Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 178/2015-T
Data da decisão: 2016-01-25  IMT  
Valor do pedido: € 43.238,44
Tema: IMT - Isenção de IMT em aquisição de imóveis no regime da poupança; emigrante
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Decisão Arbitral

 

O tribunal arbitral em funcionamento com árbitro singular constituído no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa nos termos do regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro[1], para o qual foi designado pelo respetivo Conselho Deontológico, o árbitro da lista do Centro Nuno Maldonado Sousa, elabora seguidamente a sua decisão arbitral.

 

1.      Relatório

1.1.  Constituição do tribunal arbitral

A..., contribuinte fiscal n.º..., e mulher, B..., contribuinte fiscal n.º..., residentes na Rua..., n.º..., …, em ...-... Oeiras apresentaram pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira[2].

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 18-03-2015 e foi notificado à AT na mesma data.

Nos termos em que dispõem as normas do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, nº1, al. b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável e notificou as partes dessa designação em 08-05-2015. Em conformidade com a regra constante do artigo 11.º, n.º 1, al. c) do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 25-05-2015. Na primeira reunião do tribunal arbitral com as Partes em 03-11-2015 foi prorrogado o prazo para emissão e notificação às partes da decisão arbitral em 2 meses, nos termos do artigo 21º-2 do RJAT.

1.2.  O pedido da Requerente

No seu Requerimento Inicial os Requerentes peticionaram:

(i)       A anulação dos atos tributários seguintes:

a.    Liquidação do IMT[3] sobre a aquisição de ½ do artigo nº ... da freguesia de..., concelho de Oeiras através de escritura de 17-08-2007, no valor de 18.630,00 €, notificada ao Requerente marido pelo ofício n.º... de 18-01-2011

b.    Liquidação do IMT sobre a aquisição de ½ do artigo nº ... da freguesia de..., concelho de Oeiras através de escritura de 17-08-2007, no valor de 18.630,00 €, notificada à Requerente mulher pelo ofício n.º ... de 18-01-2011.

(ii)     O reembolso do imposto pago, acrescido de juros à taxa legal até satisfação integral da quantia paga.

Os Requerentes consideram que a sua compra está isenta de IMT ao abrigo do sistema de poupança-crédito, de que beneficiam os emigrantes portugueses, pois (i) eram titulares de conta poupança-emigrante; (ii) O saldo da conta poupança-emigrante foi utilizado na aquisição do imóvel (14º RI); (iii) a AT reconheceu a isenção de IMT para cada um dos Requerentes (21º RI) e fê-lo expressamente (26º RI) e nunca os notificou da extinção do benefício fiscal que consideram ter (29º e 30º RI).

1.3.  A posição da AT

A Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta[4] afirmou a legalidade da liquidação e defendeu a improcedência do pedido e da sua fundamentação, sustentando que não houve reconhecimento do direito à isenção de IMT, que a primitivo cálculo do IMT por valor nulo foi feito com base em declarações dos próprios Requerentes e que estes não efetuaram a prova que lhes competia quanto aos pressupostos de que depende o benefício fiscal, face às normas que estabeleceram o benefício e às que regulam o regime transitório aplicável. Conclui defendendo a sua absolvição dos pedidos.

1.4.   Instrução do processo e alegações

Em pré-saneamento este tribunal convidou as Partes a precisarem e sustentarem afirmações produzidas nos articulados e estas corresponderam, da forma que consideraram adequada.

Os Requerentes trouxeram aos autos elementos de prova documental e foi ouvida a testemunha que arrolaram, no decurso da primeira reunião deste tribunal com as partes, que foi realizada em 03-11-2015.

A AT juntou aos autos em tempo oportuno o Processo Administrativo[5].

A Requerente e a AT acordaram na forma escrita para as alegações, que apresentaram, reiterando as posições assumidas nos articulados.

1.5.  Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e tem competência em razão da matéria segundo dispõem as regras do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

1.5.1.      Questão prévia – a coligação de pedidos e a coligação de autores

Os Requerentes peticionam a “pronúncia arbitral, em cumulação de pedidos, sobre a ilegalidade dos atos de liquidação de IMT relativos à aquisição do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ... do concelho de Oeiras sob o artigo...” (9º RI). Por outro lado propõem a ação em coligação de autores (10º RI). Consideram que se encontram preenchidos os requisitos que viabilizam quer a cumulação de pedidos relativos a diferentes atos, quer a coligação de diferentes autores, cuja exigência é comum e consiste afinal na dependência que a procedência do pedido deve ter da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (3º-1 do RJAT).

A presente ação foi proposta conjuntamente pelos dois Requerentes. Os fundamentos de facto são trazidos aos autos, numa perspetiva subjetiva, de forma conjunta, como se cada facto dissesse respeito ao Requerente e à Requerente.

Por via de exceção a AT sustentou a inviabilidade da coligação de autores por entender que “a procedência dos pedidos não depende da apreciação das mesmas circunstâncias de facto, as quais respeitam à mobilização de capitais e disponibilidades financeiras que, não sendo comuns aos Requerentes, não permitem concluir pela legalidade da coligação de Autores” (15º R-AT). Exemplifica alegando que “o Requerente marido alega que o mútuo contraído junto do D... Portugal para aquisição do imóvel foi, afinal, aplicado no pagamento de dívidas da sociedade de que ele é sócio gerente, factualidade que já não é alegada pela Requerente mulher” (14º R-AT). Interpreta o regime aplicável no sentido de caber a cada um dos Requerentes o ónus de provar que parte das disponibilidades da conta poupança-emigrante era sua e que montante canalizou efetivamente para a aquisição no imóvel, que fizeram em comum.

Com exceção do artigo 13º do RI que se pode prestar a diferentes interpretações, o sujeito de todas as afirmações é invariavelmente apresentado na forma plural “os requerentes”; para mais e ao contrário do que a AT afirma, os Requerentes não se manifestam nesta ação de forma diferente quanto à aplicação do valor que lhes foi emprestado pelo D... Portugal, sendo comum aos dois a afirmação de que se “destinou a fazer face a despesas com obras no imóvel adquirido e a outras despesas designadamente o pagamento de dívidas fiscais da sociedade designada C..., Lda.” (16º a 20º do RI).

Independentemente de saber quais são os factos relevantes, todos eles são trazidos como factos comuns e todos os argumentos jurídicos são invocados para sustentar uma tese comum. Em primeira análise nem se pode afirmar que incumbe a cada um dos Requerentes o ónus de provar qual a sua posição quantitativa nos vários atos relevantes; o direito consagra a presunção geral de que “são iguais as partes que têm na obrigação divisível os vários credores ou devedores, se outra proporção não resultar da lei ou do negócio jurídico” (534º do Código Civil) e não se vê em que situação concreta se suscita a inaplicabilidade da presunção legal às situações dos autos.

Embora os atos de liquidação impugnados sejam distintos, a apreciação da sua legalidade suportar-se-á nos mesmíssimos factos e recorrerá às mesmas regras jurídicas. Face à identidade dos factos e à unicidade da tese jurídica consideram-se preenchidos os requisitos exigidos pelas regras do artigo 3º-1 do RJAT, pelo que se considera admissível a cumulação de pedidos e a coligação de autores. Indefere-se consequentemente a exceção deduzida pela AT.

1.5.2.      Outros pressupostos processuais

As Partes são titulares de personalidade e capacidade judiciárias (sendo a da AT nos termos da disciplina constante do artigo 4.º, n.º 1 do RJAT e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e do artigo 1.º, al. a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), são legítimas e estão regularmente representadas.

Não há nulidades que inquinem o processo.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa pelo que se impõe decidir.

 

2.      Decisão

2.1.  Matéria de facto

2.1.1.      Factos que se consideram provados

Nestes autos ficaram assentes os seguintes factos:

A.      Os Requerentes são casados no regime da separação de bens. [7º RI: doc. 7].

B.       Em 13-02-2007 foi constituída pelos Requerentes no Banco..., S.A[6] a “Conta Poupança Emigrante” n.º ...-.... [12º RI e 30.2 R-AT: PA, p. 6].

C.       Em 13-02-2007 a Requerente aplicou na “Conta Emigrante” n.º ...-... o valor de 302.181,96 €. [b2 do RCR[7]: seu doc. 2]

D.      Em 16-08-2007 cada um dos Requerentes apresentou junto do Serviço de Finanças de Oeiras ..., declaração para liquidação do IMT da aquisição de um meio do prédio urbano pelo preço de 310.500,00 €, sito na Rua..., n.º..., freguesia de..., município de Oeiras, inscrito na respetiva matriz, sob o artigo ... e nos documentos respetivos foi feita referência a “Benefícios: Emigrantes” e “Importância do IMT: € 0,00”. [R-AT 30.1: PA2, pp. 50-55]

E.       O saldo da conta identificada em B) de 356.273,17 € foi desmobilizado na sua totalidade em 14-08-2007 através do cheque bancário n.º ... emitido pelo Banco..., à ordem da Requerente. [12º RI e 30.2 R-AT: doc. 9 e PA, p. 25].

F.        Em 17 de agosto de 2007 os Requerentes outorgaram escritura pública de compra e venda de mútuo com hipoteca através da qual compraram em comum o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ... do concelho de Oeiras sob o artigo..., pelo preço de 621.000,00 €. [7º RI: doc. 7].

G.      Os Requerentes acordaram com o D... (Portugal), S.A.[8], com ato formalizado em simultâneo com a escritura de compra e venda, um empréstimo no valor de 532.000,00 €, “para efeitos de financiamento da aquisição do prédio” identificado em D). [16º e 17º RI e 30.3 e 30.4 da R-AT: doc. 7].

H.      O montante mutuado pelo D... aos Requerentes foi-lhes entregue em 17-08-2007, através de cheque bancário emitido à ordem dos vendedores do prédio. [30.4 R-AT: doc. 7, documento complementar, artigo 1º-2].

I.         Por ofício enviado por via postal em 05-01-2011 os Requerentes foram notificados para se pronunciarem em audição prévia sobre o “projeto de extinção de benefícios fiscais” então enviado, nos termos que constam do documento a folhas 20 do Processo Administrativo, onde para além do mais se pode ler: [30º RI e 30.5 R-AT: PA, p. 20]

PROJECTO DE DECISÃO: Extinção de benefícios fiscais (artigo 14º do Estatuto dos Benefícios Fiscais), com a consequente liquidação adicional, de harmonia com os artigos 31° e 33° do CIMT.

FUNDAMENTOS: Não constar da escritura de aquisição do imóvel a utilização de fundos de conta poupança emigrante, de harmonia com o DL supra citado, antes que foi concedido empréstimo para aquisição por entidade diversa [D... (Portugal) S.A.].

J.         Em 17-01-2011 os Requerentes manifestaram a sua posição relativamente ao projeto de decisão referido em J). [30º RI: PA, p. 24]

K.      Em 18-01-2011 a AT enviou aos Requerentes por via postal “Notificação de extinção de benefícios fiscais”, onde para além do mais se pode ler: [30º RI: PA, p. 64]

DECISÃO: Extinção de benefícios fiscais (artigo 14° do Estatuto dos Benefícios Fiscais), com a consequente liquidação adicional, de harmonia com os artigos 31° e 33° do Código do IMT.

FUNDAMENTOS: Não constar da escritura de aquisição do imóvel a utilização de fundos de conta poupança emigrante, de harmonia com o DL supra citado, antes que foi concedido empréstimo para aquisição por entidade diversa [D... (Portugal) S. A].

(…)

De facto:

• Compulsando a escritura de aquisição do imóvel em apreço, datada de 2007/08/17, verifica-se que o preço foi de 621.000,00 €, tendo a entidade bancária antes referida concedido empréstimo no valor de 532.000,00 €, nos termos do Decreto-Lei nº 349/98, de 11 de Novembro (Regime Geral de Crédito à Habitação);

• Apenas quanto à diferença entre o preço e o valor do empréstimo, no montante de 89.000,00 €, foi utilizado capital próprio, não se encontrando comprovado tratar-se de fundos oriundos da conta poupança emigrante;

L.       Por ofícios de 18-01-2011 os Requerentes foram notificados para efetuar o pagamento de imposto relativamente à aquisição identificada em E), nos termos dos documentos juntos ao RI sob os n.ºs. 5 e 6, onde para além do mais se pode ler em cada um deles: [29º RI: docs. n.ºs 5 e 6 e PA, pp. 66 e 69]

FACTO TRIBUTÁRIO: Aquisição de 1/2 do artº s nº ... da freguesia de..., concelho de Oeiras através de escritura de 2007/08/17, com benefício de isenção por utilização do montante transferido na aquisição através de conta poupança emigrante (D.L. 540/76, de 9 de Julho, com a redação do D.L. 140-A/86, de 14 de Junho), sem ter sido utilizado de facto qualquer importância da referida conta, nem solicitada a liquidação do respetivo imposto.

IMPOSTO APURADO: IMT (621.000,00 x6%): 2 | 18.630,00 €

M.      Em 15-04-2011 os Requerentes apresentaram reclamação graciosa da “extinção do benefício de isenção por utilização do montante transferido na aquisição, através de conta poupança emigrante (D.L 540/76, de 9 de Julho, com a redação do D.L. 140-A/86, de 14 de Junho), sem ter sido utilizado de facto qualquer importância da referida conta, nem solicitada a liquidação do respetivo imposto", que foi indeferida. [34º e 35º RI: PA5, pp. 2 e segs. e PA7, p. 27 do pdf].

N.      Em 05-09-2011 o Requerente e a Requerente apresentaram, cada um deles, recurso hierárquico tendo como objeto o indeferimento da reclamação graciosa [35º RI: PA1, pp. 2 e segs. e PA8, pp. 2 e segs.]

O.      O recurso hierárquico interposto pelo Requerente foi indeferido, o que foi notificado à sua mandatária por ofício de 12-12-2014. [36º RI: PA4, p. 136]

P.        O recurso hierárquico interposto pela Requerente foi indeferido, o que foi notificado à sua mandatária por ofício de 12-12-2014. [36º RI: PA12, p. 171]

Q.      No relatório que fundamenta o indeferimento do recurso hierárquico do Requerente pode ler-se, além do mais que: [36º RI: PA4, pp. 121-132]

• Dos documentos trazidos aos autos, verifica-se que o Doc.5 - Fotocópia de Declaração do ... (fls. 32), é dito que o cheque bancário com o nº ... no montante de € 356.273, 17, foi emitido naquela data por desmobilização total da Conta Poupança Emigrante com o mesmo saldo e que tinha sido constituída naquele Banco em 13/02/2007, tendo o cheque sido emitido em nome de B..., mulher do recorrente.

• Nada refere naquela declaração que o levantamento se destina à aquisição do prédio que deu origem a liquidação do IMT, nem tão pouco foi emitido a favor dos vendedores do imóvel constantes da escritura, e

• Tendo este tipo de conta várias finalidades que não só a aquisição de prédios não se pode deduzir da declaração do ... que a desmobilização total da conta tenha sido para a aquisição do imóvel em causa.

• Tanto mais que da escritura de compra e venda e Muto com Hipoteca, consta que os compradores recorreram ao pedido de empréstimo concedido pelo D... Portugal, que foi concedido nos termos do Decreto-Lei 349/98 de 11 de Novembro, Regime Geral do Crédito à habitação.

• Em parte alguma da escritura é feita referência de que a aquisição do imóvel é feita com utilização do saldo de conta poupança - emigrante.

R.        No relatório que fundamenta o indeferimento do recurso hierárquico da Requerente pode ler-se, além do mais que: [36º RI: PA12, pp. 160-167]

O cheque vinha emitido pelo Banco..., S.A., banco que redigiu a declaração que referia "o Cheque bancário Banco..., S.A. com o nº..., no montante de €356.273, 17 foi emitido nesta data por desmobilização total da conta Poupança Emigrante nº ...-..., com o mesmo saldo, e que tinha sido constituída neste Banco em 2007/02/13.

Mais se informa que o referido cheque foi emitido à ordem de B... ."

Assim, a declaração emitida pelo Banco..., S.A. refere a existência de uma conta poupança emigrante em nome da recorrente, contudo, indica como beneficiária da desmobilização da conta poupança-emigrante a recorrente. E, esta entidade bancária, não intervém na escritura de compra e venda do imóvel.

Além do mais, da análise ao teor da escritura de compra e venda, não se retira qualquer referência sobre a utilização de fundos da referida conta poupança emigrante nº ...-..., nem a recorrente comprova que o pagamento tenha sido feito através da desmobilização da conta do Banco..., S.A.

A instituição bancária que intervém na escritura de compra e venda do imóvel é o D... (Portugal) S.A e este não fez referência à utilização do saldo de uma conta poupança-emigrante.

Face à transcrição de parte do Ofício Circulado nº 358, de 1987/01/30, apresentada pela própria recorrente, em sede de recurso hierárquico, retira-se que, a Instituição Bancária onde foi constituída a conta poupança-emigrante deveria, não só verificar os pressupostos legais, como também, ser a mesma a conceder o empréstimo para a aquisição do imóvel em apreço.

A própria recorrente reconhece ter sido financiada pelos montantes referidos na escritura, que se destinaram a fazer face a outros custos e a custos acrescidos à aquisição do imóvel, sendo "impossível determinar se foi com os fundos desmobilizados da conta poupança emigrante que adquiriu" o imóvel, na medida em que tais fundos foram creditados na conta do Banco D... (Portugal) S.A., de onde saiu o valor para o pagamento do imóvel.

Daqui se retira não estarem reunidos os pressupostos da concessão da isenção de IMT, uma vez que, a instituição bancária interveniente na escritura de compra e venda (Banco D... (Portugal, S.A.) não fez referência á existência de uma conta poupança emigrante nem emitiu a declaração comprovativa da data constituição da conta poupança emigrante, do montante desmobilizado e do(a) seu(a) beneficiário(a).

S.         Em 17-12-2013 o Requerente pagou dívida fiscal referente à liquidação do IMT no valor de 16.560,00 €. [80º RI: doc. 18].

T.         Em 17-12-2013 a Requerente pagou dívida fiscal referente à liquidação do IMT no valor de 16.560,00 €. [80º RI: doc. 19].

2.1.2.      Factos que se consideram não provados

Os Requerentes não fizeram prova de algumas das alegações de factos em que sustentaram a sua tese. Assumem maior relevo as afirmações que seguidamente se comentam.

Os Requerentes não fizeram prova que “o empréstimo contraído junto do D...[se tenha destinado] a fazer face a despesas com obras no imóvel adquirido e a outras despesas designadamente o pagamento de dívidas fiscais da sociedade designada C..., Lda.”, como alegaram em 17º do RI. Com efeito, não só o documento n.º 11 é omisso quanto à finalidade do empréstimo (nem é dele contemporâneo) como inclusivamente o documento n.º 7, que é um documento autêntico, fornece informação diversa, como se assentou em G).

Os Requerentes também não provaram que a sociedade referida apresentava dívidas que estavam a ser coercivamente exigidas em processos de execução fiscal, que foram regularizadas através de pagamentos dos próprios Requerentes, por a sociedade não ter meios, financeiros ou outros, para fazer face a tais custos (18º e 19º do RI). A prova apresentada para sustentar esta afirmação (doc. n.º 12) é um recibo emitido pela AT em nome da sociedade executada e não dos Requerentes pelo que apenas é possível afirmar que foi feito pagamento por conta, no valor de 80.000,00 €, em 08-05-2009; note-se que este pagamento acontece quase 2 anos após a escritura, que ocorreu em 17-08-2007.

Não foi também feita prova de que a isenção de IMT tenha sido reconhecida aos Requerentes, antes de outorgar a escritura de compra e venda, no Serviço de Finanças de..., como estes afirmam em 21º e 24º do RI. Note-se que os Requerentes sustentam que esta alegação de facto se encontra provada pelo documento que referenciam como doc. n.º 13[9] mas do conteúdo deste não resulta o pretendido reconhecimento; os documentos citados são afinal as declarações feitas pelos Requerentes e tratadas através do sistema da AT, para liquidação do IMT. Aliás, a alegação que se comenta é de algum modo incongruente com a que os Requerentes aduzem em 23º do RI, no sentido de lhes ter sido comunicado que “a isenção em apreço lhes seria reconhecida mediante a apresentação do documento do Banco depositante da conta poupança emigrante” e para a qual não apresentam qualquer prova.

O Requerentes também não lograram provar a sua afirmação (13º RI: docs. 10) de que o cheque referido em B) foi depositado em 14-08-2007 em benefício do Requerente A... no D...(Portugal), S.A., em conta de que os Requerentes eram titulares. Note-se que a AT impugnou esta matéria (R-AT: 32.3.) e a prova produzida não sustenta a tese dos Requerentes. O tribunal não tem dúvidas que os Requerentes são os titulares da conta com o “NIB ...-...” no D... Portugal, referenciada no talão junto como doc. n.º 10, pois a confirmação obtém-se por confronto com o documento complementar da escritura  (doc. 7, p. 14), onde o próprio banco a identifica pelo “NIB...”. Mas se a titularidade da conta está estabelecida, já não é possível afirmar com segurança que o depósito do dito cheque foi nela efetivamente feito pois o talão respetivo não ostenta qualquer confirmação do banco, embora nele se possa ler “esta entrega só é válida com a chancela ou certificação do banco”. Considerando a posição da AT e que nenhum outro elemento foi apresentado para sustentar esta afirmação, há que considerar esta matéria como não provada.

Também não se incluiu no acervo dos factos provados a afirmação dos Requerentes de que o pagamento do preço do prédio identificado em E), feito na escritura, foi efetuado com os valores que se encontravam depositados no D... (15º RI: doc. 7), por duas razões; não parece ao tribunal que esta afirmação constitua um verdadeiro facto mas antes uma conclusão que congrega vários elementos (saber se os valores foram transferidos para essa conta, se foram mobilizados para a pretendida finalidade e se foram entregues aos vendedores) e por suscitar inclusivamente a aplicação de conceitos de direito (como o de pagamento e o de preço) que neste contexto assumem o seu caráter técnico-jurídico. Tenha-se presente que esta matéria foi impugnada pela AT (R-AT, 32.4). Seguindo a perspetiva que enunciou o tribunal apreciará a questão no capítulo destinado à apreciação dos fundamentos jurídicos, se tal se mostrar necessário.

 Não foram alegados outros factos com interesse para a decisão da causa.

2.1.3.      Fundamentação da matéria de facto provada

A convicção do Tribunal assentou na prova documental constante dos autos e na posição tomada relativamente a cada facto pelas Partes nos articulados, devidamente identificada.

Embora tenha sido produzida prova testemunhal, o tempo decorrido e a circunstância da testemunha ter tido sobre os factos dos autos intervenção profissional que é para si de rotina, não permitiu recolher elementos que pudessem apoiar a decisão sobre a matéria de facto.

2.2.  Matéria de direito

Pela forma como a ação é configurada as questões principais a decidir consistem em saber se o benefício fiscal pretendido pelos Requerentes estava em vigor no momento em que foi feita a compra do imóvel e sendo a resposta a esta questão afirmativa, haverá que aferir se os Requerentes reuniam os requisitos para dele beneficiarem e se praticaram os atos necessários para esse efeito.

Se a segunda questão tiver também resposta afirmativa, procedendo o pedido dos Requerentes, caberá apreciar o seu pedido de restituição do imposto entregue e o pagamento de juros.

O sistema de poupança-crédito destinado a incentivar operações de transferência para Portugal de poupanças pelos emigrantes portugueses, foi primitivamente instituído pelo Decreto-Lei n.º 540/76 de 9 de julho[10] e tinha por escopo “incentivar a entrada no País das poupanças geradas pela emigração, com vista a atenuar o desequilíbrio da balança de pagamentos”. O sistema compreendia uma modalidade de crédito com juros fixados abaixo do mercado, suportando o Estado essa diferença e a isenção de sisa.

O acesso aos benefícios do sistema pressupunha duas situações diferenciadas; (i) a prévia transferência nos 6 meses antecedentes à compra do imóvel de divisas de valor igual ao montante que pretendessem obter em empréstimo (artigo 4º); (ii) a constituição de conta especial de depósito pelo período de 5 anos, para aplicação das transferências que fizessem em divisas, podendo o empréstimo ser de valor igual ao saldo da conta (artigo 5º). Beneficiavam de isenção de sisa as aquisições de prédios efetuadas com empréstimos concedidos ao abrigo do sistema “poupança-crédito” para emigrantes portugueses (artigo 7º).

Na versão original deste sistema, o requisito fundamental para obter a isenção fiscal era afinal a aquisição de prédio com recurso a empréstimo concedido ao abrigo do sistema “poupança-crédito” para emigrantes portugueses. A perspetiva do legislador, ao nível fiscal, não era a de premiar as transferências de divisas já feitas mas sobretudo a de garantir que o fluxo de remessas continuaria a ser feito no futuro, para satisfazer o serviço da dívida contraída pelo emigrante em causa. Só assim se entende que a isenção fosse concedida às operações financiadas com empréstimos mas não previsse a sua atribuição às aquisições efetuadas com capitais próprios oriundos das remessas de moeda estrangeira.

Essa lacuna – a concessão de isenção nos casos de aquisição com capitais próprios – veio a ser colmatada pela Lei n.º 21-B/77 de 9 de abril que atualizou o regime da poupança-crédito, para estender a disciplina relativa à sisa e à contribuição predial a estas aquisições, nos seguintes termos:

Artigo 7º (do Decreto-Lei n.º 540/76 de 9 de julho)

As aquisições de prédios ou suas frações autónomas beneficiam de isenção de sisa, se a matéria coletável que servir de base à liquidação deste imposto não exceder, em qualquer dos seguintes casos, o montante correspondente ao dobro da importância transferida do exterior e efetivamente utilizada na aquisição, sempre que esta:

a) Seja efetuada ao abrigo do sistema de poupança-crédito;

b) Embora sem recurso ao crédito instituído por este decreto-lei, o adquirente utilize diretamente na aquisição importâncias transferidas nos termos do artigo 4.º ou a conta de depósito a que se refere o artigo 5.º.

2. Se a matéria coletável exceder o montante referido no número anterior, liquidar-se-á sisa apenas sobre o excesso.

3. Os rendimentos coletáveis dos imóveis adquiridos, no todo ou em parte, com os benefícios estabelecidos nos n.ºs 1 e 2 deste artigo ficam igualmente isentos de contribuição predial por período correspondente à percentagem de matéria coletável isenta de sisa nos termos do quadro anexo ao presente diploma.

Em 1979 uma nova iniciativa alterou o âmbito de aplicação do benefício da isenção de sisa, aumentando a sua dependência da conta especial constituída com as remessas de divisas. Com efeito o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 316/79 de 21 de agosto fixou a seguinte redação ao artigo 7º do Decreto-Lei n.º 540/76 de 9 de julho:

7º (do Decreto-Lei n.º 540/76 de 9 de julho)

1 - As aquisições de prédios rústicos ou urbanos ou suas frações autónomas beneficiam de isenção de sisa se a matéria coletável que servir de base à liquidação não exceder o montante correspondente ao dobro do saldo revelado pela conta especial constituída nos termos do artigo 5.º, com observância do disposto no n.º 2 do artigo 4.º, ou ao dobro da parte do mesmo saldo utilizada na aquisição se não houver recurso ao crédito.

2 - Se a matéria coletável exceder o montante referido no número anterior, liquidar-se-á sisa sobre o excesso.

Entretanto a referida Lei n.º 21-B/77 de 9 de abril veio também introduzir norma procedimental impondo o arquivo da documentação bancária para reconhecimento da isenção. Essa documentação devia ser apresentada no cartório notarial, nos casos do montante correspondente à matéria coletável que servisse de base à liquidação não excedesse o dobro da importância transferida do exterior e fosse efetivamente utilizada na aquisição. Nos casos em que o montante correspondente à matéria coletável que servisse de base à liquidação excedesse o dobro da importância transferida do exterior, haveria que liquidar sisa nessa parte e a documentação deveria ser apresentada e arquivada na repartição de finanças liquidadora. Era esta a redação da norma:

Artigo 7º (da Lei n.º 21-B/77 de 9 de abril)

Para efeitos de reconhecimento da isenção estabelecida no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, com a redação que lhe é dada por esta lei, os interessados apresentarão no respetivo cartório notarial, onde ficarão arquivados, os necessários documentos passados pela instituição de crédito e repartição de finanças competentes e, havendo liquidação de sisa, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, os documentos emanados da instituição de crédito ficarão arquivados na repartição de finanças liquidadora.

O sistema de poupança-crédito destinado a beneficiar os emigrantes portugueses criado pelo Decreto-Lei n.º 540/76 de 9 de julho foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 140-A/86 de 14 de junho que instituiu o regime da “poupança-emigrante”. O novo regime iniciou a sua vigência em 15-06-1986, data em que foi extinta a anterior disciplina (artigos 21º e 22º).

O novo sistema de poupança emigrante visou financiar a construção, a aquisição ou a realização de benfeitorias de prédios urbanos, bem como a instalação ou desenvolvimento de atividades económicas por emigrantes (artigos 5º e 6º). Para esse efeito este regime jurídico permitiu aos emigrantes credenciados a titularidade e movimentação de contas em moeda estrangeira sem prévia autorização do Banco de Portugal (artigos 10º e 15º a 18º).

Este regime não previu diretamente qualquer isenção fiscal mas manteve em vigor (artigo 21º-a) a disciplina relativa à sisa e à contribuição predial, que constava do artigo 7º do regime primitivo, com a redação resultante da Lei n.º 21-B/77 de 9 de abril. Como o Decreto-Lei n.º 140-A/86 de 14 de junho não revogou esta Lei n.º 21-B/77, as suas disposições autónomas, designadamente o seu artigo 7º, continuaram a vigorar na ordem jurídica.

Como primeira conclusão é possível afirmar que a isenção de sisa prevista no regime de 1976 para as aquisições efetuadas ao abrigo do sistema de poupança-crédito ou mesmo sem recurso ao crédito, mas sempre que o adquirente utilizasse diretamente na aquisição importâncias transferidas com base nesse regime, continuaram a vigorar, mesmo para além da extinção do sistema primitivo e implantação do regime de 1986. Manteve-se também em vigor o regime procedimental introduzido pela Lei n.º 21-B/77.

Por sua vez o regime de 1986 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 323/95 de 29 de novembro[11] que reformulou o sistema e unificou as anteriores contas na “figura de conta de emigrante” expressa em moeda nacional ou estrangeira, conferindo também a possibilidade de abrir contas e contrair empréstimos junto do sistema bancário nacional, com juros bonificados pelo Estado, nos termos regulados pela Portaria n.º 1.477/95 de 23 de dezembro, em especial pelo seu artigo 3º. Esta nova disciplina voltou a manter intacta a isenção de sisa pois o artigo 18º-2 do citado Decreto-Lei continuou a manter em vigor o artigo 7.º do Decreto-Lei nº 540/76, de 9 de Julho[12].

Por sua vez o Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12 de novembro[13], apesar de revogar o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (31º-3), estipula expressamente o regime para os benefícios fiscais de legislação extravagante, como se considera ser a que estabelece a isenção de sisa ao abrigo dos sistemas aplicáveis a emigrantes, nos seguintes termos:

Artigo 31.º - Revogação

(…)

6 - Mantêm-se em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41 969, de 24 de Novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT.

Como segunda conclusão é possível afirmar que a isenção de sisa associada aos sucessivos regimes de 1976, de 1986 e de 1995, de apoio à aquisição de imóveis por emigrantes, manteve-se com a reforma da tributação do património e passou a considerar-se isenção de IMT (31º-6 do Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12 de novembro).

Finalmente, por ter entendido “que deixou de haver justificação socioeconómica para a manutenção” do sistema poupança-emigrante, o Governo extinguiu-o, não deixando contudo de “salvaguardar as operações contratadas”. O Decreto-Lei n.º 169/2006 de 17 de agosto revogou o regime da conta emigrante, nos seguintes termos:

Artigo 9.º

Norma revogatória

1 - É revogado, para efeitos da contratação de novas operações, o Decreto-Lei n.º 323/95, de 29 de Novembro.

Não parecem restar dúvidas que não vigorava já em 2007 qualquer regime que sustentasse a existência de novas contas ou novas operações protagonizadas por emigrantes, pois o último sistema, de 1995, regulado pelo Decreto-Lei n.º 323/95 de 29 de novembro, foi expressamente revogado em 17 de agosto de 2006.

Não obstante a revogação do regime importa entender (i) que operações foram ressalvadas da revogação; (ii) que efeitos se podem retirar da inexistência de revogação expressa do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 540/76 de 9 de julho e do artigo 7º da Lei n.º 21-B/77 de 9 de abril, que lhe é instrumental.

O conceito de novas operações utilizado na norma transitória, embora não coincida exatamente com a nomenclatura utilizada na lei que estabelece o regime findo, não é de difícil interpretação. O regime do Decreto-Lei 323/85 regulava a contratação de empréstimos especiais com juros bonificados pelo Estado (artigo 14º) denominados empréstimo de poupança-emigrante (artigo 2º), bem como a titularidade da conta-emigrante (artigo 1º), que constituía requisito fundamental para aceder às citadas operações de crédito, com determinadas obrigações de saldo (artigo 11º-1 e 2). As condições em que esses empréstimos foram contratados mantêm-se mas quaisquer novas operações de crédito, ainda que baseadas em contas abertas anteriormente ao abrigo da disciplina da conta-emigrante, não beneficiarão já do regime especial que vigorava. A norma revogatória nem impõe que as contas-emigrante sejam encerradas; a partir da revogação do Decreto-Lei n.º 323/95, de 29 de Novembro não é possível contratar novas operações com recurso à sua disciplina, sejam elas novos contratos de conta bancária ou novos financiamentos. Não obstante, as antigas operações – contas abertas e empréstimos contratados até então – continuarão a vigorar com as condições em que foram estabelecidos.

Importa agora determinar se a isenção de sisa ou de IMT regulada no artigo 7º do Decreto-Lei n.º 540/76 de 9 de julho se mantém, para as contas posteriores a 1995. A previsão da norma estipula que ficariam isentas as aquisições de prédios rústicos ou urbanos ou suas frações autónomas se nelas for utilizado o saldo da conta especial, própria do regime de incentivo para emigrantes, que a partir do regime de 1995 passou a denominar-se conta poupança-emigrante. Nada aponta no sentido desta isenção não dever ser aplicada às contas abertas durante a vigência do regime, i.e. até ao dia 17-08-2006, visto que o regime foi revogado com produção de efeitos em 18-08-2006 (artigo 10º).

Crê-se pois que o benefício da isenção de sisa ou de IMT regulada no artigo 7º do Decreto-Lei n.º 540/76 de 9 de julho se mantém e que continua a ser aplicável às operações com abertura de conta poupança-emigrante anteriores a 18-08-2006 pois a partir desta data a lei deixou de as considerar suscetíveis de qualquer benefício.

A resposta que se dá a esta primeira questão – a vigência da isenção em 17-08-2007 quando os Requerentes efetuaram a compra do imóvel – acaba por tornar de certo modo inútil a resposta à segunda questão – a de saber se os Requerentes reuniram os requisitos necessários para aceder à isenção. A questão é prévia e tem que ver com a própria delimitação objetiva da incidência da norma.

Como se assentou na matéria de facto provada foi em 13-02-2007 que foi constituída pelos Requerentes no Banco..., S.A uma conta que o banco designou por conta-poupança emigrante e foi também nessa data que a Requerente nela aplicou o valor de 302.181,96 €.

Como se viu qualquer conta bancária que seja contratada (ou aberta) depois 17-08-2006 não está já abrangida pelo regime de incentivos a emigrantes e é no âmbito do regime de incentivos que a isenção de IMT poderia ser atribuída. E crê-se que esta interpretação é válida independentemente da designação que o banco em causa atribua à conta de depósito.

Não estando a conta bancária dos requerentes abrangida pelo regime de incentivos a emigrantes estes não poderiam nunca obter a isenção de IMT pretendida. Claro que dois pontos merecem ser referidos: o “reconhecimento” da isenção e a prerrogativa da AT efetuar liquidação de IMT depois de inicialmente ter emitido documentação com o imposto a pagar de valor nulo.

As duas questões têm que ser vistas à luz da preponderância da obrigação do pagamento de imposto enquanto contribuição dos cidadãos para as despesas do Estado.

A documentação emitida pela AT foi elaborada com base em declarações dos Requerentes, destinadas a fim específico, que era o de determinar o valor do IMT a pagar. Daqui resultam duas importantes consequências: (i) Os Requerentes não deram lugar ao procedimento facultativo de reconhecimento de benefício fiscal, que tem que ser expressamente pedido mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, nos termos das normas do artigo 65º do CPPT[14]; (ii) logo que a AT tome conhecimento de factos tributários não declarados pelo sujeito passivo (desde logo a compra sem utilização evidente do saldo da conta) e do suporte probatório necessário (a cópia da escritura sem essa menção), o procedimento de liquidação é instaurado oficiosamente pelos competentes serviços (59º-7 CPPT). Mesmo que houvesse qualquer informação menos correta prestada por funcionário, sempre haveria que ter em conta que somente as orientações genéricas emitidas pelo dirigente máximo do serviço vinculam a AT (55º CPPT e 68º-A LGT[15]) ou as que constituam informação vinculativa (68º LGT).

Pelas razões expostas as pretensões dos Requerentes têm necessariamente que improceder pois as liquidações impugnadas cumprem com a legalidade.

2.2.1.      Outros pedidos

A obrigação de reconstituição pela AT está subordinada ao próprio âmbito da procedência (100º LGT) e sendo improcedente o pedido dos Requerentes ficam prejudicados os seus pedidos de devolução de quantias pagas e de juros.

 

3.      Decisão

Considerando os elementos de facto e de direito coligidos e expostos, este tribunal arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral. Em consequência absolve-se a AT do pedido.

Pela decisão proferida fica prejudicada a apreciação dos pedidos de restituição do imposto pago e de juros.

Condenam-se os Requerentes no pagamento das custas, que se apuram no local próprio.

 

4.      Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306º- 2, do CPC, ex-vi 29º-1-e) do RJAT e 97º-A, n.º 1-a) do CPPT ex-vi 3º-2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 43.238,44 €.

 

5.      Custas

As custas ficam a cargo da parte que a elas tiver dado causa, entendendo-se que lhes dá causa a parte vencida (527º-1 e 2 CPC). Nestes autos e considerando a citada regra, a responsabilidade pelas custas é dos Requerentes, enquanto parte vencida.

Nos termos do artigo 22º-4 do RJAT e Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas que ficam a cargo da Requerente em 2.142,00 €.

 

Lisboa, 25 de janeiro de 2016

O árbitro,

 

 

 

(Nuno Maldonado Sousa)

 



[1] Nesta decisão designado pela forma abreviada de uso comum “RJAT" (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária).

[2] Nesta decisão designada pela forma abreviada “AT” como é de uso generalizado.

[3] Imposto Municipal sobre Transmissões de Imóveis (IMT).

[4] Nesta peça designa-se também este requerimento da AT por “R-AT”.

[5] Nesta peça designa-se também o Processo Administrativo por “PA”.

[6] Neste requerimento igualmente designado pelas formas abreviadas Banco ... ou simplesmente... .

[7] Requerimento complementar dos Requerentes de 03-11-2015.

[8] Que nesta peça também é designado por “D...” ou por “D... Portugal”.

[9] O ficheiro que contém o documento é designado por “doc. 13” mas no documento lê-se “ doc. 11”.

[10] Revisto pela Lei n.º 21-B/77 de 9 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 79/79 de 9 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 316/79 de 21 de agosto e pelo Decreto-Lei n.º 37/86 de 4 de março (que dá conta dos abusos cometidos ao abrigo do sistema), sucessivamente regulamentado pela Portaria n.º 718/76 de 27 de novembro, pela Portaria 413/78 de 27 de julho e pela Portaria n.º 418/79 de 11 de agosto que não incidiram sobre o benefício que se discute nos autos, embora, entre outras regras, tenham estabelecido a cessação das regalias previstas na lei quando se verificasse que as quantias mutuadas não tivessem a aplicação devida. As contas em nome de emigrantes, em geral, eram também reguladas pelo Decreto-Lei n.º 75-C/77 de 28 de fevereiro.

[11] Sucessivamente alterado pelo Decreto-Lei nº 65/96, de 31 de maio (abrangência do saldo de permanência) e pelo Decreto-Lei nº 99/2003, de 13 de maio (regime geral das contas de depósito e comunicações ao Banco de Portugal).

[12] Na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 316/79, de 21 de agosto.

[13] Procede à reforma da tributação do património, aprovando os novos Códigos do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e procedendo a alterações de diversa legislação tributária conexa com a mesma reforma.

[14] Código de Procedimento e de Processo Tributário

[15] Lei Geral Tributária