Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 148/2012-T
Data da decisão: 2013-07-05  IVA  
Valor do pedido: € 359.298,10
Tema: Natureza e amplitude do exercício do direito à dedução por sujeitos passivos mistos
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Decisão Arbitral

 

 

DECISÃO ARBITRAL


 

Proc. n.º 148/2012-T/CAAD


 

A – Relatório.


 

Acordam, nestes autos, os juízes-árbitros, Benjamim Silva Rodrigues, presidente, Clotilde Celorico Palma e Daniel Taborda, adjuntos:


 

1. RELATÓRIO

1 – A… –, S.A., com sede em …, em …, doravante Requerente, contribuinte fiscal n.º …, requereu a pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 (doravante Regime Jurídico da Arbitragem Tributária-RJAT), sobre a questão que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante, AT, pedindo que sejam anulados “os actos tributários (…) relativos às liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, reportados ao ano de 2010 (na parte contestada), por erro nos pressupostos de facto e de direito, em virtude de serem indevidos os ajustamentos, no valor de €333.378,75, ao montante de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) deduzido pela Requerente nos termos acima expostos”; “anulados os juros compensatórios correspondentes” e “condenada a Autoridade Tributária e Aduaneira a indemnizar a Requerente, nos termos do artigo 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e nos mais de direito, pelos prejuízos acusados que virem a ser apurados, decorrentes da prestação de garantia bancária para suspensão do processo de execução fiscal instaurado na sequência dos actos de liquidação e de juros compensatórios objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, na parte aqui contestada”.

2 – Fundamentando estes pedidos, a Requerente alegou, em resumo, que:

O acto tributário de liquidação resultou das correcções efectuadas pela AT, no âmbito de um procedimento de inspecção (Ordem de Serviço n.º OI…), relativas ao IVA deduzido pela Requerente em facturas de vários fornecedores, no decurso do exercício de 2010, não aceitando a Requerente essas correcções na parte respeitante ao montante de €333 378,75.

Nos termos do artigo 23.º do Código do IVA (CIVA) e na medida em que a Requerente realiza operações que conferem direito à dedução de IVA (ramo de exploração de campo de golfe e hotel) mas, simultaneamente, também, operações que não conferem esse direito (ramo imobiliário), qualifica-se como sujeito passivo misto de IVA, utilizando, exclusivamente, o método da afectação real na determinação do IVA dedutível.

De acordo com este método, a dedutibilidade do IVA suportado com a aquisição de bens e serviços que não são passíveis de afectação exclusiva a cada um dos dois sectores, v.g. despesas comuns ou de utilização mista, resulta da aplicação de um critério objectivo de repartição.

Inicialmente, a Requerente adoptou um critério objectivo de repartição de IVA baseado na área ocupada pelos equipamentos afectos à realização de operações, cifrado na proporção de 69,52% (65,91% correspondente ao campo de golfe + 3,61% respeitante ao hotel).

Na sequência da inspecção tributária, a Requerente passou a adoptar, voluntariamente, o critério proposto por aquela, baseado nas permilagens constantes do título constitutivo de conjunto turístico.

De acordo com este critério, o IVA suportado com as despesas comuns é dedutível na percentagem de 33,1% (25,5% relativo ao campo de golfe e 7,6% ao hotel), sendo o complementar não dedutível (66,9% referente ao sector imobiliário).

A Requerente separa os registos contabilísticos dos encargos constantes nos documentos de despesa por centro de custo, atribuindo-lhes códigos (2001 – promoção imobiliária; 2003 – campo de golfe; 2003 – hotel).

No relatório de inspecção, a AT considerou como despesas comuns diversas facturas, de vários fornecedores, o que determinou que o total de IVA nelas contido fosse dedutível apenas na percentagem de 33,1%.

O relatório de inspecção da AT procedeu à separação das facturas adoptando como critério o montante de IVA deduzido pela Requerente: as facturas cujo IVA deduzido era superior a €5.000 foram alvo de exame documental e as restantes foram analisadas através do programa informático SAFT.

A Requerente não aceita que a totalidade daquelas despesas seja classificada como despesas comuns, como considerou a AT para proceder à liquidação correctiva: ao invés, sustenta que algumas delas estão afectas ao sector não isento e que outras são imputáveis à criação de infra-estruturas urbanísticas que, nos termos do disposto no Alvará de Loteamento n.º …/2009 de 16 de Setembro, a Requerente se obrigou a efectuar para o Município de ….

Assim, na situação de despesas com IVA superior a €5.000,00, aqui do montante de €225.834,33, que foi devidamente deduzido pela Requerente por respeitarem à actividade do campo de golfe (sector não isento), mas que foram qualificadas como despesas comuns pela AT, estão os serviços de terraplanagem, fornecidos por B…, Lda. e C…, Lda. de serviços, que no seu conjunto envolve 20 facturas emitidas entre 26-4-2012 e 28-12-2012.

Na mesma situação está, ainda, o fornecimento por D… de serviços de execução de furo de pesquisa de captação de água (RA4 e RA5), a que dizem respeito duas facturas emitidas em 29-9-2010 e 8-11-2010, no valor total de €65 796,3, com IVA suportado de €13 817,22 (Quadro 9 do relatório de inspecção, artigo 69.º da petição inicial e artigo 79.º da resposta da DSCJC).

No que se refere às despesas com IVA inferior a €5.000,00, a sua contabilização está dividida em duas subcontas (24323 -“IVA Dedutível” e 24324 – “IVA dedutível devido pelo adquirente”).

No que a estas despesas respeita, a AT corrigiu em €102.189,03 o IVA deduzido pela Requerente (€65.804,25 na conta 24323, relativos às facturas identificadas no Anexo 6 do Relatório, e €36.384,78 na conta 24324, relativos às facturas identificadas no Anexo 8, todas relacionadas com “outros fornecedores diversos”).

Porém, a parte desse imposto, do montante de €16.705,25, relativa às facturas identificadas no artigo 95.º do requerimento inicial (incluído na correcção de €65.804,25), respeita a despesas incorridas exclusivamente com a área de golfe, pelo que é totalmente dedutível.

Do mesmo passo, o IVA respeitante às facturas identificadas no artigo 100.º do requerimento inicial, no montante de €30.945,32, incluído no montante de €36.384,78 a que se refere o Anexo 8 do Relatório, respeita a despesas ou recursos inequívoca e exclusivamente afectos à actividade do golfe, sendo, por isso, totalmente dedutível.

Igualmente não é devido o IVA, do montante de €50.650,11, referente a serviços de terraplanagem, montagem, desmontagem de estaleiro e de infra-estruturas eléctricas e de telecomunicações, fornecidos pela E…, incluído na correcção do valor de €145.491,50, levada a cabo pela AT.

Na verdade, aquele valor refere-se a custos directamente afectos à realização de serviços de construção de infra-estruturas eléctricas, de telecomunicações e movimentação de terras prestados pela Requerente ao Município de …, por contrapartida da concessão do alvará de loteamento.

Ora, esta operação de entrega das obras efectuadas ao Município de … e correlativa recepção deve ser considerada como consubstanciando uma prestação de serviços efectuada a título oneroso, nos termos do disposto no artigo 4.º do CIVA, bem como do disposto nos artigos 24.º e seguintes da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, a ser tributada à taxa de 6% (nos termos da verba 2.19 da Lista I anexa ao CIVA), no momento em que o Município proceder à aceitação das obras, por tal ser o momento de exigibilidade do imposto, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do CIVA e do artigo 64.º da mesma Directiva.

Deste modo, estando essas operações sujeitas a IVA também é dedutível o IVA incorrido para a realização das transmissões de bens e serviços.

Mas ainda que se considere o Município de … como um sujeito passivo misto para efeitos de IVA, sempre a Requerente irá proceder com base na legislação em vigor e de acordo com o entendimento da Direcção de Serviços do IVA, veiculado pelo Ofício Circulado n.º 30101/2007, à liquidação do IVA devido, quando da prestação de serviços de construção civil ao Município, uma vez que a autarquia não irá utilizar as infra-estruturas em causa a actividades sujeitas a IVA relativamente às quais tenha direito à dedução do imposto incorrido, pelo que o imposto suportado nessas obras é dedutível.

À Requerente assiste o direito de dedução do IVA que suportou na aquisição dos bens e serviços de construção civil directamente necessários e afectos à realização das referidas infra-estruturas, em linha com a posição defendida pela Direcção de Serviços do IVA em, pelo menos, três situações em tudo iguais à sua, nomeadamente os entendimentos expressos por essa Direcção na Informação n.º 1121, de 22 de Fevereiro de 2008, relativa ao processo A1…, na Informação n.º 1705, de 14 de Agosto de 1997, relativa ao processo A…, e no Ofício Informação n.º 3564, de 20 de Julho de 2010 (com Despacho do Sub-Director Geral dos Impostos de 15 de Julho de 2010, relativa ao pedido n.º …, de 12 de Abril de 2010 (que se juntam como docs. 8, 9 e 10).

É certo que a AT, em vez de converter o entendimento expresso pelos serviços em circular nos termos do artigo 68.º-A da LGT, veio agora defender a tese da não dedutibilidade do IVA suportado com tais obras, na resposta ao pedido de informação vinculativa com carácter de urgência, efectuado pela Requerente, convocando em abono da sua mudança de posição o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em recurso, no processo 03961/10 – CT- 2.º Juízo, de 22/06/2010.

Argumenta, agora, em síntese, a AT que as contrapartidas não podem ser qualificadas como uma prestação de serviços autónoma, constituindo antes um consumo intermédio que concorre para o preço final, suportado a título de liberalidade plena e inserido nos custos globais do empreendimento.

Todavia, tal entendimento, pretexta a Requerente, viola o artigo 4.º, n.º 1, do CIVA, quando interpretado de acordo com o artigo 25.º da Directiva do IVA, bem como o sentido de jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente, nos casos Ghen Coal Terminal (C-37/95), Gabalfrisa (C-110/98) e Faxworld (C-137/02), Astra Zeneca UK Ltd/Commissioners for Her Magesty´s Revenue and Customs (caso C-40/09) e Tolsma (C-16/93).

Mas, independentemente desta ilegalidade, acontece que o referido apuramento do IVA, relativo às prestações de serviços efectuadas pela E… Engenharia, efectuado pela AT, sempre está eivado de erro de cálculo, derivado da errada aplicação, ao contrário, das taxas de IVA que vigoraram no primeiro semestre (20%) e segundo semestre (21%) de 2010, pelo que o imposto devido só poderia ser, no máximo, de €131.313,50 e não, como se considerou, de €145.491,50 (Quadro 6 do Relatório de Inspecção).

Ad cautelem, para o caso de subsistirem dúvidas sobre a interpretação do direito comunitário implicado nas disposições do CIVA, convocáveis para a decisão, pede a Requerente a formulação do reenvio interpretativo prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

Decorrentemente, a Requerente pede, também, a anulação dos juros compensatórios liquidados sobre a parte ilegal das liquidações efectuadas.

3 – O Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros os Doutores Benjamim Silva Rodrigues (presidente), Clotilde Celorico Palma e Daniel Taborda (adjuntos), considerando-se o tribunal arbitral colectivo constituído em 01 de Março de 2013.

4 – Notificada nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, veio a AT responder, pugnando pela improcedência de todos os pedidos.

Especificamente, no que concerne às correcções controvertidas pela Requerente, respondeu a AT do seguinte jeito:

Não deve proceder a argumentação da Requerente no que respeita à dedução do IVA relativo aos serviços de terraplanagem fornecidos por B… e C…, porquanto: na contabilização efectuada das referidas facturas, o custo foi repartido pelos vários centros de custo (2001-Promoção Imobiliária; 2002 – Campo de Golfe e 2003 – Hotel); a descrição adoptada aponta para trabalhos realizados em todo o empreendimento; vão no mesmo sentido, de apontarem para trabalhos gerais em todo o empreendimento, as referências constantes dos autos de medição directamente respeitantes às facturas e o contrato e respectivos aditamentos juntos pela Requerente reforçam as conclusões da inspecção tributária.

Também não deve proceder a alegação da Requerente relativamente à correcção do IVA, no montante de €9.243,73, relativo aos serviços de execução de um furo de captação de água, fornecidos por D…, na medida em que está em causa manifestamente um custo comum a todo o empreendimento, já que consta do alvará que o furo de água se destina a ser utilizado por todo o empreendimento.

É verdade existir um erro de cálculo, traduzido numa diferença desfavorável ao sujeito passivo no montante de €1.023,2, na correcção de IVA efectuada pela AT, no montante de €145.491,50, referente ao IVA que foi deduzido pela Requerente relacionado com os serviços de terraplanagem, montagem, desmontagem de estaleiro e infra-estruturas eléctricas e de telecomunicações fornecidos pela E… Engenharia.

Todavia, esse erro, que decorre da errada aplicação das taxas de IVA em vigor, não justifica a totalidade da diferença entre o valor da correcção efectuada pela AT, de €145.491,50, e o valor que a Requerente alega ser o correcto: €131 313,50. A AT explica esta diferença através da “não consideração pela R. das regularizações de IVA a favor da empresa e algumas regularizações a favor do Estado, que ela própria promoveu em 31.12.2010”.

Aduz ainda que a diferença de €1.023,2 está, todavia, compensada com a diferença desfavorável ao Estado, no montante de €1.288,85, que, por erro de cálculo, deixou de ser determinado no apuramento do IVA que foi efectuado a respeito dos serviços de terraplanagem fornecidos por B… e C….

No tocante à correcção de IVA no montante de €65.804,25 a que se refere o Anexo 6 do Relatório de Inspecção e cuja parcela no valor de €16.705,25 a Requerente controverte, esta “limita-se a fazer afirmações não suportadas por qualquer meio de prova”, sendo que “durante o procedimento inspectivo foi feita uma análise exaustiva de todos os registos contabilísticos de modo a verificar as percentagens de dedução efectuadas”.

No que tange à correcção de IVA no montante de €36.384,78 referente a IVA deduzido relacionado com “outros fornecedores diversos” em facturas identificadas no Anexo 8 do Relatório de Inspecção, ela “teve por base a aquisição de bens e de serviços [contabilizados na Conta 24324] de utilização mista, relativamente aos quais não foi possível efectuar uma imputação directa e imediata ao sector a que respeita”, “atentas as descrições ínsitas nas facturas em causa, e na falta de uma individualização de registo dos custos incorridos por cada um dos centros de custo como exige a afectação real dos bens e/ou serviços, prevista no artigo 23.º do CIVA”.

Finalmente, no que respeita ao IVA deduzido pela Requerente relativo à realização dos serviços de construção civil para o Município de …, em cumprimento da contrapartida fixada no Alvará de loteamento, também a alegação não deve proceder.

Desde logo, esse IVA não é dedutível na totalidade por força da aplicação do método da afectação real.

Na verdade, “as reversões para o domínio público das infra-estruturas urbanísticas, realizadas nas parcelas que integram o domínio público municipal como contrapartida da emissão do alvará de loteamento e como condição à aprovação do mesmo, não constituem, em si mesmas, “por falta de autonomia económica ou jurídica” operações a jusante da actividade da requerente susceptíveis de tributação em IVA, mas sim uma condição gratuita e inseparável das operações tributáveis que a Requerente se propõe realizar”.

A operação de cedência de bens à câmara municipal, nessas condições, onde passam a integrar o domínio público municipal, não está sujeita a IVA porque não configura uma operação autónoma e cindível das operações realizadas no âmbito da exploração do empreendimento em questão.

Mesmo que se entendesse o contrário, sempre a possibilidade de dedução estaria prejudicada por “há muito o facto gerador e a exigibilidade do imposto havia operado – data da emissão do alvará de loteamento”.

Não tem aplicação ao caso concreto o regime especial de exigibilidade do IVA nas empreitadas de obras públicas, previsto no Decreto-Lei n.º 204/97, de 9 de Agosto, pois não estamos perante uma empreitada de obras públicas.

“O IVA incluído nos custos com as infra-estruturas a reverter para o domínio público, sendo aquelas indispensáveis à realização das operações tributáveis a levar a cabo pela Requerente e constituindo-se como um consumo intermédio que concorre para a formação do preço final dos bens e serviços comercializados, é passível de direito à dedução nos termos dos art.ºs 19.º e 23.º do CIVA”.

Deste modo, caracterizando-se a Requerente como sujeito passivo misto, que utiliza o método de afectação real, relativamente ao exercício do direito à dedução, as correcções efectuadas não padecem de qualquer ilegalidade: não sendo possível imputar a um determinado centro de custos da empresa, os custos em causa foram considerados como custos comuns e sujeitos ao critério de repartição fixado e aceite pela Requerente.

No que importa à “invocada violação do disposto no n.º 3 do artigo 68.º-A da LGT, a mesma não ocorreu pura e simplesmente porque, por um lado, as invocadas não são todas elas informações vinculativas, e, por outro lado, não se subsume a situações materialmente idênticas, porque são diferentes os sujeitos passivos nelas intervenientes”.

5 – Posteriormente à apresentação dos articulados, a Requerente requereu a junção de documentos que lhe foi admitida pelo Tribunal Arbitral.

6 – Realizou-se audiência de produção da prova testemunhal oferecida pela Requerente e pela Requerida, nos termos constantes da respectiva acta, tendo os depoimentos prestados sido gravados em registo audiográfico.

7 – O Tribunal Arbitral considerou dispensável a apresentação de alegações orais.

8 – No prazo de resposta sobre a junção de documentos feita pela Requerente, a Requerida AT pediu a junção aos autos de um Estudo efectuado no âmbito do Centro de Estudos Fiscais, que lhe foi deferida.

B – Saneamento do Processo.

O Tribunal é competente.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo.

C – Fundamentação.

1 – Questões decidendas.

As questões cuja pronúncia se impõe ao Tribunal Arbitral são as seguintes:

a) Os serviços de terraplanagem fornecidos por B… e C…, a que se refere a correcção de IVA efectuada pela AT e na parcela de €225.834,33 incluída na liquidação de IVA efectuada pela AT n.º …, e que deram lugar à emissão das facturas identificadas no Quadro 3 do Relatório de Inspecção, dizem respeito a trabalhos de terraplanagem e de movimentação de terras que foram levados a cabo exclusivamente no campo de golfe?

b) Os serviços de execução de um furo de captação de água fornecidos por D…, que deram lugar à emissão das facturas identificadas no Quadro 9 do Relatório de Inspecção Tributária, e que fundamentaram a correcção de IVA, no montante de €9. 243,73, incluídos no valor da liquidação de IVA efectuada pela AT n.º …, dizem respeito a despesas efectuadas, em exclusivo, para a captação de água e fornecimento de água para a rega do campo de golfe?

c) A parcela de IVA correspondente a €16.705,25, incluída no valor de correcção de IVA de €65.804,25, a que se referem as facturas identificadas no Anexo 6 do Relatório de Inspecção, diz respeito a bens e serviços exclusivamente afectos à actividade do golfe?

d) A parcela de IVA correspondente a €30.945,33, incluída no valor de correcção de IVA de 36.384,78, a que se referem as facturas identificadas no Anexo 8 do Relatório de Inspecção, respeita a bens e serviços exclusivamente afectos à actividade do golfe?

e) A parcela de IVA correspondente a €50.650,11, incluída no valor de correcção de IVA de €145.491,50, respeitante a serviços de terraplanagem, montagem e desmontagem de estaleiro e infra-estruturas eléctricas e de telecomunicações, prestados pela sociedade E… Engenharia, diz respeito a bens e serviços de construção civil que a Requerente teve de realizar como contrapartida da concessão do alvará de loteamento e com a preparação da área afecta ao campo de golfe?

f) A liquidação do IVA relativo aos bens e serviços adquiridos pela Requerente correspondentes às parcelas de IVA referidas nas alíneas anteriores sofre de ilegalidade por violação do direito de dedução do imposto?

2 – Matéria de facto.

A - Em face das posições das partes expressas nos articulados, dos documentos integrantes do processo administrativo anexo; dos documentos apresentados na reunião do Tribunal Arbitral do dia 23 de Maio de 2013, e dos depoimentos das testemunhas nela inquiridas, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa:

a) No âmbito da sua actividade de estudo, promoção e realização de projectos imobiliários e turísticos e da sua administração e exploração turística, a Requerente encontra-se a promover o aldeamento turístico de luxo designado “…”, localizado em …, o qual, segundo o alvará de loteamento, integra 456 unidades de alojamento em apartamentos turísticos, 40 unidades de alojamento em hotel e 131 unidades de alojamento em moradias, campo de golfe, outros equipamentos de desporto e de lazer e estabelecimentos comerciais;

b) No alvará de loteamento n.º …/2009, do Município de …, foram estabelecidas como condições de aprovação do loteamento, referido na alínea anterior, a executar pela Requerente: “Os arruamentos incluindo as rotundas do …e a rotunda a norte em substituição do nó existente; a rede de águas pluviais; a rede de esgotos e respectivas estações elevatórias; a rede de distribuição de água de modo a assegurar o abastecimento ao empreendimento incluindo os depósitos; as infra-estruturas de telecomunicações de acordo com o projecto aprovado pela PT- Comunicações – Ref.ª … de 20/6/2008; as infra-estruturas eléctricas nas condições impostas pela …, carta …RCTER de 26/3/09, incluindo os PT´S e as infra-estruturas de gás nas condições impostas pela … - Companhia de Gás …, S.A., Ref.ª DT…de 23/3/2009 e respectivos reservatórios. São cedidos ao Município de … para integração no domínio público 25.019, 70 m2 de terreno destinados: 171,60 m2 para equipamento - furo existente; 2.635,3º m2 para espaços verdes de utilização colectiva; 6. 234,10 m2 para passeios; 262,50 m2 para estacionamento e 15.716,20 m2 para vias existentes. Pela não cedência de áreas destinadas a equipamentos de utilização colectiva e implantação de espaços verdes públicos, o promotor procederá ao pagamento de compensações, nos termos dos artigos 34.º e 35.º do regulamento Municipal sobre o regime jurídico da Urbanização e Edificação”;

c) Para efeitos de IVA, a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal mensal, praticando o método da afectação real de todos os bens e serviços, por realizar operações que conferem direito à dedução, como a exploração do Campo de Golfe, do Hotel e espaços comerciais, e operações isentas que não conferem direito à dedução do imposto incorrido a montante, como a venda/arrendamento de moradias destinadas a habitação;

d) Antes de ter sido objecto de uma inspecção tributária, a Requerente determinou a percentagem do imposto a deduzir em função da área ocupada pelos equipamentos afectos à realização de operações que conferiam direito a dedução – campo de golfe e hotel -, fixando-a em 69,52%, (65,91% relativa ao campo de golfe e 3,61% respeitante ao hotel);

e) Os Serviços de Inspecção Tributária entenderam que o critério referido na alínea anterior não era correcto “à situação e organização concreta do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida, provocando distorções significativas na tributação”, e, tendo-o apurado em função das permilagens constantes do título constitutivo do conjunto turístico atribuído pelo Turismo de Portugal, I.P., fixaram a percentagem de dedução em 33,1% (25,5% relativa ao campo de golfe e 7,6% ao hotel e outros empreendimentos turísticos);

f) A Requerente aceitou o critério e a percentagem de dedução referidos na alínea anterior, tendo procedido à regularização voluntária do IVA indevidamente deduzido relativo aos anos de 2008 e 2009;

g) A Requerente foi objecto de uma inspecção geral pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de …., iniciada em 3 de Outubro de 2011, à sua actividade fiscalmente relevante relativa aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, na sequência da qual foi elaborado o relatório de inspecção, junto aos autos como doc. n.º 1 e constante do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

h) Com base nos fundamentos constantes desse relatório de inspecção tributária, a AT procedeu à liquidação adicional de IVA n.º …, no montante de €492.737,67, e à liquidação de juros compensatórios n.º …, do montante de €25.919,35, notificando-as à Requerente;

i) Essa liquidação adicional deveu-se ao facto de a AT haver considerado como despesas comuns dos sectores isento e não isento diversas facturas, de vários fornecedores, o que determinou que o total de IVA nelas contido fosse considerado dedutível apenas na percentagem de 33,1%.

j) Na sua análise, o relatório de inspecção procedeu à separação das facturas adoptando como critério o montante de IVA deduzido pela Requerente: as facturas cujo IVA deduzido era superior a €5.000,00 foram objecto de exame documental directo dos agentes de fiscalização e as restantes foram analisadas através do programa informático SAFT;

l) Este programa informático SAFT não permite a visualização directa do documento em sistema de pdf: os elementos acessíveis são apenas aqueles que anteriormente hajam sido introduzidos no sistema por operadores informáticos e de acordo com as opções que hajam feito no que toca à descrição dos bens e serviços constantes da respectiva factura;

k) As facturas emitidas por B… e C…, constantes do quadro 3 do relatório de inspecção, dizem respeito a prestação de serviços de terraplanagem e de movimentação de terras efectuados exclusivamente no campo de golfe;

m) As duas facturas emitidas por D…, a que alude o quadro 9 do relatório de inspecção, dizem respeito a prestação de serviços de execução de um furo de captação de água para a rega do campo de golfe;

n) O IVA associado às despesas cujo IVA deduzido pela Requerente é inferior a €5.000,00 encontra-se dividido em duas subcontas (24323 – “IVA dedutível” – e 24324 – “IVA dedutível devido pelo adquirente”);

o) Do total das correcções efectuadas pela AT relativamente aos documentos enquadrados na alínea anterior (de €102.189,03, que se dividem em €65.804,25 relevados na conta 24323 e em €36.384,78 na conta 24324), 47.650,58 (€16.705,25 contabilizados na conta 24323 e 30.945,33 na conta 24324), respeitam a IVA que está associado a despesas efectivamente suportadas e afectas exclusivamente ao campo de golfe, como enrocamento (colocação de perdas nas margens) de lagos artificiais, fornecimento/colocação de estacas de pinho tratado para contenção de areias/terras e construção de passadiços, instalação de quadros eléctricos para as bombas de água instaladas nos furos de captação de água existentes no campo de golfe e de recirculação da água, electrobombas instaladas nos furos de captação de água, infra-estruturas eléctricas do campo de golfe, instalação de monocarril para elevação das bombas de água em caso de avaria; fornecimento de plantas Pinus pinea, Pinus halepensis, Fraxinus angustifolla e Quercus rubra e outras para o campo de golfe; desvio e construção de uma linha de média tensão para evitar que passasse sobre o campo de golfe.

Para dar como assentes os factos fixados nas alíneas anteriores, o Tribunal Arbitral baseou-se numa ponderação crítica dos seguintes elementos de prova:

1 – No que diz respeito às alíneas a) a j) e n), a posição das partes tomadas nos articulados (requerimento inicial e resposta), o documento n.º 1 junto pela Requerente e o relatório de inspecção tributária, constante do processo administrativo e daquele documento;

2 – No que se refere à alínea b), o alvará de loteamento n.º 2/2009, emitido pelo Município de …, constante dos autos, integrando o doc. n.º 4 apresentado pela Requerente;

3 – No que se refere à alínea l) os depoimentos das testemunhas indicadas pela Requerente, …, controlador financeiro da A…, Dr. …, técnico oficial de contas da A…, e das testemunhas indicadas pela AT, Dra. …, inspectora tributária e Dra. … (chefe de equipa), os quais, no exercício das respectivas funções profissionais, estiveram em relação directa com o facto;

4 – No que tange à alínea k), a inspecção documental das facturas em causa efectuada pelo Tribunal Arbitral, o concreto clausulado do contrato de empreitada e do respectivo aditamento celebrado entre o consórcio destes fornecedores e a Requerente, juntos com o doc. n.º 4, e os depoimentos das testemunhas indicadas pela Requerente, Arquitecta …, directora do projecto A…, e …, engenheira, as quais demonstraram ter conhecimento directo dos factos em virtude de terem acompanhado a execução dos trabalhos no terreno e procedido à recolha de elementos a relevar na consequente facturação, intervindo, nomeadamente, em autos de medição dos trabalhos efectuados, bem como, ainda, os depoimentos do Dr. …, controlador financeiro da A…e …, técnico oficial de contas da A…, os quais intervieram no controlo posterior da facturação recebida e no seu tratamento contabilístico; teve-se igualmente em conta que, no contexto dos serviços de terraplanagem e movimentação de terras facturados, só a extensão do terreno destinado à construção do campo de golfe justificava um tal volume de serviços facturados.

5 – No que se reporta à alínea m), o facto de o furo considerado pela AT como integrando as contrapartidas fixadas no referido alvará de loteamento ser um furo já existente no local e não um novo furo a construir, a inspecção das facturas em causa e os depoimentos das testemunhas identificadas na alínea anterior que demonstraram ter conhecimento directo dos factos;

6 – No que diz respeito à alínea o) a análise documental de cada uma das facturas disponibilizadas ao Tribunal, de cuja descrição resulta claro que os bens e serviços nelas mencionados se destinaram ao campo de golfe, bem como os depoimentos das referidas testemunhas oferecidas pela Requerente.

B – O Tribunal Arbitral julga não provado que os fornecimentos de bens/serviços de terraplanagem, montagem, desmontagem de estaleiro e de infra-estruturas eléctricas e de telecomunicações, fornecidos pela E… Engenharia, a que a Requerente reporta o valor de €50.650,11 de IVA, incluído na correcção do valor de €145.491,50 levada a cabo pela AT, digam respeito a bens e serviços executados pela Requerente em cumprimento das contrapartidas estabelecidas no referido alvará de loteamento em favor do Município de ….

A prova documental constante dos autos não permite a segregação dos documentos em função dessa afectação e nenhuma prova testemunhal credível foi produzida sobre quais dos serviços prestados e concretamente facturados por esse fornecedor diziam respeito ao cumprimento das contrapartidas para o Município de ….

3 – Das questões de direito.

Encontrando-se a matéria de facto fixada dada como provada, importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra.

Interessa, em especial, decidir quanto à principal questão a analisar nos presentes autos, a saber: aferir se as despesas em causa deverão ou não ser dedutíveis para efeitos de IVA, tendo em consideração as regras que regem este imposto de acordo com o Direito da União Europeia, com a respectiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo, especialmente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

3.1 No que concerne ao exercício do direito à dedução em IVA, justifica-se tecer algumas considerações prévias, quer sobre a respectiva natureza, quer no que tange ao respectivo exercício por sujeitos passivos mistos.

3.1.1 Da natureza e amplitude do exercício do direito à dedução

Como é sabido, o IVA é um imposto indirecto de matriz comunitária, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo (imposto geral sobre o consumo) 1.

O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica – a neutralidade.

Na realidade, o direito à dedução consubstancia-se como o elemento essencial do funcionamento do imposto, a “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado2, assentando no designado método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtractivo indirecto ou ainda método das facturas. De acordo com este método, e em conformidade com o disposto no artigo 19.º do CIVA, através de uma operação aritmética de subtracção, ao imposto apurado nas vendas e prestações de serviços (outputs) e identificável nas respectivas facturas, deduz-se o imposto suportado nas compras e outros gastos (inputs). Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Directiva IVA (de ora em diante DIVA)3, “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço”. O mecanismo do exercício do direito à dedução permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante, não o reflectindo assim como custo operacional da sua actividade, retirando, desta forma, o efeito cumulativo ou de cascata, propiciando a neutralidade económica do imposto.

De acordo com o previsto na DIVA, o Código do IVA determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos.

As situações expressas de exclusão do direito à dedução são excepcionais e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador nacional em termos taxativos, de acordo com o estatuído na DIVA, em função do tipo de despesas em causa4.

As regras do exercício do direito à dedução do imposto contemplam requisitos objectivos, mais ligados ao tipo de despesas, subjectivos, relativos ao sujeito passivo e temporais, atinentes ao período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, os quais se devem verificar em simultâneo para se exercer o direito à dedução5.

Como requisitos objectivos do exercício do direito à dedução do imposto temos, nomeadamente, o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (ou seja, deverá obedecer, nos seus requisitos, aos termos gerais previstos no artigo 36.º, n.º5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e de a despesa, por si, conferir o direito à dedução do IVA (isto é, não se deve tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA).

Em concreto, no que concerne aos elementos que devem constar das facturas, determina o n.º 5 do artigo 36.º do CIVA, que devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter, nomeadamente, os seguintes elementos : “a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;”

Como requisitos subjectivos do exercício do direito à dedução do imposto determina-se, nomeadamente, que os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade em causa. Em conformidade com o disposto no artigo 168.º da DIVA, transposto, em parte, pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, o sujeito passivo pode deduzir o IVA suportado no Estado-membro em que se encontra estabelecido, nas transmissões de bens e prestações de serviços, assim como operações assimiladas nas aquisições intracomunitárias de bens e nas importações ali localizadas, “Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas (…)”.

Este normativo, em conformidade com as regras do Direito da União Europeia, vem assim exigir que exista um nexo de causalidade entre o bem ou serviço adquirido (input) e o output tributado, para que o IVA seja susceptível de ser dedutível. Isto é, o IVA suportado a montante numa determinada operação só é dedutível na medida em que possa estar relacionada a jusante com uma operação efectivamente tributada, devendo a relação ser aferida em função do reporte e inclusão do custo suportado, no preço da operação tributada.

Neste contexto, o TJUE, no Caso BLP6, concluiu que os bens ou serviços a montante devem apresentar uma relação directa e imediata com uma ou diversas operações sujeita(s) a imposto a jusante, sendo que o direito à dedução do IVA pressupõe que as despesas em causa devam constituir parte integrante dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas.

Inevitavelmente, a análise do alcance daquela expressão “ (…) relação directa e imediata (…)”, deverá ser efectuada casuisticamente, competindo aos órgãos jurisdicionais nacionais aplicar o critério aos factos de cada processo que lhes seja presente e tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenrolam as operações em causa7.

Não obstante, como concluiu o Advogado-geral no Caso Midland Bank, o emprego dos dois adjectivos «directo» e «imediato» não pode deixar de significar uma relação especialmente próxima entre as operações tributáveis efectuadas por um sujeito passivo e os bens ou serviços fornecidos por outro sujeito passivo8.

Contudo, a densidade dessa relação pode ser diferente consoante a qualidade do sujeito passivo e a natureza das operações efectuadas e estas variáveis podem também ter repercussões sobre o ónus da prova da existência da relação, o qual cabe ao operador interessado na dedução.

Assim, de acordo com a jurisprudência do TJUE, sempre que um sujeito passivo exercer actividades económicas destinadas a realizar exclusivamente operações tributáveis, não é necessário, para que se possa deduzir na totalidade o imposto, estabelecer, quanto a cada operação a montante, a existência de uma relação directa e imediata com a operação específica sujeita a imposto9.

O que o legislador apenas exige é que os bens e serviços sejam utilizados ou susceptíveis de o ser “para os fins das próprias operações tributáveis”. Não é necessária a existência de uma relação com uma operação específica tributável, sendo suficiente que exista uma relação com a actividade da empresa.

Ora, a questão de se aferir da existência ou não de uma relação directa e imediata assume particular relevância quando se pretende aplicar o princípio geral da dedução da totalidade do IVA a situações nas quais o sujeito passivo efectua operações tributáveis e/ou isentas e beneficia de bens ou de serviços que podem ser utilizados quer para operações sujeitas a imposto quer para operações isentas10.

Assim, numa primeira fase, deverá aferir-se se a operação a montante sujeita a IVA apresenta uma relação directa e imediata com uma ou várias operações que confiram direito a dedução, pressupondo o reporte do custo daquele no preço das operações.

Caso tal não se verifique, importa, então, analisar se as despesas realizadas para a aquisição dos bens ou serviços a montante fazem parte das despesas gerais ligadas ao conjunto da actividade económica do sujeito passivo, pressupondo a incorporação do seu custo nos preços dos bens ou serviços fornecidos pelo sujeito passivo no âmbito das suas actividades económicas.

Nesse caso, na ausência de uma relação imediata e directa entre os bens ou os serviços e a operação tributável, o direito à dedução está limitado pela aplicação de um pro rata ou é recusado quando a operação a jusante é uma operação isenta.

Como o TJUE concluiu no Caso Midland Bank, quando um sujeito passivo misto não consiga estabelecer, com base em critérios objectivos, a relação directa e imediata com as actividades tributadas, então a operação encontra-se abrangida pelas respectivas actividades (profissionais) gerais, ou seja, pelas operações com finalidade mista11.

Por último, como requisito do exercício do direito à dedução temos ainda o requisito temporal, nos termos do qual “O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível”, permanecendo, no entanto, o requisito cumulativo da posse da factura, ou do recibo de pagamento do IVA que faz parte das declarações de importação.

Por sua vez, de acordo com as regras do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA, estipula-se que confere direito à dedução, designadamente, o imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos e o imposto pago pela aquisição dos serviços referidos nas alíneas e), h), i), j) e l) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.

Em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, conferem, nomeadamente, direito à dedução do IVA as transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas e as transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em operações efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efectuadas em Portugal.

É reconhecido de forma unânime pela jurisprudência do TJUE que o mecanismo do direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do IVA tal como foi desenhado nas Directivas IVA, assumindo um papel fundamental de garantia da neutralidade do imposto e da igualdade de tratamento fiscal12. Assim, é jurisprudência constante do TJUE que, sendo o direito à dedução um elemento fundamental do regime de IVA, só é possível limitar este direito nos casos expressamente previstos pela DIVA e, ainda assim, com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade, não se podendo esvaziar o sistema comum do IVA do seu conteúdo.

Tal como se salienta no Acórdão BP Soupergaz, o chamado método subtractivo indirecto, das facturas, do crédito de imposto ou sistema dos pagamentos fraccionados, é o mecanismo essencial de funcionamento deste tipo de imposto. Como se refere nas conclusões deste Acórdão, “A este respeito, o direito à dedução previsto nos artigos 17. e seguintes da Sexta Directiva, que faz parte integrante do mecanismo do imposto sobre o valor acrescentado, não pode, em princípio, ser limitado e exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante, tem incidência no nível do encargo fiscal e deve aplicar-se similarmente em todos os Estados-Membros, de modo que só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela directiva.” 13

E no Acórdão Comissão/França, o TJUE acrescenta que “As características do imposto sobre o valor acrescentado (…) permitem inferir que o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA”. 14

Note-se ainda que, conforme se salienta no Acórdão Metropol, “59. As disposições que prevêem derrogações ao princípio do direito à dedução do IVA, que garante a neutralidade deste imposto, são de interpretação restrita.” 15

A amplitude do direito à dedução em IVA é tão grande, que constitui acto claro na jurisprudência do TJUE que este deve inclusive ser concedido no tocante às chamadas actividades preparatórias, não se exigindo que a actividade tenha já começado para se poder deduzir o IVA, podendo ser deduzido relativamente a este tipo de acti­vidades16.

Note-se, a este propósito que, de acordo com o entendimento do TJUE, posição que já foi, aliás, subscrita pela Administração Tributária17, o direito à dedução, uma vez adquirido, subsiste mesmo que a actividade económica projectada não dê origem a operações tributáveis ou o sujeito passivo, por motivos alheios à sua vontade, não tenha podido utilizar os bens ou serviços que deram origem à dedução no âmbito de operações tribu­tá­veis18.

Como o TJUE salienta, é a aquisição do bem pelo sujeito passivo, agindo nessa qualidade, que determina a aplicação do sistema do IVA e, portanto, do mecanismo de dedução19. O sujeito passivo actua nessa qualidade quando age para os fins da sua actividade económica, na acepção do artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da DIVA20. Acresce que, como se conclui no Caso Intiem, o mecanismo da dedução do IVA regulado pela Sexta Directiva “deve ser aplicado de tal forma que o seu âmbito de aplicação corresponda, na medida do possível, ao âmbito das actividades profissionais do sujeito passivo”. 21

Isto é, como nota o TJUE, o princípio da neutralidade do IVA, no que se refere à carga fiscal da empresa, exige que as despesas de investimento efectuadas para as necessidades e para os objectivos de uma empresa sejam consideradas actividades económicas conferindo um direito à dedução do IVA imediato22.

Importa ainda notar que, em conformidade com a jurisprudência do TJUE, o princípio da neutralidade do IVA exige que a dedução do imposto pago a montante seja concedida caso os requisitos substanciais tenham sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Neste contexto, de acordo com o TJUE, desde que a Administração Fiscal disponha dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário das operações, é devedor do IVA, não pode impor, no que diz respeito ao seu direito à dedução, condições adicionais que possam ter por efeito a inviabilização absoluta do exercício desse direito23.

Em resumo, da jurisprudência do TJUE resulta claro que o exercício do direito à dedução do IVA é um direito fundamental, que não pode ser limitado senão nos casos expressamente permitidos pelas normas do Direito da União Europeia ou pelos princípios gerais de direito aceites neste domínio, como o princípio do abuso de direito.

3.1.2 Do exercício do direito à dedução por sujeitos passivos mistos

Como refere o Advogado-geral F. G. Jacobs, nas suas conclusões apresentadas no Caso Charles e Charles-Tigmens, São objecto de regulação dois tipos de utilização «mista». Por um lado, há situações em que um sujeito passivo adquire bens ou serviços no decurso da sua actividade e os afecta parcialmente para fins empresariais e parcialmente para fins estranhos à empresa. Por outro lado, há também as situações em que uma empresa realiza tanto operações que são tributadas como operações que não são tributadas a jusante.” 24

Existem ainda situações em que os referidos inputs, em função da sua natureza, são afectos, simultaneamente, à esfera profissional do sujeito passivo e à sua esfera particular, no âmbito dos denominados “consumos privados”.

Em tais circunstâncias, o exercício do direito à dedução, em função da natureza mista dos inputs, deverá, necessariamente, assentar numa relação de proporcionalidade com as operações a jusante que conferem direito à dedução.

Vimos que o direito à dedução do IVA está circunscrito à afectação, ainda que parcial, das despesas em causa a operações que confiram direito a dedução, que se encontram enunciadas no artigo 20.º do CIVA e nos artigos 168.º e 169.º da DIVA.

Por outro lado, o exercício deste direito encontra-se condicionado à existência de uma relação directa e imediata entre os bens e serviços adquiridos (inputs) e as operações que, enquadrando-se no conceito de actividade económica, são tributadas.

Ora, caso seja possível estabelecer um nexo objectivo entre a operação a montante e a operação a jusante, de tal forma que o custo da primeira seja integralmente reflectido no preço da segunda (“direct attribution of the input tax” na terminologia britânica), o IVA suportado ou será deduzido na íntegra ou totalmente excluído do direito à dedução.

Assim, caso um sujeito passivo suporte IVA em aquisições de bens ou serviços e os utilize numa actividade não tributada, por se encontrar isenta (isenção simples, do tipo consignado nos artigos 9.º ou 53.º do CIVA), não obstante estar sujeita ou simplesmente não se encontrar sujeita, o IVA suportado não será, consequentemente, dedutível, dado que o custo dos bens ou serviços não será repercutido no preço praticado em operações efectivamente tributadas.

Caso se constate não ser possível estabelecer um nexo objectivo entre a operação a montante e a operação a jusante “(…) por respeitar a bens e serviços que são ou serão usados tanto em operações do primeiro como do segundo tipo, esse qualificar-se-á como “residual” e será então objeto de “repartição”(apportionment)(…)”25.

Poderá assim suceder que o sujeito passivo tenha despesas de IVA afectas conjunta ou simultaneamente a actividades económicas (sujeitas a imposto) e a actividades não económicas (não sujeitas a imposto), ou mesmo na esfera das actividades económicas, afectos conjuntamente a operações tributadas e não tributadas.

Ora, a dedução será parcial se tais inputs forem mistos, isto é, se forem imputados pelos sujeitos passivos (“sujeitos passivos mistos”)26, simultaneamente, a actividades que conferem direito a dedução a par de actividades que não o conferem por se encontrarem isentas de IVA ou, simplesmente, fora do seu campo de incidência.

O exercício do direito à dedução do IVA pelos sujeitos passivos mistos deverá ser proporcional às operações que conferem direito a dedução. Nestas circunstâncias, como se prevê no n.º 1 do artigo 173.º da DIVA, “No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (…)”.

O artigo 23.º do CIVA veio transpor aquela regra27.

Existem duas hipóteses de alcançar esta proporcionalidade e concretizar os limites do direito à dedução por parte de um “sujeito passivo misto”, uma separação ex ante ou uma separação ex post entre actividades que conferem direito a dedução e actividades que não conferem esse direito28.

No contexto da separação ex ante encontra-se o método da afectação real, que consiste essencialmente numa separação contabilística tendo por referência critérios objectivos de repartição dos inputs, de acordo com o qual a autonomização do IVA dedutível no âmbito do IVA suportado pelo sujeito passivo misto deverá efectuar-se por via de uma proporção, em que se pondera a afectação dos inputs a cada uma das actividades (que confiram ou não direito à dedução), por forma a reflectir a real utilização de cada umas das despesas, tendo por base a utilização de chaves de repartição (cost drivers na terminologia contabilística) determinadas em função de indicadores ajustados. Este método encontra-se previsto no n.º 2, do artigo 23.º do CIVA, tendo a Lei do OE para 2008 aditado à redacção daquele articulado a expressão “ (…) com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.

Nestes termos, este método de dedução coloca como premissa a existência de uma conexão directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução.

A DIVA consigna a possibilidade/obrigatoriedade de utilização deste método na alínea c), do n.º 2, do artigo 173.º, à luz da qual o Estado-membro pode “ (…) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (…)”.

O legislador nacional não especifica a técnica ou técnicas adequadas a utilizar.

A AT, no Ofício-Circulado n.º 30103 de 23 de Abril de 2008, indica, a título meramente exemplificativo os seguintes critérios objectivos, assentes em pressupostos físicos: Área ocupada; Número de elementos de pessoal afecto; Massa salarial; Horas-máquina; Horas-homem. No entanto, os critérios enunciados são meramente exemplificativos, devendo admitir-se uma multiplicidade de critérios, seleccionando-se aquele que melhor reflicta, no pressuposto da neutralidade, a real afectação dos inputs, aferida pela repercussão do seu custo nas operações a jusante.

Por outro lado, nada obsta à utilização deste método em determinados inputs cuja natureza assim o permita, deixando o método do pro rata para outros consumos em que a aplicação desta metodologia não se mostre eficiente.

Já no contexto da separação ex post, em conformidade com o método da percentagem de dedução ou pro rata, previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 23.º do CIVA, toma-se como referência, no seu numerador, o montante anual das operações que conferem direito a dedução, ponderado em função da totalidade das operações que se insiram no conceito de actividade económica29.

A utilização de ambos os métodos só se verifica quando estamos na presença de inputs com IVA que não possuem uma relação directa e exclusiva com operações que conferem ou não o direito a dedução do IVA.

Com efeito, a qualificação como “sujeito passivo misto”, na sua acepção em sentido estrito, da qual deve resultar uma delimitação proporcional do IVA suportado, delimita-se à utilização mista dos bens/serviços, não resultando do simples facto de determinado sujeito passivo exercer simultaneamente actividades (operações) que conferem direito a dedução e outras que não conferem esse mesmo direito.

Seja qual for a metodologia utilizada na repartição dos inputs mistos, afectação real ou pro rata, o sujeito passivo deverá autonomizar as actividades que conferem direito a dedução e as que não conferem.


 

4 - Aplicação ao caso concreto

Considerando a matéria de facto dada como provada e a matéria de direito vinda de enunciar, importa aferir da legitimidade da pretensão da Requerente para deduzir o IVA suportado, bem como concluir quanto ao direito a ser indemnizada pela prestação das garantias bancárias apresentadas para suspender a execução fiscal, instaurada na sequência dos actos de liquidação.

4.1 Como vimos, a Requerente configura-se para efeitos de IVA como um sujeito passivo misto que aplica o método da afectação real para efeitos de exercício do direito à dedução das despesas comuns, baseando-se, com fundamento em acordo com a AT, no critério das permilagens constantes do título constitutivo de conjunto turístico.

De acordo com este critério, o IVA suportado com as despesas comuns é dedutível na percentagem de 33,1% (25,5% relativo ao campo de golfe e 7,6% ao hotel), sendo o complementar não dedutível (66,9% referente ao sector imobiliário).

A Requerente separa os registos contabilísticos dos encargos constantes nos documentos de despesa por centro de custo, atribuindo-lhes códigos (2001 – promoção imobiliária; 2003 – campo de golfe; 2003 – hotel).

A AT para proceder à liquidação correctiva classificou diversas despesas como despesas comuns.

Contudo, tal actuação padece parcialmente de ilegalidade, dado que, como ficou provado, algumas dessas despesas têm uma ligação directa e imediata exclusiva com o exercício de uma actividade económica tributada em IVA – a actividade referente ao campo de golfe, pelo que o IVA incidente sobre as mesmas deve ser directamente deduzido na sua totalidade, conforme o explicitado supra.

Encontram-se nessa situação, estando, conforme o referido supra, devidamente sustentadas em meios de prova:

  1. O IVA constante das facturas emitidas por B… e C…, constantes do quadro 3 do relatório de inspecção, que se reportam à prestação de serviços de terraplanagem e de movimentação de terras efectuados exclusivamente no campo de golfe, sendo, consequentemente, totalmente dedutível;

  2. O IVA constante das duas facturas emitidas por D…, a que alude o quadro 9 do relatório de inspecção, que se reportam à prestação de serviços de execução de um furo de captação de água para a rega do campo de golfe sendo, consequentemente, totalmente dedutível;

  3. No tocante ao IVA associado às despesas cujo IVA deduzido pela Requerente inferior a €5.000,00, que se encontra dividido em duas subcontas (24323 – “IVA dedutível” – e 24324 – “IVA dedutível devido pelo adquirente”), do total das correcções efectuadas pela AT relativamente aos documentos enquadrados nesta situação (de €102.189,03, que se dividem em €65.804,25 relevados na conta 24323 e em €36.384,78 na conta 24324), 47.650,58 (€16.705,25 contabilizados na conta 24323 e 30.945,33 na conta 24324), respeitam a IVA que está associado a despesas efectivamente suportadas e afectas exclusivamente ao campo de golfe, como enrocamento (colocação de perdas nas margens) de lagos artificiais, fornecimento/colocação de estacas de pinho tratado para contenção de areias/terras e construção de passadiços, instalação de quadros eléctricos para as bombas de água instaladas nos furos de captação de água existentes no campo de golfe e de recirculação da água, electrobombas instaladas nos furos de captação de água, infra-estruturas eléctricas do campo de golfe, instalação de monocarril para elevação das bombas de água em caso de avaria; fornecimento de plantas Pinus pinea, Pinus halepensis, Fraxinus angustifolla e Quercus rubra e outras para o campo de golfe; desvio e construção de uma linha de média tensão para evitar que passasse sobre o campo de golfe.

Assim sendo, não pode o acto tributário deixar de ser parcialmente anulado por erro nos seus pressupostos de facto e de direito.

 

4.2 Tendo, por um lado, a Requerente, no que concerne ao IVA respeitante aos serviços prestados por B… e C…., limitado o seu pedido ao montante de €225.834,33 e, por outro lado, cabendo esse valor no montante do acto de liquidação impugnado, praticado pela AT, não há que emitir pronúncia sobre o erro de contabilização alegado pela Requerente e refutado pela AT, respeitante à dedução associada a tais serviços.

Do mesmo passo, não procedendo a alegação da Requerente relativamente à não dedução, na totalidade, do IVA suportado pelos serviços prestados pela E… Engenharia, está prejudicada a questão de saber se, no apuramento do IVA respeitante a esses serviços, ocorre o erro de contabilização apodado pela Requerente.

4.3 Considerando a matéria dada como provada e não subsistindo dúvidas sobre a interpretação do Direito da União Europeia implicado nas disposições do CIVA convocáveis para a decisão, conclui-se não se encontrarem preenchidas as condições para a formulação de reenvio interpretativo prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

4.3 Incumbe, finalmente, ao Tribunal determinar se a Requerente tem direito a ser indemnizada pela prestação da garantia bancária apresentada para suspender a execução fiscal, instaurada na sequência dos actos de liquidação.

 

Estamos perante uma questão cujo recorte factual e jurídico é em tudo idêntico ao que foi conhecido no Proc. n.º 72/2012-T julgado por este Tribunal, cujos termos e conclusões se acolhem na sua totalidade na situação vertente.

Discorreu-se no aludido processo pela seguinte forma:

 

Nota-se, todavia, que a Requerente não alegou qual o prejuízo que derivou da prestação das garantias bancárias. Dito por outras palavras, qual a comissão que teve de suportar junto do Banco pela prestação das garantias bancárias, a fim de poder suspender a execução da liquidação adicional do IVA impugnado.

O Tribunal pode, contudo, segundo as regras da normalidade e da experiência comum, pressupor a existência real de um prejuízo pela prestação de garantia bancária.

O que, aliás, decorre do artigo 53.º da Lei Geral Tributária (LGT), que determina que o devedor que “(...) ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação (...)”.

Por outro lado, a indemnização, segundo o mesmo artigo, “(...) tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios (…)”.

Ignorando-se qual o montante da comissão paga sobre o valor garantido e não podendo o Tribunal Arbitral apurar se o mesmo é inferior ou superior ao limite máximo, fica impossibilitado de fazer a sua quantificação.

Este circunstancialismo, todavia, não põe em causa o direito da Requerente de ver ressarcidos os custos que suportou com a prestação das garantias, na parte correspondente à parcela anulada do acto tributário, devendo os mesmos ser apurados no momento em que a Requerida liberte a garantia, nos limites abstractos do artigo 53.º, n.º 3 da LGT, e ser liquidados em execução de sentença. Deve, por conseguinte, ser julgado procedente o pedido de indemnização formulado pela Requerente, na parte correspondente à parcela anulada do ato tributário.

 

D. DECISÃO

 

Em face do exposto, acorda o colectivo dos árbitros do Tribunal Arbitral em julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que anula os actos tributários relativos às liquidações de IVA ilegalmente efectuadas, na expressão constante do ponto 4.1.supra, bem como os juros compensatórios liquidados sobre tais liquidações, e condena a Requerida AT no pagamento à Requerente da indemnização pela prestação da garantia bancária, na parte correspondente à parcela anulada do acto tributário, sendo esta no montante dos custos efectivamente suportados pela Requerente com essa correspondente prestação, mas tendo como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista no n.º 4 do artigo 43.º da LGT.

 

Valor da causa: € 359.298,10

Custas no montante de € 6.120,00, a suportar pela Requerente e pela Requerida em função do respectivo decaimento, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2, do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º, n.º 3, do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, cabendo à Requerente 15,19% e à Requerida 84,81%.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 5 de Julho de 2013

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por nós revistos.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

* * *

 

 

Os Árbitros,

 

 

(Benjamim Silva Rodrigues)

 

 

(Clotilde Celorico Palma)

 

 

(Daniel Taborda)

1 Cfr., XAVIER DE BASTO, A tributação do consumo e a sua coordenação internacional, CCTF n.º 164, Lisboa 1991, p. 39 a 73 e CLOTILDE CELORICO PALMA, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF n.º1, Almedina, 5ª edição, Julho 2011, pp. 17 a 29.

2 Cfr. XAVIER DE BASTO, A tributação do consumo …, p. 41.

3 Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro, publicada no JO n.º L 347, de 11 de Dezembro de 2006.

4 Cfr. MÁRIO ALEXANDRE, “Imposto sobre o Valor Acrescentado, Exclusões e Limitações do Direito à Dedução”, Ciência e Técnica Fiscal, 350, Abril-Junho, e CLOTILDE CELORICO PALMA, “IVA – Algumas notas sobre as exclusões do direito à dedução”, Fisco n.ºs 115/116, Setembro 2004.

5 Sobre estas regras vide, XAVIER DE BASTO e MARIA ODETE OLIVEIRA, “Desfazendo mal-entendidos em matéria de direito à dedução de Imposto sobre o Valor Acrescentado: As recentes alterações do artigo 23.° do Código do IVA”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, RITA LA FERIA, “A Natureza das Actividades e Direito à Dedução das Holdings em Sede de IVA”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 4, n.º 3, 2012, pp. 171-197, RUI LAIRES, “Acórdão do Tribunal De Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), de 13 de Março de 2008 (Processo c-437/06, Caso Securenta) ”, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 421, Janeiro-Junho, 2008, pp. 209-264, “Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), de 12 de Fevereiro de 2009 (Processo C-515/07, Caso VNLTO)”, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 423, Janeiro-Junho, 2009, pp. 253-294,ALEXANDRA MARTINS “As operações relativas a participações sociais e o direito à dedução do IVA. A jurisprudência SKF”, Estudos em memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Coimbra Editora, Volume IV, 2011 e EMANUEL VIDAL LIMA, “Dois casos sobre o direito à dedução em IVA”, livro de homenagem à Dra. Teresa Graça Lemos, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Junho de 2007, pp. 113 a 122.

6 Acórdão de 6 de Abril de 1995, Proc. C-4/94, Colect., p. I-983, n.ºs 18 e 19. Estava em causa o alcance da expressão “ (…) utilizados para (…)”, empregue no artigo a que actualmente corresponde o artigo 168.º da DIVA.

7 Conforme referiu o TJUE no Caso Midland Bank, Acórdão de 8 de Junho de 2000, Proc. C-98/98, Colect., p. I- 4177, n.º 25.

8 Conclusões do Advogado-geral António Saggio apresentadas em 30 de Setembro de 1999 no Caso Midland Bank, cit., n.º 29.

9 Cfr. JEAN-PIERRE MAUBLANC, « Déduction de la TVA d´amont : l´exigence d´un lien direct et immédiat est-elle justifiée ? », Revue du Marché commun et de l´Union européenne, n.º 494, 2005.

10 Cfr. RUI BASTOS, O direito à dedução do IVA, O caso particular dos inputs de utilização mista, dissertação de mestrado em Fiscalidade apresentada em 30 de Julho de 2012, na Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, pp. 46 e 47.

11 Veja-se que, no caso particular dos serviços de utilização mista, concretamente a locação de uma viatura, o TJUE considerou no Caso Eon Aset (Acórdão de 16 de Fevereiro de 2012, Proc. C‑118/11, ainda não publicado na Colectânea) que é igualmente admitido o direito à dedução em favor do sujeito passivo, mesmo que não exista uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante que conferem direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços por ele prestados. Esses custos têm uma relação directa e imediata com toda a actividade económica do sujeito passivo.

12 Sobre o exercício do direito à dedução e a jurisprudência do TJUE, veja-se CLOTILDE CELORICO PALMA, “IVA – Algumas notas sobre os limites das exclusões do direito à dedução, Fisco n.ºs 115/116, Setembro de 2004.

13 Acórdão de 6 de Julho de 1995, Caso BP Soupergaz, Proc.C-62/93, Colect., p. I-188, n.º 16.

14 Acórdão de 21 de Setembro de 1988, Proc. 50/87, Colect., p. 04797, n.º15.

15 Cfr. o n.º 59 do Acórdão de 8 de Janeiro de 2002, Caso Metropol, Proc.C-409/99, Colect., p. I-00081.

16 Veja-se, a este propósito, nomeadamente, o Acórdão de 14 de Fevereiro de 1985, Caso Rompelman, Recueil 1985, p.00655. Nos casos Lennartz (Acórdão de 11 de Julho de 1991, Proc. C-97/90, Colect, p. I-03795), Inzo (Acórdão de 29 de Fevereiro de 1996, Proc. C-110/94, Colect., p. I-857), e Gabalfrisa (Acórdão de 21 de Março de 2000, Proc.s apensos C-110/98 a C-147/98, Colect., p. I-1577), suscitaram-se questões análogas às do Caso Rompelman, designadamente o âmbito de aplicação do conceito de actividade económica e a inclusão dos actos preparatórios neste conceito, tendo o Tribunal confirmado esta jurisprudência. Mais recentemente veja-se, nomeadamente, o Acórdão de 22 de Março de 2011, Caso Klub Ood, Proc. C-153/11, ainda não publicado na Colectânea.

17 Veja-se no Proc. C503 2002012, disponível no site da AT em Informações fiscais, Informações vin­culativas, IVA.

18 Veja-se a este propósito, igualmente, o Acórdão de 15 de Janeiro de 1989, Caso Ghent Coal Terminal, Proc. C-37/95, Colect., p.I-1.

19 V., neste sentido, Casos, já referidos, Lennartz, n.° 15, e Eon Aset, n.° 57.

20 V., neste sentido, Acórdão de 8 de Março de 2001, Caso Bakcsi, Proc. C‑415/98, Colect., p. I‑1831, n.° 29. A questão de saber se o sujeito passivo agiu nessa qualidade é uma questão de facto que deve ser apreciada tendo em conta todos os dados da situação em causa.

21 Acórdão de 8 de Março de 1988, Caso Intiem, Proc. 165/86, Colect., p. 1471, n.º 14.

22 V., neste sentido, Caso Rompelman, já referido, n.° 22, e Acórdão de 23 de Abril de 2009, Caso Puffer, Proc., C‑460/07, Colect., p. I‑3251, n.° 47.

23 V., Acórdãos de1 de Dezembro de 1998, Caso Ecotrade, Proc. C-200/97, Colect., p. I.-7907, n.ºs 63 e 64, de 21 de Outubro de 21010, Caso Nidera, Proc. C-385/09, Colect., p. I-0385, n.° 42, de 22 de Dezembro de 2010, Caso Dankowski, C-438/09, Colect., p. I-14009, n.° 35, e Acórdão de 12 de Julho de 2012, Caso SEM, Proc. C-284/11, ainda não publicado na Colectânea, n.º 63).

24 Conclusões do Advogado-geral F. G. Jacobs, apresentadas em 20 de Janeiro de 2005, no Proc. C-434/03, Caso Charles e T. S. Charles-Tijmens, n.º 11.

25 Cfr. XAVIER DE BASTO e ODETE OLIVEIRA, “Desfazendo mal-entendidos em matéria de direito à dedução…”, p.48.

26 Mixed taxable person, assujettis mixtes ou gemischt steuerpflichtigen. Esta expressão não é utilizada pelo legislador, mas é recorrente na doutrina, nas instruções administrativas emanadas pela AT e nos arrestos do TJUE.

27 A redacção do artigo 23.º do CIVA sofreu uma grande alteração através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que veio aprovar o OE para 2008, na sequência das propostas constantes do relatório "A dedução do IVA pelos sujeitos passivos que exercem actividades que conferem direito à dedução e actividades que não conferem esse direito", elaborado por ANA MARIA FERREIRA, EMÍLIA GONÇALVES e RUI LAIRES, publicado na Ciência e Técnica Fiscal, n.º 418, DGCI/Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 2006, pp. 237-357. Esta alteração legislativa foi objecto de esclarecimento através do Ofício-Circulado n.º 30 103, de 23/04/08.

28 Cfr. SALDANHA SANCHES e TABORDA DA GAMA, “Pro rata revisitado: Actividade económica, actividade acessória e dedução do IVA na jurisprudência do TJCE”, Ciência e Técnica Fiscal, 417, Janeiro-Junho, 2006, p. 110.Concluindo pela primazia na aplicação do método da afectação real, XAVIER DE BASTO e ODETE OLIVEIRA referem que, “(…) a leitura correcta destas normas obriga a considerar esses procedimentos previstos na directiva por ordem crescente de “finura” em termos de resultado a obter, constituindo a regra do pro rata, portanto, segundo esta leitura, a que conduz ao resultado menos rigoroso – e por isso ela é a regra aplicável sempre que não seja possível outro procedimento com resultado mais adequado.” (Cfr. XAVIER DE BASTO e ODETE OLIVEIRA, Desfazendo mal -entendidos em matéria de direito à dedução de Imposto”, p. 49). A Administração Fiscal desde sempre entendeu a aplicação prioritária do pro rata em detrimento da afectação real, Interpretação esta sufragada pelo STA quando refere, em acórdão de 25 de Maio de 2011, Proc. 169/11 que “O primeiro método (pro rata) constitui a regra geral, podendo o segundo resultar de opção do contribuinte ou de imposição da Administração Tributária.” Esta posição foi invertida na sequência da alteração incutida ao art.º 23.º do CIVA. Efectivamente, os métodos do “pro rata” e “afectação real” são actualmente vistos pela Administração Fiscal, no âmbito do exercício de uma actividade económica, num plano de igualdade, de utilização facultativa.

29 Refere assim o n.º 4, do artigo 23.º do CIVA, na enunciação daquela fracção, que, “A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.”