Decisão Arbitral
Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia e Dr. Arlindo José Francisco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-10-2015, acordam no seguinte:
1. Relatório
A… - …, S.A., pessoa colectiva número …, com sede em Quinta …, …, em ..., freguesia de …, concelho de Loulé, (doravante designada como "Requerente"), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo número 2015 …, de 20-03-2015, relativa ao exercício de 2014 – 1.ª prestação, que fixou um imposto no valor de € 104.060,61.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 14-08-2015.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 28-09-2015, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 13-10-2015.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo a improcedência dos pedidos e requerendo que, caso se recuse a aplicação do artigo 28.º da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) com fundamento na sua inconstitucionalidade, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3, da CRP e no artigo 72º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, seja determinada a notificação ao Ministério Público do douto acórdão arbitral, a fim de que este dê cumprimento as suas prerrogativas legais.
Por despacho de 03-06-2015 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e as alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
Não foram suscitadas questões prévias que possam obstar à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
A) A Requerente é proprietária de um lote de terreno para construção, denominado Lote …-…, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o n.º …, com o valor patrimonial tributário de € 31.218.181,03 (Documentos n.ºs 1 e 2, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
B) A Requerente adquiriu o imóvel 17-12-2004 (Documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
C) A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º 2015 …, datada de 20-03-2015, através da qual é determinada, relativamente ao ano de 2014, a colecta de € 312.181,81 e a 1.ª prestação no valor de € 104.060,61, referente ao prédio referido, com fundamento na verba 28.1. da TGIS;
D) Em 28-07-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, não havendo controvérsia quanto à matéria de facto.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
3. Matéria de direito
A Requerente pede a declaração de ilegalidade da liquidação impugnada com fundamento em violação dos princípios constitucionais da igualdade e da protecção da confiança.
3.1. Questão da violação do princípio da igualdade
3.1.1. Posições das Partes
A Requerente imputa à liquidação impugnada violação do princípio da igualdade pelas seguintes razões, em suma:
– O IMI, sendo um imposto que incide sobre o património (e não sobre o rendimento, como acontecia com a Contribuição Predial que antecedeu a Contribuição Autárquica), cuja receita está afecta aos municípios, é um imposto directo, real (ou objectivo) e periódico (que resulta da presunção de permanência da situação tributária, o que pressupõe uma renovação, geralmente anual, das obrigações de imposto);
– a verba n.º 28 do CIS, sendo absolutamente inovadora face às realidades tributadas até então pelo Imposto do Selo, institui um imposto igualmente directo, real e periódico, cuja tributação ocorre inclusive no momento e de acordo com as regras previstas no CIMI, com as devidas adaptações;
– assim, a mesma manifestação da capacidade contributiva é tributada duas vezes, por dois impostos periódicos, de renovação anual;
– a verba n.º 28 do CIS, sob a aparente forma de um imposto habitualmente qualificado como sendo de obrigação única, institui um verdadeiro imposto periódico, em tudo semelhante ao IMI (com excepção do destino da receita fiscal, que no caso do Imposto do Selo é afecto directamente ao Orçamento de Estado);
– existe uma clara sobreposição entre o facto tributário objecto da verba n.º 28 do CIS e o facto tributário objecto do art.º 8.º, número 1, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI);
– tendo em consideração o princípio da igualdade, que se manifesta nomeadamente através do princípio da capacidade contributiva, a mesma manifestação de capacidade de pagar não pode dar origem a dois processos de liquidação distintos e concorrentes entre si, ainda que de um ponto de vista estritamente formal tenham por objecto impostos diversos;
– sujeitos passivos com idêntica capacidade contributiva não se encontram abrangidos pela incidência da verba n.º 28 apenas porque os imóveis dos quais são proprietários têm um valor patrimonial tributário abaixo de € 1.000.000,00 - considere-se, por hipótese, os imóveis com um valor patrimonial tributário de € 999.999,00 que deixariam de estar abrangidos pela norma de incidência.
A Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a violação do princípio da igualdade diz o seguinte, em suma:
– o art.º 104.º, n.º 3 da CRP prescreve que «a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos»;
– o princípio da igualdade, no que concerne ao património, tem que ser interpretado com alguma parcimónia, no sentido que não envolve um particular e autónomo conteúdo jurídico do princípio da igualdade no âmbito da tributação sobre o património;
– «o princípio da igualdade fiscal tem sempre ínsita sobretudo a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos e quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção dessa diferença (igualdade vertical)»;
– «o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária. Isto porque se o princípio da igualdade tributária pressupõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, a capacidade contributiva é o tertium comparationis - leia-se, o critério - que há-de servir de base à comparação. Neste sentido, o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição ou pressuposto quanto como critério ou parâmetro da tributação (...). Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua "capacidade de gastar" (ability to pay). Ou seja, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos (igualdade horizontal), e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (igualdade vertical)»;
– «só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que dela resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos»;
– o facto de o legislador estabelecer um valor (€1.000.000,00) como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha do legislador quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretende tributar de modo mais gravoso, até porque qualquer outro valor de grandeza análoga assumiria, do mesmo modo, um carácter artificial que é conatural a qualquer fixação quantitativa de um nível ou limite.
3.1.2. Decisão da questão da violação do princípio da igualdade
A verba 28 foi aditada à TGIS pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
Na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, esta verba tem a seguinte redacção, no que aqui interessa
28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 –- Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %.
A justificação para o aditamento desta verba à TGIS foi indicada na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se refere, além do mais o seguinte:
A prossecução do interesse público, em face da situação económico-financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.
Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa.
Nestes termos, será agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, passando as respectivas taxas de 25% para 26,5% em sede de IRS. As taxas de tributação aplicáveis aos rendimentos obtidos de, ou transferidos para, os paraísos fiscais são também agravadas para 35%.
Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.
Finalmente, este diploma introduz uma medida de reforço de combate a fraude e a evasão fiscais, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos (IRS) e às transferências de e para paraísos fiscais. Em primeiro lugar, reforça-se a operacionalização da liquidação do IRS com base em manifestações de fortuna, reduzindo-se o diferencial de 50% para 30% entre as manifestações de fortuna e os rendimentos declarados em sede de IRS. Por outro lado, as transferências de e para paraísos fiscais efetuadas entre contas do sujeito passivo, não declaradas nos termos da lei, passam a ser consideradas uma manifestação de fortuna e, nessa medida, sujeitas a tributação em sede de IRS por métodos indiretos».
A argumentação da Requerente foi apreciada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, de 11-11-2015, proferido no processo n.º 542/14, em termos que aqui se aceitam, no essencial.
No que concerne ao facto de se tratar de dois impostos com base no mesmo facto tributário «a inscrição da tributação em análise no âmbito do Imposto do Selo, e não noutras espécies de impostos, não resulta, em si mesma, infração de qualquer parâmetro de constitucionalidade. Mesmo que fosse de concluir pela introdução de fator de incoerência, ou mesmo de desequilíbrio, no sistema de tributação do património imobiliário, como pretende a recorrente, a mera assistematicidade da norma questionada não é idónea a determinar a censura constitucional (cfr., ainda que noutros campos de regulação, os Acórdãos nº 353/2010 e 324/2013)» (...) «Podem, seguramente, conceber-se outras vias ao alcance do legislador, eventualmente por recurso a outras espécies tributárias, mas não é menos certo que a opção tomada encontra inscrição na ampla margem de conformação do legislador fiscal, sendo insuscetível de fundar autónoma censura constitucional».
«Também não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade”».
De resto, as situações de dupla tributação, traduzida na aplicação de dois impostos a um mesmo facto tributário, são frequentes nos casos em que as entidades públicas que deles beneficiam são distintas, como sucede no caso em apreço, pois o IMI é receita municipal e o Imposto do Selo é receita estadual. Uma situação paralela verifica-se com a derrama municipal que, actualmente, incide, como o IRC, sobre a matéria tributável deste imposto (artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro).
No que concerne ao argumento de que sujeitos passivos com idêntica capacidade contributiva não se encontram abrangidos pela incidência da verba n.º 28 apenas porque os imóveis dos quais são proprietários têm um valor patrimonial tributário abaixo de € 1.000.000,00, por exemplo € 999.999,00, refere-se no citado acórdão do Tribunal Constitucional o seguinte:
Cabe referir que a existência de resultados aplicativos distintos perante valores muito aproximados - por excesso ou por defeito - de uma expressão quantitativa estipulada normativamente como limite – positivo ou negativo – de um qualquer efeito jurídico é conatural à respetiva fixação pelo legislador. Seja na definição da incidência fiscal, seja na estatuição de isenções ou benefícios fiscais assentes em critérios de valor, é sempre possível encontrar exemplos de contribuintes com tratamento diferenciado a partir de uma variação quantitativa de muito reduzida expressão.
Por ser necessariamente assim, a diferenciação comportada na segunda hipótese colocada não se mostra desprovida de fundamento racional, de acordo com o escopo, estrutura e natureza da norma em análise: votada a incrementar a tributação de prédios com afetação habitacional de valor elevado, a medida fiscal não podia deixar de determinar, por imperativo do princípio da legalidade fiscal, o concreto valor patrimonial a partir do qual passava a incidir sobre tais prédios uma taxa especial de Imposto do Selo, o que afasta, também neste ponto, a verificação de arbitrariedade por parte do legislador.
Na linha desta jurisprudência, entende-se que não ocorre violação do princípio da igualdade, pelos motivos indicados pela Requerente.
3.2. Questão da violação dos princípios da proporcionalidade e da protecção a confiança
3.2.1. Posições das Partes
A Requerente defende o seguinte, em suma:
– como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 413/2014, "a aplicação do princípio da confiança deve partir de uma definição rigorosa dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a situação de confiança, para ser digna de tutela: em primeiro lugar, as expectativas de estabilidade do regime jurídico em causa devem ter sido induzidas ou alimentadas por comportamentos dos poderes públicos; elas devem, igualmente, ser legítimas, ou seja, fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional; por fim, o cidadão deve ter orientado a sua vida e feito opções, precisamente, com base em expectativas de manutenção do quadro jurídico”; “dados por verificados esses requisitos, há que proceder a um balanceamento ou ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente afectados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração. Com efeito, para que a situação de confiança seja constitucionalmente protegida, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa";
– entrada em vigor da verba n.º 28 da TGIS, este novo imposto veio afectar a expectativa que os contribuintes (proprietários de bens imóveis à data da aprovação da nova lei) criaram de que não existiria tributação extraordinária e imprevisível pela detenção do seu património;
– essa modificação das expectativas dos contribuintes considera-se como envolvendo uma intolerável violação do princípio da confiança, e por isso devia ter-se como constitucionalmente inadmissível;
– as medidas não têm um carácter temporário, mas antes permanente, pelo que não colhe o argumento de que o novo imposto visou assegurar necessidades extraordinárias de receita, uma vez que não existe uma previsão temporal de vigência daquela tributação excepcional;
– com o que violou o legislador o princípio constitucional da proporcionalidade, sendo este o critério último para aferir da tutela jurídico-constitucional da confiança.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que
– o normativo subjacente à presente liquidação aplica-se a factos tributários posteriores à sua entrada em vigor (01-01-2014), pelo que não estende os seus efeitos a situações jurídicas já constituídas;
– assim, não há aqui expectativas especificamente merecedoras de tutela em face do princípio evocado, fenecendo, em consequência, qualquer pretensa violação do princípio protecção da confiança;
– o n.º 3 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa se aplica apenas a situações configuráveis como de retroactividade forte, autêntica ou própria, ou seja, de 1.º grau, traduzida pela aplicação da lei nova a factos inteiramente verificados ao abrigo da lei antiga, tendo já produzido todos os seus efeitos no âmbito dessa lei.
3.2.2. Decisão da questão da violação dos princípios da proporcionalidade e da protecção a confiança
A Requerente invoca afectação da expectativa que os contribuintes (proprietários de bens imóveis à data da aprovação da nova lei) criaram de que não existiria tributação extraordinária e imprevisível pela detenção do seu património, mas não há qualquer fundamento para formação de consistentes expectativas nesse sentido.
Na verdade, a tributação directa ou indirecta do património imobiliário têm sofrido evolução ao longo do tempo, com frequentes alterações: nos últimos 30 anos, passou-se da tributação indirecta do património por via da tributação do rendimento real ou presumível dos prédios que era feita na Contribuição Predial, vigente até ao final de 1988, para a Código da Contribuição Autárquica, que tributou directamente o património até ao final de 2003, e para o Imposto Municipal sobre Imóveis que continuou esta tributação em novos moldes, a partir de 2004, estes últimos cumulativamente, a partir de 1989, com tributação dos rendimentos prediais a nível de impostos sobre o rendimento.
Paralelamente, a tributação das alterações da titularidade dos imóveis que era efectuada através da sai e do imposto sobre as sucessões e doações, que vigorou até ao final de 2003, foi eliminada passou a existir tributação das transmissões a título de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e de Imposto do Selo.
Por isso, não se vê fundamento para consistentes expectativas dos proprietários de imóveis no sentido da eternização ou prolongada vigência da tributação existente no início de 2012. Pelo menos é seguro, para utilizar a terminologia usada pela Requerente, que as eventuais «expectativas de estabilidade do regime jurídico em causa» não foram «induzidas ou alimentadas por comportamentos dos poderes públicos».
Por outro lado, como se explica na Proposta de Lei n. 96/XII/2.ª, que se transcreveu parcialmente, a situação económico-financeira do País exigiu um esforço de consolidação orçamental, controladamente imposto pelos credores internacionais, que teve de se traduzir não apenas na redução das despesas, mas principalmente no aumento das receitas do Estado.
Este aumento de receitas foi efectuado primacialmente através do aumento da tributação dos rendimentos do trabalho e de pensões, mas, preocupações elementares de justiça impunham que se procurasse concretizar um «efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e «garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho».
Neste contexto de adopção de medidas de consolidação orçamental exigidas para atenuar a crise financeira em que o país se encontra, não se pode concluir que a alteração parcial do regime de tributação do património imobiliário operada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, pudesse implicar frustração de expectativas legítimas dos proprietários de imóveis de elevado valor.
Na verdade, para além de, como se disse, a evolução legislativa não fornecer suporte sólido para formação de expectativas sobre a inalterabilidade da tributação do património, decerto que as hipotéticas expectativas que os proprietários de imóveis formassem no sentido de ficarem resguardados do enorme esforço nacional generalizado que exigiu a consolidação orçamental, não poderiam ser consideradas legítimas, por não serem compatíveis com o princípio constitucional da justiça.
Por isso, não se pode deixar de concluir que ocorreram razões de interesse público que justificaram, em adequada ponderação, a não continuidade do regime de tributação do património imobiliário existente antes da criação da verba 28 da TGIS.
Por outro lado, o aumento da tributação dos titulares de direitos sobre prédios destinados a habitação de valor elevado não se afigura desproporcionada, especialmente quando comparada com o generalizado agravamento da tributação do trabalho e pensões.
Assim, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, o limite a discricionariedade legislativa nesta matéria, é apenas o que resulta da proibição da retroactividade constitucionalmente estabelecida no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que, manifestamente, não é violado quanto à aplicação, no ano de 2014, da tributação prevista na verba 28.1 da TGIS, pois a redacção desta norma que se aplica foi introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em vigor desde 1-1-2014.
Pelo exposto, não ocorre a alegada violação do princípio da protecção da confiança e do princípio da proporcionalidade.
4. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 104.060.61.
6. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 11-12-2015
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Jorge Bacelar Gouveia, com voto de vencido que se anexa)
(Arlindo José Francisco)
Voto de Vencido
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 495/2015 – T
I – Introdução
Discordo da decisão do Tribunal Arbitral tomada no Processo nº 495/2015 por entender que a verba nº 28 da TGIS é inconstitucional ao violar os princípios da igualdade e da proteção da confiança consagrados na Constituição da República Portuguesa, nos termos da fundamentação constante da Sentença Arbitral prolatada no Processo nº 301/2013, de que fui autor.
É verdade que o Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade da referida norma, designadamente no Acórdão nº 590/2015, posição de que se discorda e que não nos vincula no âmbito de um processo de fiscalização sucessiva concreta da constitucionalidade respeitante a outro processo arbitral, não dispondo o Tribunal Constitucional, nessa sede, de poderes para prolatar decisões com força obrigatória geral.
Por uma questão de dever ético e no exercício da independência que é apanágio da função jurisdicional no contexto deste Tribunal Arbitral, e também por a argumentação expendida pelos colendos juízes conselheiros do Tribunal Constitucional no supra-referido aresto não ter sido para mim convincente, não poderia deixar de tomar esta decisão.
O Árbitro
Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia
Lisboa, CAAD, 30 de dezembro de 2015.