Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 162/2015-T
Data da decisão: 2016-01-06  IRC  
Valor do pedido: € 406.026,17
Tema: IRC - Ativo intangível; reintegração e amortização
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares (árbitro-presidente), Dr. Fer­nando Carreira de Araújo e Prof. Doutora Ana Maria Rodrigues (árbitros vogais), designados respetivamente pela Requerente e pela Requerida para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 2/6/2015, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

A… – …, SA (NIPC …, e sede atual na …, …, em Lisboa), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n,º 1, al. a), e 6.º, n.º 2, al. b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), com vista à declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento de Recurso Hierárquico (… 2012 …) e consequentemente (em termos finais) da liquidação de IRC (e derrama) ao ano de 2008 (n.º 2011 …) em que assenta – com correção à matéria coletável de 1.414.216,60€, traduzida na amortização fiscal de um programa de computador, enquanto ativo incorpóreo, na sequência da sua aquisição, como melhor se verá.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.

Nos termos do disposto no art. 6.º, n.º 2, al. b) do RJAT, a Requerente utilizou a prerrogativa legal de nomeação de árbitro, tendo designado o Dr. Fernando Car­reira de Araújo; a AT nomeou como árbitro a Prof. Doutora Ana Maria Rodrigues; e ambos os árbitros designaram o Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares como árbitro presidente. Todos os árbitros comunicaram a sua aceitação no prazo aplicável. A AT suscitou incidente de suspeição de árbitro, devidamente decidido pelo órgão competente, depois de notificados todos os interessados, no sentido da inexistência de fundamentos para essa pretensão.

O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 2/6/2015.

A AT respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

No dia 2/11/2015 efetuou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, seguida, nesse mesmo dia, da inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.

As Partes acordaram em que se realizassem alegações orais, que foram proferidas de seguida, nesse mesmo dia.

Dada a complexidade da questão e atrasos processuais, foi proferido despacho de prorrogação da decisão, até dois meses.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no art. 2.º, n.º 1, al. a) e art. 4.º, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

Não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Com base nos elementos que constam do processo (processo administrativo, factos consensualizados pelas partes, depoimentos das testemunhas [que mostraram isenção e conhecimentos técnicos] e documentos fiáveis e não impugnados), consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

a) Em 2008, a Requerente integrava, para efeitos de tributação em IRC, um grupo fiscal sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), previsto nos arts. 69° e ss., do CIRC, do qual era sociedade dominante;

b) A Requerente apresentou tempestivamente a declaração de rendimentos de IRC modelo 22 de 2008, do grupo de sociedades;

c) A Requerente (sociedade dominante) foi alvo de um processo inspetivo ao IRC de 2008 (Ordem de Serviço OI2010…) – que, entre outras, corrigiu a matéria coletável em 1.414.216,60€, por não-aceitação da amortização fiscal do investimento informático no sistema .

d) Inconformada, a Requerente deduziu tempestiva Reclamação Graciosa, indeferida expressamente quanto a este ponto – e, em sequência, recurso Hierárquico tempestivo, cujo indeferimento expresso motivou a presente ação arbitral.

e) A Requerente incorreu em custos com a aquisição e desenvolvimento do software utilizado na sua atividade, designado por – sistema que permite o controlo dos objetos postais ao longo de todo o processo de distribuição postal, desde a sua aceitação pelos serviços postais até à sua entrega.

f) As partes concordam com os termos e características dos negócios aquisitivos do sistema informático e com as matérias quantitativas (preços pagos e valores do sistema informático); discordam apenas da qualificação e tratamento contabilístico e fiscal deste software informático.

g) O sistema é uma aplicação informática complexa – sucessivamente alterada, desenvolvida e aperfeiçoada ao longo dos anos – que coordena toda a localização e monitorização das encomendas postais registadas desde o momento inicial até a sua entrega ao cliente (depoimento de todas as testemunhas).

h) A Requerente tem anualmente de gastar recursos humanos e monetários para atualizar e aperfeiçoar a plataforma informática do sistema (depoimento de todas as testemunhas).

i) A requerente amortizou esses investimentos num prazo de 3 anos, em termos contabilísticos e fiscais.

i) A Requerida entende que tais investimentos não seriam fiscalmente amortizáveis, pelos motivos desenvolvidos infra.

 

2.2. Factos não provados

Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas partes (que são documentos emitidos pelas Finanças e declarações de rendimentos), no consenso das partes (também em relação aos valores), nas informações oficiais juntas ao processo e nos depoimentos das testemunhas – credíveis e isentos, não obstante serem funcionários da Requerente.

 

3. Matéria de direito

3.1. Questão decidendi

Tal como é aceite pelas partes, a questão que se coloca nos presentes autos prende-se apenas com o tratamento fiscal dos gastos suportados com a amortização, em 2008, do software adquirido nesse mesmo ano:

a)      Não serão fiscalmente amortizáveis, como advoga a requerida, por se tratarem alegadamente de ativos intangíveis não perecíveis;

b)     Ou, ao invés, serão fiscalmente amortizáveis, como sustenta o contribuinte.

Deve notar-se que o contencioso tributário tem ainda atualmente a natureza de um contencioso de anulação, com a mera sindicância da legalidade (ou ilegalida­de) da liquidação e da argumentação factual e jurídica em que se sustenta (art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT).

 

3.2. As leis aplicáveis

As leis com ligação ao caso em análise são as seguintes (nos diplomas, redação e numeração de 2008):

Pelo art. 28.º, n.º 1, do CIRC – a amortização fiscal está circunscrita aos elementos do ativo sujeitos a deperecimento, “considerando-se como tais os elementos do ativo imobilizado que, com caráter repetitivo, sofreram perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico de quaisquer outras causas”.

O art. 33.º, n.º 1, al. a), do CIRC precisa que não são aceites como custo fiscal, “as reintegrações e as amortizações de elementos do ativo não sujeitos a deperecimento”.

O Decreto Regulamentar n.º 2/90 de 12/1 – diploma que precisa e esclarece as regras fiscais de amortização à época – diz-nos o seguinte:

a) Art. 1.º, n.º 1: as reintegrações e amortizações fiscais aplicam-se aos elementos do ativo imobilizado sujeitos a deperecimento.

b) Quanto aos elementos do ativo imobilizado incorpóreo:

- O princípio geral consta do art. 17.º, n.º 1 do DR 2/90: “os elementos do ativo imobilizado incorpóreo são amortizáveis quando sujeitos a deperecimento, designadamente por terem uma vigência temporal limitada”.

- O art. 17.º,n.º 2, do DR 2/90 precisa e desenvolve a ideia, ao exemplificar alguns ativos imobilizados incorpóreos sujeitos a amortização, entre os quais “elementos de propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de fabrico, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso, e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo”.

c) Quanto aos bens do ativo imobilizado corpóreo:

- Os bens do ativo imobilizado corpóreo sujeitos a deperecimento são amortizados, por regra, em quotas constantes sob o custo de produção ou aquisição, pela percentagem anual indicada na Tabela Anexa ao DR 2/90.

- A tabela Anexa ao DR 2/90, código 2440, manda amortizar os “programas de computador”, elementos diversos do ativo corpóreo, à taxa anual de 33, 33%.

- A tabela Anexa ao DR 2/90, código 2240, manda amortizar os “computadores”, à taxa de 25%.

 

3.3. Os argumentos das partes

A Requerida invoca, em síntese, na fundamentação da liquidação (e pronúncias ulteriores, inclusive na resposta no processo arbitral), que o investimento no software deve ser qualificado como um ativo incorpóreo, não amortizável, porque não sujeito a deperecimento e por não preenchimento dos requisitos do art. 17.º, n.º 2, al. c), do DR 2/90; a regra da dependência parcial entre a contabilidade e a fiscalidade implicaria, no caso concreto, que perante a inexistência de uma distorção expressa sobre a contabilidade, se teria de seguir os ditames da contabilidade, que impediriam a amortização ou reintegração contabilística e fiscal do software … (ativo incorpóreo).

Por seu turno, a Requerente argumenta, em síntese, o seguinte: os programas de computador não se subsumem fiscalmente no art. 17.º, n.º 2, do DR 2/90 (elementos de propriedade industrial, tais como patentes), mas na rúbrica programas de computador ou ainda que assim não fosse, o software em causa seria amortizável, nos termos do art. 17.º, n.º 1, do DR 2/90, porque sujeito a deperecimento, independentemente da sua relevação contabilística como imobilizado corpóreo ou incorpóreo, atento o princípio de tributação das empresas pelo lucro real.

 

3.4. Decisão

O tribunal analisou toda a retórica aduzida pelas partes (nas suas peças escritas e alegações) – e tomou a sua decisão tendo por base a legalidade ou ilegalidade dos fundamentos introduzidos pela Autoridade Tributária. No objeto do processo, importa sobretudo analisar da bondade e legalidade dos argumentos esgrimidos pela Autoridade Tributária ao longo de todo este processo.

O sistema informático deve ser tratado em termos contabilísticos e fiscais:

a)      Em termos qualificativos: como um ativo incorpóreo (e não como um ativo corpóreo);

b)     Em termos quantitativos: pelo seu custo de aquisição (e neste ponto as partes estão de acordo).

Não se assume, pois, como um ativo corpóreo, como invocou o Requerente, por pretensa subsunção ao DR 2/90, código 2440 (introduzido pela primeira vez nas tabelas de amortização pela Portaria 737/81, de 29 de Agosto) que manda amortizar os “programas de computador”, como elementos diversos do ativo corpóreo, à taxa anual de 33, 33% - sendo aliás os “programas de computador” diversos do próprio computador, descrito na Tabela no código 2240 e amortizado à taxa de 25%, ainda que eventualmente fosse essa a prática das empresas, conforme alegado mas não demostrado pela requerente.

É que o disposto na IAS 38 (emitida em 1998 e revista em 2004) era já vigente em Portugal em resultado da remissão para as normas internacionais de contabilidade prevista na diretriz contabilística 18 (emitida em 1996 e revista em 2005), na ausência de guidelines para a questão em apreço no Plano Oficial de Contabilidade (POC) ou nas próprias diretrizes contabilísticas.

Esta redação da Tabela não é feliz, ao qualificar os programas de computador como um ativo corpóreo, quando a sua característica estruturante é cada vez mais (e já o era à data dos factos) a imaterialidade – isto é a ausência de suporte físico e, com isso, a sua qualificação como intangível ou incorpóreo.

Este preceito só pode ser interpretado numa visão histórica da informática (e hoje antiquada pois o suporte físico perde relevância), em que ainda se estabelecia uma tensão entre o suporte físico (hardware) e o intangível (software): um programa de computador será qualificado como um ativo corpóreo quando o seu elemento preponderante e determinante for o suporte físico (casos raros) e não o elemento sem substância física. Tem assim de se efetuar um juízo de prognose em face do caso concreto, na determinação do elemento mais significativo do ativo: se o físico ou se o intangível. Assim, por exemplo, se o elemento mais importante é o hardware – deve ser considerado um ativo tangível; se ao invés, o elemento determinante é o software (a linguagem e aplicação informática), então o elemento em causa assume a natureza de um ativo intangível.

É isto o que diz aliás o parágrafo 4 da Norma Contabilista de Relato Financeiro 6, que apesar da sua entrada em vigor ter ocorrido apenas em 2010, i.e., portanto em momento posterior ao caso dos autos, funciona como um elemento auxiliador da interpretação dos preceitos legais em análise, concretizando pela primeira vez numa norma nacional especificamente o que já estava previsto na norma internacional já referida e igualmente aplicável em Portugal nos termos referidos.

No caso concreto, o determinante no sistema informático não é o computador físico onde está alojado ou o suporte físico que permitiu a sua instalação (hardware), mas a aplicação e programação informática, sem substrato físico, que criou e gere todas as ferramentas de gestão de acompanhamento on line da correspondência no processo de distribuição postal (sistema ), com ganhos para os clientes e para a própria Requerente, na gestão do negócio das encomendas, sob registo, que lhe são confiadas.

Por conseguinte, ao caso concreto não se aplica o código 2440, que manda amortizar os “programas de computador”, enquanto ativos tangíveis (imobilizados corpóreos) pelo prazo de 3 anos, à taxa de 33,33% ao ano.

Repugna aceitar que a lei fiscal vigente contivesse uma distorção face à contabilidade no que concerne à qualificação do mesmo ativo informático (programas de computador) – incorpóreo em termos contabilísticos e corpóreo em termos fiscais; que a contabilidade qualificasse um item de uma forma e a fiscalidade de outra, em violação da regra da dependência parcial da fiscalidade face à contabilidade, sem se almejarem razões fiscais legitimadoras desse alegado entorse.

Do mesmo modo repugna concluir que não era aplicável aos programas de computador, enquanto ativos incorpóreos qualquer código previsto na tabela de amortizações, pelo que a solução para o caso concreto encontra-se assim no regime de amortização fiscal das imobilizações incorpóreas descritas no art. 17.º do DR 2/90 e nas suas implicações em sede desse mesmo diploma.

O n.º 1 desse preceito define a regra central (em obediência e harmonia com o art. 28.º e 33.º do CIRC): só são amortizáveis os ativos imobilizados incorpóreos sujeitos a deperecimento.

Por deperecimento entende-se a perda sistemática (continuada no tempo) de valor do bem pela passagem do tempo, entre outros motivos, pelo seu desgaste continuado ou pela usual e normal obsolescência tecnológica. Dito por outras palavras, quando a empresa, no momento em que efetua o investimento (e adquire o ativo imobilizado) pressupõe de antemão (com base em estimativas fiáveis e aderentes à realidade) que o mesmo se desvalorizará paulatina e reiteradamente – de tal forma que ou terá de adquirir um outro investimento similar, no final do período de utilidade esperada, ou terá de efetuar reparações ou beneficiações, para lhe aumentar e preservar a sua utilidade na organização, ou dito de outro modo prolongar a sua vida útil. Ora, nesses casos, a redução sistemática do valor do bem é contabilística e fiscalmente incorporada através da amortização.

Conforme dispõe o parágrafo 91 da Norma Contabilística de Relato Financeiro 6 – elemento interpretativo auxiliar –e a própria IAS 38 desde 1998, o software de computadores (como o sistema ), fruto de rápidas alterações na tecnologia, são suscetíveis de obsolescência tecnológica, sendo provável uma curta vida útil – admitindo-se assim a legitimidade de amortização do software de computadores, independentemente da relevação contabilística efetuada pelos contribuintes.

O n.º 1 do art. 17.º do DR 2/90 esclarece ainda que existe deperecimento dos ativos incorpóreos, “designadamente por terem vigência temporal limitada”. Esta parte do preceito possui três corolários interpretativos para o caso concreto.

Primeiro: o legislador, ciente da abertura e dificuldade interpretativa do conceito “deperecimento” associado a intangíveis (seja na vertente qualitativa, seja na parte quantitativa – em quantos anos se deve efetuar a amortização), criou esta explicitação para facilitar o intérprete, assumindo que um ativo intangível com vigência temporal limitada está necessariamente sujeito a deperecimento, sendo passível de amortização fiscal, seguramente pelo número de anos da sua vigência temporal limitada.

Segundo: tal não significa que o oposto não seja amortizável. Dito pela positiva: os ativos intangíveis sem vigência temporal limitada podem ser amortizáveis fiscalmente, no caso de estarem sujeitos a deperecimento. Tudo depende do caso concreto. Em algumas situações, o ativo intangível sem vigência temporal limitada não sofre perdas sistemáticas, paulatinas e periódicas de valor – e, por conseguinte, não está sujeito a amortização, nem contabilística, nem fiscal. É o que sucede, atualmente, com o tratamento do goodwill ou com os ativos intangíveis com vida útil indefinida Estará sujeito apenas a perdas por imparidade, se e quando aconteça algum fenómeno ou circunstância (não sistemática) que lhe retirem objetivamente parte do seu valor.

Mas em outros casos, como sucede com o sistema informático , o ativo intangível, apesar de não ter vigência temporal limitada, vai perdendo sistemática e paulatinamente o seu valor, ao longo da sua utilização pelo tempo, dada a constante evolução tecnológica. Em poucos anos, o sistema fica rapidamente caduco e obsoleto – e imprestável para o negócio. E tal só não sucede, se a empresa o for constantemente atualizando e evoluindo, por trabalho próprio e de terceiros especializados, para o manter no padrão mais elevado de atualização informática (como foi o caso).

Não podia pois a requerente adicionar o valor do novo investimento (beneficiação ou reparação) ao valor bruto do investimento inicial, sob pena de inelutavelmente conduzir em qualquer momento à necessidade de reconhecer uma imparidade no ativo em causa, pois o valor de uso para a empresa permanece o mesmo.

Não vinga assim a tese da Requerida ao notar que o sistema informático não é perecível pois tem já uma duração muito longa e similar e projeta manter-se no futuro, pois o valor de utilidade do ativo é e decorre das beneficiações recentes. O ponto crucial é antes a ponderação que teria de ser efetuada no momento da aquisição desse sistema informático pela Requerente – que sabia que esse investimento (o estado da aplicação informática em 2008) teria uma utilização temporal limitada no tempo, dada a evolução tecnológica – e que ter-se-iam de fazer investimentos informáticos substanciais em cada ano para o manter prestável na organização.

Ou seja: é do próprio senso comum concluir que esse ativo intangível está sujeito a deperecimento, dada a realidade factual em que se insere, apesar de não ter uma vigência temporal limitada. Ou melhor ainda – e é já a terceira consideração: a expressão “vigência temporal limitada” não se encerra apenas na categoria jurídico-formal dos direitos intangíveis com utilização limitada no tempo, mas estende-se também às realidades económicas de depreciação real e factual dos ativos intangíveis, apesar de não terem juridicamente uma vigência temporal limitada (direito de utilização limitado no tempo).

Esta noção assume aliás foros gerais no direito tributário. Assim, por exemplo, deprecia-se/amortiza-se uma viatura não pelo período que a empresa estima que será proprietária do automóvel, mas pelo número de anos em que se estima (e a lei fiscal impõe) que esse ativo terá utilidade económica para a organização – sendo apto para auxiliar na consumação das vendas e prestações de serviços, ainda que a viatura seja normalmente utilizada para além do prazo de 4 anos de depreciação previsto na lei fiscal.

Esta ideia vigora igualmente para o sistema informático : assumindo o seu deperecimento (por obsolescência tecnológica), ele será amortizado pelo número de anos em que se estima que esse investimento (no estado atual em 2008) sirva a organização, até o seu valor ser de zero, se entretanto não se fizessem novos investimentos e upgrades nessa aplicação informática. E isso é independente de juridicamente o direito de utilização ser temporário ou não.

A Requerida invoca ainda que a vigência ou manutenção do sistema tem mais de 10 anos, numa homogeneidade de utilização para o utilizador ao longo do tempo, seria a prova absoluta do seu não deperecimento. Não podemos acompanhar esta ideia. As empresas, quando adquirem um qualquer sistema informático, têm razões imperiosas que justificam o seu deperecimento – a paulatina evolução tecnológica e sistemática obsolescência do investimento, a médio prazo, pelo normal decurso dos avanços informáticos. E isso basta para legitimar a amortização contabilística e fiscal dos intangíveis. Coisa diferente é se passados 10 anos o ativo ainda está apto para a organização. Isso não invalida o seu deperecimento.

O facto de passados os anos o ativo ainda ter valor significa apenas que a taxa aplicada pode não ter sido a economicamente correta ou que houve melhorias supervenientes (decisivas) que mantiveram a aplicação informática útil para a organização, ou tão só alterações no mercado e na concorrência ou mesmo apenas para acautelar desvalorizações monetárias (daí a lei prever os coeficientes de desvalorização monetária para se tributarem apenas ganhos reais). Introduzamos um exemplo, para melhor perceber esta ideia: se um automóvel está na organização passados 10 anos (sendo amortizado em 4), tal não significa que a viatura não seja amortizável/depreciável. Significa apenas que se terá praticado uma taxa de amortização mais intensa do que o seu deperecimento real ou que houve entretanto obras e melhorias na viatura que permitiram a extensão da sua vigência temporal com utilidade para a organização, ou que o valor de mercado do automóvel em novo aumentou entretanto.

Ora, no caso presente, o sistema é perecível e portanto amortizável; e realce-se que a Autoridade Tributária não colocou em causa o período de amortização, de 33,33% ao ano – não invocou que a requerente teria porventura acelerado as amortizações, numa opção contabilística e fiscal mais intensa do que o deperecimento real e económico do bem, apenas invocou uma questão anterior ou prévia: o da classificação e efetivo deperecimento do bem Esta matéria quantitativa está portanto fora do objeto do processo, ao contrário do verificado nos processos arbitrais 653/2014 e 16/2015 quanto a equipamentos eólicos ou 75/2014 quanto a equipamentos fotovoltaicos. Mas diga-se em abono da verdade, que perante a abertura quanto ao prazo e taxa de amortizações de ativos incorpóreos que não estão contidos na Tabela anexa ao DR 2/90 – como é o caso – não repugna que devam ser idoneamente interpretados, por unidade do sistema, identidade de ideias e confiança dos agentes, à falta de prazo na Tabela, pelo prazo e período definidos nos “programas de computador” dos ativos corpóreos (2440 da Tabela), ou mesmo pelo prazo e período definido em concreto para o imobilizado incorpóreo, em ambos os casos 3 anos.

Importa, por fim, explicar o disposto no art. 17.º, n.º 2, do DR 2/90, para aferir da sua eventual aplicação ao caso dos autos, nos termos alegados pela Requerida.

Este preceito concretiza o princípio geral definido no n.º 1 (há amortização quando o incorpóreo seja perecível), na mira de facilitar o trabalho do intérprete e encaixando os exemplos aí descritos nas rubricas da tabela anexa ao DR 2/90. Assim, as despesas de desenvolvimento são amortizáveis à taxa de 33,33% (2470 da Tabela) – porque perecíveis, e subsumíveis igualmente na característica geral do n.º 1 do art. 17.º do DR 2/90.

O tema potencialmente relacionado com o caso dos autos prende-se com a alínea c) do n.º 2 do art. 17.º do DR 2/90, sendo certo, porém que a Requerida na sua Resposta, não aborda sequer este argumento, que é todavia esgrimido, ao longo das diversas pronúncias da Autoridade Tributária neste processo, por vezes de forma pouco articulada e difusa.

Diz o art. 17.º, n.º 2, al. c) que são amortizáveis, em função do período de utilização exclusiva, os “elementos de propriedade industrial, tais como patentes […], adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo”.

O sistema não é uma patente informática (de software).

Uma patente é uma concessão pública, conferida pelo Estado (ou por um organismo com competências para tal delegado pelo Estado), que garante ao seu titular a exclusividade de explorar comercialmente a sua criação por um certo período de tempo (por norma 20 anos).

As patentes incidem sobre invenções novas (produtos ou processos), implicando atividade inventiva, suscetíveis de aplicação industrial (art. 51.º do Código da Propriedade Industrial). Porém, não são patenteáveis, “os programas de computador, como tais, sem qualquer contributo” – art. 52.º, n.º 1, al. c) do Código da Propriedade Industrial.

Quer dizer, os programas de computador, como o sistema que se limita a resolver problemas de negócio, utilizando, compilando e cruzando a linguagem informática conhecida, sem inovação ou rutura tecnológica na linguagem informática, não é patenteável – e como tal não se insere na propriedade industrial. E não se lhe aplica o art. 17.º, n,º 2, al. c) do DR 2/90. Só seriam patenteáveis os programas de computador, com contributo, com uma nova ideia ou conceito de computação. Tal não significa que os programas de computador, como o , não tenham proteção jurídica. Claro que a possuem, sob a roupagem do direito autoral (art. 36.º do Código de direitos de autor e dos direitos conexos), mas não sob o domínio do direito de propriedade industrial.

 

4. Juros Indemnizatórios

O contribuinte tem direito a juros indemnizatórios quando exista um erro na liquidação imputável aos serviços – e que desse erro tenha resultado o pagamento de uma quantia de imposto superior ao legalmente devido – art. 43.º da LGT.

Ora, perante a procedência da presente ação arbitral, conclui-se pela ilegalidade da liquidação que lhe deu origem (e ulteriores decisões da requerida sobre este processo). E tal ilegalidade ficou-se a dever a um erro imputável aos serviços, que por sua iniciativa procederam a liquidação adicional de imposto sem justificação e fundamento – e sem que o contribuinte tenha para ela contribuído porque forma que fosse (Ac. STA de 15/11/2000, processo 22791, em www.dgsi.pt).

Este facto é suficiente constatar a existência de um erro na liquidação adicional imputável aos serviços, para determinar o pagamento de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, à taxa legal, contados desde o pagamento do imposto (e juros compensatórios) em 2/3/2011, até integral pagamento.

 

5. Decisão

De harmonia com o exposto, o Tribunal Arbitral decide:

a.      Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento do Recurso Hierárquico (processo … 2012 …), por errada interpretação e aplicação do regime do artigo 28.º do CIRC e artigo 17.º do DR 2/90, que constitui vício e violação de lei, por erro nos pressupostos de direito.

b.      Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC (e derrama) do ano de 2008, n.º 2011 …, na parte ainda subsistente, com a aceitação fiscal da amortização do valor de 1.414.216,60€ referente ao sistema informático .

E em consequência, porque a liquidação havia já sido paga:

c.      Condenar a Autoridade Tributária a reembolsar à Requerente do valor de imposto (e derrama) e juros compensatórios em que se consubstanciou tal liquidação, agora anulada (ponto b.).

d.     Condenar a Autoridade Tributaria a pagar juros indemnizatórios à Requerente, sobre a quantia definidas no ponto c., à taxa legal, desde 2 de Março de 2011, até integral reembolso.

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto no art 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária – e dada a ausência de contestação por parte da Requerida, fixa-se ao processo o valor de € 406.026,17€ (estimativa de imposto e juros compensatórios fixado pelo Requerente e que decorrem da correção à matéria coletável relativa ao tema objeto deste processo).

 

7. Custas

Não há lugar à fixação e repartição da responsabilidade pelas custas do processo, nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT.

Notifique-se

Lisboa, 6 de Janeiro de 2016

 

Os Árbitros

 

Tomás Cantista Tavares (árbitro Presidente)

 

 

Fernando Carreira de Araújo (árbitro Vogal)

 

 

Ana Maria Rodrigues (árbitro Vogal)