DECISÃO ARBITRAL[1]
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Relatório
A - Geral
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A…, contribuinte fiscal n.º …, residente em …, número …, …, …, …, Guangzhou, na República Popular da China; B…, contribuinte fiscal n.º …, residente em …-…-…, …, …, distrito de …, Pequim, na República Popular da China e C…, contribuinte fiscal n.º …, residente em …, …, …, …, …, …, distrito de …, Xiamen, na República Popular da China (de ora em diante designados “Requerentes”), apresentaram, no dia 01.09.2014, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando: (i) a anulação dos actos de liquidação referentes ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) n.º 2013 …, n.º 2013 … e n.º 2013 …, todos de 09.03.2014 e referentes ao ano de 2013, (doc. n.º 1 junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral); (ii) o reembolso de todas as quantias que os Requerentes pagaram com base nas liquidações em causa e, ainda, (iii) a condenação da Administração Tributária a Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios por pagamento indevido de prestações tributárias.
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Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro Nuno Pombo, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.
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Por despacho de 16.09.2014, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. D… e Dra. E… para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 04.11.2014.
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No dia 18.11.2014 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.
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No dia 05.01.2015 a Requerida apresentou a sua resposta.
B – Posição dos Requerentes
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Os Requerentes adquiriram, em Novembro e Dezembro de 2013, à F… – …, S.A. (a “F…”) três fracções autónomas (uma cada um deles) destinadas a alojamento turístico, que formam parte integrante do prédio urbano sito no Lote … do “G…” (o “G…”).
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O G… foi devidamente licenciado para fins turísticos e validamente obteve classificação turística de 5 estrelas, tendo o título constitutivo de utilidade turística sido aprovado pelo Turismo de Portugal, I.P., a ….09.2010 e registado na respectiva Conservatória sob a inscrição Ap. …/2010….
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O título constitutivo de utilidade turística permite a isenção de IMI, directamente nos termos previstos no art.º 47.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (o “EBF”).
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A F… apresentou, datado de 05.01.2011, um requerimento ao Chefe de Serviço de Finanças de …, visando a isenção de IMI das fracções integrantes do G…, pelo período de 7 anos, o qual veio a ser deferido por despacho de 10.01.2015.
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A dita isenção de IMI é objectiva e não subjectiva, pelo que não respeita à F…, enquanto proprietária das fracções integrantes do G…, mas a qualquer dos seus proprietários durante o dito período de 7 anos, como é o caso dos Requerentes, uma vez que essas fracções se mantêm integradas em empreendimento a que foi anteriormente reconhecida a isenção.
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Não se verificou nenhum dos acontecimentos previstos no art.º 14.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro (aplicável por remissão do n.º 6 do art.º 47.º do EBF) que consubstanciam causa de revogação da utilidade turística, que não foi revogada, nem as fracções adquiridas pelos Requerentes foram subtraídas à exploração unitária do G…, uma vez que ele integra uma propriedade plural, sendo importante distinguir a entidade exploradora, por um lado, e o titular do direito de propriedade por outro, não tendo sido atribuída a cada uma das fracções em causa, por força da transmissão operada a favor dos Requerentes, utilidade diferente ou fim divergente do escopo da exploração turística levada a cabo pela entidade exploradora.
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Entendem ainda os Requerentes terem direito não apenas ao reembolso do que despenderam com tributos indevidamente liquidados mas também aos juros indemnizatórios a eles relativos.
C – Posição da Requerida
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A Requerida, na sua resposta, começa por expressar o entendimento de que os Requerentes atacam a legalidade dos actos de liquidação, invocando o direito ao reconhecimento da isenção de IMI, afirmando de seguida que não estão abrangidos no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral o conhecimento da matéria relativa ao reconhecimento de isenções tributárias.
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Entende a Requerida, sem prejuízo da excepção invocada, que os Requerentes adquiriram em 2013 fracções autónomas de um empreendimento que já se encontrava instalado e cuja utilidade turística foi reconhecida em 2010, concluindo que eles adquiriram as respectivas fracções visando não a instalação de um empreendimento turístico (que na verdade já existia) mas a sua exploração.
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Para a Requerida, o disposto no n.º 4 do art.º 47.º do EBF impõe que o reconhecimento da isenção dependa da apresentação de um requerimento pelos sujeitos passivos num prazo que está naturalmente associado à instalação do empreendimento.
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Acresce que o n.º 6 (e não do n.º 5 como por lapso é dito) do art.º 47.º do EBF remete expressamente para o disposto no Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, sendo certo que neste diploma o acento tónico das isenções tributárias está na finalidade com que as fracções foram adquiridas.
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Assim, parece evidente que o legislador pretendeu conferir um incentivo às aquisições de imóveis com o objectivo de neles instalar empreendimentos qualificados de utilidade turística. Há, pois no entender da Requerida, dois procedimentos distintos: o da instalação e o da exploração e só aquela justifica a isenção de IMI.
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Defende ainda a Requerida que admitir que a isenção de IMI oportunamente peticionada pela F… aproveita aos Requerentes equivale a advogar a transmissibilidade entre vivos de um benefício fiscal, o que é expressamente vedado pelo art.º 15.º do EBF.
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Por último, sustenta a Requerida não serem devidos quaisquer juros indemnizatórios uma vez que dos actos impugnados não resultou a obrigação de pagamento de imposto superior ao devido.
D – Conclusão do Relatório e Saneamento
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Tendo a Requerida suscitado a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral, em homenagem ao princípio do contraditório, convidaram-se os Requerentes a pronunciarem-se sobre ela, o que fizeram, sustentando a sua improcedência, já que o pedido de pronúncia arbitral visa expressamente a declaração de ilegalidade não de um das de três liquidações de IMI.
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Por despacho de 09.03.2015, o tribunal arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), uma vez que era seu entendimento terem as partes carreado para o processo todos os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão.
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Por despacho de 04.05.2015 entendeu o tribunal arbitral proferir despacho de prorrogação do prazo para a prolação da decisão, estimando que ela pudesse ter lugar até ao dia 18.06.2015.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
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A coligação de autores é admissível nos termos do art.º 144.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário por haver identidade do tributo, dos fundamentos de facto e de direito invocados e por ser o mesmo o órgão competente para a decisão.
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A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se porquanto o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade das liquidações postas em crise.
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O processo não padece de qualquer nulidade. Foi suscitada pela Requerida a excepção de incompetência material do tribunal arbitral, que, a ser julgada procedente, obsta à apreciação do mérito da causa. Assim, deverá tribunal arbitral, antes do mais, apreciá-la.
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A excepção da incompetência material do tribunal arbitral
Como se disse, a Requerida entende que o tribunal arbitral se deve abster de conhecer o pedido uma vez que não está abrangido no seu âmbito de competência a cognoscibilidade da matéria relativa ao reconhecimento de isenções tributárias.
No n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fixa-se a competência dos tribunais arbitrais, podendo eles apreciar as seguintes pretensões:
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A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; e
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A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.
Pretendeu o legislador que a regra da arbitrabilidade dos actos tributários assentasse na liquidação de tributos, ficando de fora da competência dos tribunais arbitrais, entre outros, “a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária”[2]. Igual conclusão se pode extrair do art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, diploma que fixa os termos em que a administração tributária e aduaneira se vincula à jurisdição arbitral.
O que acaba de ser afirmado não equivale a considerar apartada do âmbito da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, como sugere a Requerida, a apreciação da legalidade de actos de liquidação de impostos, quando essa análise implica igualmente a formulação de um juízo sobre a aplicabilidade de um qualquer benefício fiscal[3]. Na verdade, parece a este tribunal arbitral que apreciar a legalidade de um acto administrativo de indeferimento ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais (apreciação que, como dissemos, escapa à competência desta jurisdição arbitral) não é o mesmo que julgar a legalidade de um acto de liquidação que faz tábua rasa de um benefício fiscal que o sujeito passivo entende ser-lhe aplicável ope legis, como é o caso dos autos.
Assim, entende este tribunal arbitral ser materialmente competente para apreciar o pedido.
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Matéria de facto
3.1. Factos provados
Têm-se por provados os seguintes factos:
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O Requerente A… adquiriu no dia 26.11.2013 a fracção AS e os Requerentes B… e C… adquiriram no dia 23.12.2013 as fracções AX e X, todas destinadas a alojamento turístico, parte integrante do prédio urbano sito no Lote … do G…, tendo o vendedor de todas elas sido a F… ” (docs. n. os 2 e 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
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O G… foi devidamente licenciado para fins turísticos, tendo o título constitutivo de utilidade turística sido aprovado pelo Turismo de Portugal, I.P., a ….09.2010 e registado na respectiva Conservatória sob a inscrição Ap. …/2010… (consenso das Partes).
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Pelo despacho n.º …/2010, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º …, de … de … de 2010, foi concedido o estatuto de utilidade turística, a título definitivo, ao G…, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 2.º e no n.º 3 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro (doc. n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral).
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A F… apresentou, datado de 05.01.2011, um requerimento ao Chefe de Serviço de Finanças de …, visando a isenção de IMI das fracções integrantes do G… pelo período de 7 anos, o qual veio a ser deferido por despacho de 10.01.2011 (docs. n. os 4 e 5, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
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Não se verificou nenhum dos acontecimentos previstos no art.º 14.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro (aplicável por remissão do n.º 6 do art.º 47.º do EBF) que consubstanciam causa de revogação da utilidade turística, que não foi revogada (consenso das Partes).
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O G…, incluindo as fracções adquiridas pelos Requerentes, é gerido e explorado turisticamente por uma única entidade, a F… (docs. n. os 2 e 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
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As fracções adquiridas pelos Requerentes não foram subtraídas à exploração unitária do G…, não tendo sido atribuída a nenhuma delas, após ou por força da transmissão operada a favor dos Requerentes, utilidade diferente ou fim divergente do escopo da exploração turística levada a cabo pela entidade exploradora (conclusão extraída pelo tribunal arbitral à vista dos elementos trazidos aos autos pelas Partes).
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O Requerente A… pagou no dia 29.04.2014, a título de IMI, a quantia de € 211,88 (duzentos e onze euros e oitenta e oito cêntimos), conforme documento de cobrança n.º 2013 … (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral).
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O Requerente B… pagou no dia 29.04.2014, a título de IMI, a quantia de € 207,84 (duzentos e sete euros e oitenta e quatro cêntimos), conforme documento de cobrança n.º 2013 … (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral).
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A Requerente C… pagou no dia 29.04.2014, a título de IMI, a quantia de € 207,84 (duzentos e sete euros e oitenta e quatro cêntimos), conforme documento de cobrança n.º 2013 … (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral).
3.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
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Matéria de direito
4.1. Questões a decidir
Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo:
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A de saber se, relativamente às fracções autónomas adquiridas pelos Requerentes em 2013, a isenção de IMI requerida pela F… ao Chefe de Serviço de Finanças de … e por este deferida por despacho de 10.01.2011, pelo período de 7 anos, se mantém em vigor depois dessa transmissão;
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A de esclarecer se, caso se julgue procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações contestadas, os Requerentes, no âmbito do presente processo arbitral, poderão obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
4.2. O benefício fiscal previsto no art.º 47.º do EBF
4.2.1. Pressupostos da isenção e respectivo reconhecimento
Sob a epígrafe “prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística”, lê-se no art.º 47.º do EBF o seguinte:
1 - Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis, por um período de sete anos, os prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística.
2 - Os prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística a título prévio beneficiam da isenção prevista no número anterior, a partir da data da atribuição da utilidade turística, desde que tenha sido observado o prazo fixado para a abertura ou reabertura ao público do empreendimento ou para o termo das obras.
3 - Os prédios urbanos afectos ao turismo de habitação beneficiam de isenção de imposto municipal sobre imóveis, por um período de sete anos contado a partir do termo das respectivas obras.
4 - Nos casos previstos neste artigo, a isenção é reconhecida pelo chefe de finanças da área da situação do prédio, em requerimento devidamente documentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 60 dias contados da data da publicação do despacho de atribuição da utilidade turística.
5 - Se o pedido for apresentado para além do prazo referido no número anterior, a isenção inicia-se a partir do ano imediato, inclusive, ao da sua apresentação, cessando, porém, no ano em que findaria, caso o pedido tivesse sido apresentado em tempo.
6 - Em todos os aspectos que não estejam regulados no presente artigo ou no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro.
Note-se que o n.º 1 deste preceito dispõe que a isenção se refere “aos prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística”. Para beneficiar desta isenção, não basta ser atribuído o estatuto de utilidade turística ao empreendimento em que se integram os prédios sobre que incide o imposto. É necessário que essa mesma isenção seja reconhecida pelo chefe de finanças da área da situação do prédio, em requerimento devidamente documentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 60 dias contados da data da publicação do despacho de atribuição da utilidade turística.
Contudo, sempre se dirá que o reconhecimento por parte da administração tributária e aduaneira não depende da apreciação de qualquer questão de mérito relativa ao empreendimento ao qual foi atribuída utilidade turística. Por isso, a F… apresentou o seu requerimento de isenção de IMI pelo período de 7 anos apresentado como única necessária justificação o “ter sido publicado em … de Dezembro de 2010, no Diário da República (…), o despacho n.º …/2010 do Gabinete do Secretário de Estado do Turismo, em que é atribuída a título definitivo Utilidade Turística, pelo prazo de 7 anos, ao referido Aldeamento Turístico”, pedido que é, apenas três dias depois da sua apresentação, favoravelmente despachado.
Portanto, o reconhecimento por parte da administração tributária e aduaneira da isenção de IMI carece apenas de um simples requerimento por parte do sujeito passivo e da prévia atribuição ao empreendimento em causa, nos termos da lei, da utilidade turística e respectiva publicação. Reunidos estes pressupostos, deve o chefe de finanças competente emitir o respectivo despacho de reconhecimento da isenção, deferindo inelutavelmente a pretensão do sujeito passivo.
Note-se que o preceito que vimos de citar refere ainda um prazo para a apresentação do referido requerimento. Na verdade, diz-se que ele deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 60 dias contados da data da publicação do despacho de atribuição da utilidade turística, sem que da apresentação extemporânea do requerimento resultem outras consequências para além da não extensão do período de 7 anos, durante o qual pode o sujeito passivo contar com a isenção. O mesmo é dizer que a lei consagra a possibilidade do sujeito passivo beneficiar da isenção de IMI pelo período máximo de 7 anos, contados da data da publicação do despacho de atribuição da utilidade turística.
Assim, no caso vertente, tendo o despacho de atribuição da utilidade turística sido publicado a 30.12.2010 e o requerimento a solicitar a isenção de IMI sido apresentado no dia 07.01.2011, veio, e bem, o chefe de finanças de … reconhecer essa mesma isenção para o período de 2010 a 2016, ou seja, 7 anos.
4.2.2. A transmissão ulterior do direito de propriedade – os seus efeitos na isenção
O que se disse na secção anterior não é objecto de dissídio. Não é pela Requerida posta em causa a isenção de IMI sobre cada uma das fracções até ao momento em que a F… as aliena aos Requerentes. Este entendimento, embora nunca formulado pela Requerida nestes exactos termos, implica o reconhecimento de que da isenção só pode beneficiar a entidade que a requer na sequência da atribuição da utilidade turística.
Salvo melhor juízo, não se encontra no art.º 47.º do EBF qualquer elemento literal que autorize a leitura que dele faz a Requerida. É certo que o n.º 4 do art.º 47.º do EBF refere o dever de ser apesentado pelos sujeitos passivos, em determinado prazo, o requerimento de isenção. Contudo, é bom de ver, esse “dever” não constitui uma obrigação em sentido próprio, mas um ónus. Ou seja, não têm os sujeitos passivos a obrigação de apresentar o requerimento de isenção no prazo de 60 dias a contar da publicação do despacho de atribuição da utilidade pública ao empreendimento. Tanto que não há essa obrigação que o n.º 5 do mesmo artigo dispõe sobre as consequências jurídicas decorrentes da apresentação tardia desse requerimento. Ele não fica prejudicado quanto à sua validade nem sequer quanto à sua eficácia, apenas vê encurtados no tempo os seus pretendidos efeitos.
Assim, não tem razão a Requerida quando pretende fazer depender, em termos indissociáveis portanto, o requerimento de isenção de IMI da instalação do empreendimento turístico, concluindo no sentido de só poder requerer (e consequentemente dela beneficiar) a isenção de IMI a entidade que tenha promovido a sua instalação, razão por que entende o tribunal arbitral que a isenção se refere ao prédio, a cada uma das fracções que integram o empreendimento que viu ser-lhe atribuída utilidade turística, e não ao promotor da instalação do empreendimento.
Aliás, o n.º 1 do art.º 44.º do EBF, que abre o capítulo dos benefícios fiscais relativos a imóveis, estabelece isenções subjectivas (as atinentes apenas a determinadas entidades e nessa qualidade) e objectivas (as que se referem a determinados prédios, independentemente do respectivo proprietário). Já o art.º 46.º do EBF, por exemplo, só aparentemente é objectivo, já que isenta de IMI os prédios destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo. Este benefício fiscal combina, numa unidade teleologicamente incindível, prédio e sujeito passivo, porquanto ele é concedido ao sujeito passivo relativamente a prédio que constitua a sua habitação própria e permanente.
Não é essa, como se reconhecerá, a técnica legislativa usada no art.º 47.º do EBF, uma vez que neste se isentam de IMI quaisquer prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística, não se fazendo qualquer referência à identidade dos titulares do direito de propriedade desses mesmos prédios, pelo que a mesma é irrelevante.
Também não colhe o argumento segundo o qual equivalerá a admitir uma ilícita transmissão inter vivos[4]de benefício fiscal a conclusão de que a alienação de fracções autónomas integrantes de um empreendimento ao qual foi atribuída utilidade turística não prejudica a produção de efeitos da isenção de IMI previamente reconhecida. Isto porque, em rigor, do que se trata não é da transmissão de um benefício fiscal intuitu personae mas antes da translação de imóveis a que está associada, por um determinado período de tempo e em termos objectivos, uma isenção de IMI.
4.2.3. A relevância do conceito de instalação no art.º 47.º do EBF
A Requerida insiste na ideia, dela pretendendo colher ilações, de que em 2013, ano em que os Requerentes adquiriram as fracções de que nos vimos ocupando, o empreendimento turístico já se encontrava instalado.
Ora, se bem lermos o art.º 47.º do EBF nele não encontramos qualquer referência a esse conceito. Portanto, causa alguma estranheza a pretensão da Requerida em ver restringida a aplicação de um benefício fiscal directamente decorrente da lei, e em termos de resto literalmente expressos, suportando-a na alegada relevância de um elemento conceitual não escrito: o da instalação.
Ainda que se admita sem dificuldade que em 2013 o empreendimento já estava instalado, não se descortina a razão que permite sustentar a possibilidade (para não falar de razoabilidade) de fazer cessar a produção de efeitos desse benefício por força de um conceito que é totalmente estranho aos elementos literais a que o legislador quis fazer apelo.
Invoca a Requerida no seu esforço argumentativo o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, de 23 de Janeiro, publicado no Diário da República de 4 de Março de 2013. Este importante aresto esclarece que “o conceito de «instalação», para efeitos dos benefícios a que se reporta o n.º 1 do art.º 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos / instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação»”.
Sucede que são de IMT e de Imposto do Selo, e não de IMI, os benefícios fiscais a que se reporta o n.º 1 do art.º 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, pelo que os ensinamentos do acórdão uniformizador de jurisprudência não podem ter o alcance pretendido pela Requerida. Dizer que o legislador pretendeu conferir um incentivo à aquisição de imóveis “com o objectivo de neles instalar empreendimentos qualificados de utilidade turística” está longe de ser um argumento. Antes parece ser a tese que carece de demonstração. É que se essa conclusão não merece contestação em sede de IMT e de Imposto do Selo, já parece abusiva relativamente ao IMI.
Aliás, não deixa de ser sintomático o facto de os Requerentes pretenderem beneficiar da isenção de IMI, tendo aceitado pagar o IMT e o Imposto do Selo devidos pela aquisição das fracções autónomas, como se constata das escrituras públicas que a titularam e que constam do processo.
Portanto, não há uma identidade de situações que permita ver aplicada aos autos a disciplina imposta pelo dito acórdão, nem se vê que ele possa ter qualquer utilidade na interpretação ou integração de uma eventual lacuna do art.º 47.º do EBF[5].
Não se vê, pois, razão para sustentar a aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 20.º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, por via da subsidiária remissão autorizada pelo n.º 6 do art.º 47.º do EBF, porquanto não está demonstrado que o âmbito de aplicação daquele preceito constitua um aspecto que não está regulado no citado artigo 47.º ou no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
4.3. Conclusão
Pelo exposto, entende o tribunal arbitral que são ilegais os actos de liquidação de IMI ora postos em crise, porque eles ignoram a isenção de IMI de que os imóveis beneficiam até 2016.
4.4. Dos juros indemnizatórios
A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.
Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.
Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à administração tributária e aduaneira. Manifestações desse princípio encontramo-las no n.º 1 do art.º 43.º da LGT e no art.º 61.º do CPPT.
O direito à percepção de juros indemnizatórios por parte dos Requerentes depende, pois, da verificação dos seguintes pressupostos: a) erro imputável aos serviços; b) que do referido erro resulte o pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido; c) que o erro dos serviços, seja analisado em sede de reclamação graciosa ou de impugnação judicial.
No caso vertente, o erro imputável aos serviços existe e reside no facto de ter sido exigido aos Requerentes o pagamento de um imposto, o IMI, que por eles não era devido em virtude da isenção de que os prédios beneficiavam. Da análise do processo administrativo verifica-se que a Requerida poderia e deveria ter-se abstido de praticar aos actos de liquidação ora impugnados e esse erro merece ser censurado nos termos da lei, desde logo à luz do que dispõem o art.º 43.º e o art.º 100.º da LGT. Consequentemente, entende o tribunal arbitral que têm os Requerentes direito a juros indemnizatórios.
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Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente anular os actos de liquidação n.º 2013 …, n.º 2013 … e n.º 2013 …, todos de 09.03.2014;
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Condenar a Requerida a reembolsar os Requerentes pelos montantes por estes pagos porque indevidamente exigidos, no montante de € 211,88, € 207,84 e € 207,84;
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Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento indevido até ao seu integral reembolso.
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Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 627,56 (seiscentos e vinte e sete euros e cinquenta e seis cêntimos).
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Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.
Lisboa, 18 de Junho de 2015
O Árbitro
(Nuno Pombo)
[1] Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.
[2] JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105.
[3] É aliás numerosa a jurisprudência arbitral que aprecia actos de liquidação em vista de normas que consagram benefícios fiscais.
[4] V. art.º 15.º do EBF.
[5] V. art. º 10.º do EBF.