Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 515/2015-T
Data da decisão: 2015-12-15  Selo  
Valor do pedido: € 26.021,90
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Terrenos para construção
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Decisão Arbitral

 

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

A..., SA com sede em Rua ...– Edifício..., …, em ...-..., titular do Número único de Identificação de Pessoa Coletiva ... apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com o objectivo de obter a declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo relativos ao ano 2014 identificados no processo, no valor de €26.021,90.

 

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 31.08.2015 e automaticamente notificado à AT.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 28.10.2015.

 

 

A AT respondeu, defendendo a improcedência do pedido, pugnando pela manutenção do acto de liquidação por consubstanciar correcta interpretação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a realização de alegações finais, em face do teor da matéria contida nos autos.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

II.                MATÉRIA DE FACTO

 

Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.    A Requerente é uma sociedade comercial que, no âmbito da sua atividade, se dedica à promoção e construção imobiliária de alta qualidade;

 

B.     Em Março de 2015, a Requerente foi notificada do acto de liquidação de Imposto do Selo (IS) materializado nos documentos de cobrança n.os  2015... e 2015 ..., datados de 20 de Março de 2015, referente ao ano de 2014, sobre a propriedade de terrenos para a construção sitos na União das freguesias de ... (... e...), Concelho de Tavira, inscritos na matriz predial urbana sob os artigos U-... e U-..., respetivamente, no valor total de € 26.021,90;

 

C.    A liquidação de IS foi emitida com base no disposto na verba 28.1 da TGIS;

 

D.    Os imóveis objeto das liquidações constituem talhões de terreno para construção;

 

E.     A Requerente procedeu ao pagamento voluntário das primeiras prestações das liquidações sub judice.

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

III.             MATÉRIA DE DIREITO

 

A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se a norma constante da verba 28.1 da TGIS subjacente ao acto de liquidação Sub Judice é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva.

 

Neste sentido defende a Requerente, em síntese, o seguinte:

 

1.      A norma de incidência que subjaz às liquidações ora impugnadas apenas é aplicável aos imóveis qualificados, nos termos do Código do IMI, como prédios habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, e cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000;

 

2.      Tal norma de incidência, porém, não pode deixar de se afigurar como violadora do princípio constitucional da igualdade [cf. artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)],

 

3.      Ora, por um lado, nem todos os proprietários, usufrutuários ou superficiários de imóveis de valor tributário igual ou superior a €1.000.000 estão sujeitos a este encargo tributário, mas apenas aqueles que o sejam de prédios urbanos afetos à habitação ou de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, com exclusão de todos os que o sejam em relação aos demais prédios urbanos ou rústicos;

 

4.      Por outro lado, apenas os proprietários, usufrutuários ou superficiários destes prédios urbanos de valor tributário igual ou superior a €1.000.000 sofrem o encargo do imposto e, nestes casos a tributação incide sobre o valor patrimonial tributário global do mesmo;

 

5.      O princípio da igualdade fiscal, enquanto concretização do princípio geral da igualdade, impõe, desde logo, uma conformação universal e uniforme do dever de pagar impostos.

 

 

6.      Não se descortinam razões que justifiquem que apenas os prédios com afetação habitacional e os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, sejam objeto deste imposto e que, em consequência, se tenha excluído do âmbito de incidência objetiva prédios com outro tipo de afetação, mas com o mesmo valor patrimonial tributário, logo indiciadores de uma mesma capacidade contributiva;

 

7.      A tributação da riqueza patrimonial por referência ao valor da “unidade” prédio exclui de tributação os indivíduos titulares dos mesmos direitos sobre patrimónios imobiliários compostos por vários imóveis de valor unitário inferior ao definido na norma de incidência mas cujo valor total seja substancialmente superior ao valor de referência da “unidade” para efeitos de tributação;

 

8.      Da mesma forma, não se vislumbram motivos pelos quais os proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos afetos à habitação ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, de valor tributário superior a €1.000.000 sofram o encargo do imposto pela totalidade do valor patrimonial tributário daqueles imóveis e não apenas pelo montante que exceda aquele valor, quando os proprietários, usufrutuários ou superficiários do mesmo tipo de prédios urbanos de valor tributário inferior a €1.000.000 não sofrem qualquer tributação;

 

9.      No caso em apreço, o IS sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional ou potencialmente habitacional, de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00, à taxa de 1%, não assume carácter progressivo.

 

10.  Com efeito, no IS sobre a propriedade não é assinalável qualquer grau de progressividade, porquanto este se limita a tributar a uma taxa única os prédios urbanos de valor igual ou superior a €1.000.000,00, não havendo deste modo qualquer distinção na taxa do imposto ou sequer na matéria coletável

 

11.  Ora, se a tributação de imóveis de valor igual ou superior a €1.000.000 é compreensível numa perspetiva de justa repartição da riqueza e de tributação de acordo com a capacidade contributiva de cada um, ao abrigo dos princípios constitucionais que enformam o sistema fiscal (cf. n.º 1 do artigo 103.º e n.º 3 do artigo 104.º); e se a mesma melhor se compreende no contexto do esforço de consolidação orçamental em face da situação económico-financeira do país, já difícil é antever na opção legislativa uma razão válida para a discriminação que a mesma introduz em sede de tributação do património, onerando apenas uma parte dos indivíduos que revelam idêntico nível de riqueza imobiliária e, em relação a estes, incidindo mesmo sobre o valor desse património que em termos gerais se definiu como irrelevante para estes efeitos;

 

 

12.  Em face de todo o exposto, é forçoso concluir que o IS sobre a propriedade, usufruto e direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional e terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, previsto na verba 28.1 da TGIS, na redação conferida pela Lei n.º 55.º-A/2012, de 29 de Outubro e alterada pela Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária previsto nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3 da CRP, o que, em consequência, justifica a inconstitucionalidade material das liquidações de IS em crise.

 

 

 

Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:

 

1.      A CRP obriga a que se trate igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material;

 

2.      O princípio constitucional da igualdade não implica a proibição de todas e quaisquer discriminações negativas ou positivas, mas tão só as que se afigurem destituídas de fundamento razoável, o que constitui o limite constitucional da proibição do arbítrio;

 

3.      O Legislador concebeu a verba 28.1 da TGIS como medida de obtenção de receita fiscal necessária ao esforço de consolidação orçamental previsto no Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF) acordado entre o Governo Português e o FMI, a Comissão Europeia e o BCE.

 

4.      A Tributação em sede de IS constante da verba 28 obedece ao critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor cuja aquisição evidencia implicitamente uma determinada capacidade económica;

 

5.      Possui fundamento material bastante, nos termos de “um critério ponderativo racionalmente credenciável”, a limitação da incidência da tributação em causa aos prédios habitacionais de luxo, com exclusão dos prédios com afectações estritamente económicas, o que se compreende num contexto em que a economia se encontra em espiral recessiva, publicamente proclamada ao mais alto nível, com as taxas de desemprego a atingir níveis máximos históricos, com avalanche de encerramento de empresas derivado da insustentabilidade económica;

 

6.      Não existe uma razão lógica que alicerce uma prática interpretativa que permita defensar uma igual tributação, quando estamos perante situações factuais substancialmente diferentes;

 

7.      A previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações.

 

Vejamos o que deve ser entendido.

 

A Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece no seu artigo 13.º o princípio da igualdade, nos seguintes termos:

 

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

 

Estatui, por sua vez, o artigo 103.º da CRP que:

 

1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.

2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.

 

 

 

 

 

Nos termos do artigo 104.º da CRP:

 

1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.

2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

3. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.

4. A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo.

 

É a luz dos referidos normativos que deve ser apreciada a constitucionalidade da norma constante da verba 28 e 28.1. da TGIS, que determina incidência de IS sobre:

 

Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a €1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1. – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI…… 1%.”

 

Da análise das normas constitucionais referenciadas resulta que o princípio constitucional da igualdade tributária constitui uma expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade, “que traduz não apenas uma igualdade formal – uma igualdade perante a lei, (…), mas também e sobretudo uma igualdade material – uma igualdade da lei, que obriga, em diversos termos, também o legislador.”[1]

 

Assim, o princípio da igualdade fiscal desdobra-se em dois aspectos: o aspecto da generalidade dos impostos e o aspecto da uniformidade dos impostos.

 

Na vertente da generalidade dos impostos, o princípio da igualdade fiscal determina que o dever de pagar impostos é universal, enquanto que na vertente da uniformidade dos impostos implica o referido princípio a adopção de um mesmo critério para todos os contribuintes.

 

No fundo, “o princípio da igualdade fiscal exige que o que é (essencialmente) igual, seja tributado igualmente, e o que é (essencialmente) desigual, seja tributado, desigualmente na medida dessa desigualdade.”[2]

 

Para aferir do que é igual e do que é desigual surge, então, o critério da capacidade contributiva, que se concretiza na vertente da igualdade horizontal quando impõe que os contribuintes com a mesma capacidade contributiva paguem o mesmo imposto, e na vertente da igualdade vertical, na medida em que conduz a que os contribuintes com diferente capacidade contributiva paguem impostos diferentes (qualitativa e/ou quantitativamente), sendo proibido o arbítrio.

 

Neste contexto entende a Requerente que o IS sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional e de terrenos para construção, de valor patrimonial superior a €1.000.000,00, à taxa de 1%:

 

a)      Não respeita o princípio da igualdade, na medida em que a tributação incide apenas sobre prédios urbanos afectos à habitação e terrenos para construção, excluindo todos os demais prédios urbanos e rústicos;

b)      Viola o princípio da capacidade contributiva, uma vez que se excluem do âmbito da incidência da norma prédios com outro tipo de afectação mas com o mesmo valor patrimonial tributário, logo indiciadores de uma mesma capacidade contributiva;

c)      Viola o princípio da capacidade contributiva, considerando que a tributação é por referência ao valor da “unidade” prédio;

d)     E, por fim, viola-se o princípio da igualdade tributária, tributando-se pela totalidade do valor patrimonial os imóveis superiores a €1.000.000 e não apenas pelo montante que exceda aquele valor.

 

Não assiste, no entanto, razão à Requerente.

 

Na verdade, do princípio da igualdade tributária não resulta a proibição da liberdade de opção por parte do legislador de tributação de determinados factos tributários em detrimentos de outros, mas sim a proibição do arbítrio.

 

No caso em análise, o Legislador considerou que sobre os prédios urbanos habitacionais e (mais tarde) sobre os terrenos para construção deveria incidir a “taxa de luxo”, no âmbito do esforço de consolidação orçamental. Pretendeu-se com a referida tributação repartir os sacrifícios exigidos aos proprietários de prédios habitacionais de elevado valor com aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho (Vide Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF), acordado entre o Governo Português e FMI, a Comissão Europeia e o BCE).

 

A criação deste novo facto tributário ocorreu no contexto de crise económica e de grave crise nas finanças públicas, com o propósito de aumentar as receitas fiscais do Estado, através da tributação daqueles que revelam maiores indicadores de riqueza.

 

Na verdade, através da verba 28.1. pretende-se tributar a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo que, pelo seu valor bastante superior ao da generalidade dos prédios urbanos, revela maiores indicadores de riqueza, susceptível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento.” – (Vide proposta de Lei n.º 96/XII).[3]

 

A opção pela tributação de prédios urbanos habitacionais e não de prédios rústicos ou destinados ao comércio resulta de uma opção de política económica, assente na ideia de que a penalização de prédios com afectação económica contribuiria para o agravamento da situação económica do país.

 

Como ensina José Maria Fernandes Pires, “a aplicação do imposto aos prédios com afectação a habitação e a terrenos para construção em que esteja prevista e aprovada a construção de habitação, revela a intenção de não onerar o sector produtivo e as empresas em geral. Na verdade, os prédios afectos a actividades empresariais, nomeadamente comércio, serviços ou actividade industrial, podem alcançar um valor superior a um milhão com relativa facilidade, sem que esse facto possa revelar uma relevância em termos de riqueza idêntica à que revelam os que têm afectação à habitação com o referido valor.”[4]

 

Deste modo, consta-se que os factos tributários contemplados pela verba 28.1 da TGIS não foram escolhidos de forma arbitrária, sendo a sua opção justificada pelo contexto político-económico subjacente.[5]

 

Não procede assim o argumento da Requerente de que a norma de incidência aqui em discussão viola o princípio da igualdade.

 

Pelas razões expostas acima, este Tribunal também não considera que se encontre beliscado o princípio da capacidade contributiva pela exclusão de outros prédios, para além dos contemplados na norma, que revelam igual capacidade contributiva.

 

De facto, o princípio da igualdade tributária assente no critério da capacidade contributiva não veda qualquer tipo de discriminação positiva ou negativa, proibindo sim o arbítrio. Por isso, não se vislumbra qualquer ilegalidade na escolha justificada dos factos tributários constantes da verba 28.1.

 

De igual modo, não se vislumbra que haja violação do princípio da capacidade contributiva pelo facto da incidência do IS ser efectuada imóvel a imóvel ou “à unidade”, atentas as motivações do Legislador e uma vez que não existe nenhum imposto global sobre o património, que imponha outro tipo de ponderação.

 

Sendo certo que o princípio da capacidade contributiva não vale de igual modo relativamente a todo o tipo de imposto, tendo uma expressão de 1.º grau nos impostos sobre o rendimento, uma expressão de 2.º grau nos impostos sobre o património e uma expressão de 3.º grau nos impostos sobre o consumo.

 

Na verdade, nos impostos sobre o património, a capacidade contributiva do sujeito da relação jurídico-formal do imposto é determinada sobretudo atendendo à capacidade de adquirir manifestada, o que se verifica considerando apenas o poder aquisitivo do sujeito passivo por prédio urbano ou terreno para construção.

 

Por fim, alega a Requerente a violação do princípio da igualdade tributária, pela tributação da totalidade do valor patrimonial dos imóveis superiores a €1.000.000 e não apenas pelo montante que exceda aquele valor.

 

Ora, a CRP não impõe ao legislador com a mesma intensidade a criação de um imposto sobre o património com carácter progressivo, como sucede relativamente ao imposto sobre o rendimento.

 

Na verdade, quanto à tributação do património, o legislador está essencialmente obrigado a contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104.º, n.º 3 da CRP), o que não o impede de proceder à discriminação de patrimónios, tributando os mais elevados e isentando os mais baixos, nem tão pouco obriga à existência de um imposto sobre o património com taxas progressivas.

 

Atendendo ao princípio da capacidade contributiva, enquanto critério de determinação do respeito pelo princípio da igualdade tributária, constata-se que o facto tributário eleito pelo legislador na verba 28.1. é revelador de capacidade contributiva, havendo também conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado pelo legislador.

 

De facto, a norma em análise elegeu como pressuposto económico o direito propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos, de valor patrimonial superior a €1.000.000,00 e a esse pressuposto económico fez corresponder uma taxa de 1%, sendo irrelevante qualquer pressuposto económico de valor inferior ao referido.

 

Tendo em conta o princípio da legalidade fiscal, a norma em análise não poderia deixar de determinar o concreto valor patrimonial a partir do qual passava a incidir sobre tais prédios uma taxa especial de Imposto do Selo. Sendo certo que “a existência de resultados aplicativos distintos perante valores muito aproximados – por excesso ou por defeito – de uma expressão quantitativa estipulada normativamente como limite – positivo ou negativo – de um qualquer efeito jurídico é conatural à respectiva fixação pelo legislador. Seja na definição da incidência fiscal, seja na estatuição de isenções ou benefícios fiscais assentes em critérios de valor, é sempre possível encontrar exemplos de contribuintes com tratamento diferenciado a partir de uma variação quantitativa de muito reduzida expressão.”[6]

 

Em suma: não se considera verificada a violação dos parâmetros constitucionais invocados pela Requerente.

 

 

IV.             DECISÂO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de IS referente aos terrenos para construção sitos na União das Freguesias de ... (... e...), Concelho de Tavira, inscritos na matriz predial urbana sob os artigos U-... e U-... .

 

 

V.                VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €26.021,90.

 

 

 

VI.             CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.530,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 15 de Dezembro de 2015

 

 

 

 

 

A Árbitro

 

 

 

 

 

Magda Feliciano

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)

 

 



[1] José Casalta Nabais, in O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Teses Almedina, 2009, pp. Pag. 435.

[2] Ob. Cit. pp. Pag. 442.

[3] Vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, proferido no âmbito do processo n.º 542/2014.

[4] In Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3.ª Edição, Almedina, pp. Pag.507.

[5] Vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/2013, de 5.04, n.º s 33 e 35:

Só podem ser censurados com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que dela resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, perceptíveis ou inteligíveis, tendo os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem (…) este princípio, na sua dimensão de proibição do arbítrio, constitui um critério essencialmente negativo (…) que, não eliminando “a liberdade de conformação legislativa” – entendida como a liberdade que ao legislador pertence de “definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente” – compete aos tribunais não a faculdade de se subtraírem ao legislador, “ ponderando a situação como se estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução razoável, justa e oportuna (do que seria a solução ideal do caso)”, mas sim a de “afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insusceptíveis de se credenciarem racionalmente.”

[6] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, proferido no âmbito do processo n.º 542/2014.