Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A..., contribuinte fiscal nº..., com sede na Rua..., nº..., …, ...-... ..., Santarém (de ora em diante designada apenas por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante designada por ATA ou Requerida), com vista à anulação dos seguintes atos:
-
liquidação de IRC n.º 2013 ..., relativo ao exercício de 2011, do qual resultou imposto a pagar na importância de € 6.334,69;
-
liquidação de juros compensatórios nº 2013...;
-
despacho proferido pelo Exmo. Senhor Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de..., de 15 de julho de 2014, que determinou o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os atos tributários anteriormente mencionados.
Pede ainda a condenação da Entidade Requerida à restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas dos competentes juros indemnizatórios.
Para o efeito, alega, em síntese, os seguintes vícios:
a) Os atos de liquidação do IRC e de juros compensatórios são omissos quanto à necessária fundamentação, de facto e direito, estando inquinados de vício de forma, por falta de fundamentação, nem é feita remissão expressa para qualquer outro documento que os contenha, contemporâneo ou anterior a esse mesmo ato, tendo sido os mesmos praticados com ofensa dos artigos 268.º, nº 3 da CRP e artigo 77.º da LGT, devendo ser anulados em conformidade;
b) Desconhecendo todos os fundamentos subjacentes aos atos de liquidação, não foi a Requerente notificada para exercer o direito de audição, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 60.º da LGT, o que implica a anulação dos referidos atos de liquidação, por preterição de formalidade legal essencial;
c) O Relatório das Conclusões da Inspeção Tributária padece de falta de fundamentação, dado que para além de assentar em meros juízos conclusivos, é contraditória, pelo devem os atos tributários ser anulados;
d) A AT violou o art. 74.º da LGT, uma vez que não fez prova dos factos constitutivos do seu direito;
e) A correção subjacente aos atos de liquidação assenta em erros sobre os pressupostos de facto e de direito, motivo pelo qual devem ser anulados;
f) A liquidação de juros compensatórios é ilegal por que não se encontram verificados os pressupostos previstos no art. 35.º da LGT: atraso pela liquidação do imposto e culpa imputável ao contribuinte nesse atraso;
g) Nos termos dos arts. 43.º e 100.º da LGT, estão reunidos os pressupostos legais, para se determinar o pagamento de juros indemnizatórios a seu favor;
h) O despacho proferido pelo Exmo. Senhor Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de..., que indeferiu a reclamação graciosa, ao manter o ato de liquidação, é, igualmente, ilegal, por “erro de julgamento”, uma vez que violou as mesmas disposições legais daquele ato de liquidação, tendo sido praticado em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo ser anulado. Por outro lado, ao proferir decisão sem ouvir as testemunhas arroladas pela Requerente, tal decisão é ilegal por défice instrutório, tendo violado o disposto nos artigos. 266.º, nº 1 da CRP e 58º e 72º, ambos da LGT. Tal decisão é igualmente ilegal por violação do disposto nos arts. 268.º, nº 3 da CRP e 77.º da LGT, por falta de indicação dos motivos que conduziram à decisão de não inquirição de testemunhas.
Juntou oito documentos e arrolou testemunhas.
*
O tribunal arbitral ficou constituído em 2014-12-23, em conformidade com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 11.º do RJAT.
*
Notificada para o efeito, a Entidade Requerida apresentou resposta, impugnando os argumentos da Requerente, concluindo pela legalidade dos atos de liquidação e termina pedindo que seja julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências.
Pela entidade requerida foi junto o processo administrativo e o da reclamação graciosa. Juntou ainda um documento.
*
No dia 11 de março de 2015, realizou-se, na sede do CAAD, a primeira reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18.º do RJAT. Nesta reunião, a Entidade Requerida juntou um documento, não prescindindo a Requerente do prazo legal de vista, tendo sido marcada data para a inquirição de testemunhas. A Requerente, por requerimento superveniente, juntou ao processo o documento nº 8 que havia protestado juntar.
No dia 7 de abril de 2015 houve produção de prova testemunhal (conforme ata de inquirição).
Nas alegações escritas, a Requerente manteve a sua posição do pedido de pronúncia arbitral, desenvolvendo-a, assinalando que fez prova dos serviços prestados e eventos realizados.
A Entidade Requerida mantém a sua posição da resposta, realçando que a prova testemunhal produzida não permite concluir pela realidade dos serviços.
Não tendo sido possível elaborar a decisão até às datas designadas, o prazo inicial foi sucessivamente prorrogado, por despachos de 2015.06.23, 2015.08.27 e de 2015.10.27.
*
II. DO SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, de acordo com o disposto no art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, conforme o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades e não existem exceções que cumpre conhecer ou que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
*
III. DAS QUESTÕES DECIDENDAS
As questões a decidir nos presentes autos arbitrais consistem em saber se:
a) existe falta de fundamentação dos atos tributários de liquidação de IRC e do correspetivo ato de liquidação de juros compensatórios supra identificados;
b) houve preterição de formalidade legal essencial, prevista na al. a) do nº 1 do art. 60.º da LGT;
c) Se a AT recolheu factualidade indiciária suficiente para concluir que a faturação das prestadoras de serviços não titula operações reais;
d) Em caso afirmativo, se a Requerente fez prova de que os serviços faturados correspondem a operações reais;
e) Se há falta de fundamentação do relatório dos serviços da Inspeção tributária;
f) Se há erro sobre os pressupostos de facto e de direito sobre o qual assentaram as liquidações supra;
g) Se a liquação da derrama é ilegal;
h) Se a liquidação do ato de juros compensatórios é igualmente ilegal, por vício de forma, por falta de fundamentação;
i) Se o despacho proferido pelo Exmo. Chefe do Serviço de Finanças de..., que indeferiu a reclamação graciosa dos atos de liquidação supra identificados é ilegal.
IV. FUNDAMENTAÇÃO
A) De facto
Com base nos elementos constantes do processo e da produção de prova testemunhal, e, com interesse para decisão, dão-se como provados os factos seguintes:
1. A Requerente constitui uma associação de empresários de caráter privado, sem fins lucrativos, que goza de personalidade jurídica, tendo os seguintes objetivos:
“A defesa, representação e promoção dos legítimos interesses económicos, profissionais e sociais dos seus associados, bem como dos direitos destes, seu prestígio e dignificação:
a) Contribuir para o harmónico desenvolvimento das atividades económicas da sua área, nos domínios técnico, económico, associativo e cultural;
b) Lançar as iniciativas necessárias e praticar tudo quanto possa contribuir para o progresso técnico, económico e social, designadamente promovendo e criando serviços comuns;
c) Promover um espírito de solidariedade, cooperação e apoio recíproco entre os seus associados” [cfr. Relatório de Inspeção Tributária- fls. 122 do Processo Administrativo Tributário (“PA”) e Boletim do Trabalho e Emprego nº 14, de 15.04.2008, documento nº 8 – ficheiro designado por A...Parte 3 – junto pela Requerente];
2. A Requerente iniciou a sua atividade em 1998.10.01, com o CAE principal... – Atividades de organizações económicas e patronais e CAE secundário – Edição de Revistas e de outras Publicações Periódicas, enquadrando-se, em sede de IRC, no regime geral com contabilidade organizada por exigência legal, informatizada e centralizada na sua sede. Para efeitos de IVA, a Requerente enquadra-se no regime normal de periodicidade trimestral, qualificando-se como um sujeito passivo misto, pois, parte da sua atividade é isenta ao abrigo do art. 9.º do CIVA (cfr. Relatório de Inspeção Tributária- fls. 121 do PA);
3. Com vista à realização dos seus objetivos, a Requerente ao longo dos últimos anos promoveu iniciativas como eventos dinamizadores das atividades exercidas pelos seus associados, animações de rua ou de revalorização de determinadas zonas de comércio tradicional, difundindo e desenvolvendo o comércio local nos concelhos da sua área de influência –..., ..., ... e ...[cfr. Relatório de Inspeção Tributária- fls. 122 do PA – ficheiro designado por PART.... e depoimento da testemunha C...];
4. Atenta a necessidade de investimento necessário à realização das mencionadas iniciativas de animação de rua, a Requerente ao longo dos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011, candidatou-se a apoios financeiros públicos no âmbito do programa do B... “B...”, instituído por Despacho n.º.../2005 do Ministro da Economia e da Inovação [cfr. Relatório de Inspeção Tributária- fls. 131 do PA – ficheiro designado por PART..., documento nº 8 junto pela Requerente e depoimento da testemunha C...];
5. A Requerente foi sujeita a uma ação de inspeção externa, de âmbito geral, que incidiu sobre os exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2011, efetuada pelos Serviços da Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém, que culminou com o Relatório datado de 15 de março de 2013 (cfr. Relatório da Inspeção Tributária – fls. 209 e fls. 118 e seguintes e PA);
6. A ação de inspeção teve origem nas Ordens de Serviço Externas nºs 0I2012.../... e OI2012..., com início a 23 e 28 de maio de 2012 e concluídas a 06-02-2013 (cfr. Relatório da Inspeção Tributária – fls. 120 do PA);
7. A ação de inspeção foi motivada por solicitação da Direção de Serviços de Investigação de Fraude e Ações Especiais (DSIFAE) com vista ao apuramento de eventuais irregularidades na obtenção de fundos públicos, na sequência de uma comunicação da Direção Geral das Atividades Económicas (DGAE) (cfr. Relatório da Inspeção Tributária – fls. 121 do PA);
8. Por ofício nº..., datado de 2013.02.13, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém – Divisão…, Equipa...- remeteram à Requerente o projeto de relatório para efeitos do exercício do seu direito de audição prévia (cfr. Projeto de Relatório da Inspeção Tributária e do Relatório da Inspeção Tributária – fls. 118 e 145 do PA);
9. A Requerente não exerceu o direito de audição sobre o projeto do relatório da Inspeção Tributária mencionado no número anterior (cfr. Projeto de Relatório da Inspeção Tributária e do Relatório Final da Inspeção Tributária – fls. 64 e seguintes e fls. 145 do PA);
10. Consta do mencionado Relatório da Inspeção Tributária, textual e expressamente o seguinte:
«III.2.-IRC
(…)
III.2.4.- Ano de 2011
»
11. Pelo ofício nº..., datado de 26 de março de 2013, foi a Requerente notificada do Relatório Final de Inspeção Tributária, da Divisão DPIT2, Equipa ... dos Serviços da Inspeção Tributária da Direcção de Finanças de … (cfr. Fls. 118 a 171 e fls. 209 do PA);
12. Da referida notificação consta o seguinte:
«Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do artigo 62º do RCPIT, do Relatório de Inspeção Tributária, que se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordem de Serviço acima referenciada.
Das correções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indireta, cujos fundamentos constam do referido Relatório. A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar.
Da presente notificação e respetiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação» (cfr. Relatório da Inspeção Tributária - Fls. 118 a 171 e fls. 209 do PA);
13. Em resultado da referida ação de inspeção, os Serviços de Inspeção Tributária consideraram que a verba, na importância de € 29.073,20, recebida em 17-05-2011, no exercício de 2011, a título de comparticipação para a realização das iniciativas de dinamização do comércio local no âmbito do programa “B…” - Candidatura n.º /Projeto n.º..., constitui um incremento patrimonial obtido a título gratuito, nos termos do anterior art. 48.º do CIRC, acrescendo ao Q07 da Mod. 22 de IRC, por não se terem cumprido as regras de atribuição dos subsídios, dado que os mesmos terão sido “influenciados pela ficção de operações e valores (…) não foi utilizado na prossecução dos fins estatutários da associação, uma vez que terá sido aplicado no pagamento de faturas que apresentam fortes indícios de respeitarem a operações, no todo ou em parte, fictícias” (cfr Relatório da Inspeção Tributária – fls. 143 e 144 do PA);
14. Na sequência da correções mencionada no número anterior, foi, em 2013-07-24, emitida a liquidação adicional de IRC nº 2013 ... do qual resultou um imposto a pagar de € 6.334,69 e a liquidação de juros compensatórios nº 2013..., no montante de € 193,81, dando origem à Demonstração de Acerto de Contas nº 2013 ... (Cfr. Documento nº 2,3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
15. Em 2013-12-19, no âmbito do processo de execução fiscal nº ...2013..., a Requerente procedeu ao pagamento da liquidação adicional supra, na importância de € 6.140,88, beneficiando da dispensa de pagamento de juros compensatórios (cfr. Documento nº 11 junto ao pedido de pronúncia arbitral e fls. 75 do processo da reclamação);
16. A Requerente deduziu reclamação graciosa em 2014.01.28 (Cfr. Fls. 1 do apenso de reclamação);
17. Sobre a reclamação recaiu o despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de..., de 15.07.2014, do seguinte teor:
“Considerando as informações a fls. 92 a 100 e 108, as quais passam a fazer parte integrante do presente despacho decisório, nos termos do n.º 1 e 2, do artigo 77º da Lei Geral Tributária, mantenho o indeferimento do pedido, nos termos e com os fundamentos constantes do projecto de decisão, tornando-se definitiva a mesma decisão.
Em obediência ao disposto no nº 6 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária, NOTIFIQUE-SE o reclamante, remetendo-lhe fotocópia não só do presente despacho mas também das informações que lhe estão subjacentes”(Cfr. Fls. 109 do apenso de reclamação );
18. A Requerente foi notificada do referido despacho em 2014.07.17 (Cfr. Fls. 109 a 111 do apenso de reclamação);
19. O presente pedido de pronúncia arbitral deu entrada no sistema informático do CAAD em 2014.10.15, (cfr. Sistema informático do CAAD);
20. A Requerente candidatou-se ao Sistema de Incentivos a Projetos de Modernização do Comércio (doravante designado por “B…”) – 4ª fase, Ação C, ao qual foi atribuído a Candidatura nº 2009/..., com um projeto de promoção comercial para o centro urbano de ...(cf. Documento nº 8 junto pela Requerente –ficheiro designado por A... parte 4);
21. Na sequência da sua aprovação, a Requerente celebrou o contrato de Concessão de Incentivos Financeiros nº 2009/... relativo ao projeto de investimento nº..., aprovado no âmbito da 4ª fase do B…-Ação C, assinado pelo IAPMEI, em 01.09.2009 (cfr. Documento nº 8 junto pela Requerente –ficheiro designado por A..._parte 2);
22. Nos termos do referido contrato, foi-lhe atribuído um incentivo financeiro, no montante máximo de 58.146,40, revestindo a modalidade de incentivo não reembolsável, correspondendo à aplicação da taxa de 60% sobre as despesas elegíveis (cfr. Documento nº 8 junto pela Requerente – ficheiro designado por A..._parte 2);
23. Em 2010.12.23, deu entrada na Direção-Geral das Atividades Económicas (DGAE) um pedido de autorização para prolongamento do prazo para entrega do Pedido de Pagamento Final relativo ao Contrato de Incentivos Financeiros 2009/... - aprovado no âmbito da 4ª fase do B…-Ação C apresentado pela Requerente (cfr. Documento nº 8 junto pela Requerente –ficheiro designado por A..._parte 2);
24. Prazo esse que foi concedido até ao final do mês de fevereiro de 2011, considerando os motivos neles explanados (cf. Documento nº 8 junto pela Requerente – ficheiro designado por A... _parte 2);
25. Em 2010.12.27, deu entrada na DGAE, o formulário relativo ao Pedido de Pagamento contra apresentação de fatura relativo ao Contrato de Incentivos Financeiros 2009/... - aprovado no âmbito da 4ª fase do B…-Ação C, apresentado pela Requerente (cfr. Documento nº 8 junto pela Requerente – ficheiro designado por A..._parte 2);
26. Em 2011-03-01, deu entrada na DGAE um Pedido de Pagamento Final relativo ao Contrato de Incentivos Financeiros 2009/...- aprovado no âmbito da 4ª fase do A…-Ação C, apresentado pela Requerente (cfr. Documento nº 8 junto pela Requerente – ficheiro designado por A..._parte 1);
27. Em 17.05.2011, foi pago à Requerente, ao abrigo do mencionado Contrato de Incentivos Financeiros nº 2009/... – B… – 4ª fase, a quantia de € 29.073,20, a título de reembolso das despesas elegíveis (cfr. fls. 143 do PA – Relatório da Inspeção Tributária);
28. No âmbito das candidaturas apresentadas pela Requerente são propostas um conjunto de ações de dinamização para o comércio local, descrevendo-se o que se pretende fazer em cada uma destas e depois de aprovadas as candidaturas há sempre uma entidade responsável pela atribuição dos apoios financeiros, no caso do “B…”, tem sido sempre o IAPMEI e a DGAE (depoimento da testemunha C...);
29. Para receberem as verbas aprovadas pelas candidaturas, a Requerente tinha de comprovar a realização das ações, mostrando que tiveram equipamentos, fotografias, cartazes e brindes que ofereceram (depoimento da testemunha C...);
30. Após a realização das ações de dinamização, as empresas prestadores de serviços no âmbito dos projetos / candidaturas financiados faturavam e a Requerente tinha de liquidar e só depois é que submetiam o pedido de reembolso de pagamento, já com a fatura e recibo contabilizado (depoimento da testemunha C...);
31. O pedido de pagamento das despesas elegíveis ao abrigo dos incentivos aprovados estava dependente da apreciação da DGAE e após verificar que estava conforme é que o IAPMEI procedia ao pagamento dos incentivos financeiros (depoimento da testemunha C...);
32. Cada candidatura tem uma única empresa responsável pelos serviços a prestar em cada uma delas e todos os serviços prestados no âmbito da Candidatura/Projeto nº 2009/... – B… – 4ª fase foram prestados e faturados apenas pela empresa F..., Lda (depoimento das testemunhas C... e H... documentos nº 7 e 8 juntos pela Requerente);
33. A D..., a F..., Lda. e a E... foram as empresas que prestaram serviços à Requerente no âmbito dos incentivos financeiros concedidos ao abrigo do B… (depoimento das testemunhas C... e H...);
34. A E... não prestou qualquer serviço para a Requerente no âmbito da referida Candidatura/Projeto nº 2009/… – … – 4ª fase (depoimento das testemunhas C... e H...);
35. No âmbito da referida Candidatura/Projeto nº 2009... – B… – 4ª fase foram realizadas as ações de dinamização do comércio local do dia do pai, dia da mãe, dia da criança, feira dos frutos secos, no Centro Urbano de … (depoimento das testemunhas C... e H... e documento nº 8 junto pela Requerente);
36. Inicialmente estavam previstas as ações de dinamização da Semana Gastronómica e Festival de Outono, mas foram substituídas pela ação “...”, previamente autorizada pela DGAE (depoimento da testemunha C... e documento nº 8 junto pela Requerente);
37. Algumas iniciativas e ações de dinamização são específicas de alguns concelhos, mas outras ações como o “Dia do Pai”, “Dia da Criança”, “Dia da Mãe”, “Dia dos Namorados” são realizadas em todos os concelhos abrangidos pela Requerente (depoimento das testemunhas C... e H..., documento nº 8 junto pela Requerente);
38. As Mascotes foram iguais nos concelhos abrangidos pela Requerente (depoimento da testemunha C...);
39. Nas falhas das empresas prestadoras de serviços da Requerente, os funcionários desta reestruturavam os serviços da Requerente e colmatavam aquelas falhas, por exemplo, quando os animadores contratados por aquelas empresas faltavam aos eventos, as funcionárias da Requerente substituíam-nos nas suas ações, iam distribuir flyers, manjericos ou se fosse preciso executar alguma tarefa que não estava prevista, todas as funcionárias da Requerente executavam em equipa se necessário (depoimento das testemunhas C... e H...);
40. A Requerente cedia todas as suas instalações às empresas prestadoras de serviço para ali guardarem o seu material ou montarem os camarins para os animadores se vestirem (depoimento das testemunhas C... e H...);
41. As funcionárias da Requerente faziam e ainda hoje fazem o levantamento das necessidades, quer a nível de formação e de ações de dinamização, nomeadamente para selecionarem a praça ou a rua onde serão realizadas as ações de dinamização do comércio local, “o que é as pessoas gostam”, pois são elas que conhecem a realidade das empresas e os fornecedores da Requerente não têm equipas que vão para o local “realizar os estudos, diagnósticos e levantamentos das necessidades” (depoimento das testemunhas C... e H...);
42. A Requerente possuía na altura uma revista, impressa em tipografia, atualmente é uma newsletter informatizada, que se distribuía pelos seus Associados, outras Associações e entidades públicas, na qual as empresas faziam publicidade (depoimento das testemunhas C... e H...);
43. Eram os animadores das empresas contratadas pela Requerente no âmbito de cada candidatura/projeto financiado ao abrigo do B… que tiravam as fotografias nas ações e como não conheciam os concelhos, em algumas situações foi constatado pela Secretária-Geral da Direção que existiam fotografias que estavam trocadas nos dossiês e chamou a atenção, até por que tinham um guia com obrigações a que estava vinculada (depoimento da testemunha C...);
44. A Secretária da Requerente também tirou fotografias às mencionadas ações de dinamização (depoimento da testemunha C...);
45. Para a Requerente receber os pagamentos dos incentivos, as empresas prestadoras dos serviços que executaram as ações de dinamização do comércio local emprestaram dinheiro à Requerente pois se esta não recebesse as verbas, aqueles também não receberiam o pagamento das suas faturas (depoimento das testemunhas C... e H...);
46. Quando a Requerente recebia as verbas ao abrigo do B…, procedia-se à restituição das verbas adiantadas por aquelas empresas, o que era prática de todas as Associações (depoimento das testemunha
47. No ano de 2011, a Requerente emitiu as seguintes faturas à empresa D...:
(cfr. relatório da Inspeção Tributária – fls. 137 do PA);
48. No mesmo ano, emitiu ainda as seguintes faturas à empresa E...:
(cfr. relatório da Inspeção Tributária – fls. 137 do PA);
49. A E...foi contratada para a realização das ações de dinamização de comércio local, no âmbito das quais contratavam animadores e compravam os materiais necessários (depoimento da testemunha C...);
Factos não provados
Não se provaram outros factos, cuja não prova seja relevante para a decisão a proferir.
A factualidade provada teve por base o processo administrativo, os documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados, bem como a posição das partes expressas nos articulados e depoimento das testemunhas arroladas pela Requerente, conforme assinalado em cada um dos pontos da matéria de facto.
Com efeito, a testemunha C..., é trabalhadora da Requerente há 26 anos, exerce atualmente as funções de secretária-geral daquela, tem acompanhado diversas ações de dinamização do comércio local aprovadas ao abrigo do B… e outros programas de incentivos financeiros, em concreto, acompanhou as ações de dinamização comércio local do centro urbano de …, aprovadas no âmbito da candidatura/projeto nº ...- B… – 4ª fase.
A testemunha H... trabalha para a Requerente desde o ano de 2007, como administrativa e tem igualmente acompanhado as diversas ações de dinamização do comércio local aprovadas ao abrigo do B… e outros programas de incentivos financeiros, promovidos pela Requerente.
O depoimento das referidas testemunhas foi prestado de forma clara e convincente, tendo relatado ao Tribunal Arbitral o seu conhecimento dos factos.
B) De Direito
Da falta de fundamentação dos atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios
Invoca a Requerente que nos atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios que lhe foram notificados não são explicitados os fundamentos de facto e de direito que estiveram na origem da sua emissão, conforme o impõe o artigo 268.º, nº 3 da CRP e art.º 77.º da LGT, indicando-se apenas um conjunto de valores, sem qualquer referência à sua natureza e origem, não sendo percetíveis para um destinatário normal e para si.
Acrescentando que, ainda que se admitisse que os atos de liquidação se podem fundamentar em algum documento externo, certo é que, que dos atos de liquidação, objeto da presente pronúncia, não consta qualquer referência, expressa ou implicitamente, quer ao Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) quer a outro documento contemporâneo ou anterior àqueles, pelo que, estando inquinados de vício de forma, por falta de fundamentação, devem ser anulados em conformidade.
A Requerida impugna alegando, em suma, que as liquidações supra fundamentam-se nas conclusões constantes do relatório final da inspeção tributária, o qual foi prévia e validamente notificado à Requerente.
Vejamos.
Como é sabido, de acordo com o disposto no art. 268., nº 3 da CRP “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”
Determina o nº 1 do art. 125.º do CPA (na redação ao tempo dos factos) que a “fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.”
Por sua vez, preceitua o nº 1 do art. 77.º da LGT que a “decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”, estabelecendo o seu nº 2 que a “fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”
Estabelece ainda o nº 1 do art. 63.º do RCPTA que “os actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através de adesão ou concordância com estas (…).”
Da factualidade assente resulta que da notificação do RIT consta expressamente que a Requerente será notificada da “liquidação respetiva” e que os fundamentos da correção aritmética efetuada à matéria tributável constam daquele relatório e que daquela “notificação e respetiva fundamentação não cabe reclamação”.
Resulta igualmente da factualidade assente que da notificação do ato de liquidação de IRC do ano de 2011 consta expressamente que a fundamentação já foi remetida.
A correção efetuada ao IRC do exercício de 2011, na importância de 29.073,20 euros, resultou da ação inspetiva externa de que a Requerente foi alvo, pelo que, os atos de liquidação, objeto da presente pronúncia, fundamentam-se nas conclusões constantes do RIT, o qual foi prévia e validamente notificado à Requerente, tomando assim conhecimento dos fundamentos daqueles atos, como resulta da factualidade assente, de acordo com o disposto no nº 1 do art.77.º da LGT e do nº 1 do art.63.º do RCPTA, não havendo assim necessidade de se repetir nos atos de liquidação os fundamentos das correções anteriormente notificadas no âmbito do procedimento inspetivo. Pelo que foi cumprido o dever de comunicação dos fundamentos dos referidos atos, de harmonia com o preceituado no nº 2 do art. 36.º do CPPT.
Tanto assim é que a Requerente não deixou de reclamar e apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral.
Aliás, a Requerente perante a falta de comunicação ou o incumprimento defeituoso do dever de comunicação dos fundamentos dos atos de liquidação (o que no caso dos autos não se verificou), que contende com a validade do ato da notificação e não com a legalidade do ato notificando (e somente a falta de fundamentação e não a falta de notificação da fundamentação do ato de liquidação é que constitui um vício suscetível de gerar a anulação daquele ato de liquidação) poderia fazer uso da faculdade prevista no nº 1 do art. 37.º do CPTT, o qual estabelece que “Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento”. Nesta situação, o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial contar-se-ia a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida, nos termos do nº 2 do art. 37.º do CPPT.
O que não aconteceu.
Em face do que antedito, improcede o vício formal de falta de fundamentação, arguido pela Requerente.
Da preterição de formalidade legal essencial
A Requerente, na sequência do anterior vício por si invocado, ou seja, desconhecendo os fundamentos subjacentes aos atos aqui em causa, por não constarem daqueles atos, nem constar qualquer remissão expressa para outro documento contemporâneo ou anterior aos mesmos atos, alega que não foi notificada para exercer o direito de audição prévia, previsto na al. a) do nº 1 do art. 60.º da LGT. Pelo que, a violação desta norma importará a anulação dos sobreditos atos de liquidação, por preterição de uma formalidade legal essencial.
Vejamos.
Resulta do anteriormente exposto que, a Requerente foi notificada dos fundamentos dos atos de liquidação objeto da presente pronúncia, constante das conclusões do RIT, na sequência de um procedimento de inspeção externa do qual a Requerente teve igualmente conhecimento.
E atenta a factualidade assente, a Requerente foi notificada do projeto do mencionado RIT, para exercer o respetivo direito de audição prévia, nos termos da al. e) do nº 1 do art. 60.º da LGT, não tendo a mesma exercido aquele direito.
Pelo que, nos termos do nº 3 do art. 60.º da LGT, tendo sido dada oportunidade à Requerente para se pronunciar sobre o RIT antes das suas conclusões, é dispensada a sua audição antes da liquidação, não tendo sido violada a disposição constante da al. a) do nº 1 daquela norma.
Termos em que improcede igualmente a arguição de preterição de formalidade legal essencial.
Dos indícios recolhidos
Sob o título “Considerações Introdutórias” a Requerente começa por alegar que os indícios recolhidos pelos Serviços da Inspeção Tributária (SIT), “quer isolada ou globalmente”, não são decisivos para concluir de forma fundada pela inexistência das operações tituladas pelas faturas em causa ou que a Requerente manteve uma relação fraudulenta com os seus fornecedores, pois não foram carreados elementos ou factos que sejam clara e inequivocamente demonstrativos da inexistência dos serviços constantes daquelas faturas, estando a decisão da AT assente em meros juízos de valor que nenhuma aderência tem à realidade. Assim sendo, não só as correções assentam em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, como a decisão da AT viola as regras relativas ao ónus da prova, previsto no artigo 74.º da LGT e padece do vício da falta de fundamentação legalmente exigida, violando o disposto nos artigos 268.º, nº 3 da CRP e 77.º da LGT.
Embora a Requerente mais à frente na sua petição dedique um capítulo para os vícios invocados (começando por alegar a falta de fundamentação do Relatório da Inspeção Tributária), tendo em consideração o disposto no art. 124.º do CPPT, aplicável subsidiariamente por força do disposto da alínea a) do nº1 do art. 29.º do RAJT, apreciemos o referido primeiro vício, por ser o que melhor tutela os interesses daquela.
Os Serviços de Inspeção Tributária vieram corrigir a matéria tributável de IRC, na importância de € 29.073,20, no exercício de 2011, por entenderem que, não se tendo cumprindo “as regras de atribuição dos subsídios, visto terem os mesmos sido influenciados pela ficção de operações e valores “, aquela verba recebida, no âmbito da Candidatura nº. 2009/... B…, consubstancia um incremento patrimonial obtido a título gratuito, nos termos do art. 48.º do CIRC (na redação em vigor ao tempo dos factos), dado que não foi utilizada na “prossecução dos fins estatutários da associação, uma vez que terá sido aplicado no pagamento de faturas que apresentam fortes indícios de respeitarem a operações, no todo ou em parte, fictícias” (negrito nosso).
Nos termos do nº 1 do art. 75.º da LGT, presumem-se verdadeiras e de boa-fé, as declarações, bem como os dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita do contribuinte, cessando aquela presunção de veracidade, nomeadamente, perante a existência de indícios fundados de que tais elementos da contabilidade ou escrita não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, conforme dispõe o nº 2 da mesma norma.
Como é consabido, quando a AT considera que as operações constantes de determinadas faturas registadas na contabilidade do sujeito passivo não correspondem a operações reais, aplicam-se as regras do ónus da prova do art. 74.º da LGT, competindo àquela fazer prova de que existem indícios sérios de que tais operações não correspondem à realidade, impondo-se que os factos recolhidos, isolada ou conjuntamente, sejam suficientemente fortes para abalar a credibilidade da sua escrita. E, só em caso afirmativo, é que recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da realidade das operações económicas (vide, entre outros, os acórdãos do TCA Norte de 30-04-2015, processo nº 00599/10.3BEPNF e do TCA Sul de 05-02-2015, processo nº 08097/14).
Vejamos então se a AT fez prova da verificação de indícios sérios que as faturas não correspondem a operações reais.
No que toca ao IRC do exercício de 2011, de acordo com o teor do RIT (página 20 e 21 – cfr. nº 10 do probatório), “assistimos ao empolamento dos custos com as ações candidatas ao financiamento público, para maximizar a quase única fonte de rendimento das Associações, que de acordo com o que nos sendo transmitido, dificilmente vão conseguindo fazer face às suas despesas correntes. Se analisarmos as fontes de receita da A…, vimos claramente que não possui capacidade para fazer face à parte dos custos não comparticipados das iniciativas em questão, que não podemos esquecer, são no mínimo de 40%.
(…)
Do exposto decorre que a AT considera que as faturas emitidas pela Requerente, no exercício de 2011, às empresas D... e E… serviram para empolar os custos com as ações candidatas ao financiamento público, maximizando a quase única fonte de rendimento da Associação, uma vez que não tem capacidade para suportar a parte dos custos das iniciativas não financiadas pelos subsídios, no âmbito do B…, em 40% das despesas, e, que a faturação emitida à E... serviu para atenuar os efeitos da faturação, com indícios de titular operações fictícias, emitida pela E... .
O facto de as Associações atravessarem dificuldades económicas e de a Requerente não ter capacidade para “fazer face à parte dos custos não comparticipados das iniciativas em questão” estão longe de ser indícios suficientemente seguros, que isolada ou conjuntamente com outros indícios, permitam, objetivamente e à luz da experiência comum, concluir que as prestações de serviços são fictícias, quer as constantes da faturação emitida pela Requerente, quer a emitida pela E... .
O mesmo se diga em relação ao facto de a Requerente ter emitido declarações de dívida a favor da E... e dos movimentos financeiros registados entre as mesmas, pois, tal indício não permite igualmente concluir com uma probabilidade elevada e sólida de que as operações em causa não são reais, até por que resulta do probatório que, por vezes, os próprios fornecedores dos serviços “adiantariam” as verbas à Requerente, as quais lhes seriam posteriormente restituídas após a receção dos incentivos financeiros.
Resulta do probatório que, a verba recebida a título de comparticipação para a realização das iniciativas de dinamização do comércio local no exercício de 2011, respeita à candidatura/projeto nº 2009/... do âmbito do programa B…. Resultando igualmente da factualidade assente que as ações de dinamização do comércio local desenvolvidas no âmbito da referida candidatura, no concelho de …, tal como o dia do pai, a feira de frutos secos, o dia da mãe foram realizados no ano de 2010 e que a empresa que prestou serviços à Requerente no âmbito de tal candidatura foi a F... e não a E... .
Pelo que, o facto de se ter verificado a entrada na conta bancária da Requerente do incentivos financeiro, no exercício em causa, o qual foi concedido ao abrigo da mencionada Candidatura, não permite concluir à AT que “a razão de ser destes enredos está a obtenção de subsídios, para cujo recebimento há a necessidade de provar os pagamentos co-financiados, pois, os serviços prestados pela E... não estão sequer relacionados com verba recebida pela Requerente no exercício de 2011, mas antes os prestados pela empresa F... .
Vejamos ainda os outros indícios colhidos pelos Serviços da Inspeção Tributária que levaram a considerar que a faturação emitida pelas prestadoras de serviços não titula operações reais, por que, de acordo com o afirmado no RIT, respeitam a todos os exercícios, incluindo o de 2011 (cfr. nº 10 do probatório – fls. 21 a 26 do RIT).
Quanto ao indício de os “movimentos financeiros inerentes àquelas relações, já anteriormente descritas, respeitarem a meras trocas de pagamento, não se verificando pagamentos efetivos dos serviços em causa” tal como acima exposto, só por si, objetivamente e analisado à luz das regras da experiência comum não permite concluir de forma segura e sólida que a faturação emitida pelas prestadores de serviços não correspondem a operações reais. Tanto mais que os documentos juntos pelos SIT respeitam ao ano de 2008 e não de 2011 (cfr. anexo 1 do RIT).
No que toca ao indício de “as provas de realização dos eventos terem sido manipuladas”, tal indício – elementos que integraram “alguns dos dossiers/projetos elaborados e candidatos a subsídios” que foram alvo de uma atenção mais detalhada pelos SIT, analisado objetivamente e à luz das regras da experiência comum, não permite concluir que a faturação dos prestadores de serviços não corresponde a operações reais, nem que as ações de dinamização de comércio local não tiveram lugar, pois dos documentos juntos pelos SIT (Anexo II) não se permite retirar tal conclusão. Até por que, tal como resulta do probatório, de acordo com o depoimento da testemunha C..., foram detetadas algumas irregularidades, como a troca de fotografias, tendo sido pedida a sua retificação, o que põe em causa a credibilidade de tal indício, constituindo antes um indicador que podem ter existido erros na elaboração dos referidos dossiers entregues nas autoridades competentes.
No que concerne ao indício de os exemplares de flyers, panfletos ou outros meios de publicidade não refletirem “as caraterísticas expetáveis neste tipo de produtos, como sejam o tipo de papel aplicado e até mesmo de impressão e tintas utilizadas para o efeito” além de não estar suportado sequer em qualquer factualidade, não constitui nenhum indício seguro e consistente que permita concluir que os eventos não foram realizados e que a faturação dos prestadores de serviços não corresponde a operações reais.
O mesmo se diga em relação ao indício da “existência da duplicação de custos inter-projetos”, pois, não permite concluir com segurança que a faturação dos prestadores de serviços não corresponde a operações reais, até por que, abrangendo a Requerente os concelhos de …, …, ... e …, havia naturalmente necessidade de realizar as mesmas ações de dinamização de comércio local nos referidos concelhos, como o dia da mãe, dia do pai, dia da criança, por exigência dos próprios associados, tal como resulta do probatório, afastando assim qualquer credibilidade como indício de que a faturação emitida pelos prestadores de serviços não titula operações reais.
No que respeita ao indício de que “a própria indução à faturação indiciada como falsa por parte da A..., numa tentativa de aproximação/compensação de custos e imposto a entregar nos cofres do Estado” no seguimento do que acima foi dito, os SIT não recolheram indícios que traduzam com uma probabilidade forte que os serviços faturados pela Requerente não correspondem a operações reais. Aliás, tal “indício” não passa de uma conclusão não suportado em qualquer factualidade material.
Tanto mais que resultou do probatório que, sempre que era necessário, os funcionários da Requerente executavam os serviços em falta pelos prestadores de serviços, nomeadamente quando faltavam os animadores, procediam à distribuição de flyers, prestavam assim apoio administrativo e logístico aos eventos.
Resulta igualmente do probatório que, a Requerente cedia as suas instalações aos prestadores de serviços para ali guardarem o seu material, motivo pelo qual faturava a cedência das instalações daquela, pelo que lhe retira qualquer credibilidade como indicador de faturação falsa.
Não relevando assim a “capacidade instalada, humana e técnica, que a A... deveria possuir e apresentar por forma lhe ser possível prestar os serviços faturados às entidades” apontada pelos SIT, nem só por si permite concluir com uma probabilidade elevada que a faturação não titula operações reais.
O mesmo se diga em relação à “capacidade para A... fazer face ao compromisso assumido perante o próprio programa B… de financiamento da parte que lhe cabe do custo assumido pelos diferentes projetos”, pois, conforme acima dito, tal indício não permite concluir, objetivamente e à luz da experiência comum, com uma probabilidade elevada que a faturação não titula operações reais.
E não é pelo facto de se encontrar a decorrer um processo-crime, no qual a Requerente ainda não foi julgada e condenada que, naturalmente, só por si não é indiciador que os serviços não foram prestados e que as ações não ocorreram, como defende a entidade requerida.
Como se constata, pelos motivos supra expostos, os elementos reunidos pela AT – quer por si ou em conjunto - são frágeis, insuficientes e pouco consistentes, não assentando em indícios suficientemente seguros que permitam concluir que a faturação dos prestadores de serviços não titula operações reais.
Fundamentando-se a correção da liquidação adicional de IRC do exercício de 2011 na consideração do incentivo financeiro, na importância de € 29.073,20, como incremento patrimonial obtido a título gratuito, nos termos do art. 48.º do CIRC (na redação ao tempo dos factos), uma vez que tal verba terá sido aplicada “no pagamento de faturas que apresentam forte indícios de respeitarem a operações, no todo ou em parte, fictícias” e não foi utilizado na prossecução de fins estatutários, era à AT que competia provar a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, não ficou demonstrado que as faturas emitidas pelas prestadora de serviço não correspondiam a operações reais.
Pelo que, a liquidação adicional de IRC, objeto do presente processo de pronúncia arbitral, é ilegal, por violação do disposto no art. 74,º nº 1 da LGT, devendo, por conseguinte, ser anulada (art. 135.º do CPA, de aplicação subsidiária ex vi art. 29.º nº 1, al. a) e d) do RJAT). Consequentemente, a anulação do imposto determina igualmente a anulação do ato de liquidação de juros compensatórios, pois não sendo devido aquele imposto, não se podem exigir juros compensatórios.
Fica assim prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente, por ter sido declarada a ilegalidade das liquidações supra identificadas, por vício substantivo que impede a renovação dos atos, assegurando-se eficazmente a tutela dos direitos da Requerente, de harmonia com o preceituado no art. 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na al. a) do nº1 do art. 29.º do RJAT.
III. Da Restituição do Imposto Pago e dos Juros Indemnizatórios
A Requerente pede ainda a restituição do imposto já pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.
Vejamos.
Dispõe a al. b) do nº 1 do art. 24.º do RJAT que a AT deve “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, no caso de não ter sido interposto recurso ou impugnada a decisão arbitral que recaiu sobre o mérito da pretensão.
Aliás, já o art. 100.º da LGT - sob a epígrafe “efeitos da decisão favorável ao sujeito passivo” - determina que a “administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
Pelo que, em face do disposto do art. 100.º da LGT e da al. b) do nº 1 do art. 24.º do RAJT, é inequívoco que in casu a Requerente tem direito à restituição do imposto pago, na sequência da declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, objeto de pronúncia dos presentes autos.
Vejamos quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
O nº 5 do citado art. 24.º do RJAT estatui ainda que é “devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos da lei geral tributária e no Código de Processo e Procedimento Tributário”. Resulta da mencionada disposição legal que em caso de procedência de decisão arbitral a favor do sujeito passivo haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 e 2 do art. 43.º e art. 100.º da LGT.
O nº 1 do art. 43.º da LGT estabelece que são “ devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Assim, como nos diz Jorge Lopes de Sousa, in “Guia da Arbitragem Tributária”, Almedina, Março de 2013, página 223, o direito aos juros indemnizatórios depende da verificação dos seguintes requisitos:
“- que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;
- que ele seja imputável aos serviços (diretamente ou por via de orientações genéricas);
- que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
- que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
No caso em apreço, dúvidas não restam que o atos tributários de liquidação de IRC e de juros compensatórios, objeto da presente decisão arbitral, se ficaram a dever a um erro imputável aos serviços, ou seja, erro sobre os pressupostos, em face dos considerandos acima descritos, e para os quais se remete. Desse erro resultou o pagamento do imposto, conforme matéria dada como provada.
Pelo que, encontrando-se preenchidos todos os requisitos, a Requerente terá direito ao pagamento a juros indemnizatórios, os quais serão liquidados e contabilizados nos termos do art. 61.º do CPPT, ou seja, desde a data em que a Requerente efetuou o pagamento do imposto, calculados com base nas importâncias pagas até à data do integral reembolso das quantias pagas, à taxa legal.
V. DECISÃO
Nestes termos e na fundamentação exposta, o presente Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato liquidação de IRC do exercício de 2011 e do respetivo ato de liquidação de juros compensatórios, na importância total de € 6.334,69, com a consequente anulação dos mesmos;
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente das quantias que pagou;
c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data em que efetuou o pagamento até à data do integral reembolso daquelas quantias.
Fixa-se o valor do processo em € 6.334,69, em conformidade com o disposto na al. a) do nº 1 do art. 97º-A do CPPT e nº 2 do art. 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do art. 306.º do CPC.
Custas a cargo da Entidade Requerida, no montante de € 612,00, de acordo com o disposto no nº 4 do art. 22.º do RJAT e do nº 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de dezembro de 2015.
A árbitro,
Conceição Pinto Rosa
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT]