Decisão Arbitral
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 422/2015-T
Tema: IMT, isenção de IMT, empreendimentos qualificados de utilidade turística, Nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei 423/83, de 05 de Dezembro
Partes
Requerente – A…, LDA. NIPC PT …, com sede da Rua …, n.º …, … Lisboa.
Requerida – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).
I. RELATÓRIO
a) Em 08-07-2015, a Requerente entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).
b) O pedido está assinado por advogado em representação da Requerente.
O PEDIDO
c) A Requerente pede a anulação das liquidações oficiosas de IMT (colecta do imposto e juros), relativa à transmissão onerosa das fracções autónomas designadas pelas letras “…” e “…” (integradas no Empreendimento Turístico denominado “B…”) do prédio urbano sito em …, freguesia e concelho de ..., inscritas na matriz predial sob os artigos … e … freguesia de ..., ocorrida por escritura pública de 04.07.2012, pelo preço de 305 120.00 euros, que lhe foi notificada pelo ofício nº … de 12.11.2014, no montante de 19 832,80 euros, acrescidos dos juros compensatórios no valor de 1 719,20 euros, o que totaliza 21 552,00 euros.
d) O pedido de pronúncia arbitral foi precedido de reclamação graciosa, apresentada contra as liquidações em 26.02.2015, que veio a ser inferida pela AT conforme notificação recebida pela Requerente em 09.04.2015.
e) Aduzindo que o Serviço de Finanças de Loures emitiu o DUC à taxa zero de IMT (isenção) em 29.06.2012, mediante declaração de liquidação de IMT (entregue também em 29.06.2012), assaca desconformidade das liquidações face à lei, invocando, essencialmente: 1 – ilegalidade uma vez que os imóveis se destinam a instalação de empreendimento turístico; violação das legítimas expectativas e garantias anteriormente constituídas com a emissão do DUC à taxa zero (isenção de IMT); violação do princípio da confiança e segurança jurídica ínsitos no Estado de Direito; violação do princípio da legalidade tributária e violação da proibição da retroactividade de lei fiscal e da certeza e segurança jurídica – artigo 12º da LGT e artigo 103º - 3 da CRP.
DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)
f) O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 16-07-2015.
g) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 28-08-2015. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
h) Pelo que o Tribunal Arbitral Singular (TAS) se encontra, desde 14-09-2015, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
i) Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 14-09-2015 que aqui se dá por reproduzida.
j) Logo em 14-09-2015 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 19.10.2015 juntando o PA, composto por 6 ficheiros informatizados.
k) Ambas as partes prescindiram da realização da reunião de partes a que se alude no artigo 18º do RJAT: a AT requereu a sua dispensa e a Requerente, notificada para manifestar a sua posição face ao requerido, deu o seu assentimento. No entanto o TAS, face ao conteúdo da resposta da AT, entendeu ser prudente fixar, por despacho de 19.10.2015, prazo de 10 dias para a produção de alegações escritas e sucessivas.
l) Quer a Requerente, quer a Requerida, optaram por não apresentar alegações formais, mas reiteraram as posições já defendidas, respectivamente, no pedido de pronúncia e na resposta.
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
m) Legitimidade, capacidade e representação - As partes gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
n) Contraditório - A AT foi notificada nos termos do inciso j). Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD.
o) Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT. Com efeito,
A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa pelo ofício … de 07-04-2015, recebido em 09.04.2015. A AT não colocou em crise esta data. O presente pedido entrou no CAAD no dia 08.07.2015. Não existindo no processo qualquer outro elemento que permita concluir que a entrega do pedido de pronúncia no CAAD, no dia indicado foi intempestivo, o TAS considera verificado este pressuposto processual.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE
p) A Requerente propugna no sentido de que a aquisição das duas fracções autónomas do bem imóvel acima indicado beneficia da isenção de IMT constante do artigo 20º do Decreto-Lei 423/83, de 05.12, alegando tratar-se de facto interruptivo da tributação “dirigido a beneficiar a concretização do processo de instalação de empreendimentos de utilidade pública” e foi nesse pressuposto de funcionamento da norma isentiva que as adquiriu.
q) Acrescendo que o SF de Loures-… “confirmou e validou a aplicação da isenção de IMT”, tendo o documento de liquidação à taxa zero sido apresentado ao Notário que também validou a aplicação da isenção de IMT.
r) Reitera que a aquisição “foi efectuada tendo em vista instalação do empreendimento turístico integrado pelas fracções autónomas destinadas a exploração turística”.
s) Uma vez que a “utilidade turística” do empreendimento foi reconhecida pelo prazo de 36 meses, contados desde 08 de Abril de 2010, data da publicação do despacho nº …/2010 do Gabinete do Secretário de Estado do Turismo de ……..2010, publicado no DR, 2ª Série, nº …, de … de … de 2010, a aquisição das fracções autónomas foi realizada no período de vigência temporal da “utilidade turística”, concluindo que por esta razão “destinou-se a permitir a continuidade do processo de instalação do empreendimento”.
t) Entende que a AT o induziu em erro “quando concedeu a isenção de pagamento de IMT previamente à celebração da escritura pública em causa” e agora procede à liquidação do imposto.
u) Aduz ainda a inexistência de orientações genéricas da AT quanto à matéria e que por força do nº 4 do artigo 68ºA da LGT se impunha a sua publicação, tendo em conta que os fundamentos invocados para a emissão da liquidação são retirados de um acórdão uniformizador de jurisprudência, o que considera ser uma formalidade essencial relativa à formação da vontade administrativa.
v) E que essa omissão poderia ter permitido à Requerente a autoliquidação do imposto ora em causa, o que considera integrar violação do princípio da colaboração entre administração e administrados.
w) Defende que, por não existir entendimento publicado pela AT sobre esta matéria, ocorre violação do princípio da actuação de boa-fé (nº 2 do artigo 226º da CRP).
x) Considera que a notificação das conclusões do Relatório da Inspecção Tributária, por ofício de 12.11.2011, revogou o “acto administrativo de concessão de isenção de IMT” e que esta revogação de benefício fiscal foi feita para além do prazo de 1 ano (artigos 136º e 141º do CPA).
y) Assacando, por isso, a ilegalidade da revogação da isenção de IMT, já que este acto revogatório, ocorreu mais de um ano depois do concedente da isenção.
z) Termina pedindo a anulação ou declaração de nulidade da liquidação de IMT com as legais consequências.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA
aa) Contrapõe a Requerida que, resulta do “contrato de cessão de exploração turística e de gestão de imóveis” junto em anexo ao pedido de pronúncia, tal como se considerou no relatório final da inspecção tributária, à data da aquisição das fracções do empreendimento turístico, este já se encontrava instalado e em fase de funcionamento.
bb) Dissentindo da leitura que a Requerente faz do âmbito de aplicação da norma isentiva de IMT, avoca em apoio do seu ponto de vista, uma decisão do STA (de 23.01.2013 – processo 0968/12) onde se conclui, quanto à data da aquisição que é “… indiferente se esta ocorreu antes ou depois de o empreendimento já estar instalado e em funcionamento”, relevando isso sim, para efeitos da referida isenção, se a aquisição da fracção se destinou à instalação de um empreendimento turístico ou antes, à sua exploração.
cc) Estando em causa neste processo determinar o sentido e alcance da norma contida no artigo 20º, nº 1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05/12, no que se refere ao inciso “aquisições de prédios ou fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística”, conclui que o legislador apenas quis abranger com esta norma as aquisições destinadas à “instalação” de empreendimentos, como resulta claro do elemento literal.
dd) E aduz em defesa deste entendimento, mais uma vez, o texto do acórdão do STA de 23.01.2013 tirado no processo acima indicado, no que à definição da expressão “instalação” diz respeito (por contraposição ao “funcionamento” e “exploração”) que quer significar “as operações e os procedimentos tendentes à construção/criação de empreendimentos turísticos”.
ee) E que, mesmo que assim não fosse – voltando a citar o texto do acórdão do STA acima indicado - “eventuais vendas das unidades de alojamento realizadas ainda durante a fase de construção/instalação do empreendimento já fazem parte da exploração do mesmo.”
ff) Contesta a alegação da Requerente de que a concessão da isenção era fundamental para a decisão de aquisição da fracção, contrapondo que lhe cometia suscitar à AT, ao abrigo do artigo 68.º da Lei Geral Tributária (LGT) que se pronunciasse previamente e a título vinculativo.
gg) Rematando que “não o tendo feito nos termos legalmente admissíveis, não pode agora invocar o entendimento de que a AT tinha que emitir uma orientação genérica quanto à questão controvertida, alegando que essa suposta omissão vicia o acto de liquidação”.
hh) Discorda ainda da invocada violação dos princípios da segurança e da certeza jurídicas ou da existência de um injustiça grave, quer porque se poderia lançar mão do prévio pedido de informação vinculativa, antes da escritura aquisitiva dos bens, quer porque o facto do notário e o conservador do registo predial não colocarem entraves à realização dos actos de suas responsabilidades pela não liquidação de IMT, não investe a Requerente num direito ou em legítima expectativa susceptível de fundamentar o direito a indemnização.
ii) Sobre a invocada ilegalidade de revogação de um benefício fiscal já concedido e consolidado na ordem jurídica, sustenta o carácter automático deste benefício, não podendo integrar a sua atribuição um acto administrativo, pelo que a sua cessação nunca poderia operar por acto administrativo expresso ou tácito.
jj) Esclarece, citando parte de decisão arbitral do CAAD, processo 104/2014-T, que o direito à liquidação do IMT é “originário” nos termos do artigo 35º-1 do CIMT e artigo 45º - 1 e 4 da LGT (no prazo de 8 anos contados da ocorrência do facto tributário).
kk) Termina referindo que “a intervenção, quer do Notário, quer do Conservador, enquanto entidades públicas que no exercício da sua função interpretam e aplicam o direito, não confere ao Requerente uma qualquer legítima expectativa juridicamente protegida quanto à interpretação que possam fazer sobre o enquadramento jurídico-tributário da aquisição em apreço”, desvalorizando o facto da escritura e registo predial terem sido levados a efeito sem a liquidação do IMT, pelo facto de que estas “entidades apenas intervêm no exercício de uma função meramente fiscalizadora do cumprimento das obrigações fiscais, de harmonia com o consignado no artigo 54º do CIMT”.
II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR
• Quanto à questão de fundo – a delimitação do âmbito de aplicação da norma isentiva contida no nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro.
O TAS está subordinado ao “direito constituído” conforme nº 2 do artigo 2º do RJAT.
A questão de fundo trazida à discussão neste processo – que se resume à delimitação do âmbito de aplicação da norma isentiva contida no nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro – é matéria que este TAS só pode decidir de acordo com a jurisprudência firmada pelo STA e que é maioritária no CAAD.
A jurisprudência do STA é clara: a norma isentiva aqui em causa apenas abrange a “instalação” e não a “exploração”. E as situações como a que ocorreu com a Requerente cabem na noção de “exploração”, logo, fora do âmbito de aplicação do benefício fiscal.
Face a uma matéria com tanta unanimidade de leituras pelos titulares do mais alto Tribunal Judicial (o STA) e face ao decidido no CAAD, não vemos razão para aqui se entender de forma diferente, porque aliás, aderimos aos fundamentos plasmados no acórdão do STA citado pela AT na resposta, inclusive na vertente da separação do que é instalação versus exploração e quanto à delimitação dos conceitos.
Digamos que, se assim não fosse, a verdade é que, no fundo a Requerente beneficiaria de duas isenções de IMT (benefícios económicos) de forma directa ou indirecta:
• Um ao nível da instalação atribuído ao promotor (quando se adquirem os terrenos ou edifícios para instalar o empreendimento), o que irá permitir depois uma aquisição das fracções por valores mais baixos (com o correlativo aumento do seu acervo patrimonial de forma indirecta);
• Outro enquanto adquirente das fracções autónomas (em que aumenta o seu acervo patrimonial directamente).
Se a Requerente pretende caracterizar a aquisição das fracções autónomas ao nível da viabilização económica do empreendimento na primeira fase: a da instalação, as aquisições que aí se processaram já beneficiaram economicamente da isenção de IMT. Já ocorreu o benefício económico correspondente, ainda que indirecto.
Defender-se, por esse facto, que depois ainda teria direito a outro subsequente benefício fiscal (na aquisição de unidades de alojamento) é que nos parece discutível. Percute-se, a Requerente já teve, na “fase da instalação”, um “acréscimo patrimonial” implícito, que certamente veio a permitir suportar um preço menor na aquisição.
ü Quanto à natureza do benefício fiscal e a sua subsistência na ordem jurídica, bem ou mal conferido na data da ocorrência do facto tributário (a aquisição das fracções autónomas) e sua relevância face à liquidação aqui impugnada.
Estamos perante um benefício fiscal que a AT configura ser de natureza automática na dimensão do nº 1 do artigo 5º do EBF. Depende da lei ou na maioria dos casos idênticos configura-se depender. Na medida em que tenha essa natureza, a sua atribuição ou verificação não gera um acto administrativo, pelo que a sua extinção, por revogação, ao abrigo do nº 4 do artigo 14º do EBF, não é possível.
A questão que se coloca neste processo tem, no entanto, uma outra dimensão: a do acesso à justiça tributária (direito de impugnação e recurso).
O acesso à justiça tributária – na dimensão jurisdicional - afigura-se-nos dever ser a mais ampla possível, em termos práticos e não numa dimensão meramente programática como poderá parecer da leitura da regra geral do artigo 9º da LGT (e artigo 96º do CPPT).
Ao nível da lei ordinária fiscal é o artigo 95º da LGT (e artigo 97º do CPPT) que concretiza, exemplificando, os actos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos que podem ser objecto de pleiteio jurisdicional.
O acesso à justiça tributária – na dimensão do procedimento gracioso – (artigo 54º da LGT e artigo 44º do CPPT) terá também que ser o mais amplo possível, na medida que visa criar decisões administrativas, com a participação dos contribuintes, que lhes permitam, depois, querendo, dirimir os seus dissentimentos nos órgãos de soberania de administração da justiça.
No caso, uma vez que está em causa a existência ou não de um direito a um benefício fiscal, veja-se a alínea d) e i) do nº 1 do artigo 44º do CPPT, lidos na acepção da alínea c) do nº 1 do artigo 60º do CPPT, ou seja, “qualquer benefício” (a lei não fala em acto administrativo que confere benefícios fiscais) para ser considerado extinto, inexistente na ordem jurídica, parece dever ter que ser precedido de um procedimento tendente à obtenção de uma decisão (um acto) susceptível de permitir ao contribuinte agir perante os tribunais.
Neste processo o que acontece é que se considera, (pelo facto do benefício fiscal contido na norma isentiva do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 05 de Dezembro, se configurar como de natureza automática), que não existe um acto administrativo que resulte de um procedimento de concessão da isenção de IMT e como tal, não havendo um acto administrativo, não é possível revogar o que não existe, enquanto acto administrativo praticado pela AT.
No entanto, neste caso, é discutível essa asserção – tal como o refere a AT nos artigos 49º e 52º da resposta – uma vez que não foi só o Notário e o Conservador do Registo Predial que “fiscalizaram” a concessão do benefício fiscal.
Nota-se que, na resposta, a AT não abordou este aspecto que se nos afigura de importância significativa: é que a liquidação do IMT, a emissão de DUC à taxa zero (logo a verificação dos pressupostos do benefício fiscal que agora se propugna ter sido mal atribuído) foi feita pelos Serviços da AT: o Serviço de Finanças de Loures.
Ou seja, não é líquido que se refira, sem mais, que esta isenção é cristalinamente de natureza automática, uma vez que ocorreu a intervenção da AT na emissão do documento de liquidação de IMT à taxa zero.
Mesmo assim foi liquidado o imposto e mais que isso: os juros compensatórios contados desde a data da ocorrência do facto tributário, sendo certo que estes juros apenas serão devidos quando for retardada a liquidação por facto imputável ao sujeito passivo (nº 1 do artigo 35º da LGT)
Os benefícios não automáticos (os dependentes de reconhecimento) “pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento” (nº 1 do artigo 5º do EBF).
A Requerente considera que o acto de liquidação do IMT revogou o benefício fiscal (artigo 48º do pedido de pronúncia), o que não acolhemos, dada a inexistência de coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência (notificação de 13.11.2014) e o da aplicação da norma isentiva (a data do facto tributário: a escritura de compra e venda de 04.07.2012).
Parece-nos que se verifica um equívoco factual: o benefício ainda que fosse inequivocamente automático e de funcionamento “ope legis” (o que, como se referiu, no caso, é discutível face à prévia intervenção da AT na emissão do DUC à taxa zero mediante declaração para liquidação apresentada pelo contribuinte), bem ou mal atribuído, existe na ordem jurídica desde a data da emissão do documento pela AT, foi verificado pelos serviços AT e consta da escritura. Neste caso o Notário e o Conservador do Registo Predial limitaram-se a respeitar a conteúdo do documento emitido pela própria AT.
Partir-se do princípio que, não existindo um acto administrativo – culminando um procedimento formal de verificação dos pressupostos do benefício fiscal - que reconheceu o benefício fiscal, este acto em si, constante do documento … … … … … de 29.06.2012 com a liquidação de IMT de 0,00 euros (mesmo que se entenda que não é por definição um acto administrativo na dimensão do artigo 120º do CPA antigo) inexiste, é que não nos parece estar em conformidade com a realidade dos factos.
Do nosso ponto de vista, este entendimento, levado implicitamente à prática pela AT, contende com o direito à justiça tributária, nas duas dimensões atrás referidas.
É que a AT limitou-se a realizar um procedimento de inspecção e deste passou para o procedimento de liquidação, sem antes abrir um procedimento tendente à discussão concreta dos pressupostos do benefício e sobretudo tendente a obter um acto, uma decisão que permitisse ao contribuinte discutir o direito ao benefício fiscal em concreto, em acção administrativa especial. Daí que depois o contribuinte venha, neste processo, discutir esse direito, como facto interruptivo que obstaria à liquidação.
Permitiria sobretudo, essa autonomização procedimental (e sequente autonomização ao nível jurisdicional), apurar se existem ou não os pressupostos para a liquidação de juros compensatórios, ou seja, determinar o “facto imputável ao sujeito passivo” (nº 1 do artigo 35º da LGT), ou pelo menos permitiria fixar a data a partir da qual o benefício fiscal deixaria de existir na ordem jurídica, com implicação óbvia na data a partir da qual seriam devidos os juros compensatórios a imputar ao contribuinte.
É que, como já se referiu, a menos que exista coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência e o da norma isentiva, o procedimento de liquidação, não nos parece o adequado para revogar, dar sem efeito, qualquer benefício fiscal, mesmo automático e de funcionamento ope legis, o que no caso, percute-se, é discutível que deva considerar-se.
Por outro lado o procedimento de inspecção tributária não será adequado, neste caso, a produzir uma decisão administrativa sujeita a escrutínio judicial directo (alínea a) do nº 1 do artigo 12º do RCPIT). Em regra as conclusões dos relatórios de inspecção não são impugnáveis (artigo 11º do RCPIT).
É que o direito aos benefícios fiscais é algo que está acima do próprio interesse público que impõe a tributação. A lei é clara. Diz-se no nº 1 do artigo 2º do EBF que se “consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”.
É por isso que o nº 8 do artigo 14º do EBF diz que “É proibida a renúncia aos benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento oficioso, sendo, porém, permitida aos benefícios fiscais dependentes de requerimento do interessado, bem como aos constantes de acordo, desde que aceite pela administração tributária”.
Estamos perante um direito com uma tutela potencialmente irrenunciável pelos contribuintes.
O que acima se diz quanto às conclusões do relatório da inspecção tributária, não parece colidir com a jurisprudência relativa à desnecessidade de audição prévia dos contribuintes em procedimento de liquidação quando sobre a matéria já foram ouvidos em sede de inspecção tributária (nº 3 do artigo 60º da LGT) – v.g. o Acórdão do STA de 16.05.2007, recurso 186/07 em www.dgsi.pt. É que as correcções à matéria tributável é algo diferente de extinção ou declaração em desconformidade com a lei de um benefício fiscal atribuído, que existe na ordem jurídica, bem ou mal conferido e neste caso deriva de um documento emitido pela AT antes da data da realização da escritura.
Afigura-se-nos que a questão fulcral a que TAS deverá responder é a seguinte:
ü O benefício fiscal constante da norma isentiva contida no nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei 423/83, de 05 de Dezembro, que está mencionado na escritura de compra e venda realizada em 2012.07.04, em que é adquirente a Requerente e vendedora C… SA, cujo objecto são as fracções autónomas designadas pelas letras “…” e “…” (integradas no Empreendimento Turístico denominado “B…”) do prédio urbano sito em …, freguesia e concelho de ..., inscritas na matriz predial sob os artigos … e … freguesia de ..., da seguinte forma: “Declaração para liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis número … … … … …, liquidada em 29.06.2012, no montante de € 0,00 (Benefício 33 – Utilidade Turística – artigo 20º do DL nº 423/83) ” foi implicitamente declarado ilegal, logo extinto, pelo acto de liquidação levado à prática pela AT e a que se alude no inciso c) deste Relatório?
Da resposta que se der a esta questão resultará a procedência ou improcedência do pedido, sendo que, se a resposta for de forma a concluir-se que se omitiu o procedimento de declaração de ilegalidade do benefício fiscal constante da escritura (e que resulta de emissão pela AT de um DUC de liquidação de IMT à taxa zero), por forma a obter-se uma decisão que permitisse a tutela jurisdicional quando à questão concreta do direito ao benefício fiscal e da sua declaração em desconformidade face à lei, com relevância, pelo menos, na apuramento dos juros compensatórios, não será necessário o TAS pronunciar-se sobre os restantes fundamentos invocados pela Requerente no pedido de pronúncia, com eventual reflexo na validade dos actos de liquidação, por manifesta inutilidade.
III. MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA FUNDAMENTAÇÃO
Com relevância para a decisão que se vai adoptar são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.
Factos provados
1) Ao empreendimento turístico denominado “B…”, cujo título constitutivo foi depositado no Instituto de Portugal, IP em 26.05.2009, foi atribuída “utilidade turística” pelo despacho nº …/2010 do Gabinete do Secretário de Estado do Turismo de …….2010, publicado no DR, 2ª Série, nº …, de … de … de 2010 - conforme documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia (parte final da escritura pública de compra e venda), artigo 3º do pedido de pronúncia e pontos 6.7 e 6.8 da resposta.
2) Por escritura de compra e venda realizada em 2012.07.04, a Requerente adquiriu a C… SA, as fracções autónomas designadas pelas letras “…” e “…” (integradas no empreendimento turístico denominado “B…”) do prédio urbano sito em …, freguesia e concelho de ..., inscritas na matriz predial sob os artigos … e … freguesia de ... - conforme documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia (escritura pública de compra e venda), artigo 2º do pedido de pronúncia e pontos 6.2, 6.3 e 6.4 da resposta.
3) Na escritura de compra e venda referida no inciso anterior consta, quanto ao pagamento do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), o seguinte: “declaração para liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, número … … … … …, liquidada em 29.06.2012, no montante de € 0,00 (Benefício 33 – Utilidade Turística – artigo 20º do DL nº 423/83)” - conforme documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia (escritura pública de compra e venda).
4) Previamente à celebração da escritura a Requerente apresentou no Serviço de Finanças de Loures-… a declaração de liquidação de IMT de Modelo 1, incluindo o Anexo III, indicando em V-48 deste modelo, o benefício 33, tendo-lhe sido emitido pelo Serviço de Finanças, como sujeito passivo, o documento …, com 0,00 euros de IMT liquidados e com data de 29.06.2012, indicando-se em alienante do bem-1 e em alienante do bem-2 “benefício 33 – utilidade turística (artigo 20º do DL 423/83) 100% sobre a matéria colectável” - artigo 4º do pedido de pronúncia e documento nº 2 em anexo ao pedido de pronúncia.
5) Pela Ordem de Serviço n.º OI 2014… de 28.03.2014, emitida pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, foi promovido um procedimento inspectivo, interno e de âmbito parcial, em sede de IMT, em relação ao ano de 2012 e incidente sobre os factos referidos em 2) e 3) – Documento nº 3 em anexo ao pedido de pronúncia e ponto 6.15 da resposta.
6) Na âmbito do procedimento referido no inciso anterior foi a Requerente notificada para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de relatório que concluía que a aquisição das fracções autónomas tinham beneficiado indevidamente da isenção de IMT prevista no nº 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro e que se verificava a falta de liquidação de IMT no valor de 19 833,80 €uros, tendo esse direito sido exercido em 26.08.2014 – artigos 5º a 7º do pedido de pronúncia, documento nº 3 junto com o pedido de pronúncia e ponto 6.15 da resposta.
7) A inspecção tributária manteve o seu entendimento e convolou o projecto de relatório em definitivo, tendo as correcções sancionadas pela inspecção tributária sido notificadas à Requerente por ofício de 10/09/2014 – ponto 6.16 e 6.17 da resposta e folhas 128 do PA.
8) Pelo ofício … de 12.11.2014 foi a Requerente notificada da liquidação de IMT de 19 832,80 e de juros compensatórios 1 719,20 euros, totalizando 21 552,00 euros – artigo 8º do pedido de pronúncia e documento nº 5 em anexo ao pedido de pronúncia.
9) Em 26.02.2015 a Requerente deduziu reclamação graciosa, exerceu o direito de audição prévia em 06.04.2015 dissentindo do projecto de decisão de indeferimento, tendo em 09.04.2015 sido notificada da decisão de indeferimento, mantendo-se as conclusões do relatório de inspecção – artigos 9º a 14º do pedido de pronúncia, documentos nºs 6 a 9 juntos com o pedido de pronúncia e pontos 6.19 a 6.21 da resposta.
10) A Requerente pagou em 27/02/2015 o montante de € 21.522,00, após ter sido instaurado processo de execução fiscal n.º …2015…, por não ter sido paga a liquidação de IMT e juros – ponto 6.18 da resposta.
11) Em 08-07-2015, a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia – registo de entrada no SGP do pedido de pronúncia.
Factos não provados
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.
Consigna-se que não se deu como provado que o benefício fiscal foi reconhecido pelo Notário como se alega no ponto 6.5 da resposta, o que contrariaria o que foi provado em 3) e 4) da matéria de facto assente.
IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR
ü Procedimento tributário
No que concerne ao tema das isenções e quanto ao procedimento tributário – artigos 54º da LGT e 44º do CPPT – verifica-se que “o procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente: o reconhecimento e revogação dos benefícios fiscais” (alínea d) do nº 1 do artigo 54º da LGT).
Desde logo aqui se pode constatar uma particularidade. A LGT, além de não ser taxativa, não refere “revogar actos que concedam benefícios fiscais”, é muito mais abrangente quando refere “revogação dos benefícios fiscais”. A expressão “revogação” (do latim “revocare”) parece dever ser entendida numa significação comum de “invalidar o efeito de algo; rescindir ou anular. Cessar os efeitos de uma lei, de um ato jurídico etc.”
Ou seja, desta norma, não será lícito retirar a leitura de que um benefício fiscal mesmo automático, de funcionamento “ope legis” cujos pressupostos foram verificados pelo Notário e expresso na escritura, não tenha que ser objecto de um procedimento autónomo tendente à verificação da sua eventual ilegalidade, até para que o contribuinte possa usar os meios jurisdicionais para discutir a matéria, com relevância na liquidação de juros compensatórios ou determinação da data a partir da qual são devidos.
A redacção aparentemente mais restritiva da alínea d) do nº 1 do artigo 44º do CPPT, que apenas exigiria um procedimento autónomo quando exista acto administrativo que tenha conferido o benefício, não será impeditiva, do que se acaba de afirmar, tendo em conta a norma amplíssima que está contida na alínea i) do nº 1 do artigo 44º do CPPT.
Será no artigo 60º nº 1 alínea c) da LGT que se encontrará a resposta que nos parece clara para esta questão. Aí se refere que há “direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal”.
O procedimento de inspecção não será o meio adequado a fazer cessar um benefício fiscal, não é esse o seu fim, nem o relatório final é, em princípio, susceptível de impugnação judicial autónoma, logo a audição aí realizada não poderá preencher os requisitos da alínea c) do nº 1 do artigo 60º da LGT, não se aplicando a norma do nº 3 do artigo 60º da LGT.
ü Procedimento judicial tributário
Aparentemente a alínea f) do nº 1 do artigo 95º da LGT quando refere que são lesivos os actos de “indeferimento de pedidos de isenção ou de benefícios fiscais sempre que a sua concessão esteja dependente de procedimento autónomo” parece que afastaria do direito à impugnação judicial e recurso, aos actos de revogação de benefícios fiscais, quer estes tenham sido objecto de reconhecimento administrativo em procedimento não autónomo, quer tenham funcionado “ope legis” de forma automática.
Mas essa leitura parece ser afastada pela alínea h) onde se previne esse direito quanto a “outros actos administrativos em matéria tributária”.
Em anotação ao artigo 95º da LGT, 4ª Edição 2012 de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, páginas 830 e 831, refere-se:
“A qualificação como actos lesivos dos actos de indeferimento de pedidos de isenção ou de benefícios fiscais quando a sua concessão esteja dependente de procedimento autónomo funda-se na circunstância de tais actos constituírem o acto final de um procedimento legal específico sujeito a regras próprias tendentes à obtenção ou reconhecimento do benefício que não estão conectadas procedimentalmente com as do procedimento de liquidação do imposto.
O acto denegador da isenção assume, em tal caso, a natureza de mero acto exterior ao processo de liquidação do imposto. Tal caracterização está expressa na alínea f) do nº 2 do artigo 95º da LGT…
…
Diferentemente se passam as coisas nas hipóteses dos benefícios fiscais de concessão automática ou dos dependentes de reconhecimento que tenha lugar no procedimento de liquidação do imposto: aqui o acto lesivo recorrível é o acto de liquidação do imposto dada a coetaneidade procedimental existente entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma de isenção (incidência negativa).
A liquidação de imposto contra norma de reconhecimento automático encontra-se ferida de ilegalidade por estar paralisada também automaticamente a potencialidade da norma de tributação para gerar a obrigação de imposto liquidado.
O mesmo se passa em caso de benefício dependente de reconhecimento a efectuar no processo administrativo dirigido à liquidação do imposto: o acto que o denegue assume-se então como mero acto preparatório e prejudicial do acto de declaração dos direitos tributários (artigo 54º da LGT), ficando abrangido pela impugnação unitária.”
Naturalmente estes princípios ter-se-ão que aplicar às situações de revogação, extinção ou verificação de ilegalidade de isenções fiscais, ou seja, qualquer meio procedimental para por termo a um benefício fiscal que exista na ordem jurídica, mesmo que tenha sido mal atribuído ou considerado.
Também a alínea p) do nº 1 do artigo 97º do CPPT aparentemente parece restringir o recurso contencioso – acção administrativa especial – às situações em que ocorra indeferimento ou revogação de isenções ou benefícios “por acto administrativo”. Mas a expressão “dependentes de reconhecimento” deve ter-se por aferida apenas aos benefícios a que se alude o artigo 65º do CPPT.
Tal leitura restritiva da lei não parece ser a melhor, face ao princípio geral do artigo 9º da LGT e do nº 1 do artigo 20º da CRP: tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos.
E também aqui a parte final da alínea p) do nº 1 do artigo 97º do CPPT contém a expressão abrangente: “bem com os outros actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação”.
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Face ao exposto parece dever concluir-se que só existirá impugnação unitária (do acto de liquidação vs direito a isenções fiscais) quando se discute o direito aos benefícios fiscais cujo reconhecimento ou funcionamento ocorra em simultâneo com o acto de liquidação e já não quando não existe “coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma de isenção (incidência negativa)”.
Nos casos em que não há (ou não deva existir) impugnação unitária (como no caso deste processo caso se considere o benefício de natureza automática), impõe-se um procedimento tributário autónomo tendente à obtenção de uma decisão da AT que declare a eventual ilegalidade da verificação dos pressupostos do benefício fiscal automático que conste v.g. de uma escritura pública, para permitir uma eventual impugnação autónoma dessa decisão.
Ou seja, mesmo que se trate de benefícios fiscais automáticos, afigura-se-nos, face ao exposto, que nos procedimentos de liquidação de impostos só os que tenham coetaneidade procedimental (e obviamente factual) entre os momentos de aplicação da norma de incidência e da norma isentiva, devem aí ser considerados ou não considerados, sob pena de princípio geral do artigo 9º da LGT e do nº 1 do artigo 20º da CRP: tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos, poder ser posto em causa.
A conclusão a que chegamos não parece colidir ou colocar em causa a consideração de que o direito à liquidação do IMT é “originário” nos termos do artigo 35º-1 do CIMT e artigo 45º - 1 e 4 da LGT (no prazo de 8 anos contados da ocorrência do facto tributário). Não é isso que está em causa. O que está em causa é afastar ou não do iter tributário o facto interruptivo da tributação – a isenção fiscal – que existe na ordem jurídica, bem ou mal considerada na altura em que se verificou o facto tributário (a aquisição onerosa de bens). Considerar que o benefício inexiste na ordem jurídica é que não se coaduna com a verdade material e real dos factos.
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ü Benefício automático ou dependente de reconhecimento?
Face ao acervo factual provado em 3) e 4) da parte III desta decisão parece-nos muito difícil defender que face ao teor do nº 1 do artigo 5º do EBF, que se trata cristalinamente de um benefício fiscal automático. Assim se concluindo está a desvalorizar-se a função e utilidade do Serviço de Finanças ao emitir o DUC à taxa zero (com 0,00 euros de liquidação).
Os benefícios dependentes de reconhecimento “pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento” (nº 1 do artigo 5º do EBF).
Ora, se é exigível uma declaração para liquidação, o Modelo 1 do IMT e se é exigível um DUC de liquidação de IMT, ainda que este resulte, quanto ao benefício fiscal, do facto de ter sido colocado, pelo contribuinte, na declaração, o código do benefício 33, seria desconsiderar a verdade dos factos se considerarmos, mesmo assim, o benefício como automático.
Não se configura este benefício, com esta tramitação burocrática, como automático, mas sim como dependente de dois actos subsequentes: a apresentação da declaração Modelo 1 para liquidação onde ele é indicado (peticionado) e a obtenção de um DUC à taxa zero emitido pela AT onde é ou não considerado. E neste caso foi considerado.
Parece indiscutível que, quanto a um benefício fiscal que assim opera, não poderá dizer-se que é reconhecido pelo Notário. Neste caso não foi. O Notário limitou-se a confiar nos documentos que foram obtidos na AT e escreveu na escritura: “declaração para liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, número …, liquidada em 29.06.2012, no montante de € 0,00 (Benefício 33 – Utilidade Turística – artigo 20º do DL nº 423/83)”.
Não se diga que só os benefícios obtidos através do meio procedimental do artigo 65º do CPPT é que podem ser considerados dependentes de reconhecimento. Desde logo o nº 1 do artigo 65º do CPPT refere “salvo disposição em contrário”.
No entanto, mesmo que assim não fosse, a exigência da declaração Modelo 1 do IMT e de sequente emissão de DUC à taxa zero pela AT, parece preencher razoavelmente as exigências do artigo 65º do CPPT.
Não é ainda completamente despicienda a consideração (como o propugna a Requerente) de que, face à realidade dos factos (incisos 3) e 4) da matéria provada) se formou um verdadeiro acto administrativo de reconhecimento do benefício fiscal, na definição do artigo 120º do CPA (velho).
Afigura-se ao TAS que, neste caso, o benefício fiscal em causa, face à forma como está documentado e operou na relação entre as partes, cabe na definição da parte final do nº 1 do artigo 5º do EBF, muito embora não tenha sido atribuído ou verificado em procedimento autónomo, uma vez que resultou de uma declaração, uma iniciativa sine qua non, para liquidação de IMT, do contribuinte, culminando com a emissão pela AT de um DUC de liquidação à taxa zero (o que terá efeito equivalente ao reconhecimento do benefício fiscal).
ü O benefício fiscal constante da norma isentiva contida no nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei 423/83, de 05 de Dezembro, que está mencionado na escritura de compra e venda realizada em 2012.07.04, da seguinte forma: “Declaração para liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, número …, liquidada em 29.06.2012, no montante de € 0,00 (Benefício 33 – Utilidade Turística – artigo 20º do DL nº 423/83) ” foi implicitamente declarado ilegal, logo extinto, pelo acto de liquidação levado à prática pela AT e a que se alude no inciso c) deste Relatório?
Como se referiu, o procedimento de inspecção não se nos afigura ser o meio adequado a fazer cessar um benefício fiscal que existe factualmente na ordem jurídica, bem ou mal verificado nos seus pressupostos, posto que não é esse o seu fim, nem o relatório final é, em princípio, susceptível de impugnação judicial autónoma.
Neste caso, não se configura ocorrer coetaneidade procedimental entre os momentos de aplicação factual da norma de incidência do IMT (2014, ainda que se trate do exercício originário de uma liquidação) e o da aplicação da norma isentiva do IMT (2012.07.04), uma vez que, percute-se, não poderá considerar-se que a verificação dos pressupostos da isenção de IMT, em 2012, inexiste, ainda que possa considerar-se, agora, que essa verificação não foi em conformidade com a lei.
Desta feita teremos que concluir que o benefício fiscal que consta do inciso 3) da matéria de facto assente, aferido à data de 2012.07.04, existe ainda na ordem jurídica, bem ou mal verificado quanto aos seus pressupostos nessa data, até que seja declarado em desconformidade com a lei, através do procedimento atinente a esse fim específico.
De facto, do que acima ficou expresso, também não nos parece que o procedimento de liquidação encetado em 2014 seja, neste caso, o meio adequado à sua declaração em desconformidade com a lei, pelas razões e fundamentos acima indicados.
Com os fundamentos atrás expressos, a liquidação de IMT impugnada, levada a efeito sem previamente ser declarada desconforme a lei a isenção (enquanto facto interruptivo da tributação) que factualmente consta da escritura, não se nos afigura em sintonia com as normas contidas no artigo 5º nº 1 do EBF; no artigo 9º e artigo 54º nº 1 alínea d) da LGT; artigo 44º nº 1 alínea i) do CPPT; artigo 95º nº 1 alínea h) da LGT; artigos 96º nº 1 e 97º nº 1 alínea p) parte final do CPPT, ocorrendo, desta feita, a ilegalidade prevista na alínea a) do artigo 99º do CPPT.
V. DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos, julga-se:
1. Procedente o pedido da Requerente, anulando-se a liquidação de IMT e de juros compensatórios a que se alude na alínea c) do Relatório.
2. Sendo a obrigação de restituição do valor pago pelo contribuinte, consequência da anulação das liquidações.
Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 21 552.00 euros.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 224,00 euros, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 25 de Novembro de 2015
Tribunal Arbitral Singular (TAS),
Augusto Vieira
Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.