DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), José Nunes Barata e Catarina Siquet, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
1. No dia 18 de maio de 2015, a sociedade A… S.A., NIPC…, com sede na Rua …, …, …, …, …-… Porto, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de tributos (IVA e juros compensatórios), no valor de 167 194,96 euros.
2. Para fundamentar o seu pedido de declaração da ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IVA e juros compensatórios respetivos abaixo listados, emitidas em nome da sociedade incorporada B… S.A., alega a Requerente, em síntese, que:
PRIMEIRA.— as Liquidações resultam de uma interpretação errónea da jurisprudência do TJ, em especial, do Acórdão Kügler (Processo C-141/00), que conduziu a Direção de Finanças do Porto a afirmar que o n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA isenta as prestações de serviços de assistência efetuadas somente no meio hospitalar, incluindo operações estreitamente conexas, ao passo que o n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA se destina a isentar as prestações de serviços de caráter médico e paramédico fornecidas fora desses locais, seja no domicílio privado do prestador, seja no domicílio do paciente, seja em qualquer outro lugar, tendo por base o artigo 132.º, n.º 1, alíneas b) e c) da Diretiva IVA, respetivamente.
SEGUNDA.— o âmbito subjetivo de aplicação das alíneas b) e c), do n.º 1, do artigo 132.º da Diretiva IVA é distinto e não se sobrepõe, sob pena de esvaziar de conteúdo útil a exigência estabelecida na alínea b) de que esteja em causa um organismo público ou um organismo privado que opere em condições sociais análogas.
TERCEIRA.— a distinção do campo de aplicação das alíneas b) e c) do n.º 1, do artigo 132.º da Diretiva, alicerça-se no conceito de organismo ou estabelecimento que, segundo a jurisprudência do TJ, sugere a existência de uma entidade individualizada (autónoma) que desempenha uma função especial, distinguindo-se das pessoas singulares que a integram. Por conseguinte, a alínea b) aplica-se a organismos ou estabelecimentos, ao passo que a alínea c) se aplica a outras entidades que não constituam organismos ou estabelecimentos.
Assim, por um lado, fica claro que a alínea b) não contempla apenas situações ocorridas no âmbito hospitalar strictu senso, mas em todos os organismos normativamente previstos, conforme decorre, nomeadamente, da jurisprudência L.u.P (Processo C-106/05), e que incluem centros de assistência médica e de diagnóstico. Por outro lado, não basta que a prestação médica ocorra em meio hospitalar para que se exclua a possibilidade de aplicação da isenção prevista na alínea c), conforme decorre do Acórdão Klinikum Dortmund (Processo C-366/12).
É, pois, falso que a alínea c) se destine a isentar as prestações médicas ocorridas fora do meio hospitalar, sendo necessário, isso sim, que tais prestações ocorram no quadro de uma relação de confiança entre o paciente e o prestador de tal modo que são imputáveis ao concreto profissional de saúde e não asseguradas por um organismo (cf, Acórdãos Comissão/Reino Unido (Processo 353/85), §33; Dornier (Processo C-45/01) §47 e Kügler (Processo C-141/00), §35 e 36; Klinikum Dortmund (Processo C-366/12) §33.
QUARTA.— da leitura do artigo 132.º, n.º 1, alíneas b) e c) da Diretiva IVA, e tendo em consideração a jurisprudência do TJ, ter-se-á de concluir que:
a alínea b) aplica-se a prestações médicas asseguradas por organismos de direito público ou organismos de direito privado que operem em condições sociais análogas aos dos organismos de direito público (i.e., em regra efetuadas sem finalidade lucrativa), quando levam a cabo prestações médicas ocorridas em estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza, de tal modo que a atividade é imputada a uma entidade institucional e organizada, independente das pessoas singulares que a integram.
a alínea c) aplica-se a prestações médicas, efetuadas no quadro de uma relação de confiança entre paciente e prestador, de tal modo que a prestação é imputada à pessoa singular que em concreto executa a prestação.
QUINTA.— tendo em consideração o âmbito de aplicação subjetivo das alíneas b) e c), do n.º 1, da Diretiva, conclui-se que, à luz da Diretiva IVA, o B…não podia estar isento porquanto:
não se enquadrava na alínea c), pois, por um lado, dispunha de uma estrutura própria distinta da dos seus acionistas e das pessoas singulares que o integravam, sendo um organismo na aceção da Diretiva IVA. Por outro lado, o modo como desenvolvia a sua atividade não se enquadrava num relacionamento de confiança entre paciente e prestador de serviços, no sentido da jurisprudência do TJ.
não se enquadrava na alínea b), pois, embora fosse um dos organismos expressamente contemplados na previsão da norma (i.e., «centro de diagnóstico»), não era um organismo público ou um organismo privado a operar em condições sociais análogas. Na verdade, o B…era uma entidade privada que visava a prossecução do lucro, com total independência económica e jurídica face à Administração Pública. Acresce que, a necessidade de garantir a concorrência no mercado da prestação de serviços de análises clínicas, sempre levaria a que o B…não pudesse estar isento, por aplicação do disposto no artigo 134.º, alínea b) da Diretiva IVA.
SEXTA.— perante a impossibilidade de, à luz da Diretiva IVA, a atividade de Análises Clínicas do B… estar isenta, deverão as Liquidações ser anuladas por se basearem numa interpretação da norma interna contrária à Diretiva IVA (efeito direto vertical).
SÉTIMA.— interpretando o artigo 9.º, n.º 1 e 2 do Código do IVA, tendo em consideração a Diretiva IVA bem como a jurisprudência do TJ, concluímos que, mesmo numa interpretação que ignore o critério formal de distinção pensado pelo legislador (i.e., aplicação do n.º 1 às pessoas singulares e do n.º 2 às pessoas coletivas), a verdade é que sempre o artigo 9.º, n.º 2 do Código do IVA se deverá aplicar às situações em que haja uma organização de meios institucionalizada e organizada, à qual é imputável a prestação. Em qualquer uma das situações, é evidente que o B… se integrava naquela previsão normativa e, por conseguinte, deveria poder renunciar à isenção de IVA, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA.
OITAVA.— à luz do princípio da interpretação conforme, imposto pelo Direito da União, a legislação interna deverá ser interpretada de modo a respeitar os comandos da União, pelo que, também por esta via, se chegaria à conclusão de que deve ser aplicado o artigo 9.º, n.º 2 do Código do IVA, pois só desta forma se permitiria a renúncia à isenção, garantindo-se que o B… ficaria sujeito e não isento de IVA, conforme determinado pela Diretiva IVA.
NONA.— tanto por informação da Autoridade Tributária, diretamente prestada à Requerente, então sociedade-mãe do B…, como por consulta da doutrina administrativa sobre a matéria, a posição da Autoridade Tributária quanto à suscetibilidade de renúncia à isenção pelo B… foi sempre inequívoca no sentido de que este podia renunciar à isenção de IVA. Por conseguinte, sem prejuízo de ser legítima uma alteração de entendimento pela Autoridade Tributária (isto, independentemente da discussão quanto à legalidade da nova posição), já será ilegítima e ilegal, por ser contrária aos princípios da boa fé e da segurança jurídica, que a Autoridade Tributária altere a sua posição com efeitos retroativos, lesando gravemente o B… e a Requerente.
DÉCIMA.— inexiste base legal para que a Autoridade Tributária liquide imposto deduzido durante o período em que o sujeito passivo esteve enquadrado no regime de tributação por opção, e durante o qual liquidou imposto pelas suas operações ativas.
Tal é tanto mais evidente quanto a Direção de Finanças do Porto apenas retira efeitos parciais da requalificação do B…, na medida em que desconsidera os montantes por si liquidados verificando-se, no limite, um ilegítimo enriquecimento sem causa da Autoridade Tributária, especialmente chocante quando o instituto da renúncia à isenção não representa um qualquer benefício fiscal, fazendo, antes, parte da lógica de funcionamento do imposto (que sofre, aliás, entorses quando são aplicadas isenções incompletas).
Liquidação
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Período
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Natureza
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Valor
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…
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2010/07
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IVA
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26.901,76
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…
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2010/07
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JC
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4.885,06
|
…
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2010/08
|
IVA
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21.274,01
|
…
|
2010/08
|
JC
|
3.790,85
|
…
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2010/09
|
IVA
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19.826,34
|
…
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2010/09
|
JC
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3.467,71
|
…
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2010/10
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IVA
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18.021,87
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…
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2010/10
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JC
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3.092,85
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…
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2010/11
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IVA
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25.976,98
|
…
|
2010/11
|
JC
|
4.369,83
|
…
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2010/12
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IVA
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30.552,05
|
…
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2010/12
|
JC
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5.035,65
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Total
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167.194,96
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3. No dia 20 de maio de 2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 13 de julho de 2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 28 de julho de 2015.
7. No dia 2 de outubro de 2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta pedindo a absolvição já que o pedido da Requerente deveria ser considerado improcedente, defendendo-se por exceção e impugnação.
8. Por despacho de 16 de outubro de 2015 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respetivas posições jurídicas.
10. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da Requerida.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1. A Requerente é uma sociedade anónima de capitais privados, com fins lucrativos, que exerce e tem como atividade principal “laboratórios de análises clínicas”.
2. A 1 de agosto de 2013 foi registada a fusão por transferência global do património da sociedade incorporada B…, S.A. para a sociedade incorporante A…, S.A. (a Requerente).
3. À data das liquidações a sociedade incorporada B…, S.A. já era parte integrante da sociedade A…, S.A.
4. O B…, S.A. iniciou a sua atividade em …/…/1978, com a atividade de “Laboratórios de Análises Clínicas”.
5. Para efeitos de IVA, ficou enquadrado em 1/1/1986 no regime de isenção nos termos do artigo 9º do CIVA, tendo renunciado à isenção ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 12º do mesmo Código, com entrega de declaração de alterações reportada a 1/7/2006.
6. A partir dessa data ficou, portanto, enquadrada no regime normal de IVA (primeiramente, trimestral e a partir de 1/1/2008 em regime mensal), passando a sujeitar a IVA as operações efetuadas no âmbito da sua atividade e, por outro lado, a deduzir o imposto suportado na aquisição de bens e serviços nos termos aplicáveis do CIVA.
7. No decurso do procedimento inspetivo que decorreu entre 29/9/2014 e 24/2/2015, os serviços de inspeção tributária da direcção de finanças do Porto, com uma ordem de serviço externa de âmbito parcial dirigida ao IVA dos períodos de 2010/07 a 2010/12, inclusive, entenderam que a Requerente renunciou indevidamente à isenção de IVA em julho de 2006.
8. Na sequência da inspeção referida no ponto anterior, a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou o Relatório de Inspeção Tributária (que consta do processo administrativo) que inclui o seguinte:
Nos termos do nº1 do artigo 9º do Código do IVA estão isentas de imposto "As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas".
Atendendo a que o Código do IVA não contempla nenhuma definição no que respeita às atividades paramédicas, mostra-se necessário recorrer ao Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho, bem como ao Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto, uma vez que são estes diplomas que contêm os requisitos a observar para o exercício das respetivas atividades.
A lista anexa ao Decreto-Lei n.0 261 /93, de 24 de julho, prevê:
No seu item 1, a atividade de Análises Clínicas e de Saúde Pública. De acordo com a descrição ai apresentada, esta atividade traduz-se no "desenvolvimento de atividades ao nível da patologia clínica, imunologia, hematologia clínica, genética e saúde pública, através do estudo, aplicação e avaliação das técnicas e métodos analíticos próprios, com fins de diagnóstico e de rastreio".
No seu item 2, a atividade de Anatomia Patológica, Citológica e Tanatológica, aí descrita com o correspondendo ao "tratamento de tecidos biológicos colhidos no organismo vivo ou morto, com observação macroscópica e microscópica, óptica e electrónica, com vista ao diagnóstico anatomopatológico; realização de montagem de peças anatómicas para fins de ensino e formação; execução e controlo das diversas fases da técnica citológica".
Importa salientar que a isenção prevista no nº 1 do artigo 9º do Código do IVA opera independentemente da natureza jurídica do prestador de serviços e, nomeadamente, do facto de se tratar de uma pessoa singular ou coletiva e, bem assim, que aquela isenção tem por base a alínea c) do n.º 1 do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro (que reformulou a Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de maio, vulgarmente denominada Sexta Diretiva).
Nos termos do nº 2 do artigo 9º do Código do IVA, estão isentas "As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares".
Este normativo transpõe para a ordem jurídica interna a alínea b) do nº 1 do artigo 132º da referida Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro, a qual prevê que os Estados-Membros isentem as seguintes operações: "A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos".
Deste modo, esta isenção abrange as prestações de serviços médicos e sanitários (atos de saúde) que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando doenças ou quaisquer anomalias de saúde e as operações com elas conexas, efetuadas pelos estabelecimentos expressos na referida norma ou por estabelecimentos similares (hospitalização/internamento).
Por outro lado, consideram-se estabelecimentos similares, para efeitos da isenção referida, os estabelecimentos, públicos ou privados, que diagnostiquem e tratem doenças ou qualquer outra anomalia de saúde, ou seja, os estabelecimentos que efetivamente realizem operações que revistam a natureza de serviços de saúde.
O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), no Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no Processo C-141/00, referente ao caso Kugler (nº 36) , evidenciou que as alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 132º da Diretiva do IVA, embora visem regular as isenções que são aplicáveis aos serviços de assistência médica, têm âmbitos distintos.
Enquanto a alínea b) - que corresponde ao nº 2 do artigo 9º do Código do IVA - isenta as prestações de serviços de assistência efetuadas no meio hospitalar, incluindo operações estreitamente conexas, a alínea c) - que corresponde ao n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA - destina-se a isentar as prestações de serviços de caráter médico e paramédico fornecidas fora desses locais, seja no domicilio o privado do prestador, seja no domicilio do paciente, seja em qualquer outro lugar.
Conforme referido anteriormente, a atividade efetivamente exercida pelo sujeito passivo, que beneficiava de isenção de IVA ao abrigo do artigo 9º do Código do IVA e para a qual o B… renunciou à isenção, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 12º do Código do IVA, consistia, essencialmente, na prestação de serviços de Análises Clínicas e de Anatomia Patológica.
A recolha das amostras a analisar era efetuada, por regra, no laboratório central ou numa das diversas unidades de colheita, podendo, igualmente, ocorrer no domicílio do paciente . Posteriormente era efetuado o processamento das amostras a analisar e emitido o competente relatório de análise. O B… procedia, igualmente, ao processamento de amostras recolhidas em postos de colheita de outras entidades, incluindo entidades relacionadas, quando os seus serviços eram subcontratados .
Realce-se que, em caso algum os serviços prestados pelo sujeito passivo envolviam a hospitalização ou o internamento dos pacientes, bem como, pelo exposto no parágrafo anterior, se verifica que não eram efetuados em meio hospitalar.
Conforme decorre do exposto (…), o sujeito passivo não pode considerar a atividade exercida isenta de imposto por enquadramento no nº 2 do artigo 9º do Código do IVA, mas somente por invocação do disposto no nº 1 do mesmo articulado.
Consequentemente, ao estar enquadrado no nº 1 do artigo 9º do Código do IVA, o sujeito passivo não poderia renunciar à isenção, por inexistência de norma legal que o permitisse fazer, porquanto a renúncia à isenção prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 12º do Código do IVA só se aplica à isenção do nº 2 do artigo 9º do Código do IVA.
Não podendo ter efetuado a renúncia à isenção de IVA por falta de cabimento legal, o B… deveria ter continuado enquadrado como sujeito passivo isento, nos termos do artigo 9º do Código do IV A.
Consequentemente, em obediência ao estipulado no nº 1 do artigo 20º do Código do IVA, não poderia deduzir o imposto suportado na aquisição de bens e serviços, porquanto no exercício da sua atividade efetuava operações que não conferiam direito a dedução, nos termos daquele articulado (designadamente as prestações de serviços de Análises Clínicas e Anatomia Patológica , isentas de IVA ao abrigo do nº 1 do artigo 9º do Código do IVA ).
Conforme devidamente explicitado (…), o imposto suportado pelo sujeito passivo durante os períodos em análise não seria dedutível, pelo que o IVA deduzido terá de ser considerado como indevidamente deduzido, nos termos do nº 1 do artigo 20º do Código do IVA.
Note-se que não releva para a determinação do montante deduzido indevidamente o IVA que foi regularizado a favor do sujeito passivo (campo 40 das declarações periódicas do IVA), dado que respeita a correções a imposto anteriormente liquidado.
Face ao exposto anteriormente, os montantes de IVA em falta são os apurados no Quadro I, ascendendo, nos períodos em análise, a um total de € 142.553,01. (…).
Importa salientar que os montantes considerados no quadro anterior de IVA indevidamente deduzido foram os inscritos nas declarações periódicas do IVA entregues pelo sujeito passivo com referência àqueles períodos.(…)
9. A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição sobre o projeto do Relatório da Inspeção Tributária, não o tendo exercido.
10. Na sequência da inspeção, a Autoridade Tributária e Aduaneira efetuou as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:
Liquidação
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Período
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Natureza
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Valor
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…
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2010/07
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IVA
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26.901,76
|
…
|
2010/07
|
JC
|
4.885,06
|
…
|
2010/08
|
IVA
|
21.274,01
|
…
|
2010/08
|
JC
|
3.790,85
|
…
|
2010/09
|
IVA
|
19.826,34
|
…
|
2010/09
|
JC
|
3.467,71
|
…
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2010/10
|
IVA
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18.021,87
|
…
|
2010/10
|
JC
|
3.092,85
|
…
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2010/11
|
IVA
|
25.976,98
|
…
|
2010/11
|
JC
|
4.369,83
|
…
|
2010/12
|
IVA
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30.552,05
|
…
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2010/12
|
JC
|
5.035,65
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Sub-Total IVA em falta
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142.553,01
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Sub-Total Juros Compensatórios
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24.641,95
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Total
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167.194,96
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11. Em 18 de maio de 2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
12. Foi incluída no processo administrativo: uma informação da administração fiscal de 24/6/1992, prestada a pedido da C …. ; e a informação n.º 1943 de 16/6/1992 dos Serviços de Administração do IVA à sociedade A…, S.A., sobre a aplicação da possibilidade de renúncia à isenção de IVA na atividade de análises clínicas.
A.2. Factos dados como não provados
Inexistem.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13, “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
B. DO DIREITO
i. da matéria de exceção.
Começa a Requerida por questionar a competência material do tribunal arbitral para apreciar a pretensão que lhe foi submetida, porquanto, considera, “a primeira questão a decidir prende-se com o facto de poder ser ou não reconhecido o direito de renúncia à isenção, por parte da Requerente, dado que os pressupostos para o seu reconhecimento foram alterados”, pelo que “os actos de liquidação adicional de IVA efectuados deverão ser qualificados como actos consequentes tendo em conta o conceito, ainda que restrito, adoptado quer pela doutrina, quer pela jurisprudência”.
Esta mesma questão foi suscitada no processo 168/2015-T do CAAD, ainda não publicado, que tratando sobre matéria em tudo idêntica à dos presentes autos, onde se escreveu o que ora, com a devida vénia, se transcreve:
“A Portaria n.º 112-A/2011, relativamente aos actos enquadráveis indicados no artigo 2.º, apenas afastou do âmbito da vinculação da Administração Tributária, em matéria não aduaneira, as pretensões relativas a actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa e as pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão.
É manifesto que não se está perante qualquer das situações em que a Portaria n.º 112-A/2011 afasta a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, pelo que a competência tem de ser aferida apenas à face do RJAT.
Como se vê pelo artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foi definida pelo RJAT apenas tendo em atenção o tipo de actos que são objecto das pretensões dos contribuintes e não em função do tipo de questões que é necessário apreciar para decidir se os actos são legais ou ilegais.
Não há, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas à verificação dos pressupostos do direito de renúncia à isenção de IVA ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT. Uma liquidação de imposto que parta da desconsideração de uma isenção ou de uma renúncia a isenção não deixa de ser um acto tributário de liquidação. E a pretensão de apreciação da legalidade ou da ilegalidade dessa desconsideração subjacente a um acto de liquidação não deixa, portanto, de ser a apreciação de uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação, em que se materializa essa desconsideração.
Assim, no processo arbitral, à semelhança do que sucede no processo de impugnação judicial, pode, em regra, ser imputada aos actos de liquidação qualquer ilegalidade, como decorre do artigo 99.º do CPPT, subsidiariamente aplicável.
Só não será assim nos casos em que a lei preveja a impugnabilidade autónoma de actos administrativos que são pressuposto dos actos de liquidação, sendo só nessa medida que fica afastada a apreciação da legalidade dos actos de liquidação em todas as vertentes. Mas, para haver essa impugnabilidade autónoma, é necessário que haja algum acto administrativo em matéria tributária, pois a impugnabilidade reporta-se a actos e não a posições jurídicas assumidas explícita ou implicitamente como pressupostos dos actos de liquidação mas não materializadas em actos tributários autónomos.
Os actos consequentes, de que fala a Autoridade Tributária e Aduaneira, são consequentes de outros actos tributários ou administrativos anteriores e, no caso em apreço, não há notícia de que tenha sido praticado qualquer acto administrativo apreciando se a Requerente tem ou não direito a renunciar à isenção de IVA.
Isto é, para haver limitação à impugnabilidade dos actos de liquidação impugnados, teria de ser praticado, anteriormente, algum acto administrativo que fosse pressuposto destes actos de liquidação, o que não sucedeu no caso em apreço.
Por isso, sendo os actos de liquidação lesivos dos interesses da Requerente e sendo os únicos actos praticado pela administração tributária sobre a situação neles apreciada, tem de ser assegurada a sua impugnabilidade contenciosa com fundamento em qualquer ilegalidade, como decorre do princípio da tutela judicial efectiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.
Por outro lado, quando não há qualquer acto autonomamente impugnável anterior a um acto de liquidação versando sobre os seus pressupostos, pode «ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida» (parte final do artigo 54.º do CPPT), pelo que todas as questões relativas à legalidade dos actos de liquidação podem ser apreciadas nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º e do artigo 99.º do mesmo Código.
Na verdade, nos tribunais tributários, mesmo quando, tendo sido praticados actos de liquidação, se estiver perante uma situação em que poderia ser mais útil para o contribuinte o uso da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo (por possibilitar, para além da apreciação da legalidade de actos a definição para o futuro dos direitos do contribuinte), o uso da acção em vez da impugnação judicial é uma mera faculdade, como decorre do próprio texto do artigo 145.º, n.º 3, do CPPT, ao dizer que «as acções apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido». Isto é, o que se prevê nesta norma é limitação ao uso da acção e não limitação ao uso do processo de impugnação judicial.
Com efeito, é manifesto que o processo de impugnação judicial inclui a possibilidade de reconhecimento de direitos em matéria tributária, como o são o direito à anulação ou declaração de nulidade de liquidações, o direito a juros indemnizatórios e o direito a indemnização por garantia indevida, pelo que o facto de estar em causa o reconhecimento de direitos não é obstáculo à utilização do processo de impugnação judicial.
Assim, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo o processo arbitral tributário sido criado como alternativa ao processo de impugnação judicial, é de concluir que não há obstáculo a que a legalidade dos actos de liquidação em causa neste processo seja apreciada por este Tribunal Arbitral, pois nos tribunais tributários essa legalidade poderia ser apreciada em processo de impugnação judicial.
Por isso, quanto ao pedido de anulação dos actos de liquidação, improcede a excepção da incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira com fundamento em estar em causa o reconhecimento de um direito em matéria tributária.”
Não se vendo razão para divergir do doutamente expendido no aresto em causa, antes se subscrevendo integralmente o quanto ali se expôs, julga-se improcedente a exceção da incompetência material suscitada pela Requerida.
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ii. do reenvio prejudicial
A Requerida, na sua resposta, solicita que seja ordenado o reenvio do processo ao TJUE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, para efeitos de definir o recorte da renúncia ao referido regime de isenção.
Para o efeito alega a mesma que “toda a jurisprudência do TJUE, com alguma similitude ao caso dos presentes autos, resultou de casos que se situam numa posição antagónica ou, se quisermos, numa posição em espelho face à situação dos presentes autos.”, já que “nesses casos, os visados pretendiam antes beneficiar da isenção relativamente à prestação de serviços médicos, quando as administrações fiscais respectivas pretendiam a sua sujeição/tributação.”, pelo que haverá “que averiguar qual o enquadramento em sede de IVA da actividade de análises clínicas desenvolvida pela ora Requerente e da possibilidade de renúncia a isenção de IVA relativamente a essa actividade, uma vez que parece decorrer da jurisprudência comunitária, nomeadamente nos acórdãos Kügler (§ 34 a 36), Dornier (§41 e 51 e ponto 1 das conclusões finais), L.u.P (§22 e 31) e conclusões do Advogado Geral Poiares Maduro relativas a este último acórdão (§25, 30 e 33).”.
Como se refere no ponto 7. das recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), do TJUE[1]:
“o papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.
Mais se recorda, no ponto 12. daquelas mesmas recomendações que o reenvio prejudicial para o referido Tribunal, não se deverá dar quando:
i. já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou
ii. quando o modo correto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.
Consequentemente, continua-se no ponto 13., “um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece”.
Por fim, conforme consta do ponto 18. das mesmas recomendações, “O órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considere que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão.”.
No caso, não se considera que uma decisão sobre a interpretação das normas comunitárias seja necessária para proferir a sua decisão, nem a Requerente o demonstra, não tendo, sequer, apresentado qualquer questão concreta que o demonstre.
Por outro lado, e como se verá infra, entende-se que a Jurisprudência disponível do TJUE esclarece suficientemente, em termos de se poder decidir da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação fatual de que se conhece.
Por fim, nota-se que a questão essencial – a possibilidade ou não da renúncia à isenção – não está diretamente regulada nas normas comunitárias, que impõem aos Estados membros que isentem as operações, mas não proíbe os sujeitos passivos de optarem pelo regime da tributação, nem os Estados membros de aceitar essa opção, sendo certo igualmente, que não impõe àqueles, com exceção da isenção referente ao ouro para investimento (cfr. artigos 348.º e ss. da Diretiva), que disponibilizem a referida opção.
Deste modo, e pelo exposto, indefere-se o requerido pedido de reenvio prejudicial.
*
iii. do mérito da causa
Cabe assim a este Tribunal, competente para tal, verificar sobre a legalidade do ato das liquidações de IVA impugnadas, acima identificadas.
Primeiramente, é necessário concluir sobre se a decisão da Administração Tributária e Aduaneira, que enquadra a atividade do Laboratório B… no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, porque desenvolvida fora do meio hospitalar, sendo assim, insusceptível de renúncia, é digna.
Interessa atentar, ao que aqui está em causa, nos artigos 9.º e 12.º do CIVA:
Artigo 9.º
Isenções nas operações internas
Estão isentas do imposto:
1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;
2) As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares;
(...)
Artigo 12.º
Renúncia à isenção
1 - Podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações:
(...)
b) Os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas;
(...)
2 - O direito de opção é exercido mediante a entrega, em qualquer serviço de finanças ou noutro local legalmente autorizado, da declaração de início ou de alterações, consoante os casos, produzindo efeitos a partir da data da sua apresentação.
3 - Tendo exercido o direito de opção nos termos dos números anteriores, o sujeito passivo é obrigado a permanecer no regime por que optou durante um período de, pelo menos, cinco anos, devendo, findo tal prazo, no caso de desejar voltar ao regime de isenção:
a) Apresentar, durante o mês de Janeiro de um dos anos seguintes àquele em que se tiver completado o prazo do regime de opção, a declaração a que se refere o artigo 32.º, a qual produz efeitos a partir de 1 de Janeiro do ano da sua apresentação;
b) Sujeitar a tributação as existências remanescentes e proceder, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º, à regularização da dedução quanto a bens do activo imobilizado.
Estas isenções estão relacionadas com o artigo 132.º da Diretiva n.º 2006/112/CE, de 28-11-2006, nomeadamente:
1. Os Estados–Membros isentam as seguintes operações:
(...)
b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;
c) As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa; (…)
Nota-se, ainda, na sequência do já atrás referido, que a Diretiva em questão não impõe (com exceção do regime relativo ao ouro para investimento) nem proíbe os Estados membros de consagrarem um regime de opção pelo regime de tributação, a favor dos sujeitos passivos que beneficiem de um regime de isenção.
Assim, a alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA permite apenas a renúncia à isenção das entidades isentas enquadradas no nº 2 do artigo 9.º desse mesmo código.
Na posição da Autoridade Tributária e Aduaneira, remetendo para o caso Kügler (acórdão do TJUE de 10 de Setembro de 2002, proferido no Processo C-141/00) é defendido que “a isenção prevista no nº1 do artigo 9º do CIVA, opera independetemente da natureza jurídica do prestador de serviços e, nomeadamente, do facto de se tratar de uma pessoa singular ou colectiva e, bem assim, que aquela isenção tem por base a alínea c) do nº1 do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro.(…)”(Ponto 51 da Resposta da Requerida), e que destina-se a isentar as prestações de serviços de caráter médico e paramédico fornecidas fora desses locais, seja no domicílio privado do prestador, seja no domicílio do paciente, seja em qualquer outro lugar. E, por outro lado, que o n.º 2 do artigo 9.º do CIVA, que isenta as prestações de serviços de assistência efetuadas em meio hospitalar, incluindo operações estreitamente conexas, “transpõe para a ordem jurídica interna a alínea b) do nº1 do artigo 132º da referida Diretiva 2006/112/CE (…)”(Ponto 57 da Resposta da Requerida). Considerando que a atividade da Requerente é exercida fora do meio hospitalar, vem a Autoridade Tributária e Aduaneira defender que a isenção que se lhe apraz o é nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA.
No entanto, não se retira do referido acórdão que, tal como a Autoridade Tributária e Aduaneira afirma, só os hospitais sejam o alcance pretendido da alínea b) do artigo 132.º acima citado.
O TJUE, no acórdão L.u.P. (de 8 de Junho de 2006, proferido no processo n.º C-106/05), posterior ao acórdão Kügler, esclareceu que «O artigo 13.°, A, n.º 1, alínea b), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, (...) deve ser interpretado no sentido de que análises clínicas que tenham por objecto a observação e o exame dos pacientes a título preventivo, que sejam efectuadas, como as que estão em causa no processo principal, por um laboratório de direito privado externo a um estabelecimento de assistência médica sob prescrição de médicos generalistas, são susceptíveis de ser abrangidas pela isenção prevista por essa disposição enquanto cuidados médicos dispensados por outro».
Neste acórdão L.u.P., o TJUE entendeu que «uma vez que as análises clínicas são abrangidas, tendo em conta a sua finalidade terapêutica, pelo conceito de «assistência médica» previsto no artigo 13.°, A, n.º 1, alínea b), da Sexta Diretiva, um laboratório como o que está em causa no processo principal deve ser considerado um estabelecimento da «mesma natureza» que os «estabelecimentos hospitalares» e os «centros de assistência médica e de diagnóstico» na acepção dessa disposição» (ponto 35).
Vem em reforço, o que se retira do ponto 35 do acórdão do TJUE De Fruytier, de 02-07-2015, proferido no processo n.º C-334/14, em que se citam os acórdãos L.u.P., C‑106/05, pontos 18 e 35 e CopyGene, C‑262/08, ponto 60, «que um laboratório de direito privado que efetua análises clínicas deve ser considerado um estabelecimento «da mesma natureza» que os «estabelecimentos hospitalares» e os «centros de assistência médica e de diagnóstico» na aceção dessa disposição, uma vez que essas análises são abrangidas, tendo em conta a sua finalidade terapêutica, pelo conceito de «assistência médica».
É assim, suficientemente clara nesta matéria a jurisprudência comunitária, no sentido de que, como se escreveu na decisão do processo arbitral 168/2015-T, já citado, que “a isenção prevista na alínea b) do artigo 132.º abrange os serviços prestados por entidades dos tipos que presta a Requerente, independentemente de a prestação ocorrer ou não em meio hospitalar, interpretação que está em manifesta sintonia com o texto desta norma, ao fazer referência à isenção das operações estreitamente relacionadas com a hospitalização e a assistência médica asseguradas aos «centros de assistência médica e de diagnóstico».”.
Desta forma, o Laboratório B… detém condições subjetivas que são fundamentais à isenção da alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva. Sendo que, tal como é defendido pela Requerente, não cumpre na totalidade todas essas condições porque não é um organismo que desempenhe a sua atividade, em condições sociais análogas à atividade de organismos de direito público.
Quanto ao seu enquadramento no direito nacional, a Autoridade Tributária e Aduaneira interpreta, erradamente, a referência a “dispensários e similares” na isenção prevista no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA. Pois, deve ser nesta referência “dispensários e similares” que são incluídos outros estabelecimentos nos quais «centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza», também de acordo alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva n.º 2006/112/CE.
Reportando-nos, uma vez mais, ao Acórdão proferido no processo arbitral n.º 168/2015-T:
“A referência a «dispensários» abrange inequivocamente prestação de serviços de saúde fora desse meio hospitalar, pois o significado de «dispensário» é o de «estabelecimento de beneficência, para tratamento de doentes com dificuldades económicas, dando-lhes acesso a consultas e medicamentos gratuitos» (...), ou «estabelecimento para dar, gratuitamente, cuidados e medicamentos aos doentes pobres que podem ser tratados no domicílio» (...).
Por outro lado, a referência a «similares», interpretada em consonância com a norma paralela da alínea c) do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE, que faz referência a «centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza», permite concluir que caberão também nesse conceito entidades do tipo da Requerente, que presta serviços de saúde de análises clínicas e de diagnóstico em conexão com estabelecimentos hospitalares.
Assim, não tem suporte textual a tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que a isenção aplicável aos estabelecimentos do tipo da Requerente não está prevista no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA.”.
Sendo, assim, a norma aplicável o n.º 2 do artigo 9.º do CIVA, e porque vem aqui permitir o enquadramento num regime de sujeição, não se pode afastar a possibilidade de renúncia à isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA.
Assim, as liquidações efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira enfermam em vício de erro de aplicação da lei.
Não obsta a esta conclusão a argumentação da Requerida em sede arbitral (cfr. pontos 63 e ss. da Resposta), relativa à eventual violação do princípio da neutralidade decorrente da opção pelo regime de isenção consagrado no artigo 12.º, n.º 1, alínea b) do CIVA, na medida em que tal não integra os fundamentos de facto e de direito dos actos tributários cuja legalidade ora cumpre sindicar, dado que tais actos assentaram na não aplicabilidade daquela norma, por considerar preenchidos os pressupostos de facto do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, e não do n.º 2 do mesmo artigo.
*
Cumula a Requerente, com o pedido anulatório dos atos tributários objeto dos presentes autos, o pedido de condenação da ATA no pagamento de juros indemnizatórios.
Face à procedência do pedido anulatório, deverão ser restituídas as prestações que, relativamente aos atos tributários anulados, se venham a verificar como pagas pela Requerente, se necessário em execução de sentença. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos atos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).
Acresce que, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.
Assim, deverá a Requerida dar execução ao presente acórdão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos efetuados até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,
a) Anular as liquidações e proceder ao respetivo reembolso das quantias pagas pela Requerente no montante de 167 194,96 euros:
Liquidação
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Período
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Natureza
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Valor
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…
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2010/07
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IVA
|
26.901,76
|
…
|
2010/07
|
JC
|
4.885,06
|
…
|
2010/08
|
IVA
|
21.274,01
|
…
|
2010/08
|
JC
|
3.790,85
|
…
|
2010/09
|
IVA
|
19.826,34
|
…
|
2010/09
|
JC
|
3.467,71
|
…
|
2010/10
|
IVA
|
18.021,87
|
…
|
2010/10
|
JC
|
3.092,85
|
…
|
2010/11
|
IVA
|
25.976,98
|
…
|
2010/11
|
JC
|
4.369,83
|
…
|
2010/12
|
IVA
|
30.552,05
|
…
|
2010/12
|
JC
|
5.035,65
|
Sub-Total IVA em falta
|
142.553,01
|
Sub-Total Juros Compensatórios
|
24.641,95
|
Total
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167.194,96
|
b) Condenar ao pagamento de juros indemnizatórios, tal como decorre do artigo 100.º da Lei Geral Tributária;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de €3.672,00.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €167.194,96, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa
27 de Novembro de 2015
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(José Nunes Barata)
O Árbitro Vogal
(Catarina Siquet)