Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 283/2015-T
Data da decisão: 2015-12-21  IRC  
Valor do pedido: € 39.917,40
Tema: IRC - Conceito de “lucro tributável” para efeito do disposto no artigo 62.º, n.º 5, do Código do IRC, na redação vigente em 1998, impugnabilidade de ato de liquidação praticado na sequência de prévias decisões administrativas e judiciais de anulação de liquidações anteriores
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

I – Relatório

 

1. No dia 4.05.2015, a Requerente, Banco…A, S.A., sociedade com sede na Rua …, n.º …, no ..., com o número único de matrícula e pessoa coletiva …, que se encontra na área de competência geográfica do Serviço de Finanças do ... – …, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade e anulação parcial, pelo valor de € 39.917,40, do ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2013 …, de 04.02.2013, referente ao exercício de 1998.

A Requerente peticiona ainda a restituição do imposto que considera indevidamente pago no valor de € 39.917,40, acrescido de juros indemnizatórios.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 20.07.2015.

 

3. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi a mesma dispensada, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

 

4. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

  1. O Requerente foi notificado do ato tributário consubstanciado na liquidação de IRC n.º 2013 …, de 04.02.2013 e na demostração de acerto de contas n.º 2013 …, de 04.04.2013, referente ao exercício de 1998.
  2.  Em virtude dos estornos e compensações então efetuados pela administração tributária na demonstração de acerto de contas, o referido ato tributário apurou um montante alegadamente em falta de € 315.241,03.
  3.  O Requerente apresentou reclamação graciosa contra o mesmo, tendo invocado, como fundamento, além do mais, que os prejuízos fiscais a reportar no exercício de 1998 ascendem ao montante total de € 7.701.451,96, ao invés do montante de € 7.584.047,85 apurado pela administração tributária, razão pela qual se impõe a anulação à matéria coletável do montante de € 117.404,11.
  4. Na verdade, conforme se extrai do quadro-resumo do reporte de prejuízos fiscais objeto de análise e validação por parte daqueles serviços, o montante dos prejuízos fiscais reportáveis para o exercício de 1998 ascende, precisamente, ao valor de € 7.701.452,13.
  5.  Em 10.03.2014, o ora Requerente foi notificado da decisão da reclamação graciosa sub judice, no âmbito da qual a administração tributária determinou a manutenção do ato tributário então reclamado, na parte em que neste foi desconsiderada a requerida dedução de prejuízos fiscais.
  6. Não se conformando com esta decisão, em 09.04.2014, o ora Requerente deduziu o competente recurso hierárquico reiterando a argumentação aduzida em sede de reclamação graciosa quanto ao apuramento dos prejuízos fiscais a reportar no exercício de 1998, que ascendem, na verdade, a € 7.701.452,12 [€ 30.805.808,51 X 25%];
  7. Em 02.02.2015, o Requerente foi notificado da decisão que indeferiu o recurso hierárquico apresentado que, à semelhança do que já se havia entendido na decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa, considerou que os prejuízos reportáveis no exercício de 1998 se cifram no montante de € 7.584.047,85, não assistindo, todavia, razão à administração tributária, como se passa a evidenciar.
  8. O Requerente apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 62.º, n.º 5, do Código do IRC, na redação à data aplicável, pedido de dedução dos prejuízos fiscais do BANCO...B.
  9. Por despacho do Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais datado de 19.06.1998, foi autorizada a dedução de prejuízos fiscais do BANCO...B com o limite de “(…) 25% do lucro tributável apurado em cada um dos exercícios.”
  10. No ato tributário em crise a administração tributária reconheceu o reporte dos prejuízos fiscais do BANCO...B no montante de € 7.584.047,85 sucedendo, porém, que o montante de € 7.584.047,85 não corresponde a 25% do lucro tributável apurado no exercício de 1998.
  11. Com efeito, tendo em conta que o lucro tributável ascende ao montante de € 30.805.808,51, os prejuízos fiscais a reportar no exercício de 1998 ascendem ao montante de € 7.701.452,13 [€ 30.805.808,51 X 25%]
  12. Por esta razão, e contrariamente ao sustentado pela administração tributária, impõe-se uma anulação à matéria coletável no montante de € 117.404,28 [€ 7.701.452,13 – € 7.584.047,85].
  13. Esta é, com efeito, a única solução compatível com o despacho do Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais datado de 19.06.1998, o qual deferindo o requerimento formulado pelo ora Requerente autorizou a dedução de prejuízos fiscais do BANCO...B até ao limite de 25% do lucro tributável apurado em cada exercício.
  14. De facto, face ao conteúdo do despacho do Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais datado de 19.06.1998, que autoriza a dedução de prejuízos fiscais do BANCO...B até ao limite de 25% do lucro tributável apurado em cada exercício, impõe-se à administração tributária que, sempre que emita qualquer liquidação corretiva do exercício, concretize a dedução de prejuízos fiscais correspondentes a 25% do lucro tributável então apurado.
  15. Assim, em face do exposto, atendendo a que o lucro tributável do exercício de 1998 é de € 30.805.808,51, é evidente que os prejuízos fiscais a reportar ascendem a € 7.701.452,13 (€ 30.805.808,51 X 25%), razão pela qual se impõe uma anulação à matéria coletável no montante de € 117.404,28 [€ 7.701.452,13 – € 7.584.047,85].
  16. E contra esta conclusão não pode ser invocado o entendimento da administração tributária, segundo o qual, o lucro tributável a atender para efeitos de apuramento dos prejuízos fiscais reportáveis é o lucro tributável sujeito e não isento de IRC porquanto tal entendimento não encontra suporte na lei.
  17. Para evitar a execução fiscal, mas sem conceder quanto ao exposto, o Requerente procedeu ao pagamento voluntário do imposto no ato tributário ora sob arbitragem.
  18. Tal como acima se demonstrou, é manifesto o erro que subjaz ao ato tributário sob censura, erro esse imputável à administração tributária.
  19. Assim, em consequência do referido pagamento, a procedência do presente pedido deverá determinar, nos termos da lei, o reembolso ao Requerente do montante indevidamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios a que se referem os artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

 

5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

POR EXCEPÇÃO 

 

  1. Importa em primeiro lugar atentar que, o que é matéria dos presentes autos arbitrais, tal como reconhece a Requerente, é: “ O montante dos prejuízos fiscais reportáveis (…) fruto da prolação de decisões administrativas e judiciais (…)” 
  2. Da análise da petição da Requerente resulta que o que esta pretende nos presentes autos arbitrais é concretizar pretensões executórias, estando em causa apenas a quantificação das consequências que advieram da alteração do prejuízo global do exercício de 1993, do BANCO...B, S.A. de €386.535,28 para € 1.449.615,83, resultante da alteração do prejuízo fiscal do regime geral de €2.180.006,93 para €3.243.087,48. 
  3. A liquidação adicional impugnada, tal como é descrito nos factos articulados pela Requerente, resulta da concretização de decisões administrativas e judiciais proferidas a favor da Requerente, com impacto no montante apurado no processo de correção impugnado nos autos arbitrais. 
  4. Não dispondo a execução das sentenças de um regime próprio, tal como refere José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 5.ª Edição, remete a lei fiscal, “para o regime de execução das sentenças dos tribunais administrativos, para o regime das sentenças anulatórias de actos tributários rege-se actualmente pelos arts. 157.º a 179.º do CPTA”. 
  5. Trata-se assim de um processo declarativo, de estrutura autónoma, estabelecendo o art.º 179.º n.º 1 do CPTA, a sua natureza eminentemente declarativa.  
  6. A tutela dos interesses da Requerente, só pode assim resultar de uma sentença constitutiva que determine formalmente a sua conformação e os modele, uma vez que a sua legalidade já foi judicialmente apreciada.  
  7. A competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, de entre as quais não se pode integrar o conteúdo declarativo que é solicitado pela Requerente ao tribunal, ainda que sob a forma de uma aparente ilegalidade de primeiro grau do ato de liquidação impugnado.
  8. Inexistindo suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, ainda que constituíssem consequência, a nível de execução, da declaração de ilegalidade de atos de liquidação. 
  9. Como decorre do previsto no artigo 24.º do RJAT, a definição dos atos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 
  10. Não detendo o Tribunal Arbitral esta competência coerciva das suas próprias decisões, não pode prolatar decisão que modele este conteúdo, quando se trate de decisões judiciais, quantificando, in casu, o montante dos prejuízos que podem ser deduzidos ao lucro tributável. 
  11. Sendo o Tribunal materialmente incompetente para a apreciação do pedido arbitral, existe uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento desse pedido e conduz à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. 
  12. E mais se diga, que tendo sido concluídas todas as diligências executórias das decisões com reflexos no apuramento da matéria coletável, o objeto processual, tal como é configurando pela Requerente já não existe, tendo sido reformulados os mapas de reporte de prejuízos fiscais do BANCO...B desde 1993 a 1998 e do A… desde 1998 até 2001, ano em que se esgotam os prejuízos fiscais. 

 

POR IMPUGNÇÃO 

 

  1. Correu, tal como é reconhecido pela Requerente no artigo 49.º do seu pedido arbitral, “na Divisão de Inspecção a Bancos e Outras Instituições de Crédito dos Serviços de Inspecção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes um processo de reverificação e correcção do montante dos prejuízos fiscais reportáveis para os exercícios de 1998 e seguintes, que refletirá o sentido das decisões administrativas e judiciais proferidas a favor do Requerente, e sendo evidente o impacto que tal coreção terá no exercício em apreço, a decisão final a ser proferida não poderia deixar de refletir o montante apurado naquele processo de correção”. 
  2. Neste procedimento, de forma a ajustar o reporte de prejuízos fiscais, foram verificadas as liquidações de IRC do BANCO...B e do C…, S.A., referentes aos exercícios cujos prejuízos ainda poderiam ser deduzidos no exercício de 1998 e seguintes, nos termos do art.º 46.º do CIRC e apurados, assim, os valores de prejuízos a reportar ao BANCO...A, S.A..    
  3. Foram igualmente analisadas todas as liquidações de IRC, existentes à data de 31/03/2014, do BANCO...A, S.A., desde o exercício de 1998 até 2002 (data da cessação), e calculados os valores dos prejuízos dedutíveis em cada um dos exercícios de acordo com os supra identificados despachos do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. 
  4. Este procedimento culminou com a prolação da informação n.º …/2014, de 31/03/2013, tendo sido reformulados os mapas de reporte de prejuízos fiscais, do BANCO...B de molde a refletir a concretização do Acórdão do STA de 06/01/2013, proferido no Processo n.º 1116/12, última decisão acerca da matéria de dedução de prejuízo fiscais, objeto dos presentes autos arbitrais. 
  5. Resulta do decisório deste Acórdão a aceitação como custo fiscal de provisões para pensões de reformas e sobrevivência no montante de €1.063.080,55. 
  6. O que teve efeitos na alteração do prejuízo fiscal global do exercício de 1993, do BANCO...B, que passou de €386.535,28, para €1.449.615,83, resultante da alteração do prejuízo fiscal do regime geral, que passou de €2.180.006,93 para €3.243.087,48. 
  7. Da análise dos prejuízos fiscais oriundos do BANCO...B resulta, tal como se pode comprovar dos mapas de apuramento dos prejuízos fiscais a deduzir pelo BANCO...A, S.A. que: 1. No exercício de 1998, a Requerente deduziu a menos o montante de €117.404,28 (7.701.452,13- 7.584.047,85). 2. No exercício de 1999, deduziu a mais o valor de €120.226,71 (6.271.173,33- 6.150.837,02). 3. No exercício de 2000, tinha ainda a deduzir o montante de €7.151.939,23 (14.126742,92- 6.974.803,69). 4. No exercício de 2001, face à concretização do Acórdão do STA, teria a deduzir o montante de €2.506,62 (18.114.932- 15.608.910,65).     
  8. Sendo manifesto, que no ano de 1999, foi deduzido a mais pela Requerente, o valor de €120.226,71, resultando numa correção a favor da AT.  
  9. Tendo sido efetuado um ajustamento ao exercício de 2001, em que foi apurado um novo valor a corrigir a favor da Requerente, no montante de €2.503.089,59 (2.506.021,62+ 117.404,28120.336,31), devendo constar como prejuízos dedutíveis o montante de €18.112.000,24 (15.608.910,65+2.503.089,59). 
  10. Ou seja, a correção à matéria coletável no montante de €117.404,28 que a Requerente pretende, já foi efetuada. 
  11. No entanto esquece a mesma, que também é de refletir no calculo da matéria coletável, a dedução que fez a mais em 1999, e da qual resultaria uma correção a favor da AT. 
  12. Consequentemente, foram elaborados Documentos de Correção para os exercícios de 2000 e 2001, tendo sido concluídas todas as diligências para reconhecimento de todos os prejuízos, nos termos e moldes definidos pelas decisões administrativas e pela última decisão judicial a favor da Requerente.  
  13. Ou seja, a questão de fundo em debate nos presentes autos encontra-se assim resolvida, tanto mais que o apuramento da matéria coletável reflete todas as decisões administrativas e judiciais proferidas a favor do Requerente, em virtude do reconhecimento da possibilidade de dedução até ao limite de 25% do lucro tributável, apurado em cada um dos exercícios pelos despachos de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.    
  14. Sendo manifestamente inútil discutir a legalidade de uma decisão, cujos efeitos já foram consumidos com as diligencias executórias que tiveram reflexos no apuramento da matéria coletável, objeto de discussão e que, como tal, já não existe.      
  15. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve julgar-se verificada a exceção de incompetência material do Tribunal, que conduz à absolvição da instância; ou caso assim não se entenda, o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, mantendo-se vigente, por legal e adequada, a liquidação adicional de IRC, ora impugnada.  

 

6. O Requerente apresentou resposta escrita à exceção suscitada, sustentando, em síntese, o seguinte:

  1. Trata-se de exceção que, com o devido respeito, deve ser julgada improcedente.
  2. Isto porque, contrariamente ao que resulta da douta Resposta da Requerida, nos presentes autos a Requerente não requer ao Tribunal a concretização de “(…) pretensões executórias (…)”, nem a quantificação do “(…) montante dos prejuízos que podem ser deduzidos ao lucro tributável”.
  3. O que se requer, e constitui objeto da presente pretensão arbitral, é a declaração de ilegalidade de um ato tributário com fundamento na interpretação errónea do conceito de “lucro tributável” constante do despacho do Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais datado de 19.06.1998, que autoriza a dedução de prejuízos fiscais do BANCO...B até ao limite de 25% do lucro tributável apurado em cada exercício.
  4.  Efetivamente, não é controvertido nos presentes autos o direito à dedução de prejuízos fiscais nos termos daquele despacho, reconhecido por anterior decisão administrativa que já se encontra firmada na ordem jurídica, nem que a administração tributária procurou dar-lhe concretização por via da emissão do presente ato tributário.
  5. Do que se trata, pois, não é de ver reconhecida uma pretensão de execução de uma determinada decisão administrativa ou judicial, mas da obtenção de uma declaração de ilegalidade de um ato tributário fundada na errónea interpretação do conceito de “lucro tributável” para efeitos da concretização do direito à dedução dos aludidos prejuízos fiscais.
  6. Esta é uma questão para a qual não se convoca a necessidade de quantificação do montante dos prejuízos fiscais a deduzir e que extravasa o mero efeito concretizador da decisão já firmada na ordem jurídica, já que o alcance daquele conceito de “lucro tributável” nunca foi controvertido.
  7. Trata-se, por conseguinte, de uma questão a dirimir intrínseca ao presente ato tributário, que assume, assim, caráter inovador e lesivo.
  8. Estando em causa, assim, a declaração de ilegalidade do presente ato tributário, facilmente se conclui pela competência material do Tribunal arbitral nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
  9. Com efeito, dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT que “A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.
  10. Por sua vez, nos termos do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro [RJAT]”.
  11. Deste modo, dúvidas não restam de que a pretensão do Requerente cabe no âmbito da competência material do Tribunal arbitral.
  12. De facto, a circunstância de já existir uma determinação do direito aos prejuízos fiscais não significa que qualquer ato que temporalmente se lhe siga seja executório dessa decisão e, por conseguinte, insuscetível de lesão do contribuinte.
  13. Com efeito, tratando-se de um ato que inova, como sucede no caso sub judice, está-se perante um ato manifestamente não executório e impugnável pelo contribuinte.
  14. Deste modo, não pode deixar de se reconhecer a competência material dos Tribunais arbitrais para apreciar a legalidade de tais atos.
  15. Com efeito, entende o Requerente que a interpretação do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, no sentido de excluir da competência dos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade de atos tributários lesivos e inovadores, apenas porque previamente existiu uma determinação administrativa ou judicial relativa a um certo alcance desse ato, é inconstitucional por violação do princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva constante dos artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa, o que se invoca para todos os efeitos legais.

7. O Requerente apresentou alegações escritas em que manteve as posições já antes assumidas no pedido de pronúncia arbitral e no Requerimento de resposta à exceção reiterando, além do mais, e em suma, o seguinte:

  1. Contrariamente ao invocado pela Requerida na sua douta resposta, não se verifica, no caso vertente, a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral.
  2. Efetivamente, reitere-se, não é controvertido nos presentes autos o direito à dedução de prejuízos fiscais nos termos daquele despacho, reconhecido por anterior decisão administrativa que já se encontra firmada na ordem jurídica, nem que a administração tributária procurou dar-lhe concretização por via da emissão do presente ato tributário.
  3. Do que se trata, pois, não é de ver reconhecida uma pretensão de execução de uma determinada decisão administrativa ou judicial, mas da obtenção de uma declaração de ilegalidade de um ato tributário fundada na errónea interpretação do conceito de “lucro tributável” para efeitos da concretização do direito à dedução dos aludidos prejuízos fiscais.
  4. Esta é uma questão para a qual não se convoca a necessidade de quantificação do montante dos prejuízos fiscais a deduzir e que extravasa o mero efeito concretizador da decisão já firmada na ordem jurídica, já que o alcance daquele conceito de “lucro tributável” nunca foi controvertido.
  5. Trata-se, como se demonstrou, de uma questão a dirimir intrínseca ao presente ato tributário, que assume, assim, caráter inovador e lesivo.
  6. Nestes termos, facilmente se conclui pela competência material do Tribunal arbitral nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  7. É evidente que, peticionando o Requerente a apreciação da legalidade do ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2013 …, de 04.02.2013 e na demostração de acerto de contas n.º 2013 …, de 04.04.2013, referente ao exercício de 1998, o Tribunal arbitral é materialmente competente para a sua apreciação, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, devendo julgar-se improcedente a exceção invocada.

 

7.A Requerida apresentou, também, alegações escritas, em síntese, nos termos seguintes:

 

  1. Pese embora a Requerente alegue que o que pretende é a declaração de ilegalidade de um ato tributário com fundamento na interpretação errónea do conceito de “ lucro tributável”», o que está em causa é a quantificação das consequências que advieram da alteração do prejuízo global do exercício de 1993, do BANCO...B, S.A. de €386.535,28 para €1.449.615,83, resultante da alteração do prejuízo fiscal do regime geral de €2.180.006,93 para €3.243.087,48. 
  2. Não há, ao contrário do que defende a Requerente, um “carácter inovador e lesivo”, porquanto a liquidação corretiva apenas concretiza a dedução dos prejuízos fiscais autorizada, a qual não é controvertida.  
  3. A liquidação adicional impugnada, tal como é descrito nos factos articulados pela Requerente, resulta da concretização de decisões administrativas e judiciais proferidas a favor da Requerente, com impacto no montante apurado no processo de correção impugnado nos autos arbitrais. 
  4. De onde decorre que não possa haver uma “declaração de ilegalidade de um ato tributário com fundamento na interpretação errónea do conceito de “lucro tributável” constante do despacho do Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais datado de 19.06.1998”. 
  5. A tutela jurisdicional efetiva, só pode ser obtida com uma decisão com carácter declarativo, porquanto o que está manifestamente em causa é a conformação do conteúdo da execução, a qual não pode ser decidida no âmbito arbitral.      
  6. A «interpretação do conceito de “lucro tributável”», é um efeito declarativo da concretização do julgado, inerente à própria materialização do julgado, assim, a questão de fundo em debate nos presentes autos encontra-se resolvida, tanto mais que o apuramento da matéria coletável reflete todas as decisões administrativas e judiciais proferidas a favor do Requerente, em virtude do reconhecimento da possibilidade de dedução até ao limite de 25% do lucro tributável, apurado em cada um dos exercícios pelos despachos de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.    
  7. Sendo manifestamente inútil discutir a legalidade de uma decisão, cujos efeitos já foram consumidos com as diligencias executórias que tiveram reflexos no apuramento da matéria coletável e que, como tal, já não existe.     
  8. Assim, deve o Tribunal Arbitral julgar verificada a exceção de incompetência material do Tribunal, que conduz à absolvição da instância; 
  9. Ou caso assim não se entenda, o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, mantendo-se vigente, por legal e adequada, a liquidação adicional de IRC, ora impugnada.   

 

8. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

9. Cumpre solucionar as seguintes questões:

a) Incompetência material do Tribunal arbitral.

 b) Ilegalidade do ato tributário de liquidação objeto do pedido arbitral invocada pela Requerente e pretensão do Requerente à anulação parcial daquele.

c) Pretensão da Requerente à restituição do imposto que considera indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

II – A matéria de facto relevante

 

10. Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. Em 2001 foi desencadeada uma ação inspetiva ao Requerente pelos Serviços de Prevenção e Inspeção Tributária da Direção Geral das Contribuições e Impostos, com referência ao exercício de 1998, no âmbito da qual foram efetuadas correções à matéria coletável do Requerente.
  2. Em resultado daquela ação inspetiva, o Requerente foi notificado da liquidação adicional de IRC n.º …, de 12.05.2001.
  3. Resulta da aludida liquidação adicional, na sequência daquela ação inspetiva que os serviços de inspeção tributária fixaram a matéria coletável em € 31.985.086,52, a coleta em € 10.874.929,42 e a derrama em € 989.618,56;
  4. Da aludida liquidação resulta que a administração tributária desconsiderou o reporte dos prejuízos fiscais apurados pelo BANCO...B, S.A. (BANCO...B), incorporado por fusão no ora Requerente no ano de 1998, no montante de € 7.584.047,85, e cujo reporte até 25% do lucro tributável apurado em cada um dos exercícios havia sido autorizado por despacho do Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais datado de 19.06.1998.
  5. Não se conformando, por um lado, com a correção referente ao acréscimo à matéria coletável dos montantes de € 235.596,17 e € 1.313.612,56, correspondentes, respetivamente, ao excesso de estimativa de imposto decorrente da apresentação de declarações de substituição pelo D…, S.A. (D) e pelo E…, S.A. (E…), ambos incorporados por fusão no Requerente e, por outro lado, com a desconsideração do reporte dos prejuízos fiscais apurado pelo BANCO...B, no montante de € 7.584.047,85, em 04.10.2001, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra a aludida liquidação adicional de IRC;
  6. Em 05.09.2003, foi o ora Requerente notificado da decisão de deferimento parcial daquela reclamação graciosa.
  7. Com efeito, no que se refere à desconsideração do reporte dos prejuízos fiscais apurado pelo BANCO...B, no montante de € 7.584.047,85, entendeu a administração tributária assistir razão ao ora Requerente, deferindo nesta parte a reclamação graciosa, já no que se refere à correção referente ao acréscimo à matéria coletável dos montantes de € 235.596,17 e € 1.313.612,56, correspondentes ao excesso de estimativa de imposto decorrente da apresentação de declarações modelo 22 de substituição pelo D… e pelo E…, respetivamente, a administração tributária manteve a correção efetuada pelos serviços de inspeção tributária;
  8. Em 19.09.2003, o Requerente apresentou impugnação judicial, a qual correu os seus termos junto da 4.ª unidade orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do ..., sob o número de processo 100/03/31;
  9. Em 07.10.2011, foi o ora Requerente notificado da sentença que julgou parcialmente procedente aquela impugnação judicial.
  10.  Decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal do ... que a declaração modelo 22 de substituição apresentada pelo E… foi proposta tempestivamente, devendo, por esse motivo, aceitar-se a dedução do montante de € 1.313.612,56, já no que se refere à declaração de substituição apresentada pelo D…, decidiu aquele Tribunal ter sido a mesma entregue fora de prazo, pelo que o Impugnante, ora Requerente, não estava habilitado a deduzir o montante de € 235.596,17;
  11. No que concerne à correção referente à não aceitação como custo fiscal do montante de € 134.334,55 relativo a amortizações de custos suportados com obras de beneficiação em edifícios próprios, o ora Requerente interpôs recurso hierárquico, nos termos do disposto no artigo 112.º do Código do IRC, na redação à data aplicável, o qual viria a ser indeferido por despacho de 13.06.2002 do Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais;
  12. Da referida decisão de indeferimento, o ora Requerente interpôs recurso contencioso, ao abrigo do disposto no artigo 112.º, n.º 2, do Código do IRC, na redação à data aplicável, o qual foi julgado improcedente pelo Tribunal Central Administrativo em acórdão de 04.11.2003, tendo o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 28.09.2004, negado provimento ao recurso interposto daquela decisão;
  13. Ainda na pendência do aludido recurso contencioso, foi o Requerente notificado da liquidação de IRC n.º …, de 24.07.2002.
  14.  Conforme se extrai da aludida liquidação adicional, a administração tributária procedeu ao acréscimo à matéria coletável fixada na sequência da ação inspetiva – € 31.985.086,52 – do montante de € 134.334,55, relativo a amortizações de custos suportados com obras de beneficiação em edifícios próprios;
  15. Não se conformando com a emissão daquela liquidação, em 02.12.2002, o Requerente apresentou reclamação graciosa;
  16. Em 08.11.2005, foi o Requerente notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a qual rejeitando a argumentação aduzida, considerou que o efeito suspensivo previsto no artigo 112.º do Código do IRC, na redação à data aplicável, se encontrava circunscrito ao recurso hierárquico e, como tal, a liquidação de IRC não padecia de qualquer ilegalidade;
  17. Já no que concerne à desconsideração do reporte dos prejuízos fiscais apurados pelo BANCO...B, e tendo em conta que a pretensão do Requerente havia sido deferida, nesta parte, no âmbito da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRC n.º …, de 12.05.2001, refere-se na aludida decisão que “Assim sendo, e dado que já foi emitido o Dc-…/… Apuramento / … 2002 … no qual foi rectificado o prejuízo dedutível de € 7.584.047,85 / Esc. 1.520.465.081, pensamos também que dever-se-á proceder a um reajuste dos prejuízos fiscais até (25% de € 32.119.421.07) - € 8.029.855,27, de forma a serem cumpridos o despacho de 98/06/19 e de 99/01/22 do Exmo Senhor S.E.A.F., tendo em conta que no ofício n.º … da Direcção de Finanças do ..., referente ao Proc.º de Reclamação Graciosa n.º …-…/…-1998 (reposição de prejuízos, anulados no … apuramento), constam como prejuízos fiscais dedutíveis para 1998 de Esc. 3.233.280.095 / € 16.127.533,12, dos quais já foram deduzidos Esc. 1.520.465.081 / € 7.584.047,85.
  18.  Em 24.11.2005, o Requerente apresentou impugnação judicial, a qual correu os seus termos junto da 3.ª unidade orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal do ..., sob o número de processo …/05….B…;
  19. Em 27.05.2013, foi o Requerente notificado da sentença que julgou improcedente aquela impugnação judicial.
  20.  Com referência ao exercício de 1998, o Requerente foi notificado, em 14.01.2013, do cheque-reembolso n.º …, no montante de € 56.247,13 (doc. n.º 11 da reclamação graciosa que integra o processo administrativo instrutor);
  21. Posteriormente o Requerente foi notificado do ato tributário consubstanciado na liquidação de IRC n.º 2013 …, de 04.02.2013 e na demostração de acerto de contas n.º 2013 …, de 04.04.2013, referente ao exercício de 1998.
  22.  Em virtude dos estornos e compensações então efetuados pela administração tributária na demonstração de acerto de contas, o referido ato tributário apurou um montante alegadamente em falta de € 315.241,03, e a cujo pagamento o Requerente procedeu em 30.06.2013.
  23. O Requerente requereu junto do serviço de finanças do ... …, a emissão de certidão que atestasse da integral fundamentação do mesmo.
  24. Em resposta àquele requerimento, o Requerente foi notificado da certidão de fundamentação legal daquele ato tributário e que contém os fundamentos em que a administração tributária suportou a emissão do ato tributário em crise
  25. De acordo com a aludida certidão “O acórdão de 2012-05-16 do Supremo Tribunal Administrativo, culminante do recurso jurisdicional n.º 1125/11-30, determinou que fossem retirados € 1 313 612,56 à respetiva matéria coletável, assim como foram repostos os € 7 584 047,85 de perdas de exercícios anteriores, o que levou a que a matéria coletável do IRC/98, que era do valor de € 32 119 421,07 na referida liquidação n.º …, passasse para o valor de € 23 221 760,66 (€ 32 119 421,07 - € 1 313 612,56 - € 7584047,85) na liquidação que geramos (liq. n.º 2013 … de 2013-04-04). Ambas as liquidações n.ºs … e …, bem como as inerentes notas de cobrança, foram integralmente anuladas em 2013-01-03, pelo que a nova liquidação n.º 2013 … de 2013-04-04 teve – como ponto de comparação – a supracitada liquidação 2001 … de 2001-01-24.
  26. No que se refere ao cheque reembolso refere-se naquela certidão de fundamentação que “Um erro praticado pelos serviços no preenchimento da declaração de correcção, levou a que o contribuinte fosse indevidamente reembolsada em € 56 247, 13, conforme cheque de tal montante que lhe foi pago em 2013-01-17; o que – para a inclusão da reposição do reembolso devido – conduziu a um débito “final” do respectivo IRC/98 de € 175696,14 + € 56 247,13 = € 231 943,27.
  27. No que se refere aos juros compensatórios esclarece-se na aludida certidão que “(…) dado que a primeira atuação de correção por parte dos serviços ocorreu em 2001-02-07 (originária da supra citada liquidação n.º … de 2001-05-2012), e dado que o erro de reposição não foi da responsabilidade da contribuinte, os juros compensatórios debitados deverão ascender a € 20789,91 [€ 175696 x 7% x 617 dias (de 1999-01-06 a 2001-02-07) / 365 dias] e não fixados os € 83 297,75, pelo que elaborou a Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa da Direção de Finanças do ... um documento de correção.”
  28.  O Requerente apresentou, em 17.09.2013, reclamação graciosa contra o mesmo.
  29.  Como fundamentos da reclamação graciosa invocou o ora Requerente que os prejuízos fiscais a reportar no exercício de 1998 ascendem ao montante total de € 7.701.451,96, ao invés do montante de € 7.584.047,85 apurado pela administração tributária, razão pela qual se impõe a anulação à matéria coletável do montante de € 117.404,11.
  30.  Invocou-se ainda naquela reclamação graciosa que o ato tributário em crise apurou em excesso, a título de juros compensatórios, o montante de € 62.507,84.
  31.  Por fim, tendo o Requerente procedido ao pagamento voluntário do montante apurado no ato tributário em crise, peticionou-se o reembolso daquele montante, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios;
  32. Em 10.02.2014, o ora Requerente foi notificado para se pronunciar sobre o projeto de decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada.
  33. No que se refere ao reporte de prejuízos fiscais sustenta a administração tributária, por um lado, que “O montante ora reclamado de € 117.404,00 nunca constou da RG n.º …-…/… apresentada pelo A… em 04.10.2001 contra a liquidação adicional de IRC n.º … (de 12.05.2001) (…)”, pelo que “Se se atendesse aquele o pedido, a AT decairia em notória ilegalidade por desrespeitar o prazo de caducidade do imposto (no caso, cinco anos a contar do facto gerador do imposto), consignado, à altura dos factos, no (então) Art.º 79.º do CIRC e n.º 1 do (então) Art.º 33.º do CPT.” .
  34. E, por outro lado, que os prejuízos reportáveis no exercício de 1998 ascendem, ao invés, a € 7.488.991,20, porque “(…) o lucro tributável a atender para efeitos daquele limite, será sempre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, o qual (no caso) ascende a € 29.955.964,79 e não a € 30.805.807,85[€ 29.955.964,79 (lucro tributável sujeito a IRC e dele não isento) + € 849.843,72 (lucro tributável sujeito a IRC e dele não isento) + € 849.843,72 (lucro tributável, afecto à actividade do A… na ZF da Madeira, sujeito, embora isento)]. (…) Contudo, não será promovido qualquer liquidação adicional, na medida em que foi deduzido, no apuramento da matéria colectável (…) um reporte de prejuízos no montante de € 7.584.047,85 (…) Se não se considerasse no apuramento daquele limite, unicamente, o lucro sujeito e não isento de IRC (…) a A.T. estaria, igualmente, a incorrer (…) numa ilegalidade, na medida em que desrespeitaria os princípios (…) ínsitos no consignado n.º 4 do Art.º 46.º do CIRC (…)”.
  35. Já no que respeita ao pedido de anulação dos juros compensatórios refere-se na aludida decisão que “(…) assiste razão ao R quanto ao reembolso do montante de € 62.507,84 respeitante a juros compensatórios indevidamente pagos.”.
  36. No que respeita ao pedido de juros indemnizatórios entendeu a administração tributária que “(…) o atraso da liquidação (final) é imputável aos serviços, pelo que será dado cumprimento ao consignado no n.º 1 do Art.º 43.º da LGT, traduzindo-se no pagamento daqueles juros (…).”
  37. No prazo legalmente estabelecido o ora Requerente exerceu o respetivo direito de audição prévia, invocando, em suma, que, encontrando-se em curso na Divisão de Inspeção a Bancos e Outras Instituições de Crédito dos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes um processo de reverificação e correção do montante dos prejuízos fiscais reportáveis para os exercícios de 1998 e seguintes, que refletirá o sentido das decisões administrativas e judiciais proferidas a favor do Requerente e sendo evidente o impacto que tal correção terá no exercício em apreço, a decisão final a ser proferida não poderia deixar de refletir o montante apurado naquele processo de correção.
  38. Em 31.03.2014 a Divisão de Inspeção a Bancos e Outras Instituições de Crédito dos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes elaborou um processo de reverificação e correção do montante dos prejuízos fiscais reportáveis do qual resulta que o montante dos prejuízos fiscais do Requerente, reportáveis para o exercício de 1998 ascende ao valor de € 7.701.452,13.
  39. Na sequência da notificação do aludido projeto de decisão, o ora Requerente foi notificado do ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2013 …, de 21.05.2013 e na demostração de acerto de contas n.º 2014 …, de 27.01.2014, referente ao exercício de 1998, conjuntamente com o cheque reembolso n.º …, datado de 27.01.2014, no montante de € 62.507,84.
  40.  Com a emissão e posterior notificação deste ato tributário, concretizaram-se a anulação e o reembolso projetados no projeto de decisão de deferimento parcial notificado ao ora Requerente.
  41. Em 10.03.2014, o ora Requerente foi notificado da decisão da reclamação graciosa sub judice, no âmbito da qual a administração tributária determina a manutenção do ato tributário então reclamado, na parte em que desconsidera a requerida dedução de prejuízos fiscais.
  42.  Não obstante a argumentação aduzida no requerimento apresentado ao abrigo do direito de audição prévia, a administração tributária converteu em definitivo o projeto de decisão, com o fundamento de que “(…) não foram carreados quaisquer elementos, nem alegado qualquer contraditório quanto à fundamentação explanada no “Projecto de Decisão”, que permitam a apreciação do reenquadramento da contenda inserta nos presentes autos de reclamação graciosa, referente à não dedução do montante de € 117.404,11, relativo a reporte de prejuízos fiscais «legalmente dedutíveis» no exercício fiscal de 1998, e dado que todo o alegado (e requerido) no presente requerimento de audição prévia situa-se, em termos de matéria de facto e de direito, fora dos mesmos autos, afigura-se-nos, que todo o projetado seja convolado em definitivo: indeferir o pedido do Reclamante, por referência ao reembolso de € 117.404,11 [7.701.451,96 – 7.584.047,85] (…).”
  43. Não se conformando com esta decisão, em 09.04.2014, o ora Requerente deduziu o competente recurso hierárquico.
  44. Como fundamentos do recurso hierárquico, o Requerente reiterou a argumentação aduzida em sede de reclamação graciosa quanto ao apuramento dos prejuízos fiscais a reportar no exercício de 1998, que ascendem, na verdade, a € 7.701.452,12 [€ 30.805.808,51 X 25%].
  45. Invocou ainda o Requerente, em resposta aos argumentos da administração tributária, que o objeto daquela reclamação graciosa não está limitado pelo objeto da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IRC n.º … e que a dedução não se encontra impedida pela existência de um prazo de caducidade do direito à liquidação;
  46. Em 02.02.2015, o Requerente foi notificado da decisão que indeferiu o recurso hierárquico apresentado.
  47. Nesta decisão principia a administração tributária por referir que “No que concerne a esta questão, de facto não colhe o argumento da decisão recorrida, nos termos da qual na reclamação graciosa deduzida contra a liquidação adicional de IRC n.º 2001 … o sujeito passivo apenas contestou a desconsideração do reporte dos prejuízos fiscais apurado pelo BANCO...B no valor de € 7.584.047,85 e, que se atendesse à pretensão agora peticionada estar-se-ia a desrespeitar o prazo de caducidade do direito à liquidação.”.
  48.  Já no que se refere em concreto ao apuramento dos prejuízos fiscais a reportar no exercício de 1998, refere-se na decisão do recurso hierárquico que “(…) a matéria coletável apurada para o período de 2008 é de € 30.805.808,51 (32.114,421,07 – 1.313.612,56). Pelo que, deve ser este o valor a considerar para efeito de cumprimento do despacho do SEAF, que autoriza a dedução de prejuízos fiscais do BANCO...B com o limite de 25% do lucro tributável apurado em cada um dos exercícios.”
  49. Mais se refere naquela decisão que “(…) do valor do lucro tributável apurado (€ 30.805.808,51), € 849.843,72 é relativo ao lucro tributável, afecto à actividade do A… na Zona Franca da Madeira, portanto sujeito, embora isento.”
  50. Assim, conclui-se na decisão que “(…) o lucro tributável a atender para efeitos do limite de 25% autorizado no despacho do SEAF, datado de € 1998/06/19, é de € 29.955.964,79, que corresponde ao lucro tributável sujeito e não isento. (€ 29.955.964,79 = € 30.805.808,51 - € 849.843,72)”, pelo que “(…) o valor de prejuízos a deduzir deveria ter sido de € 7.488.991,20.”
  51. Na notificação da liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral consta, além do mais, que a Requerente:

  1.  Na notificação da decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa deduzida contra o ato de liquidação consta, além do mais, o seguinte:

  1. Na notificação da decisão que incidiu sobre o recurso hierárquico interposto da decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa deduzida contra o ato de liquidação consta, além do mais, o seguinte:

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados

 

11. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, sendo de salientar ocorrer concordância das partes relativamente à matéria de facto, confinando-se o dissidio à matéria de direito.

 

-III- O Direito aplicável

 

DA MATÉRIA DE EXCEÇÃO

 

Incompetência material do Tribunal

 

12. Sustenta a Requerida que da análise da petição da Requerente resulta que o que esta pretende nos presentes autos arbitrais é concretizar pretensões executórias, resultantes da concretização de decisões administrativas e judiciais proferidas a favor da Requerente, não detendo o Tribunal arbitral competência para o efeito. Por sua vez, sustenta o Requerente que não requer ao Tribunal a concretização de “(…) pretensões executórias (…)”, nem a quantificação do “(…) montante dos prejuízos que podem ser deduzidos ao lucro tributável” mas sim  a declaração de ilegalidade de um ato tributário com fundamento na interpretação errónea do conceito de “lucro tributável” constante do despacho do Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais datado de 19.06.1998, que autoriza a dedução de prejuízos fiscais do BANCO...B até ao limite de 25% do lucro tributável apurado em cada exercício.

 

Vejamos.

 

Dispõe o nº 1 do art. 2º Regime jurídico da arbitragem tributária que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

 

Este preceito pode ser cotejado com o art. 97º do Código de Procedimento e Processo Tributário onde estão indicados as pretensões objeto do processo judicial tributário, prevendo-se na alínea a) do nº 1 que o processo judicial tributário compreende “A impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta”.

 

Por sua vez, determina o art. 95º da Lei Geral Tributária que:

1 - O interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei.

2 - Podem ser lesivos, nomeadamente:

  1. A liquidação de tributos, considerando-se também como tal para efeitos da presente lei os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;

(…).

 

Na lição de José Casalta Nabais “A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) O lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, 2) O lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou  tributável do imposto e, bem assim, se  determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) A liquidação stricto sensu traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta.[1].

 

No caso dos autos, o ato de liquidação  impugnado é, indubitavelmente, um ato de liquidação de um tributo que assume, aliás,  carácter inovador na medida em que adota um conceito de lucro tributável não concretizado em nenhuma das decisões que, na tese da Requerida, visaria executar e, por outro lado, estabelece um valor de prejuízos fiscais reportáveis para o exercício de 1998 diferente do que foi apurado  e validado pela própria Requerida   e reiterado pela própria no presente processo arbitral (embora não adotado por esta nas decisões que decidiram, quer a reclamação graciosa, quer o recurso hierárquico).

 

Trata-se dum ato inequivocamente lesivo à luz do art. 95º, nº 1, e 2º al. a) da lei geral Tributária, necessariamente impugnável e abrangido pela competência material do Tribunal arbitral nos termos do art. 2º, nº 1, al. a) do RJAT.

 

Nesta perspetiva, independentemente da questão de saber se na sequência da anulação de algum ato anterior, o Requerente poderia recorrer à respetiva execução nos termos previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o certo é que, não ocorrendo uma situação de inércia da Requerida, tendo esta praticado um ato tributário com as características acima apontadas, à luz das normas referidas e do princípio da tutela jurisdicional efetiva, no que respeita a atos administrativos lesivos expressamente consagrado no 268.º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, o mesmo não poder deixar de ser impugnável.

 

De resto, foi este o entendimento da Requerida manifestado nas notificações ao Requerente da liquidação, da decisão incidente sobre a reclamação graciosa e, também, da decisão do recurso hierárquico, em que sempre comunicou expressamente ao Requerente a possibilidade de dedução de impugnação judicial (e no último caso também arbitral) contra o ato de liquidação em causa.

Não podem, pois, deixar de improceder, os argumentos da Requerida vertidos no presente processo quanto a esta exceção.

Nesta conformidade, decide-se julgar improcedente a exceção em causa.

 

DO MÉRITO DA CAUSA

 

13. Entende o Requerente que, face ao conteúdo do despacho do Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais datado de 19.06.1998, que autoriza a dedução de prejuízos fiscais do BANCO...B até ao limite de 25% do lucro tributável apurado em cada exercício, impõe-se à administração tributária que, sempre que emita qualquer liquidação corretiva do exercício, concretize a dedução de prejuízos fiscais correspondentes a 25% do lucro tributável então apurado e que atendendo a que o lucro tributável do exercício de 1998 é de € 30.805.808,51, os prejuízos fiscais a reportar ascendem a € 7.701.452,13 (€ 30.805.808,51 X 25%), razão pela qual se impõe uma anulação à matéria coletável no montante de € 117.404,28 [€ 7.701.452,13 – € 7.584.047,85].

 

A posição da Requerida nestes autos é a de que “No exercício de 1998, a Requerente deduziu a menos o montante de €117.404,28 (7.701.452,13- 7.584.047,85)” mas que “  No exercício de 1999, deduziu a mais o valor de €120.226,71” “Sendo manifesto, que no ano de 1999, foi deduzido a mais pela Requerente, o valor de €120.226,71, resultando numa correcção a favor da AT” pelo que  “a correcção à matéria colectável no montante de €117.404,28 que a Requerente pretende, já foi efectuada” pois “é de reflectir no calculo da matéria colectável, a dedução que fez a mais em 1999, e da qual resultaria uma correcção a favor da AT.”

 

Ou seja, a Requerida aceita que a liquidação em causa reflete uma dedução a menos de € 117.401,28 reconhecendo que os prejuízos a deduzir no exercício de 1998 eram de € 7.701.452,13, mas considera que tal ficou compensado com dedução que fez a mais no exercício seguinte.

 

Independentemente do acerto substantivo de tais considerações põe-se a questão de saber se as mesmas, se procedentes, poderiam, ou não, fundamentar uma decisão do Tribunal arbitral no sentido da improcedência da impugnação arbitral deduzida pela Requerente, tendo em consideração a fundamentação dos atos administrativos impugnados pois, como se decidiu no acórdão do STA de 01-06-2011, proferida no processo 058/11, em linha com jurisprudência pacífica “Sob pena de violação do princípio da separação de poderes e assumir-se como órgão de administração activa dos impostos, o tribunal não pode decidir sobre a manutenção de actos que deveriam ser anulados com base em fundamentação diferente da utilizada pela administração tributária.

 

Ora, a fundamentação da Requerida para as suas tomadas de posição na fase administrativa não foi esta, mas sim a de que o lucro tributável a atender para efeitos do limite de 25% autorizado no despacho do SEAF, datado de € 1998/06/19, é de € 29.955.964,79, que corresponde ao lucro tributável sujeito e não isento pelo que o valor de prejuízos a deduzir, não seriam os 7.701.452,13, mas deveria ter sido de € 7.488.991,20 (tese da decisão do recurso hierárquico) ou 7.584.047,85 (valor perfilhado pela ato de liquidação e pela decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa).

Nesta conformidade, estaria vedado ao tribunal, pelas razões mencionadas no acórdão acima citado, julgar improcedente a pretensão do Requerente com base na fundamentação invocada pela Requerida no processo arbitral.

Sempre se dirá, todavia, que ainda que assim não fosse, seria manifestamente improcedente a argumentação da Requerida no sentido de se compensar o valor dos prejuízos deduzido menos em 1998, com os prejuízos deduzidos a mais em 1999.

Na verdade, nos termos do art. 7º, nº 1, do CIRC, na redação ao tempo do facto tributário (atual art. 8º) “O IRC, salvo o disposto no nº 8, é devido por cada exercício económico, que coincidirá com o ano civil, sem prejuízo das exceções previstas neste artigo”.

Por sua vez nos termos do nº 7 (atual nº 9) do mesmo artigo “O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação”.

Em consequência, uma eventual dedução excessiva de prejuízos em 1999, nunca poderia refletir-se na quantificação da obrigação tributária de 1998.

14. Apreciemos, por fim, a argumentação da AT, em sede administrativa.

Considerou a Requerida que o lucro tributável a atender para efeitos do limite de 25% autorizado no despacho do SEAF, datado de € 1998/06/19, é de € 29.955.964,79, que corresponde ao lucro tributável sujeito e não isento pois do valor do lucro tributável apurado (€ 30.805.808,51), € 849.843,72 é relativo ao lucro tributável, afeto à atividade do A… na Zona Franca da Madeira, portanto sujeito, embora isento.”

Afigura-se-nos que também esta argumentação não procede.

O Despacho do SEAF refere “lucro tributável” (legalmente definido no artigo 17º do CIRC) e não “lucro tributável sujeito e não isento”. Aliás, a própria Requerida assim o entendeu no processo de reverificação e correção do montante dos prejuízos fiscais reportáveis, elaborado Divisão de Inspeção a Bancos e Outras Instituições de Crédito dos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, do qual resulta que o montante dos prejuízos fiscais da Requerente,  reportáveis para o exercício de 1998 ascende ao valor de € 7.701.452,13, e assim o entendeu, também, nas posições tomadas na Resposta e nas alegações escritas neste processo arbitral.

Assim sendo, conclui-se estar o ato de liquidação em causa, nesta parte, inquinado do vício de violação de lei, pelo que, não pode deixar de ser decretada a sua anulação parcial, conforme peticionado.

15. Veio, ainda, a Requerente pedir a condenação da Requerida a restituir a quantia paga respeitante à liquidação, na parte que considera indevida, bem como os respetivos juros indemnizatórios.

Vejamos.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o artigoº 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.[2]

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se retira do artigoº 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigoº 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Assim, o n.º 5 do artigoº 24.º do RJAT ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”. O valor do reembolso será de € 39.917,40 que corresponde à aplicação de uma taxa de IRC de 34%, em vigor à data, à matéria coletável indevidamente considerada no montante de € 117.404,11.

No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Sufragamos o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (Lei Geral Tributária, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).

No caso “sub judice”, não sendo o erro que deu origem às liquidações ora anuladas imputável ao Requerente, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida quanto aos juros indemnizatórios.

Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução à presente decisão, nos termos do artigoº 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo as importâncias pagas pelo Requerente relativamente às liquidações anuladas, com juros indemnizatórios, à taxa legal.

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigoº 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

-IV- Decisão

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:

  1. Declarar a anulação parcial da liquidação objeto do presente processo, pelo montante de € 39.917,40.
  2. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à requerente o montante de € 39.917,40 (Trinta e nove mil, novecentos e dezassete euros e quarenta cêntimos) com juros indemnizatórios à taxa legal contados desde a data do pagamento pelo requerente até à do processamento da nota de crédito.

 

Valor da ação: € 39.917,40 (Trinta e nove mil, novecentos e dezassete euros e quarenta cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida, no valor de 1836,00 € (Mil oitocentos e trinta e seis euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 21.12.2015

 

                                O Árbitro

 

 

                   Marcolino Pisão Pedreiro



[1]                      DIREITO FISCAL, 3ª Edição, Almedina, 2005, pág. 318.

[2]                      Sobre esta questão veja-se Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, págs. 110-116).