Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 297/2015-T
Data da decisão: 2015-11-02  IVA  
Valor do pedido: € 646.213,46
Tema: IVA - Competência material do Tribunal Arbitral, juros compensatórios, juros indemnizatórios, indemnização por garantia indevida
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dr.ª Maria Isabel Guerreiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-07-2015, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A… – …, Lda.”, NIPC …, doravante designada por Requerente, com sede na Rua …, n º …, … Vila Nova de Gaia, veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”) em conjugação com a alínea a) do artigo 99º e a alínea d) do n.º 1 do artigo 102º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) apresentar um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, tendo em vista a declaração de ilegalidade das seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios, relativas aos anos de 2010 a 2013:

a) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201001 a 201003, no montante total a pagar de € 12.014,23;

b) Liquidação de Juros Compensatórios n.º …, referente ao período 201001 a 201003, no montante total a pagar de € 2.161,90;

c) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201004 a 201006, no montante total a pagar de €16.658,41;

d) Liquidação de Juros Compensatórios n.º …, referente ao período 201004 a 201006, no montante total a pagar de €2.831,47;

e) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201007 a 201009, no montante total a pagar de €14.449,9o;

f) Liquidação de Juros Compensatórios n º …, referente ao período 201007 a 201009, no montante total a pagar de € 2.310,54;

g) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201010 a 201012, no montante total a pagar de €23.987,07;

h) Liquidação de Juros Compensatórios n.º …, referente ao período 201010 a 201012, no montante total a pagar de € 3.596,09;

i) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201101 a 201103, no montante total a pagar de € 22.592,84;

j) Liquidação de Juros Compensatórios n º …, referente ao período 201101 a 201103, no montante total a pagar de €3.164,24;

k) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201104 a 201106, no montante total a pagar de €29.942,51;

l) Liquidação de Juros Compensatórios n º …, referente ao período 201104 a 201106, no montante total a pagar de € 3.891,71;

m) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201107 a 201109, no montante total a pagar de € 33.479,34;

n) Liquidação de Juros Compensatórios n.º …, referente ao período 201107 a 201109, no montante total a pagar de €4.013,85;

o) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201110 a 201112, no montante total a pagar de € 14.583,92;

p) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201110 a 201112, no montante total a pagar de € 1.603,03;

q) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201201, no montante total a pagar de € 18.744,27;

r) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201201, no montante total a pagar de € 2.006,92;

s) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201202, no montante total a pagar de € 12.623,18;

t) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201202, no montante total a pagar de € 1.311,42;

u) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201203, no montante total a pagar de € 23.306,86;

v) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n º 2014…, referente ao período 201203, no montante total a pagar de € 2.344,73;

w) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201204, no montante total a pagar de € 14 663,2o;

x) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n º 2014…, referente ao período 201204, no montante total a pagar de € 1.423,73;

y) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201205, no montante total a pagar de € 12.095,24;

z) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201205, no montante total a pagar de € 1.135,95;

aa) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201206, no montante total a pagar de € 4.506,45;

bb) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n º 2014…, referente ao período 201206, no montante total a pagar de € 407,92;

cc) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201207, no montante total a pagar de € 14.718,12;

dd) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201207, no montante total a pagar de € 1.289,29;

ee) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201208, no montante total a pagar de € 6.212,70;

ff) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201208, no montante total a pagar de € 520,84;

gg) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201209, no montante total a pagar de € 16.872,25;

 hh) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n º 2014…, referente ao período 201209, no montante total a pagar de € 1.353,47;

ii) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201210, no montante total a pagar de € 16.751,52;

jj) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n º 2014…, referente ao período 201210, no montante total a pagar de € 1.292,39;

 kk) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201211, no montante total a pagar de € 14.335,97;

ll) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201211, no montante total a pagar de € 1.057,32;

mm) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201301, no montante total a pagar de € 15.819,66;

nn) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201301, no montante total a pagar de € 1.062,73;

oo) Liquidação de TVA consubstanciada no documento n º 2014…, referente ao período 201302, no montante total a pagar de € 16.704,21;

pp) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201302, no montante total a pagar de € 1.067,23;

 qq) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201303, no montante total a pagar de € 69.334,10;

rr) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201303, no montante total a pagar de € 1.020,19;

ss) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201304, no montante total a pagar de € 13.384,95;

tt) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201304, no montante total a pagar de € 764,22;

uu) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201305, no montante total a pagar de € 7.701,07;

vv) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201305, no montante total a pagar de € 415,22;

ww) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201306, no montante total a pagar de € 13.435,50;

xx) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201306, no montante total a pagar de € 675,82;

yy) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201307, no montante total a pagar de € 15.943,65;

zz) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n º 2014…, referente ao período 201307, no montante total a pagar de € 751,31;

aaa) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201309, no montante total a pagar de € 13.539,06;

bbb) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n º 2014…, referente ao período 201309, no montante total a pagar de € 546,01;

ccc) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201310 a 201310, no montante total a pagar de € 15.941,05;

ddd) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n º 2014…, referente ao período 201310, no montante total a pagar de € 592,22;

eee) Liquidação de TVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201311, no montante total a pagar de € 18.436,02;

 fff) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201311, no montante total a pagar de € 622,27;

ggg) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n º 2014…, referente ao período 201312, no montante total a pagar de € 15.671,33;

hhh) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201312, no montante total a pagar de € 475,72;

 

A Requerente pretende ainda a declaração de ilegalidade das seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios, relativas ao ano 2014:

 

a) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201402, no montante total a pagar de € 1.260,28;

b) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201402, no montante total a pagar de €49,69;

c) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201403, no montante total a pagar de € 1.029,54;

d) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201403, no montante total a pagar de € 35,60;

e) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201404, no montante total a pagar de € 5.338,50;

f) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201404, no montante total a pagar de € 160,29;

g) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201406, no montante total a pagar de € 1.715,30;

h) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201406, no montante total a pagar de € 35,64;

i) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201407, no montante total a pagar de € 5.270,87;

j) Liquidação de Juros Compensatórios consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201407, no montante total a pagar de € 85,52;

k) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201409, no montante total a pagar de € 342,62.

 

             O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 08-05-2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 09-07-2015, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24-07-2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu suscitando as excepções da ineptidão parcial do pedido de pronúncia arbitral e de incompetência material parcial do Tribunal Arbitral.

Por despacho de 29-09-2015, foi ordenada a junção ao processo da perícia efectuada no processo arbitral n.º 530/2014-T.

Por despacho de 06-10-2015 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Excepção da ineptidão parcial do pedido de pronúncia arbitral

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita uma excepção que denomina como «ineptidão parcial do pedido de pronúncia arbitral», que se baseia no seguinte:

– a Requerente vem impugnar a liquidação adicional de IVA n.º …, relativa ao período 201001 a 201012, no montante total a pagar de e 23.987,07 bem como a liquidação de juros compensatórios n.º …, referente ao mesmo período, no montante total a pagar de € 3.596,09 [cfr. als. g) e h) do intróito do pedido de pronúncia arbitral];

– todavia, sucede que, relativamente ao período em questão, do procedimento inspectivo resultaram, além das correcções que ora se discutem, outras correcções com fundamento distinto, já não relacionadas com a aplicação indevida da taxa reduzida, mas antes atinentes às deduções indevidas de imposto, no montante de € 6.535,20, conforme consta do RIT a fls. 8 e 9;

– não são rebatidas as correcções que estão parcialmente na origem das liquidações supra identificadas, pelo que não poderá o Tribunal Arbitral apreciar a legalidade das liquidações na parte proporcional à correcção visto não lhe ser imputado qualquer vício;

– verifica-se, portanto, uma falta absoluta da indicação da causa de pedir e da indicação das razões de direito que sustentam o pedido formulado;

– tal ininteligibilidade tem como consequência a ineptidão parcial da petição inicial, o que, por sua vez, determina a nulidade do processado nessa parte, nos termos do artigo 186.º, n.º 1 do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT;

– assim, verificando-se, uma excepção dilatória insuprível, neste segmento do pedido, deverá a Requerida ser absolvida da instância conforme discorre dos artigos 576.º, n.º 2,e 577.º, alínea b) do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

A Requerente respondeu nas alegações dizendo que

– vem a requerente esclarecer que apenas está a contestar as correcções relacionadas com a aplicação da taxa máxima ao material protético, não pretendendo reagir contra outras correcções que tenham advindo do relatório de inspecção tributária, e que incorporam a referida liquidação adicional;

– se a Requerente nada disse quanto a essa correcção, não esgrimindo qualquer argumento para a contrariar, é, justamente, porque aceita a referida correcção;

– donde, inexiste qualquer excepção de ineptidão parcial do pedido de pronúncia arbitral.

 

A ineptidão da petição inicial está prevista no artigo 98.º do CPPT como nulidade insanável do processo judicial tributário, sendo definida no artigo 186.º do CPC, normas estas subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT.

Como resulta da alínea a) do n.º 2 do referido artigo 186.º, no que concerne à causa de pedir, apenas ocorre ineptidão quando ela falte ou seja ininteligível.

Mas, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 186.º «se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial».

No caso em apreço, é manifesto que não ocorre a falta total de causa de pedir, pois a Requerente indica as razões pelas quais entende que os actos que impugna devem ser declarados ilegais.

Por isso, só podendo existir ineptidão por falta de causa de pedir quando nenhuma seja invocada ou seja inteligível, não pode deixar de se concluir que não ocorre ineptidão.

De qualquer forma, pela explicação dada pela Requerente, de que não pretende a anulação das liquidações na parte em que não imputa qualquer vício a correcções em que elas assentam, constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira interpretou bem o pedido de pronúncia arbitral ao concluir que não poderá o Tribunal Arbitral «apreciar a legalidade das liquidações na parte proporcional à correcção em questão visto que não foi apresentado qualquer argumento tendente a assacar-lhe qualquer vício», pois constata-se que, precisamente, a Requerente não pretende que seja apreciada a legalidade das liquidações na parte em que não lhes imputa qualquer vício, apenas a pretendendo nas partes relativamente às quais imputa vicio.

Não ocorre, assim ineptidão da petição inicial que, aliás, nunca justificaria a absolvição da instância, pois esta, como consequência de ineptidão parcial, apenas se justifica quando tem como corolário a exclusão do processo de algum dos réus. ( [1] )

Improcede, assim, a excepção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.

 

3. Excepção da incompetência parcial do Tribunal Arbitral

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira sustenta que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar demonstrações de acertos de contas de IVA e juros compensatórios e que a Requerente vem solicitar a apreciação da legalidade de actos deste tipo, designadamente os actos elencados nas alíneas p), r), t), v), x), bb), dd), ff), hh), jj), ll), nn), pp), rr), tt), vv), xx), zz), bbb), ddd), fff), hhh), relativos aos anos de 2010 a 2013, e nas alíneas a), b), d), e), f), h), i) e j), relativamente ao ano de 2014.

Entende a Autoridade Tributária e Aduaneira, em suma, que, por força do artigo 2.º do RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, o Tribunal Arbitral apenas têm competência para apreciar a legalidade de actos dos tipos aí indicados, em que não se incluem as demonstrações de acertos de contas que contêm actos de liquidação, mas actos de compensação.

A Requerente responde nas suas alegações dizendo, em suma, que não contesta as demonstrações de acertos de contas, mas sim as liquidações adicionais que refere nos documentos que identifica com os números das demonstrações de acertos de contas.

É manifesto que os documentos referidos naquelas alíneas não são liquidações de juros compensatórios, sendo, antes, documento de acerto de contas, que têm subjacentes prévias liquidações de IVA e de juros compensatórios ou de juros de mora [referem-se a liquidações de juros de mora os documentos n.ºs …, 2014…, 2014…, 2014… e 2014…, indicados sob as alíneas b), d), f), h) e j) relativas ao ano de 2014], cujos números se indicam em cada um desses documentos.

Mas, a Requerente defende que pretende ver apreciada a legalidade das liquidações de juros compensatórios contidas naqueles documentos e não a demonstração do acerto de contas que neles se faz.

Na verdade, no pedido de pronúncia arbitral a Requerente afirma que pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral quanto à legalidade das liquidações infra identificadas, referentes aos anos de 2010 a 2014 (artigo 1.º do pedido de pronúncia arbitral) e arrola nos artigos 2.º e 8.º várias liquidações de IVA e juros compensatórios que identifica pelo seu número e outras, as indicadas nas alíneas referidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que identifica com uma indicação com esta estrutura: «Liquidação de JC consubstanciada no documento n.º ....., referente ao período ......, no montante de ................, e cujo termo do prazo de pagamento voluntário terminou em ....».

Os números dos documentos indicados são os da respectiva «demonstração de acerto de contas» em que se fazem referências aos números de anteriores liquidações de IVA e de juros compensatórios ou moratórios.

No termo do pedido de pronúncia arbitral a Requerente pede a «declaração de ilegalidade das liquidações em apreço» e não de qualquer das demonstrações de acerto de contas e nas alegações que apresentou esclarece que pretende a declaração de ilegalidade das liquidações de juros compensatórios que se referem nos documentos de acerto de contas cujos números indica.

A fórmula indicada, «Liquidação de JC consubstanciada no documento», embora não seja a mais adequada para expressar a intenção da Requerente, pois os números das liquidações constam dos documentos indicados, é compatível com essa intenção.

Por outro lado, a Requerente dá uma explicação para o facto de não juntar as liquidações indicadas nos referidos documentos de acerto de contas, que é a de apenas lhe terem sido notificadas através destes documentos, o que não é contrariado pela Autoridade Tributária e Aduaneira que, obviamente, sendo documentos por si emitidos, terá perfeito conhecimento do teor integral das liquidações indicadas naqueles documentos de acerto de contas e das notificações que efectuou e deixou de efectuar.

 Assim, não havendo qualquer fórmula sacramental para expressar a intenção de anulação das liquidações referidas, tem de se concluir que as pretensões de declaração de ilegalidade que a da Requerente apresentou se reportam as liquidações indicadas nos documentos que identifica.

Por isso, está-se perante matéria cuja apreciação se insere nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.

Improcede, assim, a excepção da incompetência.

 

4. Matéria de facto

 

4.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é A… - …, NIPC …, iniciou a sua actividade em 2008-11-26, encontrando-se enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal desde 2012-01-01 (e no regime normal de periodicidade trimestral até então), sendo tributada em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), com referência ao período de tributação de 2010, pelo regime geral de determinação do lucro tributável, previsto na Secção li do Capitulo III do Código do IRC (CIRC), no âmbito das actividades de «comércio por grosso não especializado» (principal) e «comércio por grosso de produtos farmacêuticos» (acessória), a que correspondem os CAE (Rev.3) 46900 e 46460, respectivamente;
  2.  A Requerente dedica-se ao comércio de material de prótese dentária, com especial incidência de implantes e material acessório;
  3. No exercício da sua actividade, a Requerente efectua aquisições no mercado nacional e externo, sendo as suas vendas canalizadas, na sua quase totalidade, para o mercado interno;
  4. Os artigos comercializados pela Requerente são essencialmente dispositivos médicos utilizados no sector da implantologia, entre outros, implantes dentários e outros dispositivos de prótese;
  5. Os clientes da Requerente são médicos dentistas e técnicos de prótese dentária, que trabalham em implantologia e utilizam os produtos da Requerente para a reabilitação oral dos respectivos pacientes;
  6. A Requerente, sobre os implantes e pilares alienados, aplica a taxa de 6% de IVA ao abrigo da verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA;
  7. Dão se como provados os factos referidos no relatório pericial junto aos autos, cujo teor se dá como reproduzido, designadamente os seguintes:

– Se apenas um implante for colocado, a sua função será a de substituir um único dente. O implante osteointegrado pode ser reabilitado com uma coroa (prostodontia fixa sobre implante). Se forem colocados dois implantes ou mais, a sua função pode ser reabilitar um espaço edêntulo de dois dentes ate uma arcada completa, de forma fixa ou removível;

– Um implante dentário é uma estrutura geralmente rosqueada, de forma semelhante à raiz de um dente monorradicular, cuja superfície se encontra preparada para osteointegrar. Apresenta um colo (região que fica mais perto da superfície óssea), onde se acoplam estruturas como pilares de impressão ou de cicatrização, ou componentes protéticos.

– Um implante dentário é constituído pelo corpo do implante e colo do implante. No interior do implante, encontra-se uma cavidade que terá, na maior parte das vezes, uma área rosqueada.

– Um implante dentário está preparado para ser reabilitado proteticamente. Para isso, pode ter uma conexão interna ou externa. Quando a conexão é interna, a prótese tem um componente que encaixa no interior do implante. Quando a conexão é externa, o próprio implante tem uma conexão (muitas vezes hexagonal) que encaixa na prótese.

– As partes protéticas de um implante dentário são o que permite que um implante tenha importância mastigatória e funcional e são indispensáveis para que um implante seja reabilitável. Servem para encaixe (aparafusamento ou cimentação) de coroas unitárias, pontes, próteses totais ou encaixes para ancoragem de uma prótese removível.

– Pode diferenciar-se coroa dentária clínica (parte do dente que é revestida por esmalte) de coroa dentária anatómica (parte do dente visível na boca). Há ainda as coroas fabricadas (em metal, acrílico, resina composta ou cerâmica), que podem ser cimentadas sobre dentes e/ou sobre implantes (sendo que nestes últimos é possível aparafusá-la em vez de a cimentar).

– A coroa dentária tem por função restabelecer, tanto quanto possível, a forma original de um dente, tornando-o funcional.

– Colocação da coroa sobre implante pode ser feita nas 72h após a cirurgia (estética ou carga imediata, geralmente executada com coroas provisórias em acrílico), ou então num período não menor que dez semanas, para garantir que há osteointegração do implante antes de ser submetido a forças mastigatórias.

– Os implantes e a parte protética do mesmo têm que ser seleccionados perante cada caso clínico;

– Entende-se por prótese qualquer componente que não faz parte da dentição natural e que vise restabelecer a função mastigatória, substituindo dentes perdidos.

– Uma prótese provisória terá tantos pilares provisórios quantos implantes a suportarem, material em que são feitos os dentes provisórios (tipicamente acrílico) e pode ter um reforço metálico interno. Uma prótese final terá pilares definitivos de número igual ao dos implantes que a suportam, uma infra-estrutura de um material resistente (tipicamente metal ou zircónia) e um material de revestimento (tipicamente cerâmica ou acrílico). Há ainda casos de próteses removíveis sobre implantes que, em vez de pilares, apresentam encaixes próprios para retenção nos implantes.

– Uma peça protética pode ser uma coroa, um pilar, ou outro componente necessário para o fabrico de uma prótese. Uma prótese terá que ter em si todas as partes integrantes que lhe permitam exercer a sua função.

– Existe biocompatibilidade entre os elementos do implante, prótese e tecidos orais do paciente.

Os componentes do implante dentário podem ter outra utilização, pois podem servir para a tração ortodôntica.

– Os componentes protéticos geralmente só podem ser utilizados em conjunto com o respectivo implante.

– A reabilitação oral com implantes permite conferir ou optimizar a função mastigatória de um paciente parcial ou totalmente desdentado. As melhorias na qualidade de vida prendem-se com capacidade de mastigação, melhorando a mastigação, estética e autoconfiança. Anteriormente ao surgimento dos implantes dentários apenas era possível reabilitar espaços edêntulos de forma fixa executando pontes sobre dentes, o que implicava um procedimento invasivo de pelo menos dois dentes. Com implantes dentários é possível reabilitar pequenas e grandes áreas edêntufas sem compromisso dos dentes contíguos e de forma fixa, evitando-se assim as próteses removíveis, cuja retenção, em casos de grande reabsorção óssea, se torna muitas vezes um problema, além de poderem causar diminuição do paladar.

– Em casos de edentação total, em que as próteses completas apresentam grandes problemas de retenção, os implantes vieram dar resposta para a qual não existia solução com tratamentos convencionais, aumentando significativamente a qualidade de vida dos Pacientes.

 

  1.  A Comissão Científica da Ordem dos Médicos Dentistas emitiu o Parecer que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Os implantes dentários são dispositivos médicos colocados no osso dos maxilares com o objetivo de efetuar a reabilitação oral dos pacientes desdentados, restabelecendo a função e a estética dos pacientes e por consequência, a saúde dos mesmos,

Estes dispositivos, os implantes dentários, servem de suporte a próteses dentárias que sem a colocação dos mesmos não seriam viáveis.

O procedimento clínico que permite colocar uma prótese neste tipo de reabilitação inclui, de uma forma geral, a colocação do implante, de uma peça de ligação entre a prótese e o implante. Todos os procedimentos podem ser realizados num único momento ou de forma faseada, dependendo do caso clínico em questão, após a análise do médico dentista.

Assim, e pelo atrás exposto, não existem dúvidas que todos os dispositivos necessários ao procedimento clínico que culmina com a colocação da prótese dentária sobre implantes devem ser considerados como parte integrante da mesma. Sem qualquer um destes componentes, como exposto, a colocação da respetiva prótese nunca poderia ser realizada.

 

  1. Dá-se como reproduzido o parecer que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, em que se refere, além do mais, o seguinte:

– O dente é um órgão que faz parte do sistema estomatognático que no seu todo exerce a função de mastigar, falar, deglutir, sorrir e com função táctil;

– Cada dente constituinte deste sistema tem funções específicas de incisar, cortar, triturar os elementos constituintes da alimentação;

– Cada dente é uma individualidade, tendo por comum ser constituído anatomicamente por coroa, raiz ou raízes e periodonto;

– Todas as partes constituintes do dente são indissociáveis, ou seja, uma parte não consegue existir sem a outra;

– A prótese implanto-suportada tem por objectivo último substituir um órgão;

– Pensar em "aparelho completo" torna-se um contra-senso, escassez na compreensão sobre a especificidade deste processo de reabilitação, havendo discriminação e oneração na reabilitação de um órgão em relação a outros;

– A substituição de um órgão ou parte dele, constitui a base para aplicação de um determinado critério. Não parece razoável que, quando o processo é diverso, na obtenção do mesmo objectivo, os critérios sejam outros, tendo em conta que os elementos em causa têm apenas esta função, exclusivamente, sendo impossível serem usados com outra função ou objectivo (ao contrário de outros tipos de prótese em que os materiais podem ser usados para outros fins diversos da prótese em si),

– Os materiais de prótese usados na construção de uma prótese implanto-suportada destinam-se a substituir um órgão;

  1. Dá-se como reproduzido o parecer que constitui o documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral emitido pela Ordem dos Médicos Dentistas;
  2. Na sequência da emissão das Ordens de Serviço n.ºs OI2014… e OI2014…, foi efectuada uma inspecção à Requerente, referente a IVA dos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013;
  3. No Relatório da Inspecção Tributária elaborado na sequência dessa inspecção refere-se como «motivo das ações» o seguinte:

Considerando a obtenção, por parte destes Serviços de Inspeção Tributária, de evidência corroborativa de uma prática generalizada consubstanciada na aplicação indevida da laxa reduzida do imposto na liquidação de IVA nas transmissões internas de implantes dentários e demais peças de ligação ou fixação da prótese dentária (i.e. bens que, de modo manifesto, não se enquadram em qualquer das verbas da Lista l anexa ao Código do IVA, porquanto são usualmente transacionados sem fazerem parte de uma unidade única) e uma vez que os elementos declarados pelo sujeito passivo em sede de IVA evidenciavam a liquidação do imposto, pelo menos com referência a uma parte muito significativa das operações ativas, a uma taxa diversa da normal, sendo que os bens cuja transmissão constituía presumivelmente a sua atividade principal correspondiam ao material em apreço, foram emitidas, em 2014-03-11, as credenciais (ordens de serviço) n.ºs OI2014… e OI2014…, após proposta elaborada para o efeito em 2014-02-21»;

  1. No Relatório da Inspecção Tributária dessa inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que tinham ocorrido deduções indevidas de IVA e falta de liquidação de imposto, dizendo, além do mais, o seguinte:

III-1.2) Falta de liquidação de imposto

III-1.2.1) Por aplicação indevida da taxa reduzida

III.2.1.1) Nas transmissões internas de implantes dentários e demais peças de ligação ou fixação da prótese dentária

Na sequência da análise aos elementos facultados no decurso das ações de inspeção, nomeadamente os extratos contabilísticos detalhados respeitantes ao IVA liquidado, tendo em vista o controlo do imposto a favor do Estado mencionado nas declarações a que se referem os art.°s 29.º n.º 1 alinea c) e 41.º n.º 1 do CIVA, com referência aos períodos de apuramento compreendidos nos anos abrangidos pela extensão (incidência temporal) dos procedimentos externos de inspeção tributária em apreço, assim como os documentos de suporte aos lançamentos ou registos contabilísticos evidenciados em tais extratos (desde logo, a faturação emitida pelo sujeito passivo), verificamos que o sujeito passivo efetuou, nos anos de 2010 a 2013, além do mais, transmissões internas de diversas tipologias de implantes dentários e demais peças de ligação ou fixação da prótese dentária, tendo aplicado, na liquidação do imposto com referência a tais operações ativas, a taxa reduzida a que se refere o art.° 18.º n.º 1 alínea a) do CIVA.

No Anexo A encontram-se evidenciados, no que se refere aos itens em apreço, os documentos de suporte (faturas ou documentos equivalentes) das correspondentes transmissões internas (número e data), as referências, as quantidades, os descritivos, os valores tributáveis (unitário e total, com referência a cada item), o IVA liquidado pela entidade inspecionada (à taxa reduzida) e o tratamento contabilístico conferido (número e data do respetivo lançamento).

Ainda que na faturação emitida a entidade inspecionada não tenha indicado expressamente (seja item a item ou em termos globais) qualquer verba das listas anexas ao CIVA ao abrigo da qual tivesse aplicado, na liquidação do imposto com referência às operações ativas em apreço, uma taxa diferente da taxa normal a que se refere o art.° 18.° n.º 1 alínea c) do referido Código (i.é. nas situações sob análise, a taxa reduzida), admitimos que esteja em causa a verba 2.6 da Lista l.

Ora, nos termos do disposto na verba 2.6 da Lista l anexa ao CIVA (correspondente à verba 2.5 na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de junho), a taxa reduzida do IVA, a que se refere o art.º 18.° n.º 1 alínea a) do respetivo Código, apenas abrange os «...aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano...» (o negrito é nosso).

Note-se que, no que respeita aos implantes aplicados em medicina dentária, estes não são mais do que meras raízes metálicas (geralmente em titânio comercialmente puro) osseointegráveis no maxilar (parte superior da boca) ou na mandíbula (parte inferior e móvel da boca) destinadas exclusivamente a servir de suporte ou ancoradouro a uma estrutura de um ou mais dentes artificiais (coroa, ponte, etc.).

Desde logo, basta atentar na própria definição de «prótese dentária», enquanto «estrutura fixa ou móvel constituída por um dente ou conjunto de dentes artificiais, que substitui dentes em falta», para não se compreender como é que os implantes dentários, quando transacionados isoladamente ou de modo autónomo, possam ser considerados como próteses.

Por outro lado, a menos que os implantes dentários fossem transacionados em conjunto (i.e. numa unidade única) com as pecas de ligação e o dente ou conjunto de dentes artificiais (i.e implante + peças de ligação + dente), não se afiguram suscetíveis de substituir, suprir ou reabilitar as funções do órgão ou órgãos do corpo incapacitados (dente ou dentes em falta), seja a nível articulatório, estético ou de mastigação. De notar que o implante nem sequer substitui a parte do dente correspondente â raiz, pois a raiz dentária não desempenha apenas a função de fixação do dente ao osso alveolar, antes assegurando múltiplas funções que, de modo manifesto, não são prosseguidas pelo implante, pelo que não se pode considerar que este substitua aquela.

E idêntico entendimento deve ser adotado relativamente aos restantes componentes, partes, peças e acessórias (designadamente pilares", parafusos, etc.) desempenhando funções complementares de ligação ou fixação da prótese dentária e objeto de transação isolada, autónoma ou avulsa (i.e. não fazendo parte de uma unidade única nos termos acima expostos).

Consequentemente, resulta manifesto que os bens em apreço transacionados pela entidade inspecíonada (implantes dentários e demais peças de ligação ou fixação da prótese dentária) não são subsumíveis à previsão normativa da verba 2.6 da Lista l anexa ao CIVA (i.e. não preenchem as condições necessárias para o correspondente enquadramento na citada verba), dado que, para além de não serem próteses, não são aptos a cumprir, desempenhar ou assegurar, individualmente considerados (i.e. por si mesmos) e no momento da ocorrência do facto gerador da obrigação de imposto (i.e. no momento da correspondente transmissão interna), as funções do órgão dentário.

Na verdade, os restantes bens abrangidos pela verba 2.6 da Lista l anexa ao CIVA são, eles próprios, produtos ou objetos que, no momento da ocorrência do facto que determina a sujeição a imposto, já se encontram numa fase em que podem ser utilizados, quando adquiridos para as finalidades de superação de uma enfermidade ou deficiência humana (a saber: aparelhos ortopédicos, cintas médico-cirúrgicas e meias medicinais, cadeiras de rodas e veículos semelhantes para deficientes, lentes para correção de vista e calçado ortopédico, neste último caso desde que prescrito por receita médica).

Deste modo, resulta manifesto que o elemento racional da norma em apreço reside precisamente na aplicação da taxa reduzida apenas às entregas de bens especificamente concebidos para a correção ou compensação de deficiências ou para a substituição, total ou parcial, de órgãos ou membros do corpo humano - de harmonia, aliás, com o princípio estabelecido na alínea 4) do Anexo III da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do IVA (comummente denominada Diretiva IVA).

Com efeito, apenas se justifica a aplicação de uma taxa reduzida do IVA a produtos finais, suscetíveis de serem utilizados diretamente pelo consumidor final, atenta a finalidade das taxas reduzidas do imposto, que visam desonerar e, assim, tornar mais acessíveis ao consumidor final - i.e. aquele que, em definitivo, suporta o encargo do IVA - determinados bens considerados particularmente necessários. Em especial, o escopo da aplicação das taxas reduzidas do IVA é diminuir o encargo suportado pelo consumidor final na aquisição de determinados bens essenciais, sendo certo que o encargo com a aquisição de diapositivos médicos dificilmente será suportado diretamente pelo consumidor final, dado que estes bens são principalmente utilizados por profissionais e entidades do setor da saúde na prestação de serviços; que, por sua vez, podem beneficiar da isenção do imposto.

E, como é sabido, a delimitação do âmbito objetivo da verba controvertida deve ser efetuada pela aplicação do princípio da interpretação restritiva, tendo em conta que os casos de tributação a taxas reduzidas, enquanto exceções à aplicação da taxa normal do IVA, constituem derrogações do regime-regra do imposto. Acresce que, tratando-se de matéria abrangida pela reserva de lei parlamentar [cfr. art.ºs 103.º n.º 2 e 165.° n.º 1 alínea i) da Constituição da República Portuguesa], se encontra legalmente vedado o recurso à integração analógica (cfr. art. 11.º n.º 4 da LGT).

De resto, apenas a aplicação de uma mesma taxa (no caso, a taxa normal) aos diversos materiais componentes, partes, peças e acessórios utilizados na elaboração ou construção de cada um dos diferentes tipos de prótese salvaguarda o princípio da neutralidade do imposto, impedindo qualquer tratamento discriminatório - sob pena de distorções de concorrência nos estádios intermédios do circuito – entre as denominadas próteses fixas por implante e as restantes próteses dentárias (por exemplo, dentaduras artificiais removíveis), sem prejuízo de terem o mesmo tratamento fiscal no destino final (i.e. i isenção incompleta ou simples prevista no art.° 9.° do CIVA).

Outrossim, doutrina equivalente tem sido reiteradamente perfilhada e amplamente divulgada pela Direção de Serviços do IVA (DSIVA), nomeadamente no n.º 3 da informação vinculativa prestada no Processo n.º T120 2005093, com despacho concordante do subdiretor geral dos Impostos, em substituição do diretor-geral, de 2007-05-115 e na informação vinculativa prestada no Processo n.º 2883, com despacho concordante do subdiretor geral dos Impostos, substituto legal do diretor-geral, de 2011-12-20

Nessa conformidade, o procedimento adotado pela entidade inspecionada, consubstanciado na aplicação de taxa do IVA diversa da taxa normal para efeitos de liquidação do imposto exigível nas transmissões internas de Implantes dentários e demais peças de ligação ou fixação da prótese dentária, carece de qualquer base legal, por falta de enquadramento de tais bens em qualquer das listas anexas ao CIVA, nomeadamente na verba 2.6 da Lista l, pelo que as transmissões internas daqueles bens são passíveis de tributação em IVA à taxa normal, nos termos do disposto no art.° 18.° n.º 1 alínea c) do respetivo Código.

De referir ainda que, com exceção das faturas anuladas por emissão indevida (as quais não foram sequer registadas na contabilidade, sem prejuízo de, pontualmente, terem sido objeto de registo contabilístico e subsequente estorno - seja através de lançamento simétrico ou, como ocorreu a partir do período 1209, através de lançamento inverso a coberto da nota de crédito emitida para o efeito, conforme Anexo B), entendemos que eventuais ratificações de valores tributáveis não devem concorrer para a determinação das bases de apuramento das correções só imposto exigível ora propostas. Com efeito, solução diversa equivaleria, na prática, a ficcionar regularizações de montantes de imposto a favor da entidade inspecionada cuja liquidação prévia esta nunca assegurou, sendo certo que, por outro lado, não podem estes Serviços de Inspeção Tributária substituir-se ao sujeito passivo na efetivação de regularizações de imposto a seu favor que, nos termos das normas legais aplicáveis (cfr. art.° 78.° do CIVA), são meramente facultativas & sempre condicionadas â observância de requisitos específicos (nomeadamente de ordem temporal).

Em face do exposto, propomos correções ao imposto exigível nos montantes constantes dos quadros seguintes:

  • O Relatório da Inspecção Tributária referido foi notificado a Requerente em 21-11-2014;
  • Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou as seguintes liquidações:

a) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201001 a 201003, no montante total a pagar de € 12.014,23;

b) Liquidação de Juros Compensatórios n.º …, referente ao período 201001 a 201003, no montante total a pagar de € 2.161,90;

c) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201004 a 201006, no montante total a pagar de €16.658,41;

d) Liquidação de Juros Compensatórios n.º …, referente ao período 201004 a 201006, no montante total a pagar de €2.831,47;

e) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201007 a 201009, no montante total a pagar de €14.449,9o;

f) Liquidação de Juros Compensatórios n º …, referente ao período 201007 a 201009, no montante total a pagar de € 2.310,54;

g) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201010 a 201012, no montante total a pagar de €23.987,07;

h) Liquidação de Juros Compensatórios n.º …, referente ao período 201010 a 201012, no montante total a pagar de € 3.596,09;

i) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201101 a 201103, no montante total a pagar de € 22.592,84;

j) Liquidação de Juros Compensatórios n º …, referente ao período 201101 a 201103, no montante total a pagar de €3.164,24;

k) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201104 a 201106, no montante total a pagar de €29.942,51;

l) Liquidação de Juros Compensatórios n º …, referente ao período 201104 a 201106, no montante total a pagar de € 3.891,71;

m) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201107 a 201109, no montante total a pagar de € 33.479,34;

n) Liquidação de Juros Compensatórios n.º …, referente ao período 201107 a 201109, no montante total a pagar de €4.013,85;

o) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201110 a 201112, no montante total a pagar de € 14.583,92;

p) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201110 a 201112, no montante total a pagar de € 1.603,03, referida no documento de Demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

q) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201201, no montante total a pagar de € 18.744,27;

r) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201201, no montante total a pagar de € 2.006,92, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

s) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201202, no montante total a pagar de € 12.623,18;

t) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201202, no montante total a pagar de € 1.311,42, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

u) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201203, no montante total a pagar de € 23.306,86;

v) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201203, no montante total a pagar de € 2.344,73, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

w) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201204, no montante total a pagar de € 14 663,2o;

x) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201204, no montante total a pagar de € 1.423,73, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

y) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201205, no montante total a pagar de € 12.095,24;

z) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201205, no montante total a pagar de € 1.135,95, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

aa) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201206, no montante total a pagar de € 4.506,45;

bb) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201206, no montante total a pagar de € 407,92, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

cc) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201207, no montante total a pagar de € 14.718,12;

dd) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201207, no montante total a pagar de € 1.289,29, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

ee) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201208, no montante total a pagar de € 6.212,70;

ff) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201208, no montante total a pagar de € 520,84, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

gg) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201209, no montante total a pagar de € 16.872,25;

 hh) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201209, no montante total a pagar de € 1.353,47, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

ii) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201210, no montante total a pagar de € 16.751,52;

jj) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201210, no montante total a pagar de € 1.292,39, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

 kk) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201211, no montante total a pagar de € 14.335,97;

ll) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201211, no montante total a pagar de € 1.057,32, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

mm) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201301, no montante total a pagar de € 15.819,66;

nn) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201301, no montante total a pagar de € 1.062,73, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…

oo) Liquidação de TVA consubstanciada no documento n º 2014…, referente ao período 201302, no montante total a pagar de € 16.704,21;

pp) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201302, no montante total a pagar de € 1.067,23, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

qq) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201303, no montante total a pagar de € 69.334,10;

rr) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201303, no montante total a pagar de € 1.020,19, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

ss) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201304, no montante total a pagar de € 13.384,95;

tt) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201304, no montante total a pagar de € 764,22, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

uu) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201305, no montante total a pagar de € 7.701,07;

vv) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201305, no montante total a pagar de € 415,22, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

ww) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201306, no montante total a pagar de € 13.435,50;

xx) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201306, no montante total a pagar de € 675,82, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

yy) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201307, no montante total a pagar de € 15.943,65;

zz) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201307, no montante total a pagar de € 751,31, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

aaa) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201309, no montante total a pagar de € 13.539,06;

bbb) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201309, no montante total a pagar de € 546,01, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

ccc) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201310 a 201310, no montante total a pagar de € 15.941,05;

ddd) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201310, no montante total a pagar de € 592,22, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

eee) Liquidação de TVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201311, no montante total a pagar de € 18.436,02;

 fff) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201311, no montante total a pagar de € 622,27, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

ggg) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n º 2014…, referente ao período 201312, no montante total a pagar de € 15.671,33;

hhh) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201312, no montante total a pagar de € 475,72, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

 

  1. Posteriormente, a Requerente foi notificada das seguintes liquidações de IVA e juros de mora relativas ao ano de 2014:

a) Liquidação de IVA n.º 2014 …, referente ao período 201402, no montante total a pagar de € 1.260,28, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

b) Liquidação de Juros de Mora n.º 2014 …, referente ao período 201402, no montante total a pagar de €49,69, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014...;

c) Liquidação de IVA n.º 2014…, referente ao período 201403, no montante total a pagar de € 1.029,54;

d) Liquidação de Juros de Mora n.º 2014 …, referente ao período 201403, no montante total a pagar de € 35,60, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

e) Liquidação de IVA n.º 2014 …, referente ao período 201404, no montante total a pagar de € 5.338,50, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

f) Liquidação de Juros de Mora n.º 2014 …, referente ao período 201404, no montante total a pagar de € 160,29, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

g) Liquidação de IVA n.º 2014…, referente ao período 201406, no montante total a pagar de € 1.715,30;

h) Liquidação de Juros de Mora n.º 2014 …, referente ao período 201406, no montante total a pagar de € 35,64, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

i) Liquidação de IVA n.º 2014 …, referente ao período 201407, no montante total a pagar de € 5.270,87, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

j) Liquidação de Juros de Mora n.º 2014 …, referente ao período 201407, no montante total a pagar de € 85,52, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

k) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201409, no montante total a pagar de € 342,62;

  1. A Requerente foi citada nos processos executivos que constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que têm por objecto a cobrança das quantias liquidadas atrás referidas;
  2. Em 17-04-2015, a Requerente apresentou pedido de prestação de garantia nos processos de execução fiscal referidos (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Em 06-05-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

4.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, além de afirmações da Requerente sobre a sua actividade que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

No que concerne às liquidações cuja existência e conteúdo apenas é revelado por demonstrações de acerto de contas, entende-se que estas são suficiente prova da sua existência, pois a autenticidade daqueles documentos não é aventada e eles têm probatória plena quanto aos factos que referem (artigo 371.º do Código Civil).

 

4.3. Factos não provados

 

4.3.1. Não se provaram quais os factos e fundamentos jurídicos que eventualmente estiveram subjacentes às liquidações de IVA e juros de mora relativos ao ano de 2014, pois não consta do processo qualquer procedimento inspectivo ou qualquer outro acto que os dê a conhecer. A própria Requerente afirma desconhecer tal fundamento, no artigo 10.º do pedido de pronúncia arbitral em que refere que «não obstante inexistir fundamentação para as liquidações adicionais referentes ao ano de 2014, julga a requerente tratarem-se de acertos relativos às próprias correcções dos anos de 2010 a 2013».

 

4.3.2. Não se provou que a Requerente tivesse prestado garantia para suspender as execuções fiscais instauradas para cobrança das quantias liquidadas. Apenas foi junto documento em que foi requerida a prestação de garantia, mas nenhum que comprove que ela veio a ser prestada.

 

4.3.3. Não se provou que a Requerente tivesse pago as quantias a que se referem as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida, pois nenhum documento comprovativo foi apresentado.

 

5. Matéria de direito

 

5.1. Liquidações relativas ao ano de 2014

 

Como se referiu na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, não há conhecimento dos fundamentos de facto e de direito em que assentaram as liquidações de IVA e juros de mora relativas ao ano de 2014.

Por outro lado, o facto de não ter sido notificada à Requerente fundamentação relativa a tais liquidações não significa que ela não exista, pelo que não se pode concluir que aquelas liquidações não tenham fundamentação.

Neste contexto, constata-se que a Requerente não refere sequer ter usado do meio procedimental que a lei lhe proporciona, no artigo 37.º do CPPT, para suprir a falta de notificação da fundamentação dos actos tributários.

Assim, imputando a Requerente a estas liquidações de IVA e juros de mora relativas ao ano de 2014, apenas vício de violação de lei, por erro da Autoridade Tributária e Aduaneira quando ao enquadramento da situação na verba n.º 2.6 a Lista I anexa ao CIVA, e não havendo qualquer elemento que prove que as liquidações referidas têm subjacente a mesma situação fáctica e o mesmo entendimento jurídico que a Autoridade Tributária e Aduaneira assumiu no Relatório da Inspecção Tributária subjacente às liquidações relativas aos anos de 2010 a 2013, tem de se concluir que não se demonstra que aquelas liquidações referentes ao ano de 2014 enfermem de qualquer vício.

Assim, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto as liquidações de IVA e juros de mora relativas ao ano de 2014. 

 

5.2. Liquidação de IVA n.º … e liquidação de juros compensatórios n.º …

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira colocou em relação à liquidação de IVA n.º … e à liquidação de juros compensatórios n.º …, respeitantes ao período de 201010 a 201012, nos montantes a pagar de € 23.987,07 e € 3.596,09, respectivamente, a questão da sua não impugnação parcial, por aqueles montantes terem também como pressuposto uma correcção derivada de dedução indevida de imposto, no montante de € 6.535,20, cuja legalidade a Requerente não questiona.

A Requerente, nas suas alegações, refere expressamente que aceita esta correcção derivada de dedução indevida de imposto.

Assim, como a Requerente formulou pedido declaração de ilegalidade daquelas liquidações, sem qualquer restrição, tem de julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral, na parte proporcional correspondente à referida correcção no valor de € 6.535,20 quanto a ambas as liquidações.

 

5.3. Questão da taxa de IVA aplicável

 

A Lista I anexa ao IVA inclui entre os bens e serviços sujeitos a taxa reduzida, a seguinte verba:

«2.6 - Aparelhos ortopédicos, cintas médico-cirúrgicas e meias medicinais, cadeiras de rodas e veículos semelhantes, accionados manualmente ou por motor, para deficientes, aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano ou a tratamento de fracturas e as lentes para correcção de vista, bem como calçado ortopédico, desde que prescrito por receita médica, nos termos a regulamentar pelo Governo no prazo de 30 dias».

 

A questão de legalidade que é colocada relativamente as liquidações referentes aos anos de 2010 a 2013, é a de saber se a taxa reduzida prevista nesta verba 2.6. da Lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) só é aplicável, quanto a implantes dentários, quando se transaccionem implantes completos ou se essa taxa é aplicável também às transacções dos componentes dos implantes (coroa, implante e pilares) quando são objecto de transacções em separado.

Esta questão foi proficientemente apreciada no acórdão do CAAD proferido no processo arbitral n.º 429/2014-T, de que foi Relatora, quanto à questão em apreço, a Senhora Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma, pelo que, não havendo argumentos novos a ponderar, se adopta a posição aí assumida:

 

«(...) A interpretação das normas fiscais

 

Como é sabido, o artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), prescreve que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. Ora, o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil é claro quando determina que a interpretação não deve apenas cingir-se à letra da lei (elemento literal ou gramatical), mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (ratio legis), tendo em conta a unidade do sistema (elemento sistemático), as circunstâncias em que a lei foi elaborada (elemento teleológico) e as condições específicas do tempo em que é aplicada (elemento histórico).

O primeiro factor hermenêutico a que o intérprete pode lançar mão para alcançar o verdadeiro sentido e âmbito de aplicação dos textos legais é, pois, o que corresponde ao elemento literal ou gramatical.

Quanto ao elemento sistemático, determina a interpretação da norma de forma integrada considerando as demais disposições que formam o complexo normativo em que se integra a norma interpretanda.

No tocante ao elemento teleológico, “Consiste este elemento na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma. O conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.,) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma.

Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela opção que a norma exprime”.

Por último, de acordo com o elemento histórico há que apurar quanto ao contexto histórico da elaboração da norma.

A interpretação do normativo em causa deverá, pois, atender a estes elementos de interpretação.

 

(...) O princípio da neutralidade do IVA

 

Como é sabido, o IVA é um imposto indirecto de matriz comunitária, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo (imposto geral sobre o consumo), sendo-lhe apontada como característica principal a respectiva neutralidade.

É habitual distinguir-se a neutralidade dos impostos de transacções relativamente aos efeitos sobre o consumo e sobre a produção. Existirá neutralidade relativamente ao consumo, quando o imposto não influi nas escolhas dos diversos bens ou serviços por parte dos consumidores. Um imposto será neutro na perspectiva da produção, se não induz os produtores a alterações na forma de organização do seu processo produtivo.

Conforme nota Xavier de Basto, “A neutralidade relativamente ao consumo depende exclusivamente do grau de cobertura objectiva do imposto e da estrutura das taxas, estando fora de questão delinear um imposto de consumo totalmente neutro. Sempre terão de ser concedidas algumas isenções (.....) e, provavelmente, existirão diferenciações na taxa aplicável às diferentes transacções de bens e prestações de serviços”.

Em termos gerais, de acordo com o princípio da neutralidade, a tributação não deverá interferir nas decisões económicas nem na formação dos preços, implicando a extensão do âmbito de aplicação deste imposto a todas as fases da produção e da distribuição e ao sector das prestações de serviços.

Como salienta Teresa Lemos, a neutralidade pode ser encarada sob vários aspectos: neutralidade em relação aos circuitos de produção – a carga fiscal não depende da maior ou menor integração dos circuitos económicos, neutralidade face à incidência do imposto sobre os diferentes produtos e sectores, na medida em que a taxa seja uniforme, neutralidade no que se reporta à escolha dos factores de produção-capital e trabalho, e neutralidade face às preferências dos consumidores – igualdade de tributação dos diferentes produtos.

O princípio da neutralidade encontra-se vertido nas Directivas IVA, sendo sistematicamente invocado pela Comissão para se opor às legislações nacionais tidas por incompatíveis com as regras do Direito da União Europeia, bem como pelas administrações fiscais e pelos contribuintes dos diversos Estados membros, tendo sido, inúmeras vezes, aplicado pelo TJUE.

A aplicação do princípio da neutralidade deverá ser tida em consideração nas fases essenciais da vida deste tributo, como as regras de incidência objectiva e subjectiva, a localização, as isenções e o exercício do direito à dedução. Poderemos afirmar que este tem sido o princípio mais invocado pelo Tribunal para fundamentar os seus arestos, aparecendo-nos muitas vezes aliado ao princípio da igualdade de tratamento, da uniformidade e da eliminação das distorções de concorrência.

Assim, o TJUE tem-se preocupado, nomeadamente, quanto à concretização dos objectivos do sistema comum, em garantir a neutralidade da carga fiscal de todas as actividades económicas, sejam quais forem os seus objectivos ou resultados (que, como salienta, se consegue através do mecanismo das deduções que liberta o empresário da carga do IVA que pagou nas suas aquisições), em assegurar aos agentes económicos uma igualdade de tratamento, conseguir uma definição uniforme de determinados elementos do imposto e garantir a segurança jurídica e facilitar as actuações tendentes à sua aplicação.

Desde logo, o TJUE procurou retirar as devidas consequências da igualdade de tratamento em IVA de actividades similares e da ausência do impacto da extensão das cadeias de produção e de distribuição no montante do imposto recebido pelas administrações fiscais.

É à luz deste princípio basilar que o imposto deverá ser interpretado e aplicado, de forma a se assegurar um sistema uniforme que garanta uma sã concorrência no espaço da União Europeia.

 

(...) A aplicação das taxas reduzidas do IVA

 

(...) As regras da Directiva IVA

 

De acordo com as regras da Directiva n.º 2006/112/CE, de 28 de Novembro, à qual passamos a chamar Directiva IVA ou DIVA, as operações tributáveis estão sujeitas ao imposto às taxas e condições do Estado membro em que se localizam. A taxa normal do IVA é fixada, nos termos do disposto nos artigos 96.º e 97.º da DIVA, numa percentagem do valor tributável que não pode ser inferior a 15% até 31 de Dezembro de 2015.

De acordo com o disposto no artigo 98.º da DIVA, os Estados membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas a uma percentagem que não pode ser inferior a 5%. As taxas reduzidas podem apenas ser aplicadas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do anexo III da Directiva IVA, ex. Anexo H da Sexta Directiva (com a última redacção que lhe foi dada pela Directiva 2009/47/CE). Por sua vez, em conformidade com o previsto no n.º 3 do artigo 98.º, “Ao aplicarem as taxas reduzidas previstas no n.º 1 às categorias relativas a bens, os Estados-Membros podem utilizar a Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria” (a ênfase é nossa). Ou seja, a utilização da Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria é uma mera possibilidade que, enquanto tal, pode ou não vir a ser utilizada para o efeito pelos Estados membros.

A determinação e a definição das operações que podem beneficiar de uma taxa reduzida ao abrigo destas disposições da Directiva IVA são da competência dos Estados membros.  

Foi com a Directiva 92/77/CEE, do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, que se procedeu à harmonização comunitária das taxas de IVA, tendo em vista a entrada em funcionamento do mercado interno, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2003. Até essa data, cada Estado membro dispunha de plena autonomia para fixar o número de taxas e o seu nível.

Como referimos, o Anexo III da Directiva IVA contém o elenco das transmissões de bens e prestações de serviços a que se podem aplicar as taxas reduzidas previstas no artigo 98.º, e contempla, no respectivo ponto 4, para os efeitos que ora nos interessam, as seguintes realidades: “Equipamento médico, material auxiliar e outros aparelhos normalmente utilizados para aliviar ou tratar deficiências, para uso pessoal exclusivo dos deficientes, incluindo a respectiva reparação, bem como assentos de automóvel para crianças”.

Esta redacção é similar à do anterior Anexo H da Sexta Directiva aditado pela aludida Directiva 92/77/CEE (entretanto revogada), que abrangia as seguintes operações: “Equipamento médico e outros aparelhos, normalmente utilizados para aliviar ou tratar deficiências, para uso pessoal exclusivo dos deficientes, incluindo a respectiva reparação e assentos de automóvel para crianças”, sendo a principal diferença o alargamento posterior do seu escopo que passou a conter “material auxiliar”.

Resulta do exposto que a possibilidade de aplicação de uma taxa reduzida do imposto é apenas isso mesmo: uma faculdade que os Estados membros poderão ou não utilizar. Todavia, caso façam utilização de tal possibilidade deverão fazê-lo de acordo com as normas do Direito da UE. Por outro lado, interessa salientar que os diferentes bens e serviços aos quais os Estados membros podem aplicar taxas reduzidas do imposto circunscrevem-se a situações pontuais, resultantes de uma posição consensual entre si, em que se reconhece serem bens ou serviços cujo carácter social, educativo, ou cultural os leva a considerar como de primeira necessidade, como é o caso, para os efeitos que ora nos ocupam, da saúde.

De salientar que nos seus considerandos a Directiva IVA refere que, “um sistema de IVA atinge o maior grau de simplicidade e de neutralidade se o imposto for cobrado da forma mais geral possível” (considerando 5) e que “deverá, ainda que as taxas e isenções não sejam completamente harmonizadas, conduzir a uma neutralidade concorrencial, no sentido de que, no território de cada Estado-Membro, os bens e os serviços do mesmo tipo estejam sujeitos à mesma carga fiscal, independentemente da extensão do circuito de produção e de distribuição” (considerando 7).

 

(...) As regras do CIVA

 

O Código do IVA prevê no n.º 1 do seu artigo 18.º as seguintes taxas de imposto:

“a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6 %;

b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista II anexa a este diploma, a taxa de 13 %;

c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 23%.” 

 

Relativamente à aplicabilidade das taxas, de acordo com o disposto no artigo 18.º do CIVA, a taxa normal do IVA aplica-se sempre que ao bem ou serviço em causa não couber uma das duas taxas reduzidas previstas nas Listas I e II anexas ao Código.

Caso se esteja em presença de agrupamentos de várias mercadorias formando um produto comercial distinto, dever-se-á ter em consideração que, quando não sofram alterações de natureza nem percam a sua individualidade, aplica-se a taxa que lhe corresponder, ou, se couberem taxas diferentes, a mais elevada (artigo 18.º, n.º 4, do CIVA).

Na situação em análise está em causa a verba 2.6. da Lista I, que representa a transposição ao nível do direito interno do referido ponto 4 do Anexo III da DIVA, nos termos da qual se determina a aplicação da taxa reduzida do IVA aos seguintes bens: “2.6. Aparelhos ortopédicos, cintas médico-cirúrgicas e meias medicinais, cadeiras de rodas e veículos semelhantes, accionados manualmente ou por motor, para deficientes, aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano ou a tratamento de fracturas e as lentes para correcção de vista, bem como calçado ortopédico, desde que prescrito por receita médica, nos termos a regulamentar pelo Governo no prazo de 30 dias.” (a ênfase é nossa).

Como é sabido, a taxa geral do imposto só se aplica caso não haja lugar à aplicação de taxas reduzidas. Por outro lado, para efeitos de aplicação da taxa do imposto importa aferir se estamos perante uma única operação ou perante operações principais e acessórias.

Com efeito, quando uma operação compreende várias transmissões de bens e/ou prestações de serviços, suscita-se a questão de saber se deve ser considerada como uma operação única ou como várias prestações distintas e independentes que devem ser apreciadas separadamente.

Esta questão reveste especial importância, na perspectiva do IVA, designadamente para efeitos da aplicação da taxa do imposto e das disposições relativas às isenções.

 

(...) A jurisprudência do TJUE

 

A jurisprudência comunitária sobre a aplicação das taxas reduzidas do IVA não é muito abundante. Todavia, podemos destacar algumas ideias fundamentais que a norteiam, afigurando-se-nos suficientemente elucidativas para o efeito.

Em conformidade com o entendimento do TJUE, o princípio da neutralidade fiscal inclui igualmente dois outros princípios frequentemente invocados pela Comissão: o da uniformidade do IVA e da eliminação das distorções da concorrência.

O TJUE tem vindo a salientar que o princípio da neutralidade fiscal implica que todas as actividades económicas devam ser tratadas da mesma maneira. O mesmo sucede quanto aos operadores económicos que efectuem as mesmas operações.

Prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, não devem ser tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA.

Como nota a Advogada Geral Juliane Kokott nas suas conclusões apresentadas no Caso TNT, o princípio da neutralidade fiscal opõe se a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado (n.º 43). Neste contexto, nota que “O princípio da neutralidade fiscal, que está na base do sistema comum do imposto e deve ser tido em conta na interpretação das normas de isenção, não permite que operadores económicos que efectuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado. (...) Nele se inclui o princípio da eliminação das distorções da concorrência resultantes de um tratamento diferenciado do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado (...)  ” (n.º 59).

O TJUE já esclareceu igualmente que a delimitação dos bens e dos serviços que podem beneficiar de taxas reduzidas deve ser efectuada em função de características objectivas. Assim, no seu Acórdão de 23 de Outubro de 2003, Caso Comissão contra a Alemanha, o TJUE veio reforçar o carácter objectivo das situações em que se permite a aplicação das taxas reduzidas de IVA, concluindo que, tratando-se de bens ou serviços similares e que estejam em concorrência entre si, não é admissível que sejam tratados de forma discriminatória.

Isto é, em conformidade com a jurisprudência do TJUE, a instituição e a manutenção de taxas de IVA distintas para bens ou serviços semelhantes só são admissíveis se não violarem o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA, no respeito do qual os Estados membros devem transpor as regras comunitárias.

Tal como o TJUE faz questão de salientar, resulta das regras comunitárias que a determinação e a definição das operações que podem beneficiar de uma taxa reduzida são da competência dos Estados membros. Como a Comissão tem vindo a salientar nos seus relatórios sobre as taxas reduzidas, um dos maiores problemas da aplicação das taxas consiste precisamente no carácter facultativo de tal aplicação e na inexistência de definições comuns para as categorias de bens e ou serviços abrangidos.

Todavia, apesar disso, no exercício desta competência os Estados membros devem respeitar o princípio da neutralidade fiscal. Ora, como vimos, este princípio opõe-se, nomeadamente, a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA, de modo que os referidos produtos devem ser submetidos a uma taxa uniforme.

Uma vez que a taxa reduzida é a excepção, o facto de se limitar a sua aplicação a aspectos concretos e específicos, é coerente com o princípio segundo o qual as isenções ou derrogações devem ser interpretadas em termos estritos, desde que não se viole o princípio da neutralidade do imposto.

Com efeito, a aplicação de uma ou de duas taxas reduzidas é uma possibilidade reconhecida aos Estados membros por derrogação do princípio segundo o qual é aplicável a taxa normal. Ora, resulta de jurisprudência assente que as disposições que têm o carácter de derrogação de um princípio devem ser objecto de interpretação estrita, não deixando, porém, de garantir que a derrogação não fique sem efeito útil.

Os Estados membros não poderão, designadamente, interpretar os conceitos utilizados no Anexo III da Directiva de forma selectiva de modo a que, sem atender a critérios objectivos, se conceda diferente tratamento a idênticas realidades. Com efeito, sendo certo que a determinação das operações sujeitas a taxa reduzida do IVA compete aos Estados membros, não existindo definições abstractas a este propósito na legislação comunitária, impõe-se que seja respeitado o princípio da neutralidade. Assim, será contrária aos princípios do Direito da UE uma tributação a taxas reduzidas do imposto que, sendo selectiva, viole as características fundamentais da neutralidade fiscal, objectividade e taxa de tributação uniforme, não permitindo que sejam instituídos subgrupos no interior de uma actividade tributável, com o intuito de lhes aplicar diferentes taxas de tributação, não existindo qualquer razão objectiva que justifique tal diferença de tratamento.

Em especial, o princípio da objectividade exige a aplicação de uma só e mesma regra a operações tributáveis da mesma natureza, existindo uma presunção de semelhança quando as operações em causa correspondem a diversas variantes de uma só e mesma operação tributável incluída numa das categorias do Anexo III da Directiva IVA.

Importa ainda notar neste contexto que a questão das prestações compostas versus prestações independentes foi objecto de apreciação do TJUE em alguns arestos.

A este respeito, decorre do artigo 2.º da Directiva IVA que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente.

Todavia, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, susceptíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes.

Tal sucede, por exemplo, quando, no termo de uma análise ainda que meramente objectiva, se verifica que uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e que a ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias que partilham do destino fiscal da prestação principal.

Neste contexto, é jurisprudência firmada pelo TJUE que “…se está perante uma prestação única designadamente no caso em que um ou vários elementos devem ser considerados a prestação principal, ao passo que, inversamente, um ou vários elementos devem ser considerados prestações acessórias que partilham do mesmo tratamento fiscal da prestação principal. Uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador”.

Pode igualmente considerar se que se está em presença de uma única operação quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única operação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial.

Assim, o TJUE salienta que “… quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de actos, devem tomar-se em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para se determinar, por um lado, se se está na presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única, e, por outro, se, neste último caso, esta prestação única deve ser qualificada de prestação de serviços”; e que “O mesmo se passa [ou seja, está-se na presença de uma prestação única] quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor … estão tão estreitamente conexionados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial”.

Mas a posição do TJUE sobre a questão do fraccionamento da prestação principal em vários elementos não fica por aqui, tendo continuado, ao longo dos anos, a ser objecto de pedidos de decisão prejudicial, designadamente no âmbito do Caso Part Service.

Com efeito, foi entendimento do TJUE no referido processo que

“51…decorre do artigo 2º da Sexta Directiva que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente.

52. Todavia, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, susceptíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes.

53. Tal sucede, por exemplo, quando, no termo de uma análise ainda que meramente objectiva, se verifica que uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e que a ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias que partilham do destino fiscal da prestação principal (…)” .

Ora, em face da jurisprudência do TJUE vinda de enunciar e que, ao longo dos anos, tem vindo a ser firmada, existindo prestações principais e acessórias, economicamente indissociáveis, será de aplicar um regime de IVA único, correspondente ao da prestação principal, nomeadamente para efeitos de aplicação das taxas do imposto.

Assim sucedeu no Caso Comissão/França, em que esteve em análise a aplicação da taxa reduzida do IVA à electricidade, concretamente à subscrição de electricidade.

Para a Comissão, caso se considerasse que a subscrição era um fornecimento, a aplicação de uma taxa reduzida do IVA à subscrição dos serviços das redes de energia e de uma taxa normal a qualquer outro fornecimento de energia violaria o princípio da neutralidade inerente à Sexta Directiva. Com efeito, de acordo com o seu entendimento, ainda que se tratasse de um fornecimento, deveria aplicar-se a mesma taxa à subscrição e a qualquer outro consumo de electricidade, de acordo com o princípio da neutralidade.

De acordo com as conclusões do Advogado-Geral Siegbert Alber apresentadas em 10 de Outubro de 2002, a subscrição só podia ser considerada uma prestação autónoma caso se tratasse de uma prestação que se devesse distinguir do efectivo fornecimento de gás natural e de electricidade.

O TJUE, no tocante à acusação suscitada a título subsidiário relativa à violação do princípio da uniformidade da taxa de imposto, veio invocar o seguinte:

“ 88.

O princípio da neutralidade fiscal seria violado se a legislação fiscal francesa fosse de molde a que prestações iguais, que se encontram numa relação de concorrência, fossem tratadas de forma diferente em sede de imposto sobre o valor acrescentado.

89.

Tal como já se expôs, a subscrição e o fornecimento de gás natural e/ou de electricidade consubstanciam, para a grande maioria dos consumidores finais, uma prestação integrada que abrange a prestação de serviços e o fornecimento de bens (27), e não prestações distintas. É apenas o preço da prestação que é dividido em duas partes, que são o montante da subscrição e o valor variável a pagar em função da quantidade do consumo.

(…)

92.

Para além disso, este regime fiscal pode atentar contra o princípio da neutralidade fiscal. Com efeito, aplicam-se a prestações iguais taxas de imposto diferentes.”

 

É pois neste contexto que o TJUE decidiu a favor da República francesa.

O mesmo raciocínio foi adoptado pelo TJUE no seu Acórdão de 3 de Abril de 2008, Caso Finanzamt Oschatz,, tendo-se concluído que um ramal de ligação não era distinto da distribuição de água, devendo ser-lhe aplicada a mesma taxa reduzida de IVA da electricidade. Como se salientou,

“40. Embora a Sexta Directiva não contenha a definição de distribuição/abastecimento de água, também não resulta das suas disposições que este conceito deva ser objecto de interpretações diferentes consoante o anexo em que vem mencionado. Sendo o ramal de ligação individual indispensável para a colocação da água à disposição ao público, como resulta do n.º 34 do presente acórdão, deve considerar se que está abrangido igualmente pelo conceito de abastecimento de água mencionado na categoria 2 do anexo H da Sexta Directiva.”

Ainda no mesmo sentido, cite-se o Acórdão do TJUE de 10 de Março de 2011, Proc.s apensos C 497/09, C 499/09, C 501/09 e C 502/09, onde esteve em causa o alcance da expressão «produtos alimentares» que figurava no seu anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva, novamente para efeitos de aplicação da taxa reduzida do IVA. Como o Tribunal começou por salientar haveria que aferir  “… se, do ponto de vista do IVA, as diversas actividades em causa em cada um dos processos principais devem ser tratadas como operações distintas tributáveis separadamente ou como operações complexas únicas compostas de vários elementos” (n. 51).  

Salientou ainda que, “Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de actos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para determinar, por um lado, se se está em presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única e, por outro, se, neste último caso, esta prestação única deve ser qualificada de entrega de bens ou de prestação de serviços”(n. 52).

(...)

(...)Aplicação ao caso concreto

(...)

Importa salientar que o sentido e alcance da taxa reduzida aplicada neste domínio deverá ter consideração as boas regras da hermenêutica, tendo em conta não só o elemento gramatical, como o respectivo contexto, razão de ser e finalidades prosseguidas pela verba 2.6, devendo resultar numa interpretação declarativa (...).

Ora, desde logo, a letra do preceito parece indicar que os implantes dentários se enquadram na referida lista, estando nós perante material de prótese destinado a substituir um órgão do corpo humano, no caso, o aparelho dentário.

Com efeito, nada na letra da lei nos leva a restringir a sua aplicação às situações de transmissões de “bens completos” de implante, na acepção que a AT pretende veicular.

Acresce que resulta dos factos dados como provados que tal conceito não existe enquanto tal, existindo sim implantes constituídos pelas três peças de que ora tratamos – coroa, implante e pilar, que, de acordo com a técnica cirúrgica, são introduzidas por fases na boca do paciente, dando então origem, no seu conjunto, a um implante. Na realidade, estas três peças são incindíveis e inutilizáveis salvo para a composição de um implante enquanto prótese composta.

Não existindo tais “bens completos” de implante, na acepção que a AT pretende veicular, o entendimento da Administração Fiscal acaba por negar o benefício da taxa reduzida a este tipo de próteses, pondo assim em causa, sem um motivo racional atendível, a ratio legis que presidiu ao acolhimento desta verba nos termos em que se encontra redigida – a protecção da saúde pública. Com efeito, a acolher-se tal entendimento introduzir-se-ia um tratamento discriminatório arbitrário entre as diferentes próteses dentárias. Por um lado, as próteses compostas por uma única peça beneficiariam da taxa reduzida de 6%, por outro lado, as próteses “compostas” seriam tributadas à taxa normal. Tal facto é discriminatório, atentando, desde logo, nomeadamente, contra o disposto nos artigos 5.º, n.º 2 e 7.º, n.º 3 da LGT. Com efeito, de acordo com o previsto no primeiro normativo, de epígrafe, “Fins da tributação”, a tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material. Por sua vez, de acordo com o disposto no artigo 7.º, n.º3, “A tributação não discrimina qualquer profissão ou actividade nem prejudica a prática de actos legítimos de carácter pessoal, sem prejuízo dos agravamentos ou benefícios excepcionais determinados por finalidades económicas, sociais, ambientais ou outras”.

Mas estaríamos essencialmente perante uma intolerável ofensa ao princípio da neutralidade que rege este imposto ao nível do Direito da União Europeia, tratando-se bens iguais de forma distinta sem qualquer motivo racional atendível, facto que viola as regras que regem este imposto bem como toda a jurisprudência do TJUE a que aludimos.

Como é sabido, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT, sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei. Por sua vez, no n.º 3 do referido normativo determina-se que, persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários. Ora, o que o legislador comunitário, a Comissão europeia e a jurisprudência do TJUE determinam é que, na utilização dos conceitos empregues para efeitos de aplicação das taxas reduzidas, os Estados membros deverão atender aos efeitos económicos em causa de forma a não se pôr em causa o princípio essencial da neutralidade do imposto.

Ou seja, a acolher-se o entendimento veiculado pela AT no caso concreto teríamos uma diferença de tratamento para realidades idênticas resultantes não da Directiva IVA mas sim de uma deficiente aplicação da mesma por parte da Administração Fiscal.

É certo que as normas de derrogação, como é o caso da norma que possibilita aos Estados membros a aplicação de taxas reduzidas do imposto, devem ser aplicadas restritivamente, mas não devemos confundir tal facto com uma aplicação selectiva, realidade completamente distinta que põe em causa as mais básicas características do imposto.

Neste contexto, importa ainda salientar que a invocação, por parte da AT, do argumento da Nomenclatura Combinada não procede, porquanto esta Nomenclatura foi criada para efeitos estatísticos e de aplicação da pauta aduaneira comum e não tem qualquer relevo em matéria de classificação de bens e serviços para efeitos de IVA em Portugal.

O único caso em que no CIVA se recorre à Nomenclatura Combinada para definir o alcance do regime tributário dos bens vem previsto no respectivo artigo 14.º, n.º 1, alínea i), para efeitos de determinação do regime de isenção (completa ou taxa zero), de acordo com o qual são isentas as “transmissões de bens de abastecimento postos a bordo das embarcações de guerra classificadas pelo código 8906 00 10 da Nomenclatura Combinada, quando deixem o país com destino a um porto ou ancoradouro situado no estrangeiro”, dispositivo este não aplicável na situação em apreço.

Sendo certo que, de acordo com o estatuído no artigo 98.º, n.º 3, da DIVA, os Estados membros podem utilizar a Nomenclatura Combinada para delimitar com exactidão cada categoria sujeita à taxa reduzida, igualmente certo é que o legislador português não acolheu esta opção.

Ou seja, para efeitos de IVA é irrelevante a classificação que os implantes, as coroas e os pilares mereçam na Nomenclatura Combinada.

 Ora, neste contexto, importa uma vez mais salientar que, como ficou provado, as três “peças” ora em apreço – implante, coroa e pilar – não podem ser utilizados separadamente, sendo especialmente concebidos e fabricados para a produção de uma peça que se designa por implante. Com efeito, contrariamente ao que a AT alega, não existe a peça única implante no sentido fáctico que lhe quer conceder, mas apenas o implante constituído, enquanto tal, por implante, coroa e pilar, peças incindíveis tendo em vista esta realidade.

É por demais evidente que o facto de tais peças serem comercializadas separadamente, tal como no caso citado, o simples facto de ocorrer facturação segregada (com códigos separados) ou autónoma (em facturas separadas) não pode afectar o enquadramento e qualificação para efeitos de IVA, fazendo-se prevalecer a forma sobre a substância.

Na realidade, o que está em causa nos presentes autos e ficou provado subsume-se na previsão legal da verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA, consubstanciando-se como um “… aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano”.

E, volte-se a salientar, a ratio legis que leva o legislador a acolher a aplicação da taxa reduzida do IVA em tais situações – a protecção da saúde – é exactamente a mesma que nos leva a esta interpretação.

De notar, por último que, da jurisprudência vinda de citar, ainda que supostamente existissem, tal como a AT pretende, “bens completos” de implante, na acepção que pretende veicular, sempre teríamos que reconhecer que a coroa, o pilar e o implante se configurariam como uma peça única ou, em último caso, ainda que erroneamente assim não se entendesse, como peças acessórias, e como tal, deveriam ser tributadas à taxa reduzida, seguindo o tratamento da operação principal.

Isto é: quer apenas por recurso às regras comunitárias quer por aplicação simples das boas regras da hermenêutica, o resultado é o mesmo – só poderá concluir-se que na verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA se incluem quer os implantes constituídos por uma peça única quer os implantes compostos.

Com efeito, todos os elementos de interpretação das normas fiscais convocáveis para o efeito, bem como as características do IVA e a interpretação que das mesmas o TJUE tem vindo a fazer, nos levam a concluir que, no caso presente, se deverá aplicar a taxa reduzida do IVA prevista na verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA à transmissão dos implantes, coroas e pilares ora sob análise, termos em que se dá razão à Requerente».

 

Pelo que se referiu, é de concluir que as liquidações de IVA relativas aos anos de 2010 a 2013 enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação desta verba 2.6 da Lista I ao CIVA, vício esse que, quanto à liquidação de IVA n.º …, apenas a afecta quanto à correcção efectuada com base nessa interpretação, isto é, quanto ao valor de € 17.451,87 (€ 23.987,07 - € 6.535,20 relativos a dedução indevida), o que corresponde à percentagem de 72,75%.

As liquidações de juros compensatórios relativas aos anos de 2010 a 2013 enfermam do mesmo vício de violação de lei, já que têm como pressupostos as correspondentes liquidações de IVA.

Mas, no que concerne à liquidação n.º …, relativa aos juros compensatórios relacionados com a liquidação de IVA n.º …, o vício apenas a afecta na percentagem em que o seu valor foi calculado com base na referida errada interpretação, isto é, naquela percentagem de 72,75%, o que corresponde ao valor de € 2.616,15. Por isso, sendo o valor desta liquidação de juros compensatórios n.º … de € 3.596,09, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto ao valor de € 979,14.

  

6. Juros indemnizatórios

 

A Requerente pede que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios.

O direito a juros indemnizatórios depende, além do mais, de pagamento indevido de dívida tributária, como resulta do preceituado no artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

No caso em apreço não se provou que a Requerente tivesse pago qualquer das quantias liquidadas, pelo que não se verifica aquele pressuposto do direito a juros indemnizatórios.

Por isso, improcede este pedido.

 

7. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente pede que lhe seja reconhecido direito a indemnização por garantia indevida.

O processo arbitral é meio adequado para o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, pois é aplicável subsidiariamente o artigo 171.º do CPPT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1,alínea c), do RJAT.

Porém, o que se estabelece naquele artigo 171.º é que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda».

Por isso, só quando garantia é «prestada» é que poderá ser reconhecido o direito à indemnização, podendo essa prestação ocorrer na própria pendência do processo, situação em que constituirá facto superveniente, invocável nos termos do n.º 2 do artigo 171.º do CPPT.

Aliás, é essa a solução que se compagina com o papel dos tribunais, como serviço de justiça, pois a sua função é resolver litígios concretos existentes e não meramente hipotéticos ou abstractos. Por isso, se for pedido o reconhecimento do direito a indemnização antes da prestação da garantia, o pedido deverá improceder, sem prejuízo de poder ser formulado esse pedido na pendência do processo, se a prestação da garantia entretanto ocorrer, pois, neste caso, estar-se-á perante um fundamento superveniente, invocável no prazo de 30 dias previsto no n.º 2 do artigo 171.º do CPPT.

No caso dos autos, provou-se que a Requerente apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira um requerimento de prestação de garantia, mas não se provou que a tivesse prestado.

Assim, tem de ser julgado improcedente o pedido de reconhecimento do direito a indemnização, sem prejuízo de esse direito poder vir a ser reconhecido inclusivamente em execução de julgado, caso tal prestação tenha ocorrido.

 

8. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedentes as excepções de ineptidão parcial do pedido de pronúncia arbitral e da incompetência material deste Tribunal Arbitral;
  2. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações relativas ao ano de 2014, designadamente:

a) Liquidação de IVA n.º 2014 …, referente ao período 201402, no montante total a pagar de € 1.260,28, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

b) Liquidação de Juros de Mora n.º 2014 …, referente ao período 201402, no montante total a pagar de €49,69, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

c) Liquidação de IVA n.º 2014…, referente ao período 201403, no montante total a pagar de € 1.029,54;

d) Liquidação de Juros de Mora n.º 2014 …, referente ao período 201403, no montante total a pagar de € 35,60, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

e) Liquidação de IVA n.º 2014 …, referente ao período 201404, no montante total a pagar de € 5.338,50, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

f) Liquidação de Juros de Mora n.º 2014 …, referente ao período 201404, no montante total a pagar de € 160,29, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

g) Liquidação de IVA n.º 2014…, referente ao período 201406, no montante total a pagar de € 1.715,30;

h) Liquidação de Juros de Mora n.º 2014 …, referente ao período 201406, no montante total a pagar de € 35,64, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

i) Liquidação de IVA n.º 2014 …, referente ao período 201407, no montante total a pagar de € 5.270,87, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

j) Liquidação de Juros de Mora n.º 2014 …, referente ao período 201407, no montante total a pagar de € 85,52, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

k) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201409, no montante total a pagar de € 342,62;

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, na percentagem de 72,75%, quanto à liquidação de IVA n.º … e à liquidação de juros compensatórios n.º …, e anular estas liquidações, nas partes respectivas;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às restantes liquidações e anulá-las, designadamente as seguintes [para facilitar a identificação, mantêm-se as referências às alíneas que constam da matéria de facto fixada, embora se eliminem as alíneas g) e h), relativas às liquidações n.ºs … e …, que são anuladas parcialmente]:

a) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201001 a 201003, no montante total a pagar de € 12.014,23;

b) Liquidação de Juros Compensatórios n.º …, referente ao período 201001 a 201003, no montante total a pagar de € 2.161,90;

c) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201004 a 201006, no montante total a pagar de €16.658,41;

d) Liquidação de Juros Compensatórios n.º …, referente ao período 201004 a 201006, no montante total a pagar de €2.831,47;

e) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201007 a 201009, no montante total a pagar de €14.449,9o;

f) Liquidação de Juros Compensatórios n º …, referente ao período 201007 a 201009, no montante total a pagar de € 2.310,54;

i) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201101 a 201103, no montante total a pagar de € 22.592,84;

j) Liquidação de Juros Compensatórios n º …, referente ao período 201101 a 201103, no montante total a pagar de €3.164,24;

k) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201104 a 201106, no montante total a pagar de €29.942,51;

l) Liquidação de Juros Compensatórios n º …, referente ao período 201104 a 201106, no montante total a pagar de € 3.891,71;

m) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201107 a 201109, no montante total a pagar de € 33.479,34;

n) Liquidação de Juros Compensatórios n.º …, referente ao período 201107 a 201109, no montante total a pagar de €4.013,85;

o) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201110 a 201112, no montante total a pagar de € 14.583,92;

p) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201110 a 201112, no montante total a pagar de € 1.603,03, referida no documento de Demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

q) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201201, no montante total a pagar de € 18.744,27;

r) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201201, no montante total a pagar de € 2.006,92, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

s) Liquidação de IVA n.º …, referente ao período 201202, no montante total a pagar de € 12.623,18;

t) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201202, no montante total a pagar de € 1.311,42, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

u) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201203, no montante total a pagar de € 23.306,86;

v) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201203, no montante total a pagar de € 2.344,73, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

w) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201204, no montante total a pagar de € 14 663,2o;

x) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201204, no montante total a pagar de € 1.423,73, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

y) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201205, no montante total a pagar de € 12.095,24;

z) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201205, no montante total a pagar de € 1.135,95, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

aa) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201206, no montante total a pagar de € 4.506,45;

bb) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201206, no montante total a pagar de € 407,92, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

cc) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201207, no montante total a pagar de € 14.718,12;

dd) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201207, no montante total a pagar de € 1.289,29, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

ee) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201208, no montante total a pagar de € 6.212,70;

ff) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201208, no montante total a pagar de € 520,84, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

gg) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201209, no montante total a pagar de € 16.872,25;

 hh) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201209, no montante total a pagar de € 1.353,47, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

ii) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201210, no montante total a pagar de € 16.751,52;

jj) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201210, no montante total a pagar de € 1.292,39, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

 kk) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201211, no montante total a pagar de € 14.335,97;

ll) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201211, no montante total a pagar de € 1.057,32, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

mm) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201301, no montante total a pagar de € 15.819,66;

nn) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201301, no montante total a pagar de € 1.062,73, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…

oo) Liquidação de TVA consubstanciada no documento n º 2014…, referente ao período 201302, no montante total a pagar de € 16.704,21;

pp) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201302, no montante total a pagar de € 1.067,23, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

qq) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201303, no montante total a pagar de € 69.334,10;

rr) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201303, no montante total a pagar de € 1.020,19, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

ss) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201304, no montante total a pagar de € 13.384,95;

tt) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201304, no montante total a pagar de € 764,22, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

uu) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201305, no montante total a pagar de € 7.701,07;

vv) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201305, no montante total a pagar de € 415,22, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

ww) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201306, no montante total a pagar de € 13.435,50;

xx) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201306, no montante total a pagar de € 675,82, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

yy) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201307, no montante total a pagar de € 15.943,65;

zz) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201307, no montante total a pagar de € 751,31, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

aaa) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201309, no montante total a pagar de € 13.539,06;

bbb) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201309, no montante total a pagar de € 546,01, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

ccc) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201310 a 201310, no montante total a pagar de € 15.941,05;

ddd) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201310, no montante total a pagar de € 592,22, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

eee) Liquidação de TVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201311, no montante total a pagar de € 18.436,02;

 fff) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201311, no montante total a pagar de € 622,27, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;

ggg) Liquidação de IVA consubstanciada no documento n.º 2014…, referente ao período 201312, no montante total a pagar de € 15.671,33;

hhh) Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2014 …, referente ao período 201312, no montante total a pagar de € 475,72, referida no documento de demonstração de acerto de contas n.º 2014…;.

  1. Julgar improcedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar juros indemnizatórios;
  2. Julgar improcedente o pedido de reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevida.

 

9. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 646.213,46.

 

 

10. Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT fixa-se o montante das custas em € 9.486,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

A responsabilidade pelas custas cabe à Requerente na percentagem de 3,53% (a Requerente decaiu no valor global de € 22.838,19, valor este resultante da importâncias de € 15.323,85 relativas às liquidações referentes ao ano de 2014, de € 6.535,20 de relativa à liquidação n.º … e de € 979,14 relativa a liquidação de juros compensatórios n.º …) e à Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 96,47%.

 

Lisboa, 02-11-2015

 

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

(A. Sérgio de Matos)

 

 

(Maria Isabel Guerreiro)

 

 



[1]                             Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STJ de 17-03-1998, processo n.º 213/98.