Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 292/2015-T
Data da decisão: 2015-11-11  IRC  
Valor do pedido: € 199.827,87
Tema: IRC – Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades; dedutibilidade de custos; encargos financeiros; ajudas de custo; Circular n.º 7/2004
Versão em PDF

 

Processo n.º 292/2015-T

 

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Rui Ferreira Rodrigues e Dr. Artur Maria da Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-07-2015, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A… SGPS, SA (doravante designada por A… ou Requerente), sociedade anónima, titular do Número de Identificação de Pessoa Colectiva (NIPC) …, com sede no Lugar de …. Apartado …, …-…, na qualidade de sociedade dominante do Grupo AA…, veio, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ("Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria" - RJAT) e dos artigos 102.º e 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), dos n.ºs 1 e 2 alínea d) do art 95," da Lei Geral Tributária ("LGT"), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com vista à anulação parcial da decisão do recurso hierárquico apresentado da liquidação de IRC n.º 2008 …, de 17-03-2008, referente ao exercício fiscal de 2004.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 07-05-2015 e notificado nessa data à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 07-07-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24-07-2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência da presente acção arbitral.

Por despacho de 01-10-2015, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto  

2.1. Factos provados  

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente A… SGPS, SA é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS);

b)      A Requerente está enquadrada no regime geral de tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC), sendo tributada em 2004 pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo ela própria a sociedade dominante, sendo grupo constituído pelas seguintes empresas, nesse ano:

> A…, SGPS, SA (NIPC: …),

> B…, SA (NIPC: …),

> C…, Lda (NIPC: …)

> D…, SA (NIPC: …),

> E…, SA (NIPC: …),

> F…, SA (NIPC: …),

> G…, SA (NIPC: …),

> H…, SA (NIPC: …),

> I… SGPS, SA (NIPC: …),

> J…, SA (NIPC: …),

> K…, SA (NIPC: …),

> L…, SA (NIPC: …)

> M…, Lda (NIPC: …),

> N…, SA (NIPC: …),

> O…, SA (NIPC: …),

> P…, SA (NIPC …);

 

c)       Em 31-12-2004, a Requerente detinha as seguintes participações financeiras:

 

d)      Em cumprimento da ordem de serviço n.º … de 27/07/2007, foi efectuado um procedimento de inspecção externa aos elementos contabilísticos-fiscais das contas do "Grupo AA…", referentes ao exercício de 2004;

e)      A A…, enquanto sociedade dominante de RETGS, foi notificada, pelo Oficio n.º …, de 13-03-2008, do Relatório de Inspecção Tributária e das correcções em sede de IRC operadas na esfera do Grupo AA…, resultantes das acções inspectivas efectuadas a algumas das empresas integrantes do perímetro fiscal do Grupo AA…, nomeadamente, das correcções em sede de IRC operadas na esfera individual das sociedades I… SGPS, SA, E…, SA e da própria A… (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

f)       No Relatório da Inspecção Tributária, refere-se, além do mais, o seguinte:

 

I - 3.1 - Correcções ao lucro tributável do grupo

1-3.1.1 -Resultantes de correcções operadas na esfera individual da sociedade com o NIPC …, A…, SGPS, SA, no montante global de €855.247,99

(...)

I -3.1.1.2 - Encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital

O sujeito passivo suportou no exercício, a título de encargos financeiros com a aquisição de participações €789.746,57. De acordo com o estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF os mesmos não concorrem para a formação do lucro tributável, pelo que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais. Desta forma efectuamos um acréscimo ao lucro tributável de €789.746,57.

 

I-3.1.2 - Resultantes de correcções operadas na esfera individual da sociedade com o NIPC …, I… SGPS, SA, no montante global de €230.665,78

I - 3.1.2.1 - Encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital

O sujeito passivo suportou no exercício, a título de encargos financeiros com a aquisição de participações €141.860,46. De acordo com o estabelecido no n.º 2 do art.º 31 º do EBF os mesmos não concorrem para a formação do lucro tributável, pelo que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais. Desta forma efectuamos um acréscimo ao lucro tributável de €141.860,46.

(...)

I -3.1.3 - Resultantes de correcções operadas na esfera individual da sociedade com o NIPC …, E…, SA, no montante global de €70.701,28

I - 3.1.3.2 - Custos não aceites fiscalmente - Ajudas de custo

O sujeito passivo deveria ter acrescido, no Campo 223 do Quadro 07 da Modelo 22 o montante de €50.697,04 [20% * (23.168,48+230.316,75)], tendo apenas acrescido o montante de €9.175,44, pelo que será efectuada uma correcção ao lucro tributável no montante de €41.521,60 ao abrigo da alínea f) do n.º1 do art.º 42º do CIRC.

(...)

III -1.1.2-Encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital -€789.746,57

Da análise à declaração de rendimentos de IRC verificamos que o sujeito passivo no apuramento do Lucro Tributável não procedeu a qualquer acréscimo referente a encargos financeiros suportados com as aquisições de partes de capital, conforme previsto no n.º 2 do art.º 31º do EBF.

De acordo com o estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF, "as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o titulo por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades". Redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do OE para 2003).

No que concerne ao regime fiscal aplicável aos encargos financeiros previsto no artigo acima citado, a Circular 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços de IRC, vem sancionar o seguinte entendimento:

> Âmbito de aplicação temporal - "é aplicável aos encargos financeiros suportados nos períodos de tributação iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data." (Ponto 5).

> Exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais dos encargos financeiros: os encargos financeiros deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, no exercício a que os mesmos disserem respeito, isto é, dever-se-á proceder à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 31.º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores. (Ponto 7).

> Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais: "(...) dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte:"

1º Imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros;

2º Afectar o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

Utilizando a referida fórmula elaborámos os cálculos a seguir enunciados no sentido de calcular o valor de encargos financeiros suportados pela A… com a aquisição de partes de capital.

(1) Informação extraída do Balanço constante do Anexo A da Declaração Anual de Informação Contabilístico Fiscal entregue pelo sujeito passivo.

(2) Informação dada pelo sujeito passivo.

(3) Informação dada pelo sujeito passivo.

(4) Somatório do saldo das contas a seguir enumeradas:

411103 - Investimentos Financeiros - Partes de Capital - Emp. Grupo - Equiv. Patrimonial -6.533.046,51

411203 - Investimentos Financeiros - Partes de Capital - Emp. Assoc. - Equiv. Patrimonial -836.276,52

-7.369.323,03

(5) Outros Activos = Total do Activo - Activos remunerados - Custo de aquisição das partes de capital - Equivalência Patrimonial

(6) Activos não Remunerados = Outros Activos + Custo de aquisição das partes de capital

(7) Informação dada pelo sujeito passivo.

(8) De acordo com a Circular 7/2004 o 1º passo do método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais é imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, pelo que no caso em análise os passivos remunerados imputáveis aos empréstimos concedidos remunerados ascendem a €17.742.738,91

(9) O valor dos passivos remunerados imputáveis aos activos não remunerados obtém-se por subtracção ao total dos passivos remunerados do valor imputado anteriormente aos activos remunerados.

(10) Após obter o valor dos passivos remunerados imputáveis aos restantes activos (Activos não remunerados) apuramos de forma proporcional o valor dos passivos remunerados imputáveis às Partes de Capital (Custo de Aquisição)

(11) Informação dada pelo sujeito passivo. Somatório do saldo das contas "6811", "6812" e "6813".

(12) Imputação proporcional dos encargos financeiros aos passivos remunerados imputáveis aos restantes activos (Activos não remunerados).

(13) Imputação proporcional dos encargos financeiros aos passivos remunerados imputáveis aos Partes de Capital (Custo de aquisição)

Face ao exposto, o contribuinte suportou no exercício a título de encargos financeiros com a aquisição de participações €789.746,57, de acordo com o estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF os mesmos não concorrem para a formação do lucro tributável, pelo que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, desta forma efectuamos um acréscimo ao lucro tributável de €789.746,57.

(...)

III -1.2.1 - Encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital -€141.860,46

Efectua-se a correcção ao nível do resultado tributável do grupo, no valor de €141.860,46, respeitante às correcções efectuadas em termos individuais à sociedade dependente "I… SGPS, SA" - NIPC: …, conforme fundamentações, nos termos do art.º 77º, nº 1 da Lei Geral Tributária conjugado com o art.º 125º do Código do Procedimento Administrativo, que constam do relatório de inspecção tributária elaborado pela Direcção de Finanças do Porto, em 22/01/2008, do qual se junta cópia e que constitui o anexo l, ponto 2-A).

(...)

III -1.3 - Resultantes de correcções operadas na esfera individual da sociedade com o NIPC …, E…, SA, no montante global de €70.701,28

Em resultado da acção de inspecção interna levada a cabo ao sujeito passivo E…, S.A., NIPC …, pela Direcção de Finanças do Porto, ao abrigo da OI2007 …, foram apuradas correcções de natureza meramente aritmética, conforme se constata no Relatório do qual se junta cópia (Anexo II), e que faz parte integrante deste relatório.

O sujeito passivo foi notificado para exercer o Direito de Audição aquando da emissão do respectivo Projecto de Correcções, efectuado no âmbito da ordem de serviço supra referida tendo o contribuinte optado por não exercer esse direito.

(...)

III-1.3.2 -Custos não aceites fiscalmente - Ajudas de custo-€41.521,60

Efectua-se a correcção ao nível do resultado tributável do grupo, no valor de €41.521,60, respeitante às correcções efectuadas em termos individuais à sociedade dependente "E…, SA" - NIPC: …, conforme fundamentações, nos termos do art.º 77º, nº 1 da Lei Geral Tributária conjugado com o art.º 125º do Código do Procedimento Administrativo, que constam do relatório de inspecção tributária elaborado pela Direcção de Finanças do Porto, em 14/01/2008, do qual se junta cópia e que constitui o anexo II, ponto III-2).

 

(...)

IV - Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos

Não aplicável.

(...)

IX-1.3.2 -Custos não aceites fiscalmente - Ajudas de custo-€41.521,60

O sujeito passivo não concorda com a correcção proposta conforme pontos 6, 7 e 8 da petição.

Assim, quanto a esta matéria refere o sujeito passivo que comprovou, por amostragem que as referidas despesas foram imputadas ao projecto que foi facturado.

O contribuinte alega também que o procedimento da sociedade aquando da emissão da factura segue o entendimento contido no Oficio nº … de 23.09.99, que anexa, emitido pelo Ministério das Finanças, que refere no ponto 5 e 6 "Assim, as empresas deverão munir-se de elementos passíveis de comprovar: a) os encargos efectivamente suportados respeitantes a ajudas de custo, sendo necessário dar a conhecer o nome do beneficiário, o local para onde se deslocou, a data da deslocação. Deste modo, desde que as empresas possuam mapas com todos os elementos atrás referidos indispensáveis a uma correcta aplicação do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 41º do Código do IRC, a facturação a emitir ao cliente poderá apresentar o preço global do serviço, não sendo pois, necessário evidenciar os vários componentes que constituem o mesmo".

Diz ainda, o sujeito passivo, que "é este, no entender da sociedade, o procedimento mais correcto e o utilizado na gíria comercial."

Da análise efectuada à exposição do sujeito passivo cumpre-nos referir que, apesar do sujeito passivo referir que comprovou, por amostragem que as referidas despesas foram imputadas ao projecto que foi facturado, com base nos elementos disponibilizados, apenas nos é possível comprovar de forma clara e inequívoca os valores, das ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, contabilizados nas respectivas contas de custos, o mesmo não acontecendo relativamente aos valores facturados, uma vez que, a factura e o auto de medição não descrimina as referidas despesas, conforme confirma o sujeito passivo na sua exposição.

O sujeito passivo alega que o procedimento da sociedade aquando da emissão da factura segue o entendimento contido no Oficio nº … de 23.09.99, mas este ofício, sendo resposta a um pedido de informação vinculativo efectuado pela SS… é de aplicação exclusiva às empresas associadas daquela entidade. Parece-nos não ter cabimento que o sujeito passivo sustente o procedimento, diferente do legalmente prescrito, invocando o regime que está a ser seguido pelas empresas de transportes de mercadorias, cuja possibilidade foi admitida, ainda que excepcionalmente, pelo referido ofício, dada a natureza específica da actividade em questão, vinculando assim, ao abrigo do art.º 68º da LGT, apenas a situação em concreto. O que quer dizer que para as restantes situações, ainda que o custo seja efectivo, não é admissível a possibilidade de omissão da menção das ajudas de custo nas facturas.

Face ao exposto, constata-se que o sujeito passivo, tanto no decurso da acção inspectiva como no exercício do direito de audição, não consegue cumprir com os requisitos que resultam do art.º 42.º n.º 1 alínea f), que, como é referido na página 6 do respectivo Relatório/Conclusões, de que "para se considerar que as Ajudas de Custo foram facturadas a clientes, é necessário que as mesmas estejam expressa e autonomamente mencionadas nas facturas", pelo que mantemos a referida a correcção, no valor de €41.521,60.

 

g)      No Relatório da Inspecção Tributária da acção inspectiva efectuada à I… SGPS, SA que constitui o anexo I ao Relatório da Inspecção Tributária relativo à Requerente, que consta do documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, refere-se, além do mais, seguinte:

 

Correcções à matéria tributável de IRC

A) Da análise à declaração de rendimentos de IRC verificamos que o sujeito passivo no apuramento do Lucro Tributável não procedeu a qualquer acréscimo referente a encargos financeiros suportados com as aquisições de partes de capital, conforme determina o n.º 2 do art.º 31º do EBF.

De acordo com o estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF, "as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o titulo por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades". Redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do OE para 2003).

No que concerne ao regime fiscal aplicável aos encargos financeiros previsto no artigo acima citado, a Circular 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços de IRC, vem sancionar o seguinte entendimento:

> Âmbito de aplicação temporal - "é aplicável aos encargos financeiros suportados nos períodos de tributação iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data." (Ponto 5).

> Exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais dos encargos financeiros: os encargos financeiros deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, no exercício a que os mesmos disserem respeito, isto é, dever-se-á proceder à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores. (Ponto 7).

> Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais: "(...) dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte:"

1º Imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros;

2.º Afectar o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

Utilizando a referida fórmula elaborámos os cálculos a seguir enunciados no sentido de calcular o valor de encargos financeiros suportados pela I… SGPS com a aquisição de partes de capital.

(1) Informação extraída do Balanço constante do Anexo A da Declaração Anual de Informação Contabilístico Fiscal entregue pelo sujeito passivo.

(2) Informação dada pelo sujeito passivo.

(3) Informação dada pelo sujeito passivo.

(4) Saldo da conta:

Investimentos Financeiros - Partes de Capital - Empresas do Grupo - Equivalência Patrimonial € 9.635.245,42

(5) Outros Activos = Total do Activo - Activos remunerados - Custo de aquisição das partes de capital - Equivalência Patrimonial

(6) Activos não Remunerados = Outros Activos + Custo de aquisição das partes de capital

(7) Informação dada pelo sujeito passivo.

(8) De acordo com a Circular 7/2004 o 1º passo do método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais é imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, pelo que no caso em análise os passivos remunerados imputáveis aos empréstimos concedidos remunerados são 0,00 €

(9) O valor dos passivos remunerados imputáveis aos activos não remunerados obtém-se por subtracção ao total dos passivos remunerados do valor imputado anteriormente aos activos remunerados.

(10) Após obter o valor dos passivos remunerados imputáveis aos restantes activos (Activos não remunerados) apuramos de forma proporcional o valor dos passivos remunerados imputáveis às Partes de Capital (Custo de Aquisição)

(11) Informação dada pelo sujeito passivo. Somatório do saldo das contas "6811", "6812" e "6813".

(12) Imputação proporcional dos encargos financeiros aos passivos remunerados imputáveis aos Partes de Capital (Custo de aquisição)

Face ao exposto, o contribuinte suportou no exercício a título de encargos financeiros com a aquisição de participações €141.860,46. De acordo com o estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF os mesmos não concorrem para a formação do lucro tributável, pelo que deverão ser desconsiderados como custos.

h)      Nem a Requerente nem a I… SGPS, SA declararam nas suas declarações de rendimentos para efeitos de IRC quaisquer acréscimos ao lucro tributável referentes a encargos financeiros suportados com aquisições de partes de capital;

i)        No Relatório da Inspecção Tributária da inspecção efectuada à E…, SA, que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

Na análise do Balancete Analítico do exercício de 2004 verificamos que o sujeito passivo contabilizou como custo nas subcontas das contas 622272 - Deslocação Viatura Própria (Km) e 642205 - Ajudas de Custo os montantes de € 23.168,48 e € 230.316,75 respectivamente, conforme quadro que se segue:

Solicitamos ao sujeito passivo a discriminação dos valores que estiveram na origem do montante de €9.175,44, acrescido no campo 223 do Quadro 07 da Modelo 22 do exercício de 2004, na qual se constata que o mesmo foi calculado conforme se segue:

Questionamos o sujeito passivo sobre a razão pela qual não foram acrescidos os 20% sobre as restantes despesas com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, este disse que não foram acrescidos na sua totalidade os encargos registados nas contas 62227202 e 64220512, uma vez que esses encargos estão relacionados com determinadas obras e foram facturados aos clientes.

Apesar do Sujeito Passivo referir que as despesas com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador foram facturadas a clientes, não consta das facturas que emitiu qualquer verba relativa àquelas despesas.

Desta forma não se consegue comprovar de forma clara e inequívoca, a correspondência existente entre os valores daqueles encargos contabilizados como custo e os valores que são objecto de facturação aos respectivos clientes.

Assim, e de acordo com o entendimento da Administração Fiscal veiculado em diversas Informações Vinculativas, referindo que, para se considerar que as Ajudas de Custo foram facturadas a clientes, é necessário que as mesmas estejam expressa e autonomamente mencionadas nas facturas, concluímos que não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável, 20% dos encargos com Ajudas de Custo, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício.

Desta forma, e de acordo com o descrito no quadro da página 4, deveria ter sido acrescido, no Campo 223 do Quadro 07 da Modelo 22 do exercício de 2004, o montante de €50.697,04 (20% * (23.168,48 + 230.316,75)). Tendo o sujeito passivo apenas acrescido o montante de € 9.175,44, será efectuada uma correcção ao lucro tributável no montante de €41.521,60.

 

j)        Na sequência das correcções efectuadas, foi emitida a liquidação n.º 2008 …, de 17-03-2008, que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

k)      Em 07-08-2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa, nos termos que constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que manifestou discordância com as seguintes correcções:

Correcção ao lucro tributável operada na esfera individual da A….

• € 789.746,57: correcção ao lucro tributável do exercício de 2004 da A… pela inclusão no mesmo de encargos financeiros considerados incorridos na aquisição de participações que não concorrem para a formação do lucro tributável de acordo com o estabelecido no n.º 2 do artigo 31,º do EBF, na redacção vigente em 2004;

Correcção ao lucro tributável operada na esfera individual da I… SGPS

• € 141.860,46: correcção ao lucro tributável do exercício de 2004 da I… SGPS pela inclusão no mesmo de encargos financeiros considerados incorridos na aquisição de participações e que não concorrem para a formação do lucro tributável de acordo com o estabelecido no n.º 2 do artigo 31.º do EBF, na redacção vigente em 2004; e

Correcção ao lucro tributável operada na esfera individual da E…

• € 41.521,60: correcção ao lucro tributável do exercício de 2004 da E… pela inclusão no mesmo de 20% dos encargos com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador em relação aos quais a Autoridade Tributária entendeu não existir evidência da sua facturação a clientes, daí decorrendo o consequente acréscimo ao resultado fiscal do exercício, de acordo com a alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC;

l)         Por despacho de 27-05-2010, da Senhora Chefe de Divisão, por delegação do Director de Finanças de Matosinhos, foi indeferida a reclamação graciosa (documento n. 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

m)    Em 01-07-2010, a Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, nos termos que constam do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

n)      Pelo Ofício n.º …, de 02-02-2015, que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, a Requerente foi notificada da decisão de deferimento parcial do referido Recurso Hierárquico, sendo mantidas as seguintes correcções:

Correcção ao lucro tributável operada na esfera individual da A…

• € 570.248,50: correcção ao lucro tributável do exercício da A…ridos na aquisição de participações e que não concorrem para a formação do lucro tributável de acordo com o estabelecido no n.º 2 do artigo 31.º do EBF;

Correcção ao lucro tributável operada na esfera individual da I… SGPS

• € 105.835,34: correcção ao lucro tributável do exercício da I… SGPS pela inclusão no mesmo de encargos financeiros considerados incorridos na aquisição de participações e que não concorrem para a formação do lucro tributável de acordo com o estabelecido no n.º 2 do artigo 31.º do E8F; e

Correcção ao lucro tributável operada na esfera individual da E…• € 41.521,60: correcção ao lucro tributável exercício de 2004 da E… pela inclusão no mesmo de 20% dos encargos com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador em relação aos quais a Autoridade Tributária entendeu não existir evidência da sua facturação a clientes, daí decorrendo o consequente acréscimo ao resultado fiscal do exercício, de acordo com a alínea í) do n.º 1 do artigo 42.º do Código do IRC;

o)      A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu uma «ficha doutrinária», relativa a uma Informação Vinculativa referente ao processo n.º …/2009, despachado em 19-11-2009, pelo Senhor Director-Geral dos Impostos, que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

p)      A decisão do recurso hierárquico manifesta concordância com a Informação n.º …/…, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

4.1.2 Fundamentos da recorrente

Resume-se o recurso, às correcções efectuadas no procedimento inspectivo, no que respeita a encargos financeiros (articulados 17a 116 do recurso) e na não consideração como custos fiscais de 20% de ajudas de custo (articulados 117 a 129 do recurso).

 

 

4.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO HIERÁRQUICO

I) Centra-se o Recurso, na anulação das correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária, nos montantes acima referidos, por entender que, no caso das participações sociais, as mesmas foram adquiridas ou tornadas seus activos, por via de operações de entradas de activos em momento anterior ao ano de 2003 ou então ser o cálculo reformulado, devendo no apuramento ser considerado o total do activo bruto e não o total do activo líquido.

Também deverá ser anulada a correcção à matéria colectável do Grupo, relativamente a 20% das despesas com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador da E….

 

II) Matéria de Facto

A) Do Relatório da Inspecção Tributária

A-1) Enquadramento da recorrente

A recorrente é a sociedade dominante do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), em vigor no exercício de 2004, de que fazem parte entre outras, I… SGPS, SA e E…, SA

 

A-2) Fundamentação das correcções

Tiveram origem as correcções descritas em 4.1.1 da presente petição, em relatório da IT (fls. 8 a 51 dos autos), cujos fundamentos, entre outros, consistem na não aceitação como custo, de encargos financeiros suportados, apurados em conformidade com o disposto no ponto 7 da circular nº 7/2004 de 30 de Março, da Direcção de Serviços de IRC, assim como as ajudas de custo, foram corrigidas ao abrigo da al. f) do nº 1 do artº 42º (actual 45º) do CIRC.

Notificada para querendo exercer o direito de audição sobre o Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção, veio o mesmo a ser exercido, no qual, no que respeita à matéria objecto de recurso, alega o seguinte:

 

B) Encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital (€ 789 746,57 (A… SGPS) + € 141 860,46 (I… SGPS))

 B-1) Da entrada de activos

Sobre esta matéria alega a recorrente em sede de direito de audição, que "a nova redacção do art. 31º (actual 32º) do EBF, não deva ser aplicada às participações detidas por "entradas de activos" ao abrigo da neutralidade fiscal, de acordo com os arts 67º e 68º (actuais 73º e 74º) do CIRC, porquanto se transferem activos e passivos, recebendo em troca participações, não influenciando em nada o endividamento."

Contrapõe a IT, com o facto de que o regime de neutralidade fiscal previsto, propugna que, verificados os respectivos requisitos, a operação de fusão, cisão, entrada de activos ou permuta de acções, seja fiscalmente neutra, ou seja, no momento da realização da operação tudo se passa como se não tivesse havido transmissão, sendo os resultados apurados, no futuro, na esfera da sociedade beneficiária, como se fora a sociedade fundida, cindida ou a sociedade contribuidora a realizar tais resultados. A tributação é assim postergada para um momento ulterior, não sendo a operação onerada com qualquer carga fiscal no momento da respectiva realização, em obediência a um princípio de continuidade da actividade empresarial. Assim, não faz qualquer sentido a relação estabelecida pela recorrente entre o regime da neutralidade fiscal e o endividamento.

De referir ainda que apesar da aquisição de participações financeiras por troca de activos não gerar endividamento no momento da sua troca, pode existir endividamento subjacente aos activos dados em troca.

No que concerne a este assunto, o nº 7 da circular 7/2004 da DSIRC de 30 de Março, estabelece o método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais, referindo que "dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição."

Assim, a imputação dos encargos financeiros às participações sociais, deverá ser efectuada com base na referida fórmula, não sendo desta forma, aceite a afectação directa ou específica, proposta pela recorrente.

 

B-2) Do valor total do activo bruto ou líquido

Alega ainda a recorrente que o método de afectação dos encargos financeiros deveria ter em conta o valor bruto dos activos e não o valor líquido, dado que é aquele que origina o eventual endividamento e não o valor líquido, ou seja o valor bruto deduzido das amortizações e provisões.

Defende a IT que a diferença entre os valores do Activo Líquido e valores do Activo Bruto, corresponde ao montante das amortizações e provisões, existentes na empresa à data de apresentação das demonstrações financeiras.

Desta forma, se por hipótese fosse considerado, na fórmula de cálculo, os activos brutos, consequentemente teríamos de considerar também, o valor dos empréstimos obtidos pelo seu valor bruto, ou seja, não seriam consideradas as eventuais amortizações de capital que fossem sendo efectuadas ao longo da vida dos empréstimos.

Assim, face ao referido na circular 7/2004 de 30 de Março, que não distingue activo líquido de activo bruto, e atendendo às noções apresentadas e essencialmente à equação fundamental da contabilidade (Activo = Passivo+Situação Líquida), a noção de activo que se deve considerar é a de Activo Líquido.

Pelo exposto, não se atende a pretensão manifestada pela recorrente no direito de audição, mantendo-se a correcção aos encargos financeiros de € 789 746,57 e de € 141 860,46.

C) Custos não aceites fiscalmente - ajudas de custo - € 41 521,60 (E…)

Vem a recorrente alegar que quanto a esta matéria, comprovou por amostragem que as referidas despesas foram imputadas ao projecto que foi facturado, alegando ainda que o procedimento aquando da emissão da factura, segue o entendimento contido no ofício nº … de 1999.09.23 referindo este que, possuindo as empresas mapas que identifiquem o beneficiário, o local para onde se deslocou, a data da deslocação, entre outros, indispensáveis a uma correcta aplicação do disposto na al. f) do nº 1 do art" 41º (actual 45º) do CIRC, a facturação a emitir ao cliente, poderá apresentar o preço global do serviço, não sendo pois, necessário evidenciar os vários componentes que constituem o mesmo. Contrapõe a IT que apenas foi possível comprovar de forma clara e inequívoca, os valores das ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, através da contabilização nas respectivas contas de custos, o mesmo não acontecendo relativamente aos valores facturados, uma vez que, a factura e o auto de medição, não discrimina as referidas despesas.

 

III) Análise dos Factos

A) Da aplicação temporal da norma (articulados 35 a 57 da petição)

No que se refere às correcções dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital (€ 789 746,57 – A…) + € 141 860,46 – I… SGPS), entende a recorrente que, a haver lugar a correcção à matéria colectável, a mesma apenas poderá ter por base as participações adquiridas a partir de 2003.01.01, dado que, se assim não fosse os Serviços de IT, estariam a aplicar retroactivamente a norma da dedutibilidade dos encargos financeiros.

De referir que, dada a impossibilidade de ser efectuada uma imputação directa dos encargos financeiros suportados na aquisição de participações sociais, conforme já devidamente fundamentado no relatório da IT (fls 20 a 23 e 27 a 30 dos autos), o método a utilizar para efeitos de afectação, tem por base uma fórmula, cuja decomposição se encontra descrita, no relatório a folhas atrás enunciadas. A definição desta fórmula por si só, não constitui uma norma de incidência de imposto, mas apenas um método que permite ser exequível à quantificação do valor dos encargos financeiros a acrescer. Também em sede de reclamação graciosa, já esta matéria foi objecto de análise, concluindo que, a Administração Fiscal por força do artº 55º do CPPT, está vinculada ao seguimento das orientações constantes das instruções administrativas emitidas pelos Serviços competentes, e como tal, ao cumprimento rigoroso do entendimento sancionado pela circular 7/2004 de 30 de Março da DSIRC.

Assim, considerando que em sede de Recurso Hierárquico, não alegou a recorrente nada de novo, entendemos ser de indeferir a pretensão da recorrente, no que respeita a esta matéria.

 

B) Do valor do Activo (articulados 58 a 79 da petição)

Da leitura da circular 7/2004 de 30 de Março, verifica-se que a sua orientação é a de que os activos a ter em consideração, se reportam ao seu custo de aquisição, o que de facto fará todo o sentido de acordo com os argumentos que se irão expor de seguida, pelo que se entende a contrario que quaisquer movimentos posteriores que alterem os valores desses activos (e.g. amortizações, ajustamentos, provisões, MEP), não deverão influenciar o cálculo daquela proporção.

Será neste sentido que se utiliza a designação de activo bruto, ou seja, livre dos ajustamentos supra indicados, sentido também dado, pela informação 880/2008 da DSIRC quando refere que, devem ser utilizados os activos brutos mas a custos de aquisição. O artigo 32º do EBF isenta de tributação as mais-valias obtidas com participações sociais, consequentemente, também os encargos financeiros suportados com aquelas participações, não poderão ser aceites como custo, já que, os proveitos advenientes da venda daquelas participações estarão também completamente isentos. Dado que, na maioria das situações, uma empresa apresenta um passivo que não é exclusivamente afecto à (identificável com) aquisição das participações sociais, importou, dada a fungibilidade dos meios monetários, obter-se um modo de imputar proporcionalmente os passivos susceptíveis de gerarem custos para a empresa, às participações sociais isentas nos termos do artigo 32º do EBF.

É neste sentido que surge a circular 7/2004 de 30 de Março da DSIRC, na qual se reconhece a dificuldade de se estabelecer uma directa conexão entre os passivos (empréstimos) sujeitos a encargos financeiros e as participações sociais, pelo que, se explicou naquela orientação, que importava calcular essa imputação «[...] com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos (...) afectando-se o remanescente aos restantes activos (...), proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição[...]».

Ora, como é da normalização e prática contabilística, após a aquisição daquelas participações sociais, é possível alterar o valor daquela participação, por exemplo, pela contabilização dos efeitos da aplicação do método da equivalência patrimonial, o qual, faz reflectir na participante o valor contabilístico da participada na exacta medida da sua percentagem de participação, sendo que, no limite, ou seja, no caso em que a participante possui a totalidade do capital social da participada, o valor patente na contabilidade, mais não é do que o valor contabilístico da sociedade participada, aferido pela situação liquida (ou capital próprio).

Por outro lado, o valor da participação financeira registado na contabilidade da detentora da participação social é acrescido ou deduzido, consoante os aumentos ou diminuições do capital próprio das participadas. Estes últimos movimentos poderão ser consequência, por exemplo, dos resultados obtidos anualmente, distribuição de lucros, cobertura de prejuízos, pelas eventuais reavaliações do imobilizado corpóreo, ou por outros aumentos nas rubricas dos capitais próprios.

Embora a circular em apreço não se refira ao caso concreto da contabilização do método da equivalência patrimonial, mas também se diga que não era necessário efectuar essa menção, parece resultar claro, que a mesma refere que os custos com o financiamento serão afectos aos activos tendo em conta o seu custo de aquisição. Isto porque o nº 2 do artigo 32º do EBF pretende excluir da tributação os encargos suportados com a aquisição de participações sociais cujas mais-valias se encontrarão também isentas.

Numa primeira análise a situação ideal seria que cada aquisição de participação social tivesse um empréstimo associado, de forma a conseguir afectar-se de forma inequívoca os custos com esse empréstimo às participações adquiridas. No entanto tal situação mostra-se completamente impossível face à realidade.

Realidade essa que passa pela assumpção de empréstimo(s), ou passivos remunerados, que visam o financiamento da actividade no seu todo, não sendo por isso possível estabelecer uma conexão directa e objectiva entre os activos adquiridos e os passivos assumidos, sendo por isso necessário estabelecer uma fórmula capaz de repartir proporcionalmente esses encargos.

Ora, como naturalmente se compreende, não se encontra qualquer nexo entre, o registo dos efeitos do método da equivalência patrimonial (ou outras variações, como por exemplo amortizações ou provisões) e, o incremento dos passivos da empresa, ou seja, não é pelo facto de se aumentar o valor da participação social (que não resultou de um dispêndio financeiro efectivo), que os encargos financeiros também aumentam. Por isso, a circular 7/2004 esclareceu que para o cálculo dos encargos financeiros se entra em consideração apenas com o custo de aquisição dos activos financeiros e dos outros. Deste modo, somos do entendimento que o apuramento dos encargos não aceites, terá em atenção os seguintes cálculos:

Esta situação ficará ainda mais evidente se colocarmos em raciocínio o seguinte caso meramente académico, mas que deixará claro os argumentos supra expostos. Se considerarmos um empréstimo concedido (no mesmo montante) para a aquisição de 1.000 unidades monetárias (U.M) de uma participação social, o qual tem associado juros de 100 U.M, temos no ano 0 que:

a) Activo bruto (participação social adquirida): 1.000 U.M.

b) Passivo remunerado: 1.000 U.M.

c) Juros: 100 U.M

Aplicando o disposto no artº 32º do EBF, temos que os juros de 100 UM, decorrentes da utilização daquele passivo, não serão de considerar como custo fiscal. Se imaginarmos que no ano 1, a participante contabilizou o efeito do MEP da sua participada que se cifrou em 200 U.M e se tivermos ainda como pressuposto e, por simplificação, que não foram feitas amortizações do capital mutuado, iremos ter no ano 1, o seguinte cenário:

a) Activo-custo de aquisição da participação social: 1.000

b) Activo outras variações (MEP): 200

c) Passivo remunerado: 1.000

d) Juros suportados: 100

Ora, como facilmente se começa a perceber não é pelo facto de existir um acréscimo ao activo bruto (pela contabilização do MEP) que os juros incorridos com aquele passivo de 100 U.M. deixam de ser aceites como custo fiscal.

Agora, invertendo a situação, ou seja, considerando que o MEP no ano 1 foi negativo num montante que ascendeu a 300 U.M, vamos ter o seguinte cenário:

a) Activo custo de aquisição da participação social: 1.000

b) Activo outras variações (MEP): - 300

c) Passivo remunerado: 1.000

d) Juros suportados: 100

Nesta situação, iríamos ter que 142,86 UM não seriam aceites como custo fiscal (100 / 700 x 1000), facto que se vislumbra como impossível dado que a empresa só terá suportado como custos financeiros a quantia de 100 U.M.

Nestes termos, porque se afigura que a fórmula de cálculo utilizada pelos Serviços de Inspecção Tributária não se encontra de acordo com os princípios plasmados no nº 2 do artº 32º do EBF e não segue a orientação administrativa indicada na circular 7/2004 de 30 de Março, deverá a liquidação ser reformulada, tendo em conta não o Total do Activo Líquido, mas sim o Total do Activo Bruto.

Assim, deverá o valor dos encargos financeiros imputáveis para a A… e I… SGPS ser de € 570 248,50 e € 105 835,34, respectivamente, apurados conforme quadros a seguir:

 

No cálculo dos encargos financeiros, conforme quadros acima, foi tido em conta o custo das participações sociais nos montantes de € 57 859 314,64 e € 22 461 877,74, das empresas A… e I… SGPS, respectivamente, diferentes das inicialmente consideradas pela Inspecção Tributária. Tal alteração deve-se ao facto da recorrente ao comunicar aos Serviços de Inspecção Tributária o valor do custo das participações sociais, ter incluído as prestações acessórias, o que em sede de Recurso Hierárquico veio rectificar, juntando para o efeito os respectivos balancetes analíticos, pelo que, nos valores apurados de encargos financeiros, foi tida em conta, a alteração solicitada.

Pelo exposto, deve a pretensão da recorrente ser deferida, no que respeita aos encargos financeiros, sendo considerado no seu cálculo, como pretendido pela mesma, o Total do Activo Bruto e não o Total do Activo Líquido, pelo que foram apurados novos valores, como sejam, € 570 248,50 (A…) e € 105 835,34 (I… SGPS).

 

C) Das participações recebidas em contrapartida da entrada de activos (articulados 80 a 93 da petição)

Sobre as entradas de activos para a realização de capital social, de referir que no momento da realização da operação, tudo se passa como se não tivesse havido transmissão, sendo os resultados apurados no futuro, na esfera da sociedade beneficiária, como se fora a sociedade fundida, cindida ou a sociedade contribuidora a realizar tais resultados, sendo a tributação preterida para um momento posterior. De referir ainda que, apesar da aquisição de participações financeiras por troca de activos não gerar endividamento no momento da sua troca, nada obsta a que possa existir endividamento subjacente aos activos dados em troca.

Evoca ainda, sobre esta matéria, a Informação Vinculativa referente ao artº 32º dos Estatutos dos Benefícios Fiscais (EBF) - Processo …/2009, da qual consta a definição do conceito de aquisição de participações para efeitos de aplicação do nº 3 do art. 32º do EBF, concluindo a recorrente da mesma que, "a participação detida por uma SGPS numa sociedade quando essa participação respeitar a acções recebidas em contrapartida da entrada em espécie para a realização do capital social no momento da constituição dessas sociedades, não constituirá uma aquisição para efeitos de aplicação da provisão do art. 31º (actual 32º) do EBF."(articulado 31º).

Vem o conceito de Informação Vinculativa, definido no artº 68º da LGT, que refere informações vinculativas sobre a situação tributária dos sujeitos passivos, incluindo, nos termos da lei, os pressupostos dos benefícios fiscais, são requeridas ao dirigente máximo do serviço, sendo o pedido acompanhado da descrição dos factos cuja qualificação jurídico-tributária se pretenda". Também o art 57º do CPPT refere "A notificação aos interessados da resposta ao pedido de informação vinculativa inclui obrigatoriamente a informação ou parecer em que a administração tributária se baseou para a sua prestação." Pelo descrito, conclui-se que uma informação vinculativa tem sempre subjacente, um pedido de esclarecimento sobre uma matéria específica, ficando vinculada a Administração Fiscal, quando a mesma for proferida por escrito, a cumprir com os preceitos nela definidos, tendo em conta que a mesma caduca em caso de alteração superveniente dos pressupostos de facto ou de direito em que assentaram (nº 15 do artº 68º da LGT), podendo ser revogadas, com efeitos para o futuro (nº 16 do artº 68º da LGT) e não podendo a Administração Tributária, em relação ao objecto do pedido, proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial (nº 14 do artº 68º da LGT). Assim, a Informação Vinculativa a que se refere a recorrente, aplica-se para um caso em concreto, nomeadamente às partes de capital que tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, e não para a generalidade das entidades. Assim, não assiste razão à recorrente, pelo que, deverão os encargos financeiros fazer parte do custo de aquisição das partes de capital.

 

D) Custos não aceites fiscalmente - ajudas de custo - € 41 521,60 (articulados 117 a 129 da petição)

Também este ponto já foi analisado em sede de Reclamação Graciosa, (ponto 3.2 da presente petição) e em sede de Relatório da Inspecção Tributária (ponto 4.2.II-C da presente petição), concluindo-se não serem os mesmos aceites como custo, pelo facto das ajudas de custo não terem sido facturadas aos clientes, conforme al. f) do nº1 do artº 45º do CIRC, não demonstrando a recorrente no exercício do Recurso Hierárquico, o contrário, ou seja, não apresentou qualquer facto diferente dos já apresentados em sede de direito de audição ao relatório da Inspecção Tributária, bem como no exercido da Reclamação Graciosa. Assim, é de manter a correcção proposta pela Inspecção Tributária. Dado que não apresentou a recorrente nada de novo, deverá ser mantida a correcção às ajudas de custo, respeitantes à empresa E….

 

5 CONCLUSÃO l PROPOSTA

Em conformidade com o exposto, propõe-se o deferimento parcial, pelas razões a seguir evocadas:

- sobre a aplicação temporal da norma, o seu indeferimento pelas razões evocadas no ponto III -A) da presente Informação;

- quanto ao valor do Activo, deve a pretensão da recorrente ser deferida, dado ter aplicação no cálculo dos encargos financeiros, o Total do Activo Bruto e não o Total do Activo Líquido, passando o valor dos encargos financeiros a excluir dos custos fiscalmente aceites de € 789 746,57 para € 570 248,50 (A…) e de € 141 860,46 para € 105 835,34 (I… SGPS), ou seja, os encargos financeiros que não concorrem para o apuramento do lucro tributável, são apenas de € 676 083,84 (€ 570 248,50 + € 105 835,34) e não de € 931 607,03 (€ 789 746,57 + € 141 860,46), conforme ponto III - B) da presente Informação. Assim, deverá a correcção efectuada pela Inspecção Tributária, ser anulada pelo montante de € 255 523,19 (€931 607,03-€ 676 083,84);

- no que respeita às participações recebidas em contrapartida da entrada de activos, deve a pretensão ser indeferida, atento o descrito no ponto III - C) da presente Informação;

- também a correcção das ajudas de custo respeitantes à empresa E…, deverá ser indeferida, pelo exposto no ponto III - D) da presente Informação.

 

6 DIREITO DE AUDIÇÃO

Considerando as instruções sobre o direito de audição prévia, veiculadas na Circular 13/99 de 8 de Julho, da Direcção de Serviços de Justiça Tributária, tendo em conta que a decisão ora tomada se baseia em factos sobre os quais já foi exercido o direito de audição e não tendo sido trazido ao Processo, elementos ou factos novos em sede da presente petição, limitando-se a decisão a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis, somos de parecer que é de dispensar nova audição à recorrente.

q)      A Administração Tributária emitiu a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, cujo teor se dá como reproduzido, disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/25504FA8-CD27-4EA3-A238-E67E6A99ED75/0/circular_7-2004_de_30_de_marco_da_dsirc.pdf,;

r)       Em 05-05-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que a Requerente tivesse utilizado os financiamentos que geraram os encargos financeiros referidos no Relatório da Inspecção Tributária para adquirir participações, nos termos definidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto baseia-se no processo administrativo e nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Acto que é objecto do processo

 

Após a decisão do recurso hierárquico, que deferiu parcialmente a pretensão nele formulada pela Requerente, subsiste na ordem jurídica a liquidação 2008 …, de 17-03-2008, com a fundamentação que lhe foi dada na decisão do recurso hierárquico, nas partes em que não foi deferida a pretensão da Requerente que são:

– relativamente à A…, a parte da liquidação correspondente à correcção de € 570 248,50;

– relativamente à I… SGPS, a parte da liquidação correspondente a € 105 835,34;

– relativamente à E…, a parte da liquidação correspondente a ajudas de custo não facturadas a clientes no valor de € 41 521,60.

 

            3.2. Posições das Partes

 

A Requerente defende no presente processo, em suma, o seguinte:

– que, em regra, os encargos financeiros são dedutíveis e, apenas no momento da verificação da condição suspensiva e se verificada tal condição suspensiva (decurso do período aplicável previsto no artigo 32.º, n.ºs 2 e 3) proceder aos devidos acertos para efeitos de apuramento do lucro tributável;

– que é ilegal a determinação dos encargos financeiros através do método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, só podendo ser aplicável um critério de imputação directa e real de apuramento dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital;

– que o ónus da prova da imputação de determinados encargos financeiros às respectivas aquisições de partes de capital cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira, quando divergir do declarado pelo contribuinte e que, no caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não logrou provar que, em 2004, foram suportados encargos financeiros decorrentes de financiamento obtido para a aquisição de participações sociais que tivessem sido posteriormente, alienadas;

– os encargos suportados com ajudas de custo e compensação por deslocação em viatura própria do trabalhador estão devidamente documentados pelos respectivos mapas de itinerários, estando igualmente documentada a ligação desses encargos aos vários projectos, relativamente ao qual se procedeu a facturação ao respectivo cliente, conforme documentação, já, disponibilizada durante o procedimento de inspecção;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira não coloca em causa estes custos nem a respectiva documentação, mas apenas eles não estarem «expressa e autonomamente mencionados nas facturas», pois, se a Autoridade Tributária tivesse concluído que a documentação, suporte aos custos suportados com as ajudas de custo e compensações por deslocação em viatura própria do trabalhador, não era suficiente ou adequada para efeitos de suporte à respectiva dedutibilidade, teria, seguramente, efectuado uma correcção ao resultado líquido do exercício, para efeitos de apuramento do lucro tributável de 2004, consistindo no acréscimo da totalidade (100%) desses encargos, por aplicação da segunda parte da alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º do Código do IRC (à data dos factos) e não apenas ao acréscimo de 20% do montante desses encargos;

– para além disso, deve ser aplicada a doutrina do Ofício n.º …, de 26-09-1999, emitido pela AT, em que se refere que «desde que as empresas possuam mapas com todos os elementos atrás referidos indispensáveis a uma correcta aplicação do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 41.º do CIRC, a facturação a emitir ao cliente poderá apresentar o preço global do serviço prestado, não sendo pois necessário evidenciar os vários componentes que constituem o mesmo»;

– conforme resulta da própria letra da alínea f) do n.º 1 do artigo 42º do Código do IRC, ao fazer referência a despesas "não facturadas a clientes" não estabelece a obrigatoriedade de as ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador serem discriminadas nas facturas emitidas aos clientes, não decorrendo da norma a fixação de qualquer regra no que respeita aos requisitos formais a observar para comprovar que a facturação a clientes ocorreu.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende no presente processo o seguinte, em suma:

– quanto ao período em que deverão ser feitas as correções fiscais dos encargos financeiros é de aplicar o que se prevê no n.º 6 da Circular n.º 7/2004: “Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores”; mas, no caso em apreço, todas as participações eram detidas há mais de um ano;

– não é inconstitucional o artigo 31.º, n.º 2, do EBF, na parte em que impõe a indedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital logo que estes sejam incorridos, independentemente da realização de mais valias isentas de tributação com a alienação de tais partes de capital;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira não presumiu qualquer alienação, nem tal faria sentido ou seria necessário para a correcção efectuada;

– no art. 31.º do EBF criou-se uma ligação entre a aquisição de partes de capital detidas e mantidas ao longo de um dado período mínimo, em consonância com o regime jurídico da SGPS, e a relevância fiscal dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição, um ambiente de neutralidade entre os ganhos com determinados activos financeiros e os gastos associados ao passivo necessário à aquisição e manutenção desses activos, que constitui um mero corolário do princípio geral da indispensabilidade dos gastos, ou seja, do princípio segundo o qual a dedução fiscal é condicionada à sua conexão com a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto e do qual resulta que se determinados gastos estão relacionados com rendimentos não sujeitos a imposto não são fiscalmente dedutíveis;

– o nº 2 do artigo 31º do EBF não exige que o método a aplicar para afectação dos encargos financeiros seja o método directo, pelo que pode ser utlizado qualquer método adequado;

– a Requerente não procedeu a uma afectação específica dos seus encargos financeiros, pelo que seria difícil aplicar o método directo e não foram trazidos ao conhecimento da inspecção elementos que permitam aplicar o método directo;

– a afectação não específica é, nessa situação, a única que permite manter o respeito pela ratio legis do regime em apreço, ou seja a neutralidade entre proveitos e custos;

– o acolhimento da interpretação normativa do nº 2 do artigo 31º do EBF defendida pela Requerente redundaria também numa inaceitável violação do princípio da igualdade e, bem assim, do princípio da capacidade contributiva que exprime e concretiza o princípio da igualdade tributária, pois apenas os contribuintes que não realizassem a afectação directa poderiam deduzir fiscalmente os encargos financeiros;

– também quanto à imputada inconstitucionalidade da Circular nº 7/2004 improcede o pedido de pronúncia arbitral;

– a Informação Vinculativa a que se refere a requerente, aplica-se para um caso em concreto: o caso em que as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, e não para a generalidade das entidades;

– quanto às ajudas de custo, à face a lei, o contribuinte tinha de ter, por cada pagamento que efectuasse, um mapa que permitisse um efectivo controlo das ajudas de custo, sendo que, sem isso, a totalidade das ajudas de custo em causa não seriam aceites para efeitos fiscais;

– se o contribuinte tivesse tal mapa para cada pagamento efectuado e tivesse, também, facturado as despesas com as ajudas de custo ao cliente, podia deduzi-las (na totalidade) para efeitos fiscais;

– se o contribuinte tivesse, para cada pagamento efectuado, o referido mapa, mas não tivesse facturado as despesas com ajudas de custo ao cliente, 20% do seu valor não podia ser aceite para efeitos fiscais;

– assim, a Requerente tem de provar em cada caso que facturou as ajudas de custo aos clientes e não fez essa prova, nem durante a inspecção nem na reclamação graciosa, nem no recurso hierárquico nem em sede arbitral;

– o ofício a que a Requerente faz referência respeita ao ofício de resposta a um pedido de informação vinculativa efectuado pela SS… e que, nos termos do disposto no artigo 68.º da LGT, é de aplicação exclusiva às empresas associadas daquela entidade.

 

3.3. Questão da do regime aplicável às mais-valias e menos valias obtidas pelas SGPS e respectivos encargos financeiros

 

A Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, alterou o artigo 31.º, n.º 2, dando-lhe a seguinte redacção:

 

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

 

Posteriormente, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, em que, além do mais, se refere o seguinte:

 

7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

 

Na sequência da inspecção tributária foram efectuadas correcções à matéria tributável da Requerente e à matéria tributável da I… SGPS, SA, por a AT não ter aceitado, com fundamento no artigo 31.º, n.º 2, do EBF, como custos os encargos financeiros, que calculou aplicando o critério que consta daquele ponto 7 da Circular n.º 7/2004, entendendo que o novo regime é aplicável a factos ocorridos a partir de 01-01-2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes desta data.

Na decisão do recurso hierárquico foram mantidas parcialmente aquelas correcções.

 

3.3.1. Indedutibilidade dos encargos financeiros logo que sejam incorridos

 

No presente processo, a Requerente começa as suas alegações sobre a matéria de direito, dizendo, em suma, que tem observado a regra de «que os encargos financeiros são dedutíveis e, apenas no momento da verificação da condição suspensiva e se verificada tal condição suspensiva, proceder aos devidos acertos para efeitos de apuramento do lucro tributável nos termos do previsto nos n.º 2 e 3 do artigo 31.º do EBF».

No entanto, examinando o pedido de pronúncia arbitral e as alegações da Requerente, não se encontra na abordagem que faz dessa questão a imputação de qualquer vício ao acto, designadamente qualquer afirmação de que, a deverem ser efectuadas correcções, elas deveriam ser efectuadas noutro exercício.

Na verdade, a Requerente limita-se a fazer uma alusão às dificuldades de aplicação do regime do artigo 31.º, n.º 2, do EBF, «no que respeita ao conceito de encargos financeiros e ao momento da definição do regime, no que respeita à necessidade de alocação dos encargos financeiros», e a afirmar que «sempre pautou o seu comportamento pela adopção ab initio de um princípio de dedutibilidade» que «consiste em considerar, em regra, que os encargos financeiros são dedutíveis e, apenas no momento da verificação da condição suspensiva e se verificada tal condição suspensiva, proceder aos devidos acertos para efeitos de apuramento do lucro tributável nos termos do previsto nos n.º 2 e 3 do artigo 32.º do EBF. (artigos 22.º a 25.º do pedido de pronúncia arbitral).

Mas, em nenhum ponto do pedido de pronúncia arbitral a Requerente imputa erro à Autoridade Tributária e Aduaneira quanto à questão do exercício em que deve ser efectuada a dedução, designadamente não fazendo qualquer referência a violação das normas legais que regulam a imputação de gastos aos exercícios.

Na verdade, a condição suspensiva a que a Requerente alude, fazendo uma citação no artigo 26.º do pedido de pronúncia arbitral, é a de ter decorrido mais de um ano desde a aquisição das participações sociais, não afirmando a Requerente que essa condição não se tenha verificado.

As conclusões das alegações confirmam esta interpretação do pedido de pronúncia arbitral, pois não é feita qualquer alusão a esta questão.

 Por isso, quanto a este ponto nada há que decidir.

 

3.3.2. Questão da ilegalidade da determinação dos encargos financeiros através do método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004

 

O artigo 32.º, n.º 2, do EBF estabelece que «as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades».

Como se referiu, a Autoridade Tributária e Aduaneira determinou os encargos financeiros que entendeu terem sido suportados pela Requerente e pela I… SGPS, SA, para adquirirem as participações sociais através do método previsto no ponto 7. da Circular n.º 7/2014, que estabelece que «quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição».

A Requerente defende que nem o CIRC nem o EBF definem uma regra para apuramento de "presumíveis" encargos financeiros suportados pelas SGPS com financiamentos obtidos para aquisição de participações, que devam ser considerados fiscalmente não dedutíveis e que o artigo 31.º, n.º 2, referido pressupõe uma afectação directa e que não é admissível o recurso a critérios de imputação de encargos financeiros não dedutíveis, criados à margem da lei, sendo, no caso, exigível lei formal ou decreto-lei autorizado, por força do princípio da legalidade.

Na verdade, o n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que é manifesto que pressupõe que seja determinada a afectação de encargos financeiros à aquisição de determinadas partes de capital que (na interpretação assumida por ambas as partes) terão de ser detidas por mais de um ano.

Por outro lado, não há o mínimo suporte legal para, em vez de determinar casuisticamente se existe ou não tal afectação dos recursos financeiros geradores dos encargos à aquisição de determinadas partes de capital, imputar os encargos, «em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição».

Este método só corresponderia ao legalmente exigido para determinar os encargos não dedutíveis, se se provasse que, de facto, os financiamentos a que se referem os encargos financeiros tinham sido afectados da forma aí prevista e, designadamente, no que concerne às participações sociais, tinham sido utilizados proporcionalmente para as adquirir. Mas, para além dessa falta de prova da correspondência entre a realidade e o critério de imputação utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nem sequer é aventada na referida Circular qualquer explicação para ser utilizada fórmula indicada e não outra.

Por outro lado, como defende a Requerente, a definição dos pressupostos da tributação é matéria sujeita ao princípio da legalidade, desde logo por força do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP que estabelece que «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes».

 

Este princípio é reafirmado e ampliado pela LGT, no seu artigo 8.º.

É, assim, claro que as normas relativas à liquidação de tributos, designadamente, as que definem a incidência e os benefícios fiscais, estão subordinadas ao princípio da legalidade, estando consequentemente afastada a possibilidade de, por via administrativa, serem criadas normas de que resulte uma efectiva oneração para os contribuintes. ( [1] )

São normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação». Neste sentido, são normas de incidência as que determinam os sujeitos activo e passivo da obrigação tributária, as que indicam qual a matéria tributável ou colectável, a taxa e os benefícios fiscais. ( [2] )

O ponto 7 da Circular n.º 7/2004 consubstancia uma norma de natureza inovadora sobre a determinação da matéria tributável de IRC e, em última análise, sobre a amplitude de um benefício fiscal, pelo que é inválida por violação do princípio da legalidade.

Por outro lado, é patente pelos relatórios das inspecções tributárias efectuadas à Requerente e à I… SGPS, SA que a Autoridade Tributária e Aduaneira nem sequer procurou averiguar se era possível determinar a afectação directa de recursos financeiros à aquisição de participações sociais, avançando decididamente para a aplicação do método previsto na Circular.

Ora, o princípio da legalidade invocado pela Requerente através da citação do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15-01-2015, proferido no processo n.º 00946/09.0BEPRT), referido no artigo 55.º da LGT, tem também a vertente atinente a actividade da administração, sendo aí indicado como um dos princípios do procedimento tributário (em concretização do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, que estabelece que «os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei»).

O conteúdo do princípio da legalidade é indicado no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, vigente ao tempo em que foi emitida a liquidação e subsidiariamente aplicável ao procedimento tributário por força do disposto na alínea c) do artigo 2.º da LGT, tendo a formulação positiva de que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos».

Neste artigo 3.º do CPA de 1991, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». ( [3] )

«A lei não é apenas um limite à actuação da Administração: é também o fundamento da acção administrativa. Quer isto dizer que, hoje em dia, não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça». ( [4] ) ( [5] )

Por isso, no caso em apreço, como se entendeu no referido acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte citado pela Requerente, «pretendendo a ATA desconsiderar os custos contabilizados pela recorrida com fundamento na violação do art.º 31º/2 do EBF, deveria demonstrar os pressupostos do seu direito à tributação, ou seja, deveria provar que esses custos não eram legalmente dedutíveis quer porque se realizaram menos valias com a transmissão onerosa de partes de capital detidas há menos de um ano, quer porque foram suportados e contabilizados encargos financeiros com a sua aquisição». Na verdade, era este o método directo o que deveria ter sido utilizado, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode fazer uso de um método indirecto para determinar a matéria tributável da Requerente sem estarem reunidos os requisitos legais de que a lei faz depender a sua utilização, previstos nos artigos 85.º e 87.º da LGT, e não pode usar para a quantificação da matéria tributável critérios não previstos na lei (artigo 90.º da LGT).

No que concerne à posição defendida pela Requerente, na esteira do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15-01-2015, proferido no processo n.º 00946/09.0BEPRT, sobre o ónus da prova da afectação dos encargos financeiros, a Requerente apenas tem razão se encarado este ónus globalmente, tendo em conta tudo o que tem de provar para chegar à conclusão a que chegou.

Na verdade, embora em matéria de benefícios fiscais existam normas especiais de que se infere que o ónus da prova dos factos necessários para deles usufruir cabe a quem os invoca (artigos 14.º, n.º 2, e 74.º, n.º 1, da LGT), na específica situação em apreço, não se está perante a invocação de pressupostos de benefícios fiscais, pois a parte do artigo 32.º, n.º 2, do EBF que prevê a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não estabelece um benefício fiscal, mas sim uma limitação à dedutibilidade de encargos financeiros, negativa para o contribuinte, estabelecida com a finalidade de atenuar o regime fiscalmente favorecido de que usufruem as SGPS em relação às sociedades em geral.

Por isso, ao determinar a não dedutibilidade dos encargos financeiros, a Autoridade Tributária e Aduaneira está levar a cabo uma actividade de natureza desfavorável para o contribuinte, pelo que lhe cabe o ónus da prova dos factos que invocar para fundamentar a sua actuação, designadamente, ao optar pela utilização de método indirecto de determinação da matéria tributável, de provar que se verificava algum ou alguns dos pressupostos legais da sua aplicação, indicados no artigo 87.º da LGT, como decorre do n.º 3 do artigo 74.º da LGT. Será esta a regra especial do ónus da prova a aplicável aos casos de uso de métodos indirectos de determinação da matéria tributável e não a regra geral do artigo 74.º, n.º 1, invocada pela Requerente.

No caso em apreço, esta prova não foi feita, pois

– não se refere nos relatórios das inspecções tributárias relativos à Requerente e à I… SGPS, SA, que tenha sido efectuada qualquer diligência junto da Requerente para obter informações sobre a hipotética afectação ou não de financiamentos à aquisição de partes de capital;

– não é dada nos relatórios das inspecções tributárias relativos à Requerente e à I… SGPS, SA, qualquer explicação sobre os motivos por que, em concreto, em face dos elementos da escrita da Requerente, se concluiu que não podia ser directamente apurado se e em que medida financiamentos foram utilizados para aquisição de partes de capital. Aliás, no ponto IV do Relatório da Inspecção Tributária à Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, sobre os «factos que implicam o recurso a métodos indiretos», limitou-se a dizer «Não aplicável».

 

Se não se provaram, em concreto, «factos que implicam o recurso a métodos indiretos», não podem ser utilizados métodos indirectos para determinar a matéria tributável, pois estes só podem ser utlizados quando se demonstrar não ser viável a utilização de métodos directos, como decorre do artigo 85.º, n.º 1, da LGT.

Mas, de qualquer forma, não há uma violação directa da regra do ónus da prova, pois, se se provassem factos que permitissem o uso de métodos indirectos, seria à Requerente que caberia o ónus de provar o eventual excesso na quantificação, nos termos do artigo 74.º, n.º 3, da LGT.

No que concerne à alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira de que esta interpretação viola o princípio da igualdade e, bem assim, do princípio da capacidade contributiva que exprime e concretiza o princípio da igualdade tributária «apenas os contribuintes – como é o caso da requerente - que não realizassem a afectação direta poderiam deduzir fiscalmente os encargos financeiros», assenta num pressuposto errado, pois a afectação de financiamentos à aquisição de partes de capital, quando ocorre, é necessariamente directa.

A «afectação indirecta» criada pela Autoridade Tributária e Aduaneira através da Circular n.º 7/2004 é uma mera ficção, baseada em presunções cujo fundamento não é nela explicado, para levar a concluir que houve uma afectação (necessariamente directa) de financiamentos à aquisição de participações sem se apurar se ela ocorreu ou não e em que medida.

Ora, como é óbvio, aos contribuintes em relação aos quais não se provou que afectaram financiamentos à aquisição de partes de capital não pode ser dado o tratamento jurídico que é dado àqueles que se provou tal afectação, para efeito do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, pois a afectação é o pressuposto necessário da sua estatuição.

Conclui-se, assim, que o acto impugnado enferma de vício de violação de lei, por não ter observado o regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF e ter infringido o princípio da legalidade, nas vertentes formal (artigos 103.º, n.º 2, da CRP e 8.º, n.º 1, da LGT) e procedimental (artigos 55.º da LGT e 266.º, n.º 2, da CRP).

Por isso, procede o pedido de pronúncia arbitral nesta parte.

 

3.4. Correcções à matéria colectável decorrentes da não dedutibilidade de gastos suportados pela E… com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador

 

            A Administração Tributária efectuou uma correcção à matéria tributável do grupo de que a Requerente é sociedade dominante no valor de €41.521,60, respeitante às correcções efectuadas em termos individuais à sociedade dependente "E…., SA”, correspondente a encargos com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador.

            A correcção foi efectuada ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, vigente em 2004, que estabelecia o seguinte:

1 - Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:

(...)

f) As despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, e a totalidade das mesmas sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efectuado, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respectivos locais, tempo de permanência e objectivo, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário;

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou a referida correcção, com o fundamento de a E…, SA, não ter incluído nas facturas que emitiu aos seus clientes referências expressas a essas despesas, dizendo, no Relatório da Inspecção Tributária, que «desta forma não se consegue comprovar de forma clara e inequívoca, a correspondência existente entre os valores daqueles encargos contabilizados como custo e os valores que são objecto de facturação aos respectivos clientes» e que «de acordo com o entendimento da Administração Fiscal veiculado em diversas Informações Vinculativas, referindo que, para se considerar que as Ajudas de Custo foram facturadas a clientes, é necessário que as mesmas estejam expressa e autonomamente mencionadas nas facturas, concluímos que não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável, 20% dos encargos com Ajudas de Custo, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício».

A Requerente manifestou, ao exercer o direito de audição sobre o Relatório da Inspecção Tributária, na reclamação graciosa deduzida e no recurso hierárquico, o seu desacordo em relação a essa correcção à matéria tributável, referindo existirem instruções administrativas (em concreto o Oficio n.º …, de 23-09-1999) nas quais a Autoridade Tributaria já havia manifestado o seu entendimento de que: "6... desde que as empresas possuam mapas com todos os elementos atras referidos" indispensáveis a uma correcta aplicação do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, a facturação a emitir ao cliente poderá apresentar o preço global do serviço prestado, não sendo pois necessário evidenciar os vários, componentes que constituem o mesmo.”

No Relatório da Inspecção Tributária a Autoridade Tributária e Aduaneira referiu, na sequência do exercício do direito de audição, que o Oficio nº … de 23.09.99 constitui «resposta a um pedido de informação vinculativo efectuado pela SS… e de aplicação exclusiva às empresas associadas daquela entidade. Parece-nos não ter cabimento que o sujeito passivo sustente o procedimento, diferente do legalmente prescrito, invocando o regime que está a ser seguido pelas empresas de transportes de mercadorias, cuja possibilidade foi admitida, ainda que excepcionalmente, pelo referido ofício, dada a natureza específica da actividade em questão, vinculando assim, ao abrigo do art.º 68º da LGT, apenas a situação em concreto. O que quer dizer que para as restantes situações, ainda que o custo seja efectivo, não é admissível a possibilidade de omissão da menção das ajudas de custo nas facturas».

A decisão do recurso hierárquico manteve a posição assumida no Relatório da Inspecção Tributária (página 16).

            A Requerente entende que a letra da alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, ao fazer referência a despesas “não facturadas a clientes” não estabelece a obrigatoriedade de as ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador serem discriminadas nas facturas emitidas aos clientes, não decorrendo da norma a fixação de qualquer regra no que respeita aos requisitos formais a observar para comprovar que a facturação a clientes ocorreu e que os encargos suportados com ajudas de custo e compensação por deslocação em viatura própria do trabalhador estão devidamente documentados pelos respectivos mapas de itinerários, estando igualmente documentada a ligação desses encargos aos vários projectos, relativamente ao qual se procedeu a facturação ao respectivo cliente, conforme documentação, já, disponibilizada durante o procedimento de inspecção.  

Como refere a Requerente, a Autoridade Tributária não questiona os custos incorridos com as ajudas de custo e compensações por deslocação em viatura própria do trabalhador, nem a respectiva documentação de suporte, mas apenas o facto de esses custos não terem sido “expressa e autonomamente mencionados nas facturas" emitidas aos clientes. Na verdade, se a entidade patronal não possuísse, «por cada pagamento efectuado, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respectivos locais, tempo de permanência e objectivo, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário», teria considerado a totalidade das despesas referidas como indedutíveis, como decorre da segunda parte daquela alínea f).

            De facto, a letra da alínea f) do n.º 1 do art. 42.º do CIRC, ao fazer referência a despesas “não facturadas a clientes”, não exige explicitamente que o montante das ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador seja discriminado nas facturas.

Por outro lado, não é requisito das facturas relativas às prestações de serviços, a discriminação de cada um dos custos necessários para os prestar, como se infere do art. 35.º do CIVA vigente em 2004 (actual art. 36.º).

            O facto de se prever, na parte final daquela alínea f), que não é dedutível a totalidade das despesas desses tipos quando a empresa não disponha «por cada pagamento efectuado, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respectivos locais, tempo de permanência e objectivo, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário» revela que é legalmente exigível uma comprovação completa relativa à identificação dessas despesas «por cada pagamento efectuado», mas não implica que essa indicação tenha de constar das facturas. Pelo contrário, a imposição da existência de um «mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas» aponta no sentido de não ser necessária a indicação expressa nas facturas, já que o mapa assegurará a possibilidade do controlo visado.

            Por isso, não sendo requisito das facturas relativas a prestação de serviços a indicação discriminada de todas as despesas necessárias para os prestar (o que, aliás, seria praticamente inviável, em face da existência de múltiplas despesas gerais cujo reflexo em determinado serviço é impossível de determinar com rigor), a interpretação adequada da referida alínea f) é a de que o acréscimo de 20% aí previsto se reporta apenas a despesas com ajudas de custo e compensação por uso de viatura do trabalhador cujo valor não seja englobado em facturas, pelo que não se justifica a correcção efectuada, com o fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

            Por isso, justifica-se a anulação da liquidação impugnada, na parte em que assentou no acréscimo de 20% relativo às ajudas de custo, por enfermar de vício de violação de lei.

           

4. Decisão

 

   De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)  Anular a liquidação adicional de IRC n.º 2008 …, de 17-03-2008, na parte em que incorpora a correcção à matéria colectável do Grupo de que a Requerente é sociedade dominante, no montante de Euro 676.083,84, decorrente das correcções consideradas na esfera individual da A… e da I… SGPS relativamente aos encargos financeiros que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou não dedutíveis;

c)  A anular a mesma liquidação na parte em que incorpora a correcção à matéria colectável do Grupo decorrente da correcção à matéria colectável na esfera individual da E…, no montante de Euro 41.521,60, relativa a 20% das despesas com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 199.827,87.

 

6. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 11-11-2015

    

    Os Árbitros,

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

(Artur Maria da Silva)

 



[1]

                 Neste sentido, defendendo que deve distinguir-se, para efeitos de aplicação do princípio da legalidade, «entre normas que constituem uma efectiva oneração do contribuinte – sujeitas a reserva de lei – e deveres de cooperação de menor monta que daquela podem ser dispensados (tudo resultando do grau de sacrifício que implicarem e da legitimidade da sua exigência em termos de proporcionalidade) e normas organizatórias da cobrança e liquidação, que não faz sentido sujeitar ao princípio da legalidade», pode ver-se SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, páginas 121-122).

[2] SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 126.

                Em sentido idêntico, pode ver-se e NUNO SA GOMES, Manual de Direito Fiscal, volume II, página 56.

 

[3]  FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, página 40.

      Em sentido semelhante, pode ver-se o primeiro Autor em Curso de Direito Administrativo, volume II, página 42.

 

[4]   FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, páginas 42-43.

      Em sentido idêntico, podem ver-se:

            – MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, 1999, volume I, página 84, que refere:

      «Com o Estado pós-liberal, em qualquer das suas três modalidades, a legalidade passa de externa a interna.

     A Constituição e a lei deixam de ser apenas limites à actividade administrativa, para passarem a ser fundamento dessa actividade.

     Deixa de valer a lógica da liberdade ou da autonomia, da qual gozam os privados, que podem fazer tudo o que a Constituição e a lei não proíbem, para se afirmar a primazia da competência, a Administração Pública só pode fazer o que lhe é permitido pela Constituição e a lei, e nos exactos termos em que elas o permitem.».

-             MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, em Código do Procedimento Administrativo Comentado, volume I, 1.ª edição página 138, em que referem que

    «As fórmulas usadas parecem manifestações inequívocas de que, para o legislador do Código, a actuação da Administração Pública é comandada pela lei, sendo ilegais não apenas os actos (regulamentos ou contratos) administrativos produzidos contra proibição legal, como também aqueles que não tenham previsão ou habilitação legal, ainda que genérica (ou até orçamental)».

 

         – ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, página 56:

         «Ora, este princípio não admite, contrariamente ao que sucede com os particulares, que seja possível à Administração tudo o que a lei não proíbe, antes impõe que apenas lhe seja possível aquilo que positivamente lhe seja permitido.»

 

[5] Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 24-11-2004, processo n.º 225/03.