Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 180/2015-T
Data da decisão: 2015-11-17  IRC  
Valor do pedido: € 163.311,41
Tema: IRC; determinação do lucro tributável obtido com a compra e venda de imóveis
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Vasco Valdez e Ana Duarte, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

·         No dia 16 de Março de 2015, A..., S.A., com o número de matrícula e de pessoa colectiva... , capital social de € 50.000,00, e sede na ..., n.ºs ..., ... e ..., ...-... Guimarães, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos:

·   Liquidação adicional de IRC 2010 n.º 2014 ... de 2014-11-03 e Liquidações de juros compensatórios correspondentes com os n.ºs 2014 ... e 2014 ..., que fixou o IRC a pagar (incluindo juros compensatórios) no montante de € 4.584,79;

·   Liquidação adicional de IRC 2012 n.º 2014 ... de 2014-11-03 e Liquidação de juros compensatórios correspondente com o n.º 2014 ..., que fixou o IRC a pagar (incluindo juros compensatórios) no montante de € 5.958,95;

·   Liquidação adicional de IRC 2013 n.º 2014 ... de 2014-11-20 e Liquidação de juros compensatórios correspondente com o n.º 2014 ..., que fixou o IRC a pagar (incluindo juros compensatórios) no montante de € 152.767,67.

 

·         Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que enfermam aqueles actos de ilegalidade por violação de lei, errónea aplicação dos pressupostos de facto e de direito, bem como errada contabilização dos valores de aquisição e alienação do artigo ... (exercício de 2013), do que resultou um acréscimo ao lucro tributável no montante de €137.780,91.

 

·         No dia 18-03-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

·         A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

·         Em 08-05-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

·         Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 27-05-2015.

 

·         No dia 29-06-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por excepção e por impugnação, tendo a Requerente, no dia 13-07-2015, na sequência de notificação para o efeito, exercido o contraditório quanto à matéria de excepção.

 

·         Atendendo a que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

·         Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas, de forma sumária, pela Requerente.

 

·         No dia 30-09-2015, foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, prazo esse que foi prorrogado por mais 30 dias.

 

·         O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

a)     As liquidações objecto do presente processo têm por origem e fundamento no Relatório de Inspecção Tributária (RIT) notificado à Requerente pelo Ofício n.º ... de 2014-10-17, elaborado ao abrigo das Ordens de Serviço de acção inspectiva ...2014..., ...2014... e ...2014... .

b)     Como consequência da referida acção inspectiva, a AT notificou a Requerente das supra referidas liquidações adicionais de IRC, com prazo de pagamento voluntário até 02/01/2015 (a referente a 2010), 05/01/2015 (a referente a 2012) e 21/01/2015 (a referente a 2013).

c)      As liquidações resultam de correcções à matéria colectável de cada um dos anos originadas na correcção do critério seguido pela Requerente quanto ao valor de aquisição a considerar na determinação do lucro tributável obtido com a compra e venda de um conjunto de imóveis, ocorrida em cada um desses três exercícios económicos.

d)     Em cada um dos anos de 2010, 2012 e 2013 a Requerente realizou as seguintes as operações de compra e venda de imóveis:

 

e)     A aquisição dos referidos prédios pela Requerente deu-se no âmbito de processos de insolvência:

f)       O prédio adquirido em 2010 foi comprado no âmbito da liquidação no processo de insolvência n.º .../07... TBGDM;

g)     O prédio adquirido em 2012 foi comprado no âmbito da liquidação no processo de insolvência n.º.../11... TYVNG;

h)    Os três prédios (artigos ..., ... e... ) adquiridos em 2013 foram comprados no âmbito do processo de insolvência n.º .../11... TYVNG.

i)       Não foi liquidado IMT relativamente a nenhuma das aquisições referidas no ponto anterior.

j)       A Requerente fez ainda uma transação em 2013 de outro prédio, que tinha adquirido em 2009, nas seguintes circunstâncias:

k)     Este prédio teve, em 20/03/2009, o VPT (Valor Patrimonial Tributário) corrigido, por avaliação, para €171.880,00, porquanto a sua aquisição foi a primeira transmissão na vigência do Código do IMI.

l)       Como os valores de aquisição de todos os prédios são inferiores ao VPT, a Requerente entendeu que o valor de aquisição a considerar para efeitos de determinação do lucro tributável deveria ser o VPT, razão pela qual a Requerente inscreveu no Campo 772 do Quadro 07 da Declaração Mod. 22 a diferença entre o valor de aquisição e o VPT, assim o deduzindo ao lucro tributável.

m)  Nos casos em que os valores de venda foram inferiores ao VPT (o que ocorreu em todas as situações menos no caso do artigo ... – vendido em 2010), a Requerente entendeu dever considerar o VPT como valor de venda, pelo que acresceu ao lucro tributável a diferença entre estes dois valores no campo 745 do Quadro 07 da declaração Mod. 22.

n)    O RIT considerou que todas as vendas cujo preço foi inferior ao VPT, para efeitos de determinação do lucro tributável, deveriam ser consideradas, não pelo valor declarado de venda, mas sim pelo VPT, pelo que entendeu que os acréscimos ao lucro tributável inscritos no campo 745 estavam correctos.

o)     No que diz respeito aos valores de aquisição, o RIT considerou que a Requerente contabilizou erradamente, para efeitos de determinação do lucro tributável, o VPT, entendendo que deveria aí ser tido em conta o valor declarado aquando da aquisição, nos respectivos contratos.

p)     No que respeita ao imóvel referente ao artigo matricial..., adquirido pela Requerente em 2009 e vendido em 2013, a Requerente tinha procedido à dedução ao lucro tributável no campo 772 do Quadro 07 da sua declaração Mod. 22, do montante de €206.953,55 (resultante da diferença entre o VPT original: €309.705,91; e o valor de aquisição: €102.752,36).

q)     Mais procedeu a Requerente, no que diz respeito ao imóvel correspondente ao mesmo artigo matricial, ao acréscimo ao lucro tributável no campo 745 do Quadro 07 da sua declaração Mod. 22., do montante de €204.705,91 (resultante da diferença entre o VPT original: €309.705,91; e o valor de venda: €105.000,00).

r)      O entendimento vertido no RIT foi no sentido de que apenas poderia ser inscrita uma dedução no Campo 772 correspondente à diferença entre o VPT resultante da reavaliação do prédio: €171.880,00; e valor de aquisição: €102.752,36 (ou seja, a dedução aceite pelo RIT poderia ser apenas no montante de €69.127,64).

s)      Não procedeu o RIT, no que diz respeito ao imóvel em questão, a qualquer correcção ao VPT usado pela Requerente no campo 745, pelo que para estes efeitos, a liquidação final teve em consideração o VPT original (€309.705,91).

t)      A Requerente pagou as liquidações objecto do presente processo (incluindo juros e custas de processo executivo) referentes aos anos de 2010 e 2012 em 29/01/2015, no montante total de € 10.703,31.

u)   Em relação à liquidação referente ao ano de 2013, a Requerente procedeu à prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz dos artigos 110.º/7 do CPPT e 557.º/1 do CPC, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

B. DO DIREITO

 

i. da matéria de excepção

 

            Começa a Requerida por arguir que “verifica-se a falta de objecto do presente processo na parte em que pretende que o tribunal arbitral aprecie a questão relacionada com a eventual correcção que os serviços de inspecção tributária deveriam ter feito com vista à neutralidade da operação e sob os quais a entidade Requerida nunca se pronunciou uma vez que não foi interposta reclamação graciosa, a qual constitui uma excepção peremptória, a qual se invoca para todos os efeitos legais, nos termos do disposto no n.º 3 do Artigo 577.º do CPC, na redacção dada pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, aplicável ex vi do Artigo 1.º do CPTA, a qual dá lugar à absolvição da Requerida do pedido, nos termos e para os efeitos no disposto no n.º 3 do Art.º 576.º do CPC.”.

            Mais entende a AT que “Em consequência da falta de objecto do presente pedido de pronúncia arbitral e quanto à parte referida, é entendimento da entidade Requerida que também o Tribunal Arbitral não tem competência para sindicar o pedido em questão.”, já que “não tendo a Requerente apresentado reclamação graciosa a entidade Requerida não se pronunciou acerca desse pedido.”, pelo que não estando, na opinião da Requerida, “em causa no pedido formulado os actos de liquidação advenientes das correcções encetadas, de acordo com o estabelecido na alínea a) do n.º 1 do Artigo 2.º do RJAT, o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para sindicar uma eventual correcção que deveria ter sido promovida pelos serviços de inspecção tributária.”.

            Não assiste, todavia, razão à Requerida, nestas matérias.

            Com efeito, e desde logo, o objecto do presente processo arbitral está bem definido, consistindo nas liquidações adicionais de IRC da Requerente, dos anos de 2010, 2012 e 2013 (e não, como parece crer a Requerida, nas correcções por ela levadas a cabo), para apreciação de cuja legalidade o tribunal arbitral é inquestionavelmente competente, havendo que, distinguir, naturalmente, o objecto da acção, dos vícios que àquele são imputados, e que poderão proceder, ou não.

            Por outro lado, como se escreveu no Ac. do Pleno do STA de 03-06-2015, proferido no processo 0793/14[1], “Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.”, não havendo, assim, qualquer preclusão à arguição de vícios do acto tributário[2] em sede de impugnação, pela circunstância de não terem sido tais vícios previamente arguidos em sede de reclamação graciosa.

            Deste modo, e pelo exposto, devem improceder as excepções arguidas pela AT.

 

*

ii. do fundo da causa

 

            A primeira questão colocada pela Requerente ao Tribunal, para resolver, é a de saber se a liquidação relativa ao ano de 2013, enferma de erro na quantificação do facto tributário.

            A este respeito, note-se, não indica a Requerente qualquer norma que considere violada na quantificação do facto tributário. Não obstará, todavia, tal circunstância a que se conheça do suscitado vício, na medida em que o mesmo está suficientemente determinado, em termos de se poder qualificar como questão colocada ao Tribunal, e este está obrigado a, oficiosamente, aplicar o direito aos factos, conforme decorre do artigo 5.º/3 do actual Código de Processo Civil, e é confirmado pelo STA[3].

            A Requerida, por seu lado, não contesta as alegações da Requerente nesta matéria, limitando-se, nesta parte, a defender-se por excepção, nos termos já dirimidos. Como se referiu já, está-se aqui a sindicar a legalidade da liquidação emergente das correcções promovidas pela AT, e não, simplesmente, a legalidade daquelas correcções. Dito de outro modo, não está em causa julgar a (i)legalidade de correcções não efectuadas, mas antes averiguar a (i)legalidade do acto de liquidação em questão, tal como foi praticado pela AT.

            Tal legalidade haverá que, em primeira linha, apurar-se face ao disposto no artigo 64.º do CIRC aplicável, que dispõe, para o que ora interessa, que:

“1 — Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 — Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 — Para aplicação do disposto no número anterior:

a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

b) O sujeito passivo adquirente adopta o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.”

            Relativamente a esta matéria, apura-se, em suma, que:

a)      A Requerente adquiriu o prédio correspondente ao artigo matricial... em 16/01/2009, tendo sido declarado como valor, no correspondente contrato, o montante €102.752,36;

b)      À data da aquisição o VPT do prédio em questão era de €309.705,91;

c)      Em 20/03/2009, o VPT foi alterado para € 171.880,00;

d)                 A Requerente vendeu o mesmo prédio em 12/12/2013, tendo sido declarado como valor, no correspondente contrato, o montante de €105.000,00;

e)      A Requerente inscreveu no Campo 772 do Quadro 07 da Declaração Mod. 22 correspondente, como valor a deduzir, a diferença entre o valor declarado de aquisição (€102.752,36) e o VPT original (€309.705,91).

f)       A Requerente inscreveu no Campo 745 do Quadro 07 da declaração Mod. 22 correspondente, como valor a acrescer, a diferença entre o valor declarado de venda (€105.000,00) e o VPT original (€309.705,91).

g)      A AT procedeu à correcção do valor inscrito no campo 772, considerando, em lugar do valor do VPT original, o valor resultante da alteração, deixando, todavia, inalterado o campo 745.

Relativamente a esta matéria, as indicações dadas pela própria AT para o preenchimento do Quadro 7 do Mod. 22 de IRC[4], referem o seguinte:

Campo 745 – Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato [art.º 64.º, n.º 3, alínea a)]

Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correcção neste campo 745 da declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato. (...)

Campo 772 – Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão (art.º 64.º, n.º 3, alínea b)]

Contrariamente ao que acontecia no âmbito da redação do ex-artigo 58.º-A, o adquirente dos direitos reais sobre bens imóveis já não pode contabilizar os imóveis pelo valor patrimonial tributário definitivo (VPT) quando superior ao valor de aquisição, tendo de respeitar o conceito de custo de aquisição referido nos normativos contabilísticos e no D.R. n.º 25/2009, de 14 de setembro.

Portanto, como o imóvel já não pode ser contabilizado pelo VPT, já não pode ser aceite o acréscimo de depreciações que resultava dessa contabilização.

No entanto, para efeitos fiscais, esse valor (VPT) é tomado em consideração na determinação de qualquer resultado tributável em IRC que venha a ser apurado relativamente ao imóvel.

Consequentemente, quando o sujeito passivo transmitir o imóvel, o resultado fiscal é apurado considerando como valor de aquisição o VPT e não o custo de aquisição que reconheceu no seu ativo, quando aquele valor for superior ao custo de aquisição.

Exemplo:

Um determinado sujeito passivo adquiriu, em 2013, um imóvel, por € 650.000,00, que reconheceu nos seus inventários pelo respetivo custo de aquisição.

Em 2014, foi notificado do VPT deste imóvel (€ 700.000,00), tendo integrado o respetivo documento no dossier fiscal previsto no art.º 130.º (art.º 64.º, n.º 5).

Admitindo que o transmitiu em 2014 e:

a) Que o preço de venda foi de € 720.000,00 (superior, portanto, ao VPT):

Resultado contabilístico: 720.000,00 – 650.000,00 = 70.000,00 Resultado fiscal: 720.000,00 – 700.000,00 = 20.000,00

(preço de venda) (VPT fixado na aquisição) Correção no Quadro 07:

Campo 772 – Dedução de € 50.000,00

b) Que o preço de venda foi de € 680.000,00 (inferior, portanto, ao VPT):

Resultado contabilístico: 680.000,00 – 650.000,00 = 30.000,00 Resultado fiscal: 700.000,00 – 700.000,00 = 0

(VPT fixado para o imóvel) Correção no Quadro 07:

Campo 745 – Acréscimo de € 20.000,00 (€ 700.000,00 – € 680.000,00) Campo 772 – Dedução de € 50.000,00 (€ 700.000,00 – € 650.000,00)

Neste caso, o sujeito passivo tem de acrescer, como alienante, no campo 745, a diferença positiva entre o VPT e o valor constante do contrato de venda (€ 20.000,00) e, como adquirente, vai ter de deduzir, neste campo 772, o montante de € 50.000,00, correspondente à diferença entre o VPT o valor de aquisição constante do contrato. Consequentemente, o resultado fiscal da venda do imóvel é € 0,00.”

            Como se vê, e decorre das próprias instruções da AT, o VPT a considerar para o campo 745 e para o campo 772, é o vigente no momento correspondentemente relevante (aquisição, no caso do campo 772, e alienação, no caso do campo 745), sendo certo que não existem dúvidas de que o VPT vigente no momento da alienação era o valor alterado, de € 171.880,00.

            Ao não considerar o valor do VPT correcto para efeitos de cálculo da dedução no campo 745 do Quadro 7 do Mod. 22 de IRC, a liquidação impugnada enferma do arguido erro na quantificação do facto tributário, por violação do artigo 64.º/3/a) do CIRC aplicável, na medida em que não se conforma com o ali disposto.

            Com efeito, o imposto exigido na liquidação em crise decorre, conforme resulta dos factos provados, não apenas da consideração (correcta e legal) do VPT actualizado para efeitos do cálculo da dedução ao lucro tributável, mas igualmente, da consideração (incorrecta e ilegal) do VPT original para efeitos do cálculo do acréscimo ao referido lucro.

            Não obstará ao que vem de se concluir, evidentemente, a circunstância de a Requerente ter incorrido no mesmo erro, na declaração de IRC por si apresentada.

            Tal circunstância, desde logo, não convalida a ilegalidade detectada, nem dispensa a AT dos seus deveres de objectividade e legalidade. Por outro lado, o acto de liquidação é um acto tributário autónomo, que – obviamente – deve ser praticado em conformidade com o quadro normativo aplicável, sendo as ilegalidades de que padeça, desde que arguidas ou de conhecimento oficioso, susceptíveis de declaração.

            Assim, e face ao exposto, deverá, nesta parte, o pedido arbitral proceder, anulando-se os acto tributários em questão (liquidação de IRC 2013 n.º 2014 ... de 2014-11-20 e Liquidação de juros compensatórios correspondente com o n.º 2014 ...), na medida em que reflectem a errada aplicação do VPT original, para efeitos do cálculo do acréscimo ao lucro tributável, em violação do disposto no artigo 63.º/1/a) do CIRC.

 

*

            Contesta ainda a Requerente as restantes correcções operadas nos actos tributários objecto do presente processo, decorrentes da consideração pela AT do valor constante nos contratos de aquisição dos imóveis que a Requerente vendeu, em lugar do VPT dos mesmos.

            Em causa, aqui, está a circunstância de os imóveis em questão terem sido adquiridos pela Requerente por negociação particular no âmbito de processos de insolvência, entendendo aquela que esta forma de aquisição não se subsume ao conceito de “arrematação judicial”, utilizado no artigo 12.º/4/16ª do CIMT, pelo que, na opinião da mesma, enfermarão os actos tributários que ora ataca, de violação do n.º 1 do artigo 64.º do CIRC.

            Nesta matéria, todavia, não lhe assistirá razão.

            Senão vejamos: o artigo 64.º/1 CIRC dispõe que os “valores normais de mercado (...) não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto”.

            Este será, assim, o ponto de partida do percurso hermenêutico a trilhar; haverá que averiguar se foi liquidado IMT ou, não o sendo, qual o valor que serviria de base àquela liquidação, se houvesse.

            No caso, como não houve lugar à liquidação de IMT, tem de se apurar o valor que serviria de base àquela liquidação, se a houvesse, o que, no caso, decorre do artigo 12.º do CIMT, que dispõe que:

“1 - O IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.

2 - No caso de imóveis omissos na matriz ou nela inscritos sem valor patrimonial tributário, bem como de bens ou direitos não sujeitos a inscrição matricial, o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do CIMI.

3 - Ao valor patrimonial tributário junta-se o valor declarado das partes integrantes, quando o mesmo não esteja incluído no referido valor patrimonial. (...)

4 - O disposto nos números anteriores entende-se, porém, sem prejuízo das seguintes regras:

16.ª O valor dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às autarquias locais, bem como o dos adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do acto ou do contrato”;

            No caso, como bem considerou a AT, estamos perante uma situação reconduzível ao conceito de “arrematação judicial”, utilizado no regra que vem de se transcrever.

            Com efeito, e conforme se escreveu no Ac. do STA de 05-11-2014, proferido no processo 01508/12:

“II - A ratio legis da norma constante da regra 16ª, do nº 4, do artº 12º do CIMT prende-se com a maior segurança da correspondência e conformidade do valor declarado ao valor real da transacção nas situações em que o acto da venda é realizado mediante a intervenção das autoridades judiciais e administrativas, admitindo-se que existirá sempre um controlo daquelas autoridades sobre o valor da alienação, apesar de a venda ser efectuada após negociação entre um negociador nomeado por aquele órgão e o comprador.

III - A venda de imóvel efectuada pelo administrador em processo judicial de falência e sob controlo judicial (arts. 158º e 161º do CIRE) integra o conceito de arrematação judicial para efeitos da regra 16ª, do n.º 4 do art.º 12º do CIMT.”.

            Deste modo, se tivesse havido liquidação de IMT, o valor que lhe serviria de base seria o declarado nos contratos por meio dos quais a Requerente adquiriu os imóveis em causa, pelo que será esse o “valor patrimonial definitivo” de referência para efeitos do artigo 64.º/1 do CIRC.

            Posto isto, julga-se que o n.º 2 do mesmo artigo, embora comporte a interpretação – ora sustentada pela Requerente – segundo a qual sempre que “o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.”, dever ser lido em conjugação com o n.º 1 que a precede, o que decorre, desde logo, da expressão “Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior”.

            Efectivamente, a ratio legis do n.º 1 do artigo 64.º é a de assegurar a “segurança da correspondência e conformidade do valor declarado ao valor real da transacção”, para efeitos da tributação das empresas, por meio da aplicação das regras do CIMT, sendo tal ratio prosseguida no n.º 2, que deverá operar, por força, justamente, da sua ratio legis, unicamente nas situações em que o “valor de mercado” a que se refere o n.º 1 seja inferior ao valor que serviu de base à liquidação de IMT, ou que serviria, se a ela houvesse lugar.

            Lida, com a devida atenção, a norma do n.º 1 em questão verifica-se que ela impõe que os “valores normais de mercado” não podem ser inferiores aos “valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto”. Ou seja: esta norma, inclui no conceito de “valores patrimoniais tributários definitivos” os valores que “serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto”, pelo que se terá de concluir que aquela expressão não se reporta ao VPT, stricto sensu, mas ao valor que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT, independentemente de tal valor ser, ou não, o VPT.

            Ao ser repristinada no n.º 2 a expressão “valor patrimonial tributário definitivo”, deverá a mesma ser lida – coerentemente – da mesma forma que no n.º 1, ou seja, como não se reportando ao VPT, stricto sensu, mas ao valor que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT, independentemente de tal valor ser, ou não, o VPT.

            Compreendido, deste modo, o quadro normativo aplicável, haverá, então, que concluir pela conformidade com o mesmo das liquidações impugnadas, devendo, nessa parte, improceder, portanto, o pedido arbitral formulado.

 

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Cumula a Requerente com o pedido anulatório do acto tributário objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia por si paga na sequência dos actos tributários ora anulados.

            Todavia, compulsada a matéria de facto, verifica-se que a Requerente apenas procedeu ao pagamento das liquidações relativas aos anos de 2010 e 2012, que se mantém, e não da relativa ao ano de 2013, que é a que é abrangida pela procedência parcial do pedido arbitral.

            Assim, deverá também este pedido ser julgado improcedente.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)      Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência anular os acto tributários em questão (liquidação de IRC 2013 n.º 2014 ... de 2014-11-20 e Liquidação de juros compensatórios correspondente com o n.º 2014 ...), na medida em que reflectem a errada aplicação do VPT original, para efeitos do cálculo do acréscimo ao lucro tributável;

b)      Julgar improcedentes os restantes pedidos arbitrais;

c)      Condenar as partes nas custas do processo, na proporção dos respectivos decaimentos, fixando-se em €2.754,00, o montante a cargo da Requerente, e em €918,00, o montante a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €163.311,41, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa

 

17 de Novembro de 2015

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Vasco Valdez)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Ana Duarte)

 

 

 



[1]              Disponível para consulta em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2]              Conquanto o mesmo não seja divisível, e nessa medida, o que não é o caso. A este propósito pode ver-se o Ac. doTCA-Sul, de 30-04-2014, proferido no processo 05376/12.

[3]              Neste sentido, pode ver-se o Ac. de 05-06-2013, proferido no processo 0433/15, onde se lê que “Em matéria de direito, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do Direito (art. 664.º do CPC).