Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 277/2015-T
Data da decisão: 2016-01-10  IVA  
Valor do pedido: € 28.747,27
Tema: IVA – Caducidade do direito à liquidação; Dedutibilidade de despesas relacionadas com imóveis
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Decisão Arbitral

I.              RELATÓRIO

 

A..., Lda., NIPC..., com sede na Av. da ..., n.º..., ...-... ...(doravante apenas designados por Requerente), apresentou, em 29-04-2015, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o art. 102.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

A Requerente pede a anulação, com fundamento na sua ilegalidade, dos actos de liquidação adicional de IVA dos períodos de 2010-09T e 2010-12T, e respectivos juros compensatórios, num total de € 28.747,27.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 04-05-2015 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 19-06-2015 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 14-07-2015.

Notificada para se pronunciar sobre o pedido da Requerente, a Requerida apresentou resposta a 29-09-2015, pugnando pela improcedência do pedido deduzido pela Requerente.

Na sequência do agendamento da reunião do art. 18.º do RJAT para inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, esta veio declarar prescindir da prova requerida, propondo que se prosseguisse para alegações escritas.

Notificada desta proposta da Requerente, a Requerida veio contra-propor o aproveitamento da prova produzida no proc. n.º 259/2015-T que correu termos pelo CAAD, ao abrigo do n.º 1 do art. 421.º do CPC.

A Requerente não se opôs pelo que foi deferido o pedido de aproveitamento da prova e dispensada a produção de prova testemunhal nestes autos.

As Partes apresentaram as respectivas alegações, tendo a Requerente efectuado a alteração (parcial) da causa de pedir, passando a invocar a falta de notificação das liquidações impugnadas no prazo de caducidade do direito à liquidação. Nas suas alegações, a Requerida opôs-se a essa alteração, aproveitando para juntar impressões recolhidas do sistema de informação da Autoridade Tributária e Aduaneira a atestar a data de notificação das liquidações impugnadas. Por requerimento autónomo, a Requerente opôs-se à junção destes documentos, impugnando a sua autenticidade.

 Por requerimento de 05-01-2016, a Requerida veio juntar aos autos cópia da decisão proferida no processo arbitral que correu termos sob o n.º 317/2015-T em que a Requerente era parte.

 

II.           DO PEDIDO DA REQUERENTE

 

Nos presentes autos, vem a Requerente solicitar a anulação dos actos de liquidação adicional de IVA dos períodos de 2010-09T e 2010-12T, e respectivos juros compensatórios, num total de € 28.747,27.

Para sustentar o seu pedido, a Requerente imputa aos actos identificados diversos vícios que implicarão a sua invalidade, a saber:

a) a caducidade do direito à liquidação, por entender que a liquidação das dívidas em causa não teria sido efectuada no prazo geral de caducidade do direito à liquidação, ou seja, até 31/12/2014, nos termos do art. 45.º da LGT. Nas alegações apresentadas, a Requerente altera a causa de pedir quanto a esta matéria, passando a alegar que não recebeu qualquer das notificações das liquidações em 2014. A prova deste recebimento recairia sobre a Requerida que não a teria efectuado pelo que a decisão da matéria deveria ser em seu desfavor.

b) a preterição de formalidade legal essencial consubstanciada na falta de entrega de cópia da Ordem de Serviço que determinou a inspecção, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 51.º do RCPIT.

c) a preterição de formalidade legal essencial consubstanciada na invalidade da notificação da nota de diligência relativa à conclusão dos actos de inspecção uma vez que a mesma foi assinada por quem não era legal representante da Requerente nem com ela tinha qualquer relação laboral ou profissional. Acresce, ainda, que tal notificação não cumpre os requisitos formais exigidos pelo art. 61.º do RCPIT, nomeadamente a assinatura pelos inspectores tributários e a descrição das diligências efectuadas.

d) a falta de notificação à Requerente do relatório de conclusões que foi antes notificado à mandatária da Requerente, tendo apenas sido dado conhecimento à Requerente que tal notificação teria ocorrido. Esta conduta da Requerida viola as regras dos arts. 36.º e seguintes do CPPT, devendo concluir-se pela inexistência de notificação à Requerente, com as demais consequências legais.

e) a falta de fundamentação das liquidações porquanto das notas de liquidação constam apenas a demonstração de valores de IVA de 2010 sem qualquer explanação quanto aos fundamentos de tais apuramentos.

f) o erro sobre os pressupostos de facto e de direito relativamente ao IVA liquidado porquanto a Requerida não teria demonstrado que o montante de acréscimo de proveitos registado na conta #27219 corresponderia a serviços prestados mas ainda não facturados. No que se refere aos gastos de estudo para identificação de um parceiro de negócio, o IVA correspondente seria dedutível porque os serviços destinavam-se à obtenção de clientes e, nessa medida, seria seriam indispensáveis para a realização de proveitos futuros e para a própria actividade da empresa.

 

III.        DA RESPOSTA DA REQUERIDA

 

Em sede de resposta, a Requerida veio contraditar a posição da Requerente, concluindo pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, respondendo a cada um dos pontos suscitados pela Requerente como segue:

a) não procede a alegada caducidade do direito à liquidação porquanto as liquidações impugnadas foram efectuadas a 25-11-2014, ou seja, dentro de prazo legal de caducidade à liquidação previsto no art. 45.º da LGT, sem prejuízo da respectiva suspensão por via da instauração do procedimento externo de inspecção, nos termos do art. 46.º, n.º 1, da LGT. No que se refere à alteração da causa de pedir efectuada pela Requerente nas suas alegações não deve a mesma ser atendida; mas, na hipótese de assim não se entender, a Requerida junta os documentos recolhidos do sistema informático da Autoridade Tributária confirmando que a notificação dos actos de liquidação ora impugnados ocorreu a 27-11-2014, mediante acesso à caixa postal ViaCTT.

b) a alegada preterição de formalidade legal essencial consubstanciada na falta de entrega de cópia da Ordem de Serviço que determinou a inspecção, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 51.º do RCPIT não procede porquanto a nota de início da inspecção foi assinada pela Senhora Dra. ..., TOC da Requerente. Acresce que os próprios gerentes da Requerente estiveram presentes em diversas reuniões com os inspectores, tendo inclusivamente prestado declarações. E nunca, em momento algum, tal questão foi suscitada por qualquer deles.

c) improcede, também, a alegada preterição de formalidade legal essencial consubstanciada na invalidade da notificação da nota de diligência relativa à conclusão dos actos de inspecção porquanto “a nota de diligência apenas tem a finalidade de marcar a data da conclusão dos atos materiais de inspecção, mas tal não significa o termo do procedimento de inspecção, uma vez que este só se efectiva com a elaboração do relatório final, que vise identificar e sistematizar os factos detectados e qualificá-los do ponto de vista jurídico-tributário. E uma vez que o ato final do procedimento inspectivo se reconduz ao respectivo relatório final, a eventual falta de notificação a que o alude o artigo 61.º/1 do RCPIT degrada-se, necessariamente, numa mera irregularidade, sem efeitos invalidantes, desde que tenha sido dado ao interessado a possibilidade legal de exercer o seu direito de audição, quer durante o procedimento, quer no final do procedimento aquando da elaboração do projecto de relatório final. O que efetivamente aconteceu”.

d) a falta de notificação à Requerente do relatório de conclusões não tem qualquer sustentabilidade porquanto o relatório de conclusões foi notificado à mandatária constituída no procedimento de inspecção, em cumprimento do disposto no art. 40.º do CPPT, não havendo, por isso, quaisquer dúvidas quanto ao cumprimento dos procedimentos legais.

e) a alegada falta de fundamentação das liquidações não procede porquanto das notas de liquidação remetidas à Requerente consta expressamente o seguinte texto: “Liquidação adicional feita como base em correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária” o que se traduz na remissão legalmente admissível para o relatório de inspecção notificado à mandatária da Requerente.

f) quanto ao erro sobre os pressupostos de facto e de direito a Requerida considera correctas as correcções efectuadas dado que o IVA liquidado resulta de (i) prestações de serviço não facturadas e por isso contabilizadas como acréscimo de proveitos e (ii) regularizações de IVA deduzido com referência a bens imóveis, ao abrigo dos artigos 24.º e 25.º do CIVA. Já o IVA não dedutível resulta da aquisição de serviços não afecto à actividade da Requerente.

 

IV.        SANEADOR

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de capacidades tributária e judiciária e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

V.          MATÉRIA DE FACTO

 

                        A. Factos provados       

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

1.             A Requerente é uma sociedade comercial dedicada às actividades de contabilidade e auditoria, consultoria fiscal.

2.             A Requerente está enquadrada no regime geral de contabilidade organizada para efeitos de IRC.

3.             Em sede de IVA, a Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral.

4.             Em Novembro de 2010, os senhores B... e C... adquiriram à Requerente o imóvel sito na ..., ... e Av. da... , ...e..., em ... .

5.             No ano de 2010, e até 20-12-2010, foram gerentes da Requerente B... e C... .

6.             Em 20-12-2010, foram nomeadas gerentes da Requerente D... e E... .

7.             A partir de 2011, a contabilidade da Requerente passou a ser acompanhada pela TOC ..., responsável pela sua preparação, que estava em funções no ano de 2014, nomeadamente no decurso da inspecção.

8.             Por contrato de cessão de quotas datado de 30-10-2012, B... e C... e os respectivos cônjuges, cederam as quotas que detinham no capital social da Requerente a favor de D... e E... .

9.             Em 2014, a Requerente foi alvo de uma inspecção tributária externa de carácter geral, com incidência no exercício de 2010 e 2011, que decorreu entre 04-06-2014 e 30-09-2014.

10.         Em 20-05-2014, pelo ofício n.º..., a Requerida procedeu à notificação prévia da Requerente relativamente à instauração do referido procedimento externo de inspecção, de âmbito geral, com incidência sobre os exercícios de 2010 e 2011.

11.         A 05-06-2014, a TOC ... assinou a cópia da Ordem de Serviço do procedimento inspectivo.

12.         A 03-10-2014, o Senhor C..., na alegada qualidade de gerente, assinou a cópia da nota de diligência nos termos do art. 61.º do RCPIT.

13.         Pelo ofício n.º..., de 16-10-2014, remetido por aviso postal registado, a Requerente foi notificada do encerramento das diligências de inspecção relativas ao exercício de 2010 e da instauração de novo procedimento com incidência sobre o exercício de 2011.

14.         Dessa inspecção resultou o relatório de conclusões que foi notificado à mandatária da Requerente através do ofício n.º..., de 06-11-2014, expedido por carta registada com aviso de recepção na mesma data e recebido a 07-11-2014.

15.         Foi dado conhecimento desta expedição à Requerente por via do ofício n.º..., de 06-11-2014, expedido por carta registada com aviso de recepção na mesma data e recebido a 07-11-2014.

16.         Do relatório de inspecção consta o seguinte no que se refere ao IVA impugnado nos autos:

 

 

 

17.         A Requerente foi notificada da proposta de conclusões do relatório de inspecção.

18.         A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, tendo inclusivamente juntado diversos documentos aos autos de inspecção, por requerimento datado de 29-10-2014.

19.         Em 25-11-2014, a Requerida efectuou as seguintes liquidações:

a) liquidação n.º..., no valor de € 735,00, referente a IVA do período de 2010-09T;

b) liquidação n.º..., no valor de € 116,31, referente a juros compensatórios do período de 2010-09T;

c) liquidação n.º..., no valor de € 24.296,14, referente a IVA do período de 2010-12T; e

d)  liquidação n.º..., no valor de € 3.566,82, referente a juros compensatórios do período de 2010-12T.

 

B. Factos não provados

 

Não se provou que o saldo da conta #27219 corresponde ao proveito resultante da venda do imóvel da Requerente aos seus anteriores sócios.

 

C. Fundamentação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental, o processo administrativo juntos aos autos e o depoimento das testemunhas arroladas pela Requerente, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Relativamente à prova testemunhal produzida, embora não tenha sido essencial para o apuramento dos factos, este Tribunal procedeu à sua análise, cabendo, por isso, referir que os depoimentos prestados assumiram-se como sérios e isentos aos olhos do Tribunal.

 

VI.         MATÉRIA DE DIREITO

 

              A) Alteração (parcial) da causa de pedir

Na petição inicial deduzida, a Requerente invoca o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto previsto no art. 45.º da LGT, alegando que as liquidações de IVA dos períodos de 2010-09T e 2010-12T, e respectivos juros compensatórios, foram feitas para além do prazo de caducidade que seria 31-12-2014. Isso mesmo resulta das palavras da Requerente que transcrevemos: “A liquidação foi efectuada para além daqueles quatro anos. De modo que deverá ser declarada a sua caducidade, o que ora se requer e alega para todos e devidos efeitos legais. Caducidade essa que afecta não só a sua eficácia, impedindo na prática que se produzam os efeitos a que se destinava, como a própria legalidade do acto.” – cfr. artigos 13.º a 15.º da petição inicial.

Sucede que, nas suas Alegações, a Requerente altera esta causa de pedir, passando a referir-se à ausência de notificação das ditas liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios no prazo geral de caducidade, e não à prática do acto de liquidação para além do respectivo prazo legal. E, nas palavras da Requerente, “Em conclusão, as notificações dos contribuintes que afectem a sua esfera jurídica têm de lhes ser efectivamente comunicadas, ou seja, tem de ser dado conhecimento efectivo, até para que as mesmas possam produzir efeitos. Sem essa cognoscibilidade a comunicação efectuada não é válida nem eficaz, não produzindo qualquer efeito, sendo nula” – cfr. pontos 47 e 48 das Alegações da Requerente.

Portanto, em sede de Alegações, a Requerente parece defender que a invalidade das liquidações contestadas resultará, não do exercício do poder tributário para além do respectivo prazo legal – ou seja, a prática de um acto tributário num período em que a Requerida já não teria poderes para o efeito –, como invocado na petição inicial, mas do facto de, nesse mesmo prazo legal, não ter sido feita notificação válida dos actos tributários de liquidação.

A Requerida opôs-se a esta alteração da causa pedir. No entanto, e por cautela de patrocínio, a Requerida juntou com a suas Alegações os documentos retirados do sistema informático da Autoridade Tributária que permitirão comprovar que as liquidações foram validamente notificadas à Requerente antes de 31-12-2014.

Cumpre decidir sobre a admissibilidade desta alteração.

Ora, no processo arbitral vigora o princípio da estabilidade da instância previsto no art. 260.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT. Nessa medida, citado o réu – neste caso, a Autoridade Tributária e Aduaneira – “a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidade de modificação consignadas na lei”. 

Não havendo acordo das partes quanto à alteração do pedido ou causa de pedir (admissível nos termos do art. 264.º do CPC), determina a lei que a alteração da causa de pedir só será admissível se (i) for consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor (n.º 1 do art. 265.º do CPC) ou (ii) for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo (n.º 2 do art. 265.º do CPC).

Nos presentes autos, não se verificou nenhuma destas situações. Com efeito, a Requerida opôs-se à alteração da causa de pedir nos termos supra descritos; acresce que, tendo em conta o peticionado e alegado pela Requerente, este Tribunal não pode considerar que a alteração à causa de pedir efectuada pela Requerente nas alegações resulte de qualquer confissão da Requerida ou que seja um mero desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo daquela.

Como refere Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Vol. I, Áreas Editora, 5.ª Edição, 2006, pág. 783, nota 11, “A indicação do pedido ou pedidos e dos factos em que se fundamentam, bem como a indicação dos vícios que o impugnante imputa ao acto impugnado deve ser feita na petição, não podendo posteriormente, em regra, formular-se novos pedidos ou invocados novos factos ou imputados outros vícios, designadamente na alegações previstas no art. 120.º deste Código. Este entendimento, que tem vindo a ser adoptado quase generalizadamente pelo STA, baseia-se no princípio da estabilidade da instância (art. 268.º do CPC), e no ónus imposto ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (n.º 1 do art. 108.º).

Acresce que, como concluiu o STA no acórdão de 14-09-2011, proferido no proc. n.º 0559/11 (disponível em www.dgsi.pt), “A caducidade do direito de liquidação não é de conhecimento oficioso. É na petição inicial que devem ser alegados os factos integrantes da causa de pedir e formulado o pedido que daquela decorre, sendo que os poderes do tribunal estão por tal delimitados, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso. Ainda que o tribunal não esteja submetido à qualificação jurídica que as partes atribuem aos factos articulados, deve o autor na petição inicial invocar todos os factos integradores dos vícios, bem como invocar expressamente os vícios invalidantes do acto impugnado.

Face ao exposto, conclui este Tribunal que a questão da alegada ausência de notificação dos actos de liquidação no prazo geral de caducidade[1] poderia e deveria ter sido invocada na petição inicial deduzida pela Requerente, não havendo qualquer justificação para que tal facto seja trazido ao processo apenas com as alegações finais previstas no n.º 2 do art. 18.º do RJAT. 

Indefere-se, por isso, a alteração de causa de pedir efectuada pela Requerente nas suas Alegações.

Em consequência, ao abrigo da celeridade e da liberdade de conformação processual, este Tribunal não conhecerá da inadmissibilidade dos documentos juntos pela Requerida com as suas alegações, nem da autenticidade e genuidade dos mesmos, nos termos suscitados pela Requerente, por tal se afigurar inútil e sem relevância para as questões em apreciação nos presentes autos.

 

              B) Da apreciação de direito

 

Como supra referido, no pedido de pronúncia arbitral, a Requerente contesta a legalidade dos actos de liquidação de IVA e juros compensatórios dos períodos de 2010-09T e 2010-12, alegando uma série de vícios que, a considerarem-se procedentes, implicarão a anulação daqueles actos, com as demais consequências legais.

Cumpre, então, analisar as diversas questões suscitadas pela Requerente:

Contrariamente ao alegado pela Requerente, não se verifica a caducidade do direito à liquidação  porquanto as liquidações impugnadas foram efectuadas a 25-11-2014, ou seja, ainda no período de caducidade que, como a Requerente reconhece, terminaria – salvo qualquer facto interruptivo ou suspensivo – a 31-12-2014, de acordo com as regras do art. 45.º da LGT. A Requerida actuou dentro do prazo legal para o efeito, não podendo, por isso, ser assacado tal vício aos actos de liquidação impugnados.

No que se refere à alegada falta de entrega da cópia de serviços, nos termos do art. 51.º do RCPIT, não se alcança a pretensão da Requerente. Com efeito, resulta do elenco de factos provados que, a 20-05-2014, foi expedida a carta aviso exigida no art. 49.º do RCPIT. Acresce que resulta também provado que a cópia da ordem de serviço foi entregue à TOC, ..., que assinou a respectiva nota de diligências.

De referir que a legitimidade do TOC para receber este tipo de documentos e assinar a referida nota de diligências resulta expressamente da lei – cfr. n.º 3 do art. 51.º do RCPIT – não sendo necessária uma autorização expressa dos legais representantes da entidade a notificar ou procuração com poderes especiais. Isso mesmo veio já sendo reconhecido pelos tribunais tributários, de que é exemplo o acórdão do TCA Sul, de 23-10-2012, proferido no proc. n.º 05792/12 (disponível em www.dgsi.pt), em que se concluiu que “Os Técnicos Oficiais de Contas (TOC) podem ser notificados do início do procedimento de inspecção levado a efeito pela A. Fiscal, mais tendo legitimidade para tal conforme resulta do disposto no artº. n.º 51, nº.3, do R.C.P.I.T., preceito que consagra a possibilidade dos técnicos oficiais de contas e colaboradores dos sujeitos passivos (sociedades) inspeccionados assinarem as ordens de serviço, sempre que os seus representados não se encontrem no local.”

Nessa medida, não há qualquer irregularidade ou ilegalidade a apontar à conduta da Requerida, improcedendo o vício assacado aos actos impugnados.

O mesmo se dirá relativamente ao facto de a nota de encerramento das diligências de inspecção ter sido assinada por C..., que, à data da inspecção, não tinha já qualquer relação com a Requerente. Com efeito, como bem refere a Requerida, esta circunstância traduzir-se-á numa mera irregularidade procedimental que não afectou, em nada, os direitos de defesa da Requerente. E não afectou porquanto, como se comprovou, posteriormente à assinatura de tal nota de diligência, a Requerente foi notificada para se pronunciar sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção, o que esta veio a fazer por requerimento subscrito pela sua mandatária. A haver aqui algum desvio procedimental, ele terá que ser qualificado como mera irregularidade que se sanou com a intervenção procedimental da Requerente em sede de audição prévia.

No que se refere à alegada ausência de assinaturas dos inspectores e da descrição das diligências efectuadas no âmbito de inspecção em tal nota de encerramento, remetemos para o texto do art. 61.º do RCPIT, do qual se retira que tais exigências da Requerente não têm fundamento legal. Com efeito, o art. 61.º do RCPIT não exige que a nota de diligência seja assinada pelos inspectores da Autoridade Tributária, bastando a sua identificação. Acresce que, a descrição das diligências efectuadas em sede de inspecção só é exigível nas situações previstas nas alíneas a) e c) do n.º 4 do art. 46.º do RCPIT, ou seja, situações que nada têm que ver com o que se discute nos presentes autos.

Face ao exposto, improcedem as alegadas invalidades procedimentais invocadas pela Requerida.

Por sua vez, no que se refere à alegada falta de notificação à Requerente do relatório final, resulta do elenco de factos provados que tal relatório foi remetido e recebido pela mandatária da Requerente a 07-11-2014. A par disto, ficou também demonstrado que, na mesma data, a Requerente recebeu um aviso da Requerida dando nota de que o relatório final havia sido remetido à sua mandatária.

Ora, de acordo com o art. 40.º do CPPT, as entidades que tenham constituído mandatário serão notificadas na pessoa deste, no seu escritório, o que se verificou precisamente neste caso. Nessa medida, não se consegue alcançar a alegação da Requerente que não tem, no entender deste Tribunal, qualquer sustentação legal. Isto mesmo é hoje pacífico na jurisprudência dos tribunais tributários, de que são exemplo os acórdãos invocados do STA de 02-09-2014, proc. n.º 01094/12, e TCA Norte de 18-03-2011, proc. n.º 00178/06, invocados pela Requerida (disponíveis em www.dgsi.pt).  

Face ao exposto, improcede o vício alegado.

Por outro lado, os actos impugnados não padecem de qualquer vício de falta de fundamentação porque, como a Requerente reconhece, estes resultam da inspecção efectuada no ano de 2014, com referência ao exercício de 2010. Acresce que das notas de liquidação remetidas à Requerente consta expressamente a seguinte indicação no campo “FUNDAMENTAÇÃO”: “Liquidação adicional feita como base em correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária”. Os actos de liquidação remetem expressamente para as conclusões do relatório de inspecção que havia sido notificado à Requerente na pessoa da sua mandatária. Acresce que a Requerente não suscitou qualquer questão nem alertou para qualquer facto ou circunstância que pudesse levar este Tribunal a ponderar se os actos ora impugnados tinham, efectivamente, como fundamento o relatório de inspecção referido, junto aos autos pela Requerida, nos termos legais e a pedido da Requerente em sede de indicação dos meios de prova.

Esta forma de fundamentação do acto de liquidação, por remissão para anterior relatório de inspecção é, no entender deste Tribunal, legalmente admissível e não colide com quaisquer direitos de defesa do contribuinte que, com base nesse mesmo relatório, consegue apreender o racional das liquidações efectuadas e a respectiva fundamentação.

Sobre esta matéria, o STA teve já oportunidade de se pronunciar no acórdão de 09/05/2001, proc. n.º 025832 (disponível em www.dgsi.pt), ao concluir que “O direito à fundamentação do acto tributário, ou em matéria tributária, constitui uma garantia específica dos contribuintes, devendo obedecer aos requisitos expressos nos arts. 82° do CPT e 125° do CPA, correspondentes, aliás, no essencial, ao art. 1° nºs 1 e 2 do dec-Iei 256-AI77, de 17/06 - cfr., hoje o art° 77° da LTG. Deve considerar-se fundamentado o acto de liquidação adicional, baseado em relatório dos serviços de fiscalização tributária, que, ainda que lhe não faça referência expressa, se situa, indubitavelmente, no respectivo quadro legal e fáctico, perfeitamente claro, esclarecedor e devidamente notificado.”.

Acresce que da análise do relatório de inspecção, conforme trecho supra transcrito nos factos provados, resultam demonstradas e fundamentadas as liquidações efectuadas, tendo a Requerida procedido à adequada quantificação e qualificação dos actos tributários de modo a que a Requerente pudesse compreender e apreender as correcções efectuadas. Nessa medida, conclui-se que foi dado integral cumprimento ao exigido pelo art. 77.º da LGT e art. 268.º da CRP, improcedendo a alegada falta de fundamentação suscitada pela Requerente.

Por último, e no que se refere às correcções efectuadas pela Requerida no âmbito da inspecção, a Requerente não logrou demonstrar em que medida é que estas resultam de erros de facto ou de direito ou de uma desadequada interpretação da informação recolhida da contabilidade da Requerente e apurada em sede de inspecção.

Na verdade, no que se refere às regularizações do IVA deduzido relativamente ao imóvel alienado em Novembro de 2010, a Requerida procedeu à adequada demonstração e quantificação do imposto que deveria ter sido regularizado em resultado da venda ter sido feita sem renúncia à isenção do IVA, nos termos do n.º 5 do art. 24.º do CIVA. A Requerida autonomizou os diversos custos com obras no imóvel vendido cujo IVA suportado foi deduzido pela Requerente e que haveria que regularizar nos termos da norma invocada. Tanto em sede de audição prévia, como em sede de pedido de pronúncia arbitral, a Requerente não logrou demonstrar em que medida é que esta regularização não seria devida. Concordando este Tribunal com a correcção efectuada pela Requerida, indefere-se a pretensão da Requerente quanto a esta correcção.

No que se refere ao IVA da factura da F..., Lda., NIPC..., no valor de € 735,00, a Requerente entende haver direito à dedução do imposto por considerar que estes serviços se prendiam com a actividade da Requerente e, nessa medida, seriam indispensáveis para a realização de serviços geradores de imposto. Sucede, contudo, que não foi feita qualquer prova nesse sentido, não tendo a Requerente logrado afastar a informação recolhida em sede de inspecção, no sentido de que a entidade em causa havia sido contratada para procurar um parceiro de negócio para os sócios da Requerente e não propriamente para a Requerente – o que, aliás, veio a acontecer com a alteração de gerência e posterior cedência das quotas representativas do capital social da Requerente. Nessa medida, é justificada a recusa da dedução do imposto referido, por não cumprimento dos requisitos gerais do direito à dedução previstos no art. 19.º do CIVA.

Por último, no que se refere à liquidação efectuada com base no valor do saldo da conta #27219, a Requerente não logrou demonstrar que os valores aí registados não correspondiam a prestações de serviços não facturados, conforme informação recolhida em sede de inspecção. Nos presentes autos, não foi feita qualquer prova que contrariasse as conclusões da Requerida, sendo que competiria à Requerente comprovar que o saldo de tal conta resultava dos ganhos da venda do imóvel o que, como demonstrado supra, não se considerou provado.

          Por tudo o que vem exposto, conclui este Tribunal que são totalmente improcedentes os vícios assacados aos actos de liquidação impugnados, não tendo, também, a Requerente demonstrado que as correcções efectuadas pela Requerida são desadequadas, injustificadas ou ilegais. O pedido de pronúncia arbitral é, por isso, totalmente improcedente.

 

VI.         DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, absolver a Requerida do pedido.

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 28.747,27.

 

Custas: Nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, 10-01-2016

 

O Árbitro Singular

 

 

 

 

(Maria Forte Vaz)

 



[1] Embora este facto contenda apenas com a eficácia do acto tributário, sendo matéria a analisar em sede de oposição à execução fiscal, tem vindo a ser entendido que a questão pode ser apreciada em sede de impugnação judicial nos casos em que já estiver esgotado o prazo de caducidade (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, Vol. I, 5.ª Edição, 2006, Áreas Editora, pág. 707).