre outros, o Acórdão n.º 523/05 de 3 de maio de 2005 do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), referindo que, "ao direito fiscal importa sobretudo a real configuração das situações de facto, «a realidade económica, a realidade de facto», «a relação económica»".

Assim, atendendo a que as prestações suplementares ao longo da sua permanência na empresa cumprem uma função de fortalecimento dos capitais permanentes, e o seu reembolso obedece a determinadas condições, para efeitos de aplicação do método constante na Circular 7/2004 devem ter o tratamento previsto para as "partes de capital". Neste sentido, veja-se a Informação n.º …/10 da DSIRC11 (pontos 13, 14, 31 e 32), que chega à mesma conclusão.

(...)

 

lI. À luz da classificação contabilística

De acordo com o disposto no n.º2 do artigo 11 da Lei Geral Tributária (LGT) "Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei."

Conforme considera Casalta Nabais, in "Direito Fiscal", 5a edição, edições Almedina, pag. 165, "atentas as importantes e estreitas relações que mantém com os diversos domínios do direito comercial, compreende-se que um tal segmento do direito fiscal deveria ter particulares preocupações de harmonização. O que significa, nomeadamente, que o CIRS e o CIRC devem ter na devida conta a disciplina constante dos CSC, POC, CVM, etc., assim como estes não devem fazer tábua rasa da disciplina contida naqueles códigos".

Acresce que o apuramento do lucro tributável, e consequentemente do IRC a liquidar, tem por base o resultado contabilístico, logo é natural que historicamente os conceitos preconizados ao nível da contabilidade sejam considerados no enquadramento do tema para efeitos fiscais.19

Assim, importa avaliar se à luz dos normativos contabilísticos as prestações suplementares são consideradas partes de capital.

De acordo com o Sistema de Normalização Contabilística (SNC) as prestações suplementares devem ser registadas, pela beneficiária, na conta 53 - «Outros instrumentos de capital próprio». A nota explicativa refere que; "Esta conta será utilizada para reconheceras prestações suplementares ou quaisquer outros instrumentos financeiros (ou as suas componentes) que não se enquadram na definição de passivo financeiro. Nas situações em que os instrumentos financeiros (ou as suas componentes) se identifiquem com passivos financeiros, deve utilizar-se rubrica apropriada das contas 25 - Financiamentos obtidos ou 26 - Acionistas/sócios".

Na ótica da entidade cedente, verificava-se que já no anterior regime contabilístico, o Ofício da Comissão de Normalização Contabilística (CNC) n.º 8/97, de 29 de janeiro de 19972C, refere que as prestações suplementares devem ser classificadas "em subdivisão específica da subconta apropriada da conta 411 -Partes de Capitai', sendo tal entendimento igualmente aplicável às prestações acessórias que se encontrem sujeitas ao mesmo regime jurídico.

Com a entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), as prestações suplementares concedidas continuam a estar incluídas na conta 41 - Investimentos Financeiros, à semelhança do que se verificava na vigência do POC, tendo em consideração a sua substância económica.

 

III. À luz da coerência do sistema fiscal

As questões relativas ao regime fiscal aplicável às prestações suplementares foram já objeto de análise por parte da AT (então DGCI) no Parecer n.º …/2010, de 21 de maio, do Centro de Estudos Fiscais, "no qual se conclui, nomeadamente, que: i) as prestações suplementares (...) que por, deliberação dos acionistas, se convencione aplicar regime idêntico ao estabelecido no artigo 213.º do Código das Sociedades Comerciais devem ser qualificadas como prestações com a natureza de capitais próprios, e, fundamentalmente (...) que ii) estas prestações acessórias devem, igualmente, ser consideradas para todos os efeitos (...) como integrando o conceito de «partes de capital»".21

De facto, o regime das prestações suplementares regulado nos artigos 210.º a 213.º do Código das Sociedades Comerciais aponta no sentido de "os sócios se encontrarem vinculados à realização de prestações suplementares do mesmo modo como se obrigam a efetuar a própria prestação de capital".22

Tal entendimento é confirmado pela Norma Internacional de Contabilidade 32 - "Instrumentos Financeiros: Apresentação", que define como instrumento de capital próprio "qualquer contrato que evidencie um interesse residual nos ativos de uma entidade após dedução de todos os seus passivos" (cfr. § 11). Mais acrescentando que a diferenciação entre um passivo financeiro e um instrumento de capital próprio assenta na "existência de uma obrigação contratual de um participante no instrumento financeiro". Daqui resulta claramente que "as prestações suplementares devem ser tidas jurídica e contabilisticamente como integrando os capitais próprios."

Mais: as prestações suplementares, bem como as prestações acessórias sob regime das prestações suplementares, enquanto investimentos financeiros incluídos no ativo imobilizado, seguem, na sua alienação, o regime das mais-valias e das menos-valias realizadas constante dos artigos 46.º e seguintes do CIRC, pelo que as perdas sofridas com a transmissão onerosa de prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares representam fiscalmente uma menos-valia, sujeita ao regime correspondente.

Verifica-se ainda que, de acordo com os artigos 21.º e 24.º do CIRC, as variações patrimoniais positivas e negativas não refletidas no resultado líquido do período de tributação concorrem para a formação do lucro tributável, excluindo-se, no primeiro caso as "entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de ações, as coberturas de prejuízos, a qualquer título feitas pelos titulares do capital" e no segundo "as saídas, em dinheiro ou em espécie, em favor dos titulares do capital".

Ora, como sublinha Pitta e Cunha "ao conceito de entradas de capital, tal como acolhido na alínea a) do art. 21.º do CIRC, não é conferido o recorte rigoroso que na legislação comercial se dá à obrigação de entrada, aqui configurada como prestação principal dos sócios por contraposição às prestações acessórias, dado que "o legislador fiscal entendeu por entradas de capital não só os valores correspondentes à contribuição formal dos sócios para o capital da sociedade, em sentido próprio, como também outros apports dos sócios, de que não se vê por que haveriam de excluir-se os realizados sob a forma de prestações acessórias".

Por outro lado, importa colocar em evidência os motivos pelos quais, em substância, os encargos financeiros suportados com os financiamentos das prestações acessórias devem ser excluídos para efeitos de apuramento do lucro tributável, nos termos do art.º 32.º do EBF, corporizando o princípio constante do art.º 23.º do CIRC.

Vejam-se os seguintes casos: Caso 1:

A sociedade A SGPS adquiriu no período n uma parte social correspondente a 100% do capital social da empresa B, constituída com um capital social de € 50.000 e prestações suplementares de € 5.000.000, sendo que para o efeito a empresa A recorreu ao crédito bancário.

No período n+3, no momento da alienação da empresa B, a empresa A obtém uma mais valia, excluída de tributação por estarem reunidas as condições da norma em causa. Caso as prestações suplementares não seguissem o mesmo regime resultaria que se afastaria apenas a tributação dos encargos financeiros, aportados durante a detenção da parte de capital social de € 50.000, quando a mais valia económica e respetivo encaixe financeiro decorreu de todo o investimento efetuado na participada (capital social e prestações suplementares).

Nesta situação, não seria nunca dado cumprimento ao ratio que subjaz ao art. 32.º do EBF o qual assenta no princípio da indispensabilidade dos custos, que encorpa o art. 23.º do CIRC, no sentido de apenas serem aceites os gastos indispensáveis à realização dos rendimentos tributáveis.

No exemplo teriam concorrido, indevidamente, para o lucro tributável da SGPS os encargos financeiros associados ao financiamento das prestações acessórias e não teria ocorrido a tributação da mais valia, potenciada por aquelas mesmas prestações acessórias.

Caso 2:

Uma sociedade SGPS, detinha uma participação social adquirida por €100.000, tendo realizado prestações suplementares no valor € 50.000. Em determinado ano, alienou, a uma entidade relacionada, quer a participação social, quer as prestações suplementares pelo valor de € 20.000. Assim, apurou uma perda global no valor de € 130.000. Ora se à perda apurada com alienação das prestações suplementares fosse dado um tratamento diferente à resultante da perda com a alienação das participações sociais (desconsiderada no apuramento do lucro tributável nos termos do número 5 do art 23.º do CIRC), estaria evidente uma clara incoerência do sistema fiscal, por um lado, e por outro, significaria que o legislador havia pretendido dar um tratamento fiscal mais favorável ao financiamento por prestações suplementares, incentivando as empresas a ter um baixo nível de capital social, ou seja a ser dotadas com um capital com um caráter de permanência inferior.

Assim, se conclui pela subsunção, ao conceito de partes de capital, exarado no art. 32.º do EBF, não só das participações sociais (ações e quotas) mas também de outras componentes do capital próprio que em substância desempenhem as funções de capital social, como acontece, in casu, com as prestações suplementares e as prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares.

Concomitantemente serão de excluir para efeitos de apuramento do lucro tributável, nos termos do art. 32.º do EBF, os encargos financeiros associados ao financiamento (i) da aquisição das participações sociais bem como (ii) da concessão de prestações suplementares.

A não ser assim, poderia estar em causa não só a coerência do sistema fiscal, bem como uma interpretação desconforme com os princípios constitucionais.

 

d) Da conformidade dos princípios constitucionais

Vejamos então a questão da conformidade com os princípios constitucionais.

Ordena a Constituição da República Portuguesa, no n.º 2 do seu artigo 104.º que "a tributação das empresas (incida fundamentalmente sobre o seu rendimento real".

Ora, "tributar o rendimento real significa atingir a matéria coletável realmente auferida peto sujeito passivo", como explica Xavier de Basto, no seu artigo "O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária".

Este conceito de tributação do rendimento real surgiu por oposição ao da tributação do rendimento normal, cujo objetivo não era "tributar o rendimento efetivamente percebido pelo contribuinte", mas "antes tributar o rendimento que podia ter obtido, em condições normais de exploração, independentemente, pois, das condições concretas em que desenvolveu a sua atividade".

Mas quando, em 1976, os Constituintes consagraram o princípio da tributação do rendimento real, ficou vedada a possibilidade de determinar a matéria coletável, no caso dos rendimentos empresariais, com base no rendimento normal, desligado da realidade concreta do sujeito passivo.

Também Sousa Franco (Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. II, citado, págs. 186-187), é perentório na afirmação de que a capacidade contributiva está subjacente à constituição fiscal, considerando que o sistema "leva, efetivamente, em conta as faculdades contributivas".

Casalta Nabais (Direito Fiscal, 7.a Edição, Coimbra, 2013, pág. 445 e seguintes) afirma que o princípio da capacidade contributiva extrai-se do princípio da igualdade, estabelecido no artigo 13.º da Constituição. Também Sérgio Vasques (Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2011, pág. 251), considera que o princípio da capacidade contributiva representa «o critério material de igualdade adequado aos impostos», e sustenta que ("Capacidade Contributiva, Rendimento e Património"28, pág. 30) "para que o rendimento constitua um indicador fiável da capacidade contributiva necessário é que (...) nele se compreenda todo o fluxo de riqueza percebido pelo contribuinte que seja útil ao pagamento do imposto"). E acrescenta que "se se pretende auscultar a capacidade prestadora do contribuinte deve necessariamente estender-se o imposto a todo o reforço das suas possibilidades económicas".

Também Pamplona Corte-Real (Curso de Direito Fiscal, Vol l, Lisboa 1982, págs. 88-89), defende que "a igualdade tributária exige que idênticas capacidades contributivas (...), suportem cargas fiscais niveladas".

Vejamos, pois, de que forma a interpretação que fazemos da norma prevista no artigo 32.º do EBF vai ao encontro dos princípios enunciados:

Ao desconsiderar encargos financeiros associados ao financiamento através de capitais próprios das participadas, o que o legislador faz è contrabalançar o benefício concedido às SGPS face aos demais sujeitos passivos de IRC {neste sentido se pronunciou o Acórdão n.º 42/2014 do Tribunal Constitucional, no seu ponto 14).

E aquele financiamento ocorre tanto no momento da aquisição das partes sociais (a aquisição de partes de sociais, numa empresa em inicio, mais não é que a concessão de fundos para a sociedade principiar a sua atividade) como quando se concedem prestações suplementares, as quais visam de igual forma financiar a atividade da sociedade.

São estes financiamentos no momento da aquisição e manutenção de partes de capital - geradores de encargos financeiros - que ao desenvolver e expandir a actividade societária geram no futuro as mais valias isentas de tributação.

Como explica Luís Graça Moura "o legislador terá visado a atribuição de um beneficio - exclusão total de tributação das mais-valias - que, contudo, fosse «contrabalançado pela não concorrência de certos encargos financeiros suportados», criando um ambiente de «neutralidade» entre os eventuais ganhos com determinados ativos (certas imobilizações financeiras) e o passivo necessário à criação das condições para a obtenção de tais ganhos, isto é, o passivo relacionado com a aquisição de tais participações (A "nova" Tributação do Rendimento das SGPS: Reflexões acerca da Tributação de Mais-Valias no Quadro do Princípio da Segurança Jurídica, in Revista Jurídica da Universidade Portucalense Infante D. Henrique, n.º 10, março 2003, pág. 122)"

Quer isto dizer que se as mais-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS, então, e atendendo à característica da neutralidade a que se refere o autor - fundado nos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, - os encargos financeiros suportados com a aquisição e manutenção das partes de capital que possam, potencialmente, vir a beneficiar do regime de exclusão da tributação, também não podem influir na determinação do lucro tributável destas sociedades. Isto é, se os ganhos não são tributados, então, os gastos que lhes estão inequivocamente subjacentes também não podem ser considerados para efeitos de apuramento do lucro tributável das SGPS.

Seria manifestamente injusto, face aos princípios enunciados, perante uma sociedade em que ocorra a tributação das mais valias de partes de capital permitir a dedução dos referidos encargos a uma SGPS que, face à lei, não sujeita aqueles ganhos a tributação. A força económica de ambas as sociedades é diferente, a SGPS que subtrai ao lucro a tributação de mais valias não pode ter o mesmo nível de dedução dos respetivos encargos. Não se aplicaria a tributação do lucro real (rendimento abatido dos gastos correlacionados) mas acenas a dedução fiscal de uma das suas componentes.

(...)

Atentando ainda aos princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, enunciados nos artigos 13.º, n.º 2 do 103.º e n.º 2 do 10-4.º da Constituição, importa frisar o seguinte:

Como bem esclarece o ponto 20 do Acórdão n.º 42/2014, de 9 de Janeiro, emanado do Tribunal Constitucional, "Nesta medida, a Constituição não torna imperioso que a tributação do rendimento das empresas acompanhe, sempre, no momento e de acordo com contabilização dos fluxos financeiros positivos e negativos, os ganhos, custos e perdas realizados ou incorridos em cada período de tributação. Sendo o rendimento real conceito normativa mente modelado, não viola o princípio constante do n.º 2 do artigo 104º da Constituição o regime fiscal que, em prol da neutralidade fiscal - não sendo tributado o ganho, o custo que lhe esteja associado também não o deve ser -, estabeleça a indedutibilidade de um custo em função da suscetibilidade da realização de mais-valias isentas de tributação, cuja realização futura se considero provável ou expectável.", fá-lo em obediência ao princípio constante do n.º 2 do artigo 104.º da Constituição, segundo o qual "a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

Ora, como é dito no Acórdão n.º 162/2004, de 29 de Abril, e reafirmado no Acórdão nº 85/2010, de 3 de Março, ambos do mesmo Tribunal, "o rendimento real fiscalmente relevante" é "um conceito normativa mente modelado". E, como afirma António Carlos Santos (Da questão fiscal à reforma da reforma fiscal, 1998, pág. 129), "o rendimento efetivamente sujeito a tributação (...) é sempre um dado construído segundo as escolhas do legislador".

De facto, ao não serem tributados nem os dividendos nem as mais-valias provenientes da alienação de partes de capital, tais proveitos integrarão a massa patrimonial das SGPS, incrementando a sua capacidade contributiva. Se, paralelamente, se permitisse às SGPS proceder à dedução dos gastos - quer dos gastos financeiros suportados com a aquisição das partes de capital, quer dos suportados com a cedência das prestações suplementares, que visam obter a expansão da actividade da participada - associados a este rendimento, violar-se-ia o disposto no n.º 2 do artigo 104º da Constituição, pois não se atenderia, de facto, ao rendimento disponível, e relevante para efeitos de determinação da capacidade contributiva subjacente à sua tributação.

Resulta, então, que os encargos financeiros incorridos com a aquisição de partes sociais ou concessão de prestações suplementares, que possam potencialmente vir a beneficiar do regime de exclusão de tributação, não podem influenciar a determinação do lucro tributável, ou seja, se os ganhos não são tributados, os correspondentes gastos que estão ligados a tais rendimentos não podem igualmente ser considerados para efeitos de apuramento do lucro tributável.

Face ao exposto, são excluídos para efeitos de apuramento do lucro tributável, atento o estatuído no art 32.º do EBF, os encargos financeiros suportados quer com a aquisição de partes sociais, quer com a concessão de prestações suplementares.

 

e) Da determinação dos encargos financeiros

A Administração Tributária, interpretando e aplicando a lei, fez divulgar a Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC30, onde se sanciona o seguinte entendimento:

No que respeita à aplicação temporal da lei, refere a citada Circular que: "é aplicável aos encargos financeiros suportados nos períodos de tributação iniciados após 1 de janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data", conforme decorre, aliás, do n.º 5 do art.º 38." da Lei 32-B/2002, de 30 de dezembro, o qual estabelece que o (novo) regime previsto no art.º 31.º do EBF (atual art. 32.º) é aplicável às mais-valias e menos-valias realizadas nos períodos que se iniciem após 1 de janeiro de 2003.

De facto, o referido articulado não estabelece qualquer regime transitório aplicável aos gastos financeiros incorridos após 1 de janeiro de 2003, relativos a financiamentos obtidos até 31 de dezembro de 2002. Razão pela qual se devem considerar alcançados pelo artigo 32.º do EBF todos os gastos financeiros suportados e reconhecidos nas demonstrações financeiras referentes aos exercícios de 2003 e seguintes, independentemente da data em que os empréstimos que os originaram foram contratados.

Quanto ao período em que deverão ser feitas as correções fiscais dos encargos financeiros expõe a Circular o seguinte: "relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 32.Q do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, ã consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores".

Ora, atendendo a que uma Sociedade Gestora de Participações Sociais têm por objeto contratual a gestão de participações noutras entidades como forma indireta do exercício de atividade económica," quando a participação for detida por período superior a um ano e corresponda a, pelo menos, 10% do capital com direito de voto, e ainda ao facto de às SGPS ser, regra geral, vedado alienar ou onerar participações sociais detidas antes de decorrido um ano sobre a sua aquisição, parece adequado concluir que todas as participações detidas pelas SGPS deverão, no momento da respetiva alienação, verificar os requisitos necessários à aplicabilidade do regime especial em causa. Assim sendo, deve proceder-se ao ajustamento do lucro tributável relativo aos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações de capital que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 32.º do EBF.

Já no que concerne ao método de apuramento dos encargos em crise, a solução mais adequada consiste em imputar os passivos remunerados das SGPS, em primeiro lugar aos empréstimos remunerados por esta concedidos às empresas participadas e outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição, sendo que, para o efeito, foi proposta uma fórmula de cálculo na Circular 7/2004, de 30 de março.

A esta opção de cálculo, está pois associada a fungibilidade que assiste aos meios financeiros e, concomitantemente, a dificuldade em estabelecer uma relação direta entre os empréstimos obtidos e os ativos financiados, sendo que o método preconizado na circular não colide com o teor do normativo em debate.

Nesta conformidade, se a ratio legis da norma prevista no n.º 2 do art.º 32º do EBF, passa por acautelar a vigência de um regime de neutralidade dos rendimentos e gastos associado às mais-valias excluídas de tributação, garantindo-se que a rendimento não relevante fiscalmente deve corresponder, correspectivamente, encargo que lhe esteja associado, também ele irrelevante fiscalmente, então, assim sendo, para se alcançar tal desiderato, qualquer método (direto ou indireto) é bom, uma vez garantida a salvaguarda da aludida ratio Iegis.

De facto, a referida Circular limita-se a estabelecer a metodologia a observar no cálculo dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital para, por essa via, operacionalizar a aplicação do estatuído no n.º 2 do art. 32.º do EBF.

Diga-se que o facto da Inspeção se socorrer da Circular para proceder à quantificação do montante dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital não se traduz numa diminuição dos direitos e garantias do contribuinte ora inspeccionado. Efectivamente, e tal como Saldanha Sanches in Direito Fiscal, 2a edição, a pág. 42 afirma:

"Estas orientações administrativas, sob a forma de circulares ou sob outras formas, são uma interpretação da lei fiscal e um instrumento unificador das decisões, necessariamente descentralizadas, da administração e têm a sua função específica no processo de massa que constitui o processo fiscal, como tentativa de conciliação da decisão descentralizada e da definitividade dos actos tributários, mesmo quando praticados na base da pirâmide administrativa fiscal.

Continuando, "Com a estrutura formal da norma jurídica - uma vez que não são a aplicação do direito a um caso concreto mas têm antes um carácter geral e abstracto - as circulares valem o que valer a interpretação que fazem da lei. Como se afirmou sem ambiguidades num acórdão do STA ao analisar uma determinada orientação administrativa. O valor da doutrina dessa circular será apenas o da sua valia intrínseca. Contém uma doutrina que será boa ou má, válida ou inválida, como qualquer outra doutrina."

Por fim, conclui que "A orientação administrativa - uma circular de um qualquer serviço da DGCI um parecer superiormente homologado - poderá assim ser considerado, dentro destes limites, como fonte de direito como qualquer outra forma de doutrina".

Deste modo, tendo em vista concretizar o previsto no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, e de acordo com a metodologia consagrada pela circular n.º 7/2004, de 30 de Março, são excluídos, para efeitos de apuramento do lucro tributável, os encargos financeiros suportados com passivos destinados a financiar partes de capital (partes sociais, prestações suplementares e prestações acessórias com o regime de prestações suplementares).

 

f) Método a utilizar e correções propostas

O método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros às partes de capital, de acordo com a circular 7/2004, de 30 de março é o seguinte: "(...) dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte;

1        - Imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros;

2        - Afetar o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição."

 

Utilizando a referida fórmula elaborámos os cálculos a seguir enunciados no sentido de determinar o valor de encargos financeiros suportados pela A… com a aquisição de partes de capital:

1. Ativos Remunerados

O sujeito passivo identificou as contas de balanço onde se encontram relevados os empréstimos concedidos pela empresa, bem como os respetivos valores, os quais, se evidenciam no quadro abaixo:

 

 

II. Passivos Remunerados

O sujeito passivo identificou as contas de balanço onde se encontram relevados os empréstimos obtidos pela empresa, bem como os respetivos valores, os quais, se evidenciam no quadro abaixo:

 

III. Encargos financeiros

 

 

Na alínea c) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, vamos encontrar tipificado, como custos aceites para efeitos do IRC31 os encargos de natureza financeira "como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dividas e emissão de acções, obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado".

Nestes termos, serão de considerar para o efeito da aplicação do art. 32.º do EBF, os seguintes encargos:

> Quaisquer juros de cariz financeiro, associados a empréstimos, incluindo os juros decorrentes de operações de cobertura (swaps);

> Diferenças de câmbio, atendendo a que se deve considerar o saldo entre as contas 68871 e 7887132, se negativo, devidamente expurgado das diferenças de câmbio potenciais (que não são, em qualquer caso, fiscalmente aceites);

> Encargos debitados pelas instituições financeiras pela concessão do crédito (ex: comissões).

 

IV. Afetação dos encargos financeiros às partes de capital

De seguida iremos evidenciar o cálculo do apuramento dos encargos financeiros imputáveis a partes de capital:

 

g) Da norma do art. 23º do CIRC

Ainda que às prestações suplementares não fosse aplicável o regime especial previsto no art. 32.º do EBF, então sempre teria de se aferir da dedutibilidade destes encargos à luz do n º 1 do art. 23.º do CIRC.

Os encargos financeiros suportados, por uma entidade - seja ou não uma SGPS - com a obtenção de fundos os quais se destinam a ser concedidos a título não remunerado por essa mesma entidade a uma participada, não são considerados gastos fiscais face à norma do art.º 23.º do CIRC.

Este artigo estabelece o princípio geral relativo à dedutibilidade fiscal dos gastos suportados pelas entidades sujeitas a IRC. Estabelece este, no seu n.º 1, alínea c) (epígrafe "gastos"), que "Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora", e/encanoo, posteriormente, uma lista de gastos que inclui "Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos e prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado".

Considera-se, assim, que a dedução dos juros e outros encargos deverá obedecer às mesmas regras que são genericamente aplicáveis aos outros gastos suportados pelas empresas, estando, portanto, a sua dedutibilidade condicionada à observância do princípio básico segundo o qual apenas serão fiscalmente dedutíveis quando sejam comprovadamente indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora do respetivo sujeito passivo.

De facto os capitais obtidos, geradores dos encargos financeiros, ao financiarem prestações suplementares (prestações não remuneradas), e por isso não conexionadas com os rendimentos tributáveis da empresa são afastados da exploração desta, visto que, ao invés, são utilizados na atividade da beneficiária.

Sobre esta matéria já foi produzida jurisprudência, nomeadamente pelo Supremo Tribunal Administrativo, e cita-se a título de exemplo o Acórdão do STA, de 12 de julho de 2006 - Processo nº 186/06, no qual foi concluído que "a concessão daqueles suprimentos e prestações [suplementares] não era indispensável para a obtenção dos seus ganhos ou proveitos ou para manter a sua fonte produtora. E, porque assim, os juros suportados nos empréstimos a eles destinados não podem ser contabilizados como custo da sua atividade.

Depois, porque tais juros se destinaram a manutenção da fonte produtora das suas participadas e, por isso, e porque estas são sociedades distintas da Recorrente com contabilidade individualizada, só nestas poderiam ser contabilizados como custo. (...)".

Mais recentemente, e no mesmo sentido, pronunciou-se o STA, no Acórdão proferido no processo n.º 0107/11, em 30/11/2011, consagrando que "à luz do art. 23.º do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas."

Finalmente, porque mesmo tendo a recorrente como objeto a gestão de participações sociais nem assim tais juros poderiam ser qualificados como um gasto pois que «como resulta do DL 495/88, de 30/12, o objeto destas sociedades ê essencialmente a gestão de participações de outras sociedades, traduzindo-se, assim, a sua atividade numa forma indireta do exercício da atividade económica» [ver Acórdão do STA, de 10 de julho de 2002 - Processo n.º 246]"

Vem ainda o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 24 abril de 2012 - Processo n.º 5251/11, referir que "tendo a sociedade dominante deliberado efetuar prestações acessórias de capital com o regime das prestações suplementares nas suas associadas para (...) reforçar o seu capital social, os encargos relativos aos empréstimos contraídos para o efeito, porque diretamente conexionados com o exercício da atividade das associadas, constitui um custo fiscal destas, que não da sociedade dominante".

Por fim, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 7 de fevereiro de 2007 - Processo n.º 1046/05, decidiu que "(...) os custos previstos naquele artigo 23º têm de respeitar desde logo ã própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva se/a por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades".

No mesmo sentido daqueles Acórdãos, indicamos também um estudo publicado nos Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 171, elaborado pela Dra. Maria dos Prazeres Lousa, que considera, a pág. 353, no ponto 3) que "quando uma empresa contrai um empréstimo cujos fundos cedeu, no todo ou em parte, a terceiros, sem estipular remuneração ou fixando-a mas, a uma taxa reduzida, não poderá deduzir, em princípio, a totalidade dos encargos financeiros correspondentes a tais empréstimos na medida em que se pode considerar que os juros nem são suportados para obter proveitos ou ganhos sujeitos a imposto nem para manter a fonte produtora".

Concluímos, assim, que, ainda que as prestações suplementares não fossem consideradas partes de capital para efeitos de aplicação do art. 32.º do EBF, os encargos financeiros suportados com os financiamentos obtidos para a concessão/manutenção das prestações suplementares não remuneradas, não são aceites como gasto nos termos do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, no sentido aliás do que tem sido a jurisprudência, quer do STA quer do TCA do Sul.

Em síntese, não são considerados como fiscalmente dedutíveis, nos termos do art. 23.º do CIRC, os encargos financeiros suportados com financiamentos utilizados para a concessão de prestações acessórias a participadas, por aqueles capitais não serem utilizados na atividade própria da empresa nem estarem associados a ativos remunerados.

Importa salientar que de acordo com jurisprudência dos nossos tribunais não se aceita sem mais um gasto relativo a uma participada com base numa perspectiva de essa sociedade vir no futuro a ressarcir a participante.

(...)

h) Conclusão

Face ao exposto, o contribuinte suportou no exercício a título de encargos financeiros com a aquisição de partes de capital o montante de 1.633.914,75 euros, sendo 957.122,15 euros imputáveis a encargos financeiros com a aquisição de participações sociais e 676.792,60 euros a encargos financeiros com a aquisição de prestações acessórias.

Ora, analisada a declaração de rendimentos do sujeito passivo, relativa ao período de 2012, verificámos que este não procedeu a qualquer acréscimo, no quadro 07 - campo 779, relativamente a encargos financeiros suportados com as aquisições de partes de capital, conforme previsto no n.º 2 do art. 32.º do EBF.

Desta forma, o montante acima referido, em consonância com o disposto no n.º 2 do art. 32 D do EBF, deverá ser desconsiderado como gasto para efeitos fiscais, pelo que se propõe um acréscimo ao lucro tributável de 1.633.914,75 euros.

 

IV – Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos

 

Não aplicável.

 

g)      A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição relativamente ao projecto de Relatório da Inspecção Tributária, mas não o exerceu;

h)      A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu também a Ordem de Serviço OI2014…, de 28-05-2014, destinada a reflectir no lucro tributável do grupo, nos termos do n.º 1 do art. 70º e do n.º1 do art. 91º, ambos do CIRC, a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em resultado do procedimento de inspecção determinado pela ordem de serviço n.º OI2014…, de 28-05-2014, à Requerente;

i)        Nessa inspecção realizada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º O2014…, a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

III - Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável

A presente ação inspetiva teve por base de análise a declaração de rendimentos do grupo A…, que apresenta um lucro tributável de 41.364.275,04 euros, tendo dado origem à liquidação identificada pelo n.º: 2014..., de 28-07-2014.

De acordo com o n.º 1 do artigo 70.º do CIRC, " (...) o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo".

O artigo 115.º do mesmo diploma refere que "quando seja aplicável o disposto no artigo 69.º, o pagamento do IRC incumbe à sociedade dominante (...)".

O lucro tributável do grupo, no montante de 41.364.275,04 euros, corresponde ao somatório dos resultados fiscais apresentados pelas empresas que constituem o grupo A…, conforme quadro seguinte:

                     

 

Deste modo, as correções ao resultado fiscal efetuadas na esfera individual das sociedades pertencentes a um grupo tributado segundo o regime especial de tributação deverão ser refletidas na declaração de rendimentos do grupo, conforme se indica nos parágrafos seguintes.

 

III.1 - Correções à matéria coletável do grupo

O valor total das correções ao lucro tributável do grupo apurado nos termos do n.º 1 do artigo 70.º do CIRC, ascende, no exercício de 2012, a 1.633.914,75 euros, conforme a seguir se discrimina:

 

Resultantes de correções efetuadas ao resultado fiscal da Individual da sociedade dominante A… SGPS, SA- NIPC …

Em resultado da ação de inspeção externa dirigida à sociedade A…SGPS, SA, levada a cabo pela Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2014…, foram apuradas correções ao nível do resultado fiscal declarado em termos individuais por esta sociedade, no valor total de 1.633.914,75 euros, com os fundamentos que constam do relatório de inspeção tributária então elaborado, cuja cópia se junta em anexo (Anexo l).

De forma a repercutir na esfera do grupo a correção operada no apuramento do lucro tributável individual da sociedade A…, nos termos do n.º 1 do artigo 70.º do CIRC, será de acrescer ao lucro tributável declarado pelo grupo o montante de 1.633.914,75 euros, passando de 41.364.275,04 euros para 42.998.189,79 euros, conforme quadro seguinte:

 

(...)

 

VIII - Outros elementos relevantes

O valor da Derrama Municipal, assim como o da Derrama Estadual serão ajustados, em conformidade com o art.º 14.º da Lei n.º 2/2007 de 15/01 e art.º 87.º-A do CIRC respetivamente, em resultado da correção constante do ponto til. 1.

Nos termos do art.º 35." da Lei Geral Tributária, são devidos juros compensatórios sobre as liquidações adicionais que vierem a ser efetuadas, no seguimento das correções mencionadas no ponto III.1 deste relatório, conforme nota demonstrativa de cálculo cujo teor será oportunamente notificado ao contribuinte.

 

j)         Na sequência das inspecções referidas, foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira a liquidação adicional de IRC n.º 2014…, datada de 23-12-2014, com data de compensação de 29-12-2014 que incorpora a correcção à matéria tributável do grupo no montante de € 1.633.914,75, decorrente da correcção efectuada relativamente aos encargos financeiros que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou não dedutíveis (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

k)      A G…, S.A. foi incorporada, pela A…, por escritura pública lavrada em 18-11-1997, sob a denominação de II…, S.A, titular do número de Pessoa Colectiva …, sendo o capital social de 5.000.000$00 (cinco milhões de Escudos, correspondentes a € 24.939,89), inteiramente subscrito e realizado em dinheiro (Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

l)        Posteriormente, por escritura lavrada em 06-01-1998, foi efectuado um aumento de capital de 5.995.000.000$00 (Cinco milhões, novecentos e noventa e cinco mil Escudos, correspondentes a € 29.902.933,93), subscrito na totalidade pela A… e realizado em espécie por via do trespasse de um estabelecimento industrial detido pela A… (cfr. Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

m)    Até 2009, a A…detinha uma participação na JJ…, S.A., cujas acções tinham sido recebidas pela A.. em contrapartida da entrada em espécie para a realização do capital social, no momento da constituição dessa sociedade – JJ…S.A.;

n)      Em 2010, a JJ…, S.A., foi objecto de fusão por incorporação na KK…., S.A., actualmente denominada B…, S.A., estando a participação da JJ…, S.A., incluída no custo de aquisição da sociedade incorporante – a B…, SA. (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

o)      A Administração Tributária emitiu a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, cujo teor se dá como reproduzido, disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/25504FA8-CD27-4EA3-A238-E67E6A99ED75/0/circular_7-2004_de_30_de_marco_da_dsirc.pdf,;

p)      Em 22-05-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que a Requerente tivesse utilizado os financiamentos que geraram os encargos financeiros referidos no Relatório da Inspecção Tributária para adquirir participações sociais ou efectuar prestações acessórias com o regime de prestações suplementares, nos termos definidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto baseia-se no processo administrativo e nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, não havendo controvérsia sobre os factos provados.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão prévia

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita uma questão prévia relativa ao valor que está em causa no presente processo dizendo, em suma, que a matéria colectável objecto de tributação através do acto ora impugnado vai muito para além da decorrente da correcção aqui em causa, pelo que no caso de ser reconhecida razão à Requerente a anulação da liquidação nunca poderia ser total, mas apenas parcial, na parte em que a mesma reflecte desta correcção.

A Requerente respondeu dizendo que pediu a «anulação do ato de liquidação adicional resultante da correção à matéria colectável do Grupo, do exercício de 2012 no montante de Euro 1.633.914,75», pelo que não vê razão para alterar o pedido.

A Requerente discute a legalidade apenas de uma correcção a matéria colectável do Grupo de que é sociedade dominante no montante de € 1.633.914,75, pelo que o que está em causa, no caso de procedência do seu pedido de pronúncia arbitral, será a anulação da liquidação na parte correspondente a essa correcção.

O pedido formulado pela Requerente é o de «anulação do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2014…, de 29 de Dezembro de 2014, a qual incorpora a correcção à matéria colectável do Grupo, no montante de Euro 1.633.914,75 (Um milhão, seiscentos e trinta e três mil, novecentos e catorze Euros, setenta e sete Cêntimos), decorrente da correcção efetuada na esfera individual da A…por supostos encargos financeiros não dedutíveis, nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF».

Afigura-se que este pedido exprime a intenção da Requerente de, no caso de procedência, a liquidação ser anulada na parte decorrente da correcção efectuada por encargos financeiros não dedutíveis.

De qualquer forma, é inequívoco que ambas as Partes entendem que o pedido tem este alcance, pelo que é assim que será entendido, sem ser necessário corrigi-lo.

 

3.2. Posições das Partes sobre as questões de mérito do pedido de pronúncia arbitral

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção à matéria tributável individual da Requerente e, correlativamente, à matéria tributável do Grupo de que a Requerente é sociedade dominante no montante de € 1.633.914,75.

O fundamento da correcção referida é o de a Autoridade Tributária e Aduaneira entender que não são de considerar como gastos da Requerente, enquanto sociedade individual, os encargos financeiros no valor de € 1.633.914,75 suportados com o financiamento obtido para aquisição de participações sociais (no montante de € 957.122,15) e prestações acessórias com o regime de prestações suplementares (no montante de € 676.792,60), por não deverem concorrer para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

Como método de determinação dos encargos financeiros não dedutíveis a Autoridade Tributária e Aduaneira adoptou o regime previsto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, que estabelece, no seu ponto 7, o seguinte:

7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

 

 Como fundamento subsidiário para a correcção efectuada a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, entendendo que «os encargos financeiros suportados, por uma entidade - seja ou não uma SGPS - com a obtenção de fundos os quais se destinam a ser concedidos a título não remunerado por essa mesma entidade a uma participada, não são considerados gastos fiscais face à norma do art.º 23.º do CIRC».

A Requerente diz, em suma, o seguinte:

– que, em regra, os encargos financeiros são dedutíveis e, apenas no momento da verificação da condição suspensiva e se verificada tal condição suspensiva  (decurso do período aplicável previsto no artigo 32.º, n.ºs 2 e 3) proceder aos devidos acertos para efeitos de apuramento do lucro tributável;

– que é ilegal a determinação dos encargos financeiros através do método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, só podendo ser aplicável um critério de imputação directa e real de apuramento dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital;

– que o ónus da prova da imputação de determinados encargos financeiros às respectivas aquisições de partes de capital cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira, quando divergir do declarado pelo contribuinte e que, no caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não logrou provar que, em 2012, foram suportados encargos financeiros decorrentes de financiamento obtido para a aquisição de participações sociais que tivessem sido posteriormente, alienadas;

– que as participações sociais detidas por uma SGPS numa sociedade, quando essa participação respeitar a acções recebidas em contrapartida da entrada em espécie, para a realização do capital social, no momento da constituição dessas sociedades, não podem ser consideradas participações adquiridas, para efeitos de aplicação do regime previsto no artigo 32.º do EBF e que algumas das participações detidas pela A…resultaram de operações de entradas de activos, tratando-se de acções recebidas pela A…em contrapartida da entrada em espécie para a realização do capital social, no momento da constituição dessas sociedades, designadamente a participação detida pela A… na G…e parte da participação detida na B…, SA. (anteriormente denominada KK…, SA) sociedade que incorporou, por fusão em 2010, a JJ…, S,A.; a Requerente invoca em abono da sua posição o teor da Ficha Doutrinária da Autoridade Tributária e Aduaneira respeitante ao processo 2799/2009;

– que os encargos financeiros suportados com a realização de prestação suplementares (prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares) não devem ser considerados para efeitos de aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, por, em suma, não se enquadrarem no conceito de «partes de capital», que não abrange prestações suplementares;

– que os gastos com os encargos financeiros suportados por uma SGPS para efectuar prestações acessórias a sociedades suas participadas são dedutíveis, à face do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, e do conceito de indispensabilidade aí contido e que, se assim, não se entender, estar-se-á perante uma situação de inconstitucionalidade por ofensa do princípio da tributação pelo lucro real.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende no presente processo o seguinte, em suma:

– quanto ao período em que deverão ser feitas as correções fiscais dos encargos financeiros é de aplicar o que se prevê no n.º 6 da Circular n.º 7/2004: “Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores”; mas, no caso em apreço, todas as participações eram detidas há mais de um ano;

– não é inconstitucional o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na parte em que impõe a indedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital logo que estes sejam incorridos, independentemente da realização de mais valias isentas de tributação com a alienação de tais partes de capital;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira não presumiu qualquer alienação, nem tal faria sentido ou seria necessário para a correcção efectuada;

– no art. 32.º do EBF criou-se uma ligação entre a aquisição de partes de capital detidas e mantidas ao longo de um dado período mínimo, em consonância com o regime jurídico da SGPS, e a relevância fiscal dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição, um ambiente de neutralidade entre os ganhos com determinados activos financeiros e os gastos associados ao passivo necessário à aquisição e manutenção desses activos, que constitui um mero corolário do princípio geral da indispensabilidade dos gastos, ou seja, do princípio segundo o qual a dedução fiscal é condicionada à sua conexão com a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto e do qual resulta que se determinados gastos estão relacionados com rendimentos não sujeitos a imposto não são fiscalmente dedutíveis;

– o nº 2 do artigo 32º do EBF não exige que o método a aplicar para afectação dos encargos financeiros seja o método directo, pelo que pode ser utlizado qualquer método adequado;

– a Requerente não procedeu a uma afectação específica dos seus encargos financeiros, pelo que seria difícil aplicar o método directo e não foram trazidos ao conhecimento da inspecção elementos que permitam aplicar o método directo;

– a afectação não específica é, nessa situação, a única que permite manter o respeito pela ratio legis do regime em apreço, ou seja a neutralidade entre proveitos e custos;

– o acolhimento da interpretação normativa do nº2 do artigo 32º do EBF defendida pela Requerente redundaria também numa inaceitável violação do princípio da igualdade e, bem assim, do princípio da capacidade contributiva que exprime e concretiza o princípio da igualdade tributária, pois apenas os contribuintes que não realizassem a afectação directa poderiam deduzir fiscalmente os encargos financeiros;

– também quanto à imputada inconstitucionalidade da Circular nº 7/2004 improcede o pedido de pronúncia arbitral;

– a Informação Vinculativa a que se refere a requerente, aplica-se para um caso em concreto: o caso em que as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, e não para a generalidade das entidades;

– as aquisições por contrapartida de entradas em espécie, não perdem a natureza de aquisições por não terem associado um pagamento monetário, não existindo qualquer justificação legal que permita concluir que a forma de pagamento altere a natureza translativa do acto;

– as prestações suplementares integram o conceito de «partes de  capital»;

– são indedutíveis, a luz do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, os encargos financeiros com empréstimos suportados pelas SGPS para a concessão de prestações acessórias às suas participadas;

– nunca se aceitam gastos que não tenham ligação - ainda que potencial - a rendimentos;

O entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira não é incompaginável com o princípio da tributação fundamentalmente sobre o seu rendimento real;

– a interpretação apresentada pela Requerente é, também ela, ofensiva do princípio da capacidade contributiva.

 

3.3. Poderes de cognição dos tribunais arbitrais em contencioso de anulação e ordem de conhecimento dos vícios

 

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa declarar a ilegalidade de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT e eliminar os efeitos jurídicos por eles produzidos, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

Por isso, sendo o acto praticado pela Administração Tributária o objecto do processo, tem de se apreciar a sua legalidade à face dos seus precisos termos, tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional. ( [1] )

No que concerne à ordem de conhecimento dos vícios, há que atender ao disposto no artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, pelo que, não sendo imputados às liquidações impugnadas vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada uma relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

Como é corolário do estabelecimento pelo referido artigo 124.º do CPPT de uma ordem de conhecimento de vícios, se for julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não será necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

No caso em apreço, a Requerente não imputa vícios de forma, pelo que são semelhantes os efeitos que a procedência dos vícios pode ter a nível da estabilidade e eficácia da tutela dos interesses da Requerente, pelo que se seguirá a ordem indicada pela Requerente, como se prevê na parte inicial da alínea b) do artigo 124.º do CPPT.

 

3.4. Questão da indedutibilidade dos encargos financeiros logo que sejam incorridos

A Autoridade Tributária e Aduaneira interpreta o pedido de pronúncia arbitral como suscitando a questão saber em que período deverão ser efectuadas correções fiscais dos encargos financeiros.

No entanto, examinando o pedido de pronúncia arbitral e as alegações da Requerente, não se encontra na abordagem que a Requerente faz dessa questão a imputação de qualquer vício ao acto, designadamente qualquer afirmação de que, a deverem ser efectuadas correcções, elas deveriam ser efectuadas noutro exercício.

Na verdade, a Requerente limita-se a fazer uma alusão às dificuldades de aplicação do regime do artigo 31.º, n.º 2, do EBF, «no que respeita ao conceito de encargos financeiros e ao momento da definição do regime, no que respeita à necessidade de alocação dos encargos financeiros», e a afirmar que «sempre pautou o seu comportamento pela adopção ab initio de um princípio de dedutibilidade» que «consiste em considerar, em regra, que os encargos financeiros são dedutíveis e, apenas no momento da verificação da condição suspensiva e se verificada tal condição suspensiva, proceder aos devidos acertos para efeitos de apuramento do lucro tributável nos termos do previsto nos n.º 2 e 3 do artigo 32.º do EBF. (artigos 19.º a 22.º do pedido de pronúncia arbitral).

Mas, em nenhum ponto do pedido de pronúncia arbitral a Requerente imputa erro à Autoridade Tributária e Aduaneira quanto à questão do exercício em que deve ser efectuada a dedução, designadamente não fazendo qualquer referência a violação das normas legais que regulam a imputação de gastos aos exercícios.

Na verdade, a condição suspensiva a que a Requerente alude, fazendo uma citação no artigo 20.º do pedido de pronúncia arbitral, é a de ter decorrido mais de um ano desde a aquisição das participações sociais, não afirmando a Requerente que essa condição não se tenha verificado.

As conclusões das alegações confirmam esta interpretação do pedido de pronúncia arbitral, pois não é feita qualquer alusão a esta questão.

 Por isso, quanto a este ponto nada há que decidir.

 

3.5. Questão da ilegalidade da determinação dos encargos financeiros através do método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004

 

O artigo 32.º, n.º 2, do EBF estabelece que «as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades».

Como se referiu, a Autoridade Tributária e Aduaneira determinou os encargos financeiros que entendeu terem sido suportados pela Requerente para adquirir as participações sociais e efectuar as prestações acessórias com regime de prestações suplementares através do método previsto no ponto 7. da Circular n.º 7/2014, que estabelece que «quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição».

A Requerente defende que nem o CIRC nem o EBF definem uma regra para apuramento de "presumíveis" encargos financeiros suportados pelas SGPS com financiamentos obtidos para aquisição de participações, que devam ser considerados fiscalmente não dedutíveis e que o artigo 32.º, n.º 2, referido pressupõe uma afectação directa e que não é admissível o recurso a critérios de imputação de encargos financeiros não dedutíveis, criados à margem da lei, sendo, no caso, exigível lei formal ou decreto-lei autorizado, por força do princípio da legalidade.

Na verdade, o n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que é manifesto que pressupõe que seja determinada a afectação de encargos financeiros à aquisição de determinadas partes de capital que (na interpretação assumida por ambas as partes) terão de ser detidas por mais de um ano.

Por outro lado, não há o mínimo suporte legal para, em vez de determinar casuisticamente se existe ou não tal afectação dos recursos financeiros geradores dos encargos à aquisição de determinadas partes de capital, imputar os encargos, «em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição».

Este método só corresponderia ao legalmente exigido para determinar os encargos não dedutíveis, se se provasse que, de facto, os financiamentos a que se referem os encargos financeiros tinham sido afectados da forma aí prevista e, designadamente, no que concerne às participações sociais, tinham sido utilizados proporcionalmente para as adquirir. Mas, para além dessa falta de prova da correspondência entre a realidade e o critério de imputação utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nem sequer é aventada na referida Circular qualquer explicação para ser utilizada fórmula indicada e não outra.

Por outro lado, como defende a Requerente, a definição dos pressupostos da tributação é matéria sujeita ao princípio da legalidade, desde logo por força do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP que estabelece que «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes».

Este princípio é reafirmado e ampliado pela LGT, no seu artigo 8.º.

É, assim, claro que as normas relativas à liquidação de tributos, designadamente, as que definem a incidência e os benefícios fiscais, estão subordinadas ao princípio da legalidade, estando consequentemente afastada a possibilidade de, por via administrativa, serem criadas normas de que resulte uma efectiva oneração para os contribuintes. ( [2] )

São normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação». Neste sentido, são normas de incidência as que determinam os sujeitos activo e passivo da obrigação tributária, as que indicam qual a matéria tributável ou colectável, a taxa e os benefícios fiscais. ( [3] )

O ponto 7 da Circular n.º 7/2014 consubstancia uma norma de natureza inovadora sobre a determinação da matéria tributável de IRC e, em última análise, sobre a amplitude de um benefício fiscal, pelo que é inválida por violação do princípio da legalidade.

Por outro lado, é patente pelo Relatório da Inspecção Tributária que a Autoridade Tributária e Aduaneira nem sequer procurou averiguar se era possível determinar a afectação directa de recursos financeiros à aquisição de participações sociais, avançando decididamente para a aplicação do método previsto na Circular, o que justificou até com a consideração de «qualquer método (direto ou indireto) é bom, uma vez garantida a salvaguarda da aludida ratio legis» e que «a esta opção de cálculo, está pois associada a fungibilidade que assiste aos meios financeiros e, concomitantemente, a dificuldade em estabelecer uma relação direta entre os empréstimos obtidos e os ativos financiados, sendo que o método preconizado na circular não colide com o teor do normativo em debate».

Ora, o princípio da legalidade invocado pela Requerente através da citação do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15-01-2015, proferido no processo n.º 00946/09.0BEPRT), referido no artigo 55.º da LGT, tem também a vertente atinente a actividade da administração, sendo aí indicado como um dos princípios do procedimento tributário (em concretização do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, que estabelece que «os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei»).

  O conteúdo do princípio da legalidade é indicado no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, vigente ao tempo em que foi emitida a liquidação e subsidiariamente aplicável ao procedimento tributário por força do disposto na alínea c) do artigo 2.º da LGT, tendo a formulação positiva de que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos».

Neste artigo 3.º do CPA de 1991, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». ( [4] )

«A lei não é apenas um limite à actuação da Administração: é também o fundamento da acção administrativa. Quer isto dizer que, hoje em dia, não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça». ( [5] ) ( [6] )

Por isso, no caso em apreço, como se entendeu no referido acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte citado pela Requerente, «pretendendo a ATA desconsiderar os custos contabilizados pela recorrida com fundamento na violação do art.° 31°/2 do EBF, deveria demonstrar os pressupostos do seu direito à tributação, ou seja, deveria provar que esses custos não eram legalmente dedutíveis quer porque se realizaram menos valias com a transmissão onerosa de partes de capital detidas há menos de um ano, quer porque foram suportados e contabilizados encargos financeiros com a sua aquisição». Na verdade, era este o método directo o que deveria ter sido utilizado, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode fazer uso de um método indirecto para determinar a matéria tributável da Requerente sem estarem reunidos os requisitos legais de que a lei faz depender a sua utilização, previstos nos artigos 85.º e 87.º da LGT, e não pode usar para a quantificação da matéria tributável critérios não previstos na lei (artigo 90.º da LGT).

No que concerne à posição defendida pela Requerente, na esteira do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15-01-2015, proferido no processo n.º 00946/09.0BEPRT, sobre o ónus da prova da afectação dos encargos financeiros, a Requerente apenas tem razão se encarado este ónus globalmente, tendo em conta tudo o que tem de provar para chegar à conclusão a que chegou.

Na verdade, embora em matéria de benefícios fiscais existam normas especiais de que se infere que o ónus da prova dos factos necessários para deles usufruir cabe a quem os invoca (artigos 14.º, n.º 2, e 74.º, n.º 1, da LGT), na específica situação em apreço não se está perante a invocação de pressupostos de benefícios fiscais, pois a parte do artigo 32.º, n.º 2, do EBF que prevê a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não estabelece um benefício fiscal, mas sim uma limitação à dedutibilidade de encargos financeiros, negativa para o contribuinte, estabelecida com a finalidade de atenuar o regime fiscalmente favorecido de que usufruem as SGPS em relação às sociedades em geral.

Por isso, ao determinar a não dedutibilidade do encargos financeiros, a Autoridade Tributária e Aduaneira está levar a cabo uma actividade de natureza desfavorável para o contribuinte, pelo que lhe cabe o ónus da prova dos factos que invocar para fundamentar a sua actuação, designadamente, ao optar pela utilização de método indirecto de determinação da matéria tributável, de provar que se verificava algum ou alguns dos pressupostos legais da sua aplicação, indicados no artigo 87.º da LGT, como decorre do n.º 3 do artigo 74.º da LGT. Será esta a regra especial do ónus da prova a aplicável aos casos de uso de métodos indirectos de determinação da matéria tributável e não a regra geral do artigo 74.º, n.º 1, invocada pela Requerente.

No caso em apreço, esta prova não foi feita, pois

– a própria Autoridade Tributária e Aduaneira afirmou expressamente no Relatório da Inspecção Tributária a regularidade da escrituração da Requerente (dizendo no ponto «II - 3.2 - Regularidade da escrituração»

 «A empresa dispõe de contabilidade organizada, nos termos da lei comercial e fiscal, permitindo o controlo do lucro tributável em sede de IRC e do cálculo do imposto em sede de IVA);

– não se refere no Relatório da Inspecção Tributária ter sido efectuada qualquer diligência junto da Requerente para obter informações sobre a hipotética afectação ou não de financiamentos à aquisição de partes de capital;

– não é dada no Relatório da Inspecção Tributária qualquer explicação sobre os motivos por que, em concreto, em face dos elementos da escrita da Requerente, se concluiu que não podia ser directamente apurado se e em que medida financiamentos foram utilizados para aquisição de partes de capital e quais, tendo mesmo a Autoridade Tributária e Aduaneira, sobre os «factos que implicam o recurso a métodos indiretos», referido no ponto IV do Relatório da Inspecção Tributária, apenas o seguinte: «Não aplicável».

 

Se não se provaram, em concreto, «factos que implicam o recurso a métodos indiretos», não podem ser utilizados métodos indirectos para determinar a matéria tributável, pois estes só podem ser utlizados quando se demonstrar não ser viável a utilização de métodos directos, como decorre do artigo 85.º, n.º 1, da LGT.

Mas, de qualquer forma, não há uma violação directa da regra do ónus da prova, pois, se se provassem factos que permitissem o uso de métodos indirectos, seria à Requerente que caberia o ónus de provar o eventual excesso na quantificação, nos termos do artigo 74.º, n.º 3, da LGT.

No que concerne à alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira de que esta interpretação viola o princípio da igualdade e, bem assim, do princípio da capacidade contributiva que exprime e concretiza o princípio da igualdade tributária «apenas os contribuintes – como é o caso da requerente - que não realizassem a afectação direta poderiam deduzir fiscalmente os encargos financeiros», assenta num pressuposto errado, pois a afectação de financiamentos à aquisição de partes de capital, quando ocorre, é necessariamente directa.

A «afectação indirecta» criada pela Autoridade Tributária e Aduaneira através da Circular n.º 7/2004 é uma mera ficção, baseada em presunções cujo fundamento não é nela explicado, para levar a concluir que houve uma afectação (necessariamente directa) de financiamentos à aquisição de participações sem se apurar se ela ocorreu ou não e em que medida.

Ora, como é óbvio, aos contribuintes em relação aos quais não se provou que afectaram financiamentos à aquisição de partes de capital não pode ser dado o tratamento jurídico que é dado àqueles que se provou tal afectação, para efeito do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, pois a afectação é o pressuposto necessário da sua estatuição.

Conclui-se, assim, que o acto impugnado enferma de vício de violação de lei, por não ter observado o regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF e ter infringido o princípio da legalidade, nas vertentes formal (artigos 103.º, n.º 2, da CRP e 8.º, n.º 1, da LGT) e procedimental (artigos 55.º da LGT e 266.º, n.º 2, da CRP).

 

 

3.6. Questão de saber se a quantificação viola o artigo 32.º, n.º 2, do EBF por nela se ter considerado participações sociais constituídas por acções recebidas em contrapartida de entrada em espécie para a realização do capital social

 

Em face desta posição assumida sobre a quantificação operada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ser incompaginável com o artigo 32.º n.º 2, do EBF, fica prejudicado, por ser inútil, apreciar a questão de saber se a correcção efectuada também viola esta mesma norma por ter considerado nela participações sociais constituídas por acções recebidas em contrapartida de entrada em espécie para a realização do capital social.

 

3.7. Questão da qualificação das prestações acessórias com o regime de prestações suplementares como «partes de capital» para efeitos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redacção vigente em 2012

 

A Requerente defende que os encargos financeiros suportados com a realização de prestações suplementares (prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares) não devem ser considerados para efeitos de aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, por, em suma, não se enquadrarem no conceito de «partes de capital», que não abrange prestações suplementares.

Esta questão já foi apreciada no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 39/2013-T que se seguirá de perto.

O artigo 32.º, n.º 2, do EBF estabelecia, na redacção vigente em 2012 (introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) ( [7] ), o seguinte:

 

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

 

            Da parte final desta norma resulta que os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS.

            No caso em apreço, os encargos financeiros em causa foram suportados pela Requerente, que é uma SGPS, para efectuar prestações acessórias com o regime de prestações suplementares, a suas participadas, pelo que a aplicabilidade desta norma à situação depende da qualificação destas prestações suplementares como «partes de capital».

«Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» (artigo 11.º, n.º 1, da LGT), o que constitui uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil.

No n.º 2 do mesmo artigo 11.º estabelece-se que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».

Desta norma resulta que, embora a regra seja a de os termos utilizados nas normas fiscais devam ser interpretados com o mesmo alcance que têm noutros ramos do direito, há uma excepção, que é decorrer directamente da lei fiscal que o sentido do termo utilizado na lei fiscal é diferente do que tem noutros ramos do direito.

Aliás, é uma excepção que está em sintonia com outra regra interpretativa geral, que é a de que a lei especial prefere à lei geral no seu específico domínio de aplicação, isto é, se decorre directamente de uma norma fiscal, especial para a situação que regula, o sentido de um determinado termo, nem interessará saber se esse sentido corresponde ou não ao que é utilizado na lei geral, pois esse sentido directamente decorrente da lei para uma específica situação terá de ser forçosamente o que se tem de adoptar e não o sentido com que é utilizado em qualquer norma que não tenha natureza de lei especial para a referida situação.

De qualquer forma, do n.º 2 do artigo 11.º do EBF resulta que, em boa hermenêutica, a primeira tarefa do intérprete da lei fiscal para apurar o alcance de um termo nela utilizado é apurar se da lei fiscal decorre directamente o sentido desse termo.

Só se não se estiver perante uma situação deste tipo, se poderá fazer apelo ao sentido dos termos utilizados noutros ramos de direito.

Ora, no caso em apreço, para esclarecimento da questão de saber se as prestações suplementares são abrangidas no conceito de «partes de capital» há uma norma da qual decorre directamente que aquelas não se englobam neste conceito, que é o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, vigente no ano de 2012.

Estabelece-se neste n.º 3 do artigo 45.º o seguinte:

 

3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

 

Utilizam-se nesta norma dois conceitos: o de «partes de capital» e o de «outras componentes do capital próprio».

As «partes de capital» são também «componentes do capital próprio», como se depreende da palavra «outras», mas o alcance de «partes do capital» é necessariamente mais restrito do que o de «capital próprio», que englobará, além das «partes de capital» também «as outras componentes».

Tal como está redigida a norma, as prestações suplementares englobar-se-ão no conceito de «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital», pois a referência àquelas aparece a seguir a este último conceito e não ao primeiro.

Na verdade, se se entendesse, para este efeito, que as prestações suplementares se integravam no conceito de «partes de capital», é óbvio que a referência a elas se incluiria a seguir a este conceito e não a seguir ao conceito de «capital próprio»: isto é, dir-se-ia «(...) perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital, designadamente prestações suplementares, ou outras componentes do capital próprio concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

Aquela referência às prestações suplementares não existia na redacção do artigo 42.º do CIRC ( [8] ) da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro ( [9] ), só sendo feita na redacção introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, pelo que a alteração legislativa foi efectuada com o intuito de precisar o alcance fiscal dos conceitos utilizados, designadamente o conceito de «partes de capital», mostrando que ele, na perspectiva do legislador do CIRC, não abrangia as prestações suplementares.

Tratando-se de uma alteração com alcance esclarecedor, é de presumir reforçadamente que o legislador soube concretizar em termos adequados esse objectivo (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) e pretendeu explicitar que as prestações suplementares, para efeitos de IRC, se enquadram entre as «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital».

Esta delimitação do conceito de «partes de capital» que se extrai do referido n.º 2 do artigo 45.º é feita para efeitos de determinação de menos valias, que se inclui na matéria de que trata o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (é uma norma que afasta em relação às SGPS a relevância tributária em geral prevista no CIRC para as mais-valias e menos-valias) pelo que, tendo-se de presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (nos termos do referido artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), justifica-se a conclusão de que foi utilizada na norma especial o mesmo conceito de «partes de capital» que foi utilizado na norma que prevê a relevância tributária regra.

Para além disso, a norma do artigo 32.º, n.º 2, do EBF foi reformulada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, já depois da alteração introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 no artigo 45.º do CIRC e a nova redacção daquela norma mantém a referência apenas às «partes de capital» sem qualquer alusão às «outras componentes do capital próprio» a que alude o artigo 45.º, n.º 2.

Esta conclusão, extraída do teor literal do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, conjugado com o artigo 45.º, n.º 2, é confirmada pela razão de ser do regime especial das mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS, que não vale em relação às prestações suplementares, como proficientemente se explica no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 12/2013-T, nestes termos:

 

“em geral, o regime das mais-valias visa conceder um regime especial favorável aos imobilizados tangíveis e financeiros (acções e quotas) das sociedades, como forma de combater o efeito de lock-in – fenómeno que no sistema fiscal da realização condiciona o racional fluir económico dos activos (compra e venda) por razões que se prendem com constrangimentos fiscais (pagamento do imposto). No fundo, evitar o cenário de um sujeito que não vende um activo (acção ou quota) de que é titular – e todas as razões económicas o aconselham – apenas pelo facto de ir pagar nesse momento um elevado imposto (porque a tributação só é descarregada com a venda do activo e não na cadência da sua valorização anual). É este motivo que justifica a infra tributação dos activos tangíveis e financeiros (acções e quotas), corporizado num regime fiscal especial de tributação das mais valias.

E nada disso se verifica nas prestações suplementares. Elas são devolvidas, ao par, segundo as regras do direito comercial. Não existe, nem se quer forçar a existência, de um mercado (secundário) de volumosas transacções de prestações suplementares. E não é crível que os parcos detentores de prestações suplementares abaixo do par não queiram receber o seu valor nominal, com receio ou temor do pagamento de imposto associado; ou que isso seja um óbice económico tal que justifique criar ou inseri-los no regime especial das mais e menos valias.”

 

Assim, conclui-se que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redacção vigente em 2012, ao estabelecer, reportando-se às «partes de capital», que «não concorrem para a formação do lucro tributável» das SGPS os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», não fasta a relevância para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com prestações suplementares.

Por isso, a correcção efectuada quanto às prestações acessórias com regime de prestações suplementares não tem suporte legal no artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

 

3.7. Questão da indispensabilidade para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com as prestações acessórias com o regime de prestações suplementares a participadas

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, no Relatório da Inspecção Tributária, que

«os encargos financeiros suportados, por uma entidade - seja ou não uma SGPS - com a obtenção de fundos os quais se destinam a ser concedidos a título não remunerado por essa mesma entidade a uma participada, não são considerados gastos fiscais face à norma do art.º 23.º do CIRC»;

– «os capitais obtidos, geradores dos encargos financeiros, ao financiarem prestações suplementares (prestações não remuneradas), e por isso não conexionadas com os rendimentos tributáveis da empresa são afastados da exploração desta, visto que, ao invés, são utilizados na atividade da beneficiária»;

– «em síntese, não são considerados como fiscalmente dedutíveis, nos termos do art. 23.º do CIRC, os encargos financeiros suportados com financiamentos utilizados para a concessão de prestações acessórias a participadas, por aqueles capitais não serem utilizados na atividade própria da empresa nem estarem associados a ativos remunerados»;

– «de acordo com jurisprudência dos nossos tribunais não se aceita sem mais um gasto relativo a uma participada com base numa perspectiva de essa sociedade vir no futuro a ressarcir a participante».

 

Esta questão foi já apreciada, com os mesmos pressupostos de facto e de direito no processo do CAAD n.º 39/2013-T, com cuja decisão se concorda, pelo que se seguirá a sua fundamentação.

 

3.7.1. A interpretação do conceito de indispensabilidade dos custos ou perdas

 

A interpretação do conceito de indispensabilidade constante do artigo 23.º do CIRC tem, na doutrina jurídico-fiscal portuguesa, em TOMÁS TAVARES e ANTÓNIO PORTUGAL, autores de obras nucleares quanto à dilucidação de tal conceito.

Para o primeiro destes autores: “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo.”

E continua: “ (…) A indispensabilidade subsume-se a todo qualquer ato realizado no interesse da empresa…A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro”.

O segundo autor, relativamente à questão de saber qual a melhor interpretação do conceito de indispensabilidade, exprime a seguinte posição:

 

A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário. Esta posição está presente desde logo nos escritos de Vítor Faveiro, que reconduz a indispensabilidade do gasto à sua apreciação como ato de gestão em função do concreto objecto societário, recusando que esta indispensabilidade possa ser aferida livremente a partir de um qualquer juízo subjectivo do aplicador da lei”.

Estas obras sustentam pois que qualquer decaimento económico (gasto) que tenha uma relação com o objecto societário, seja incorrido no âmbito da actividade, ou evidencie um business purpose, cumprirá o requisito da indispensabilidade.

No plano da jurisprudência, e em especial no que respeita à dedutibilidade de gastos relativos a juros suportados por sociedades que aplicam os capitais tomados de empréstimo no financiamento de participadas, merece destaque o Acórdão do STA de 7 de Fevereiro de 2007, no qual se afirma:

 

“Daqui resulta que os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte.

Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.
A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.

As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.

Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.

 

Também aqui a noção de actividade ou de interesse social se revela o traço marcante na admissibilidade fiscal dos gastos, quando aferida pelo artigo 23.º do CIRC. E na jurisprudência adicional, citada pela Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira, predomina, como era de esperar, a questão de ligação da admissibilidade fiscal dos gastos financeiros em função de se considerar que a entidade financiadora realiza ou não, nessas operações, actividade própria.

Ora, em face do que se referiu, é claro que, tanto no plano doutrinal como na esfera jurisprudencial, a ligação à actividade será o elemento nuclear da chave interpretativa do conceito de indispensabilidade. Assim, e para o caso em apreço, a análise do que se entende por “actividade” das sociedades, em particular de uma SGPS, revela-se essencial.

Vejamos então, num plano geral, o que entendemos por actividade dos entes societários; e depois, no caso em apreço, o que se deve entender por actividade própria de uma SGPS.

 

 3.7.2. A actividade das sociedades

 

A actividade de um ente societário consiste nas operações decorrentes do uso e gestão dos seus recursos. Tais recursos são, em primeira linha, os activos que constam do respectivo património.

A partir da noção de “activo” que o normativo contabilístico estabelece, pode concluir-se que tanto será actividade a gestão de um activo físico, como a de um intangível, com a de um activo não corrente detido para venda, como a de um activo financeiro.

Assim, suponha-se que a sociedade ALFA participa na sociedade BETA na proporção de 100%. A primeira é pois titular de um activo financeiro. Que “actividade” resulta na esfera de ALFA da participação que esta detém em BETA?

A primeira pode intervir na segunda, determinando a produção de novos bens ou serviços, a minimização de gastos, ou outras medidas que aumentem o lucro operacional. Mas é também claro que ALFA poderá intervir em BETA no plano das operações financeiras. Quer aumentando o capital de BETA a fim de incrementar a respectiva capacidade de investimento, ou dotá-la de meios financeiros que reforcem a tesouraria.

A entidade ALFA, no exercício da sua actividade própria, administra e toma decisões referentes a um activo financeiro, que decorre da dita participação. Tal constitui actividade de ALFA e não de BETA. Esta beneficia dessa actividade, sofre os efeitos das decisões de ALFA, mas não desenvolve a actividade de gestão da participação.

Caso os gestores de ALFA executem operações que afectem o financiamento de BETA não estão a desenvolver actividade de terceiros. Estão a desenvolver actividade própria de ALFA, derivada directamente da gestão do activo financeiro traduzido na participação em BETA. A empresa BETA tem a natureza de entidade participada, o que confere às decisões da participante o qualificativo de uma actividade própria, inerente ao seu escopo: a gestão de tal participação. E essa gestão pode envolver operações de financiamento que fazem parte da actividade da participante.

A participada não é um qualquer ente estranho à actividade e interesses da participante. Não há um gasto na esfera da última que nada tem que ver com o seu interesse societário. O gasto com juros incorridos com capitais obtidos, e posteriormente aportados à participada, é feito no interesse da participante, numa consequência directa da sua actividade de gestão de um activo que emerge de uma participação, a qual é real ou potencialmente produtora de rendimento.

 

3.7.3. A actividade das SGPS e a dedutibilidade dos encargos financeiros em causa

 

 De harmonia com o disposto no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro ( [10] ) as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante. ( [11] )

Em face do exposto, revela-se claro que a actividade das SGPS - conceito essencial para aferir da indispensabilidade dos gastos por estas incorridos no âmbito da aplicação do artigo 23º do CIRC – não só engloba a gestão de participações sociais, como é este o seu único objecto contratual.

Ora, a gestão de participações sociais envolverá, naturalmente, a sua aquisição, as operações de administração levadas a cabo pela participante necessárias à valorização do activo financeiro adquirido, o financiamento de tal activo e a eventual posterior alienação. Tudo isto se pode subsumir na actividade de uma SGPS.

Assim sendo, o financiamento de uma participada decorre do interesse da participante, a fim de, garantindo a sustentação financeira do activo adquirido, incrementar o seu potencial de fonte produtora de rendimento.

Em tal caso, os encargos financeiros que resultem de financiamentos contraídos para, posteriormente, reforçar o capital próprio de uma participada, incluem-se, fazem parte do âmbito, da actividade de uma SGPS. Disso não restam dúvidas face ao disposto na norma, acima mencionada, que regula a sua actividade.

Conclui-se, assim, que, estando esses encargos relacionados com a actividade própria da SGPS, eles preenchem os requisitos em que assenta a interpretação o conceito de indispensabilidade do artigo 23.º do CIRC, designadamente na parte do n.º 1 deste artigo em que se dá relevância aos gastos indispensáveis para a manutenção da fonte produtora de rendimentos, em que se incluem os encargos de natureza financeira, expressamente referidos na alínea c) do mesmo número.

 

Pelo exposto, conclui-se que a correcção efectuada relativamente às prestações acessórias com o regime de prestações suplementares também não tem fundamento no artigo 23.º n.º 1, do CIRC, pelo que, também por esta razão, a correcção efectuada e a consequente liquidação enfermam de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica sua anulação (artigo 135.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 1991).

 

   4. Decisão

 

   De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação adicional de IRC n.º 2014…, de 23-12-2014, na parte em que incorpora a correcção à matéria colectável do Grupo, no montante de € 1.633.914,75, decorrente da correcção efectuada na esfera individual da  A…, nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF,

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 501.792,25.

 

6. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.956,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 12-11-2015

 

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(A. Sérgio de Matos)

 

 

 

 

(Filomena Oliveira)

 

 



[1]                             Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

                – de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207.

                – de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289.

                – de 09/10/2002, processo n.º 600/02.

                – de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.

                Em sentido idêntico, podem ver-se:

      – MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é "irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto", e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que "não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa".

      – MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que "as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade".

[2]              ( [2] )         Neste sentido, defendendo que deve distinguir-se, para efeitos de aplicação do princípio da legalidade, «entre normas que constituem uma efectiva oneração do contribuinte – sujeitas a reserva de lei – e deveres de cooperação de menor monta que daquela podem ser dispensados (tudo resultando do grau de sacrifício que implicarem e da legitimidade da sua exigência em termos de proporcionalidade) e normas organizatórias da cobrança e liquidação, que não faz sentido sujeitar ao princípio da legalidade», pode ver-se SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, páginas 121-122). 

[3]                SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 126.

                Em sentido idêntico, pode ver-se e NUNO SÁ GOMES, Manual de Direito Fiscal, volume II, página 56.

[4]     ( [4] ) FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, página 40.

      Em sentido semelhante, pode ver-se o primeiro Autor em Curso de Direito Administrativo, volume II, página 42.

[5]     ( [5] ) FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, páginas 42-43.

      Em sentido idêntico, podem ver-se:

            – MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, 1999, volume I, página 84, que refere:

      «Com o Estado pós-liberal, em qualquer das suas três modalidades, a legalidade passa de externa a interna.

     A Constituição e a lei deixam de ser apenas limites à actividade administrativa, para passarem a ser fundamento dessa actividade.

     Deixa de valer a lógica da liberdade ou da autonomia, da qual gozam os privados, que podem fazer tudo o que a Constituição e a lei não proíbem, para se afirmar a primazia da competência, a Administração Pública só pode fazer o que lhe é permitido pela Constituição e a lei, e nos exactos termos em que elas o permitem.».

a)           MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, em Código do Procedimento Administrativo Comentado, volume I, 1.ª edição página 138, em que referem que

    «As fórmulas usadas parecem manifestações inequívocas de que, para o legislador do Código, a actuação da Administração Pública é comandada pela lei, sendo ilegais não apenas os actos (regulamentos ou contratos) administrativos produzidos contra proibição legal, como também aqueles que não tenham previsão ou habilitação legal, ainda que genérica (ou até orçamental)».

         – ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, página 56:

         «Ora, este princípio não admite, contrariamente ao que sucede com os particulares, que seja possível à Administração tudo o que a lei não proíbe, antes impõe que apenas lhe seja possível aquilo que positivamente lhe seja permitido.»

[6]              ( [6] )         Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 24-11-2004, processo n.º 225/03.

[7]                             O artigo 32.º do EBF foi revogado pela Lei n.º 83-C/13, de 31 de Dezembro

[8]              ( [8] )         O artigo 42.º do CIRC, na renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, corresponde ao artigo 45.º, na renumeração do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

[9]              ( [9] )         A redacção anterior da norma correspondente, introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, era a seguinte:

                 3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

[10]             ( [10] )         Redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro.

[11]             ( [11] )         No entanto, apesar de o único objecto contratual das SGPS ser a gestão de participações sociais de outras sociedades, o artigo 4.º, n.º 1, do mesmo diploma, na redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro, permite às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações.