Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 247/2015-T
Data da decisão: 2015-11-02  IRC  
Valor do pedido: € 1.424.879,07
Tema: IRC - Zona Franca da Madeira, derrama regional, competência do tribunal arbitral
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 247/2015-T

Tema: Zona Franca da Madeira, derrama regional, competência do tribunal arbitral

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor João Sérgio Ribeiro e Dr. A. Sérgio de Matos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-07-2015, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A…, S.A. Zona Franca da Madeira, pessoa colectiva número …, doravante designada por Requerente, notificada do indeferimento da reclamação graciosa n.º … (, relativo à liquidação de IRC n.º 2014 … do período de tributação de 2013 apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vistaa declaração de ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2014 …, na parte correspondente à Derrama Regional no montante de 1.370.522,40€, respetivos juros de mora no montante de 40.184,28€ e custas no montante de 14.172,39€.

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 15-04-2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 09-06-2015, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 21-07-2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu suscitando as excepções de ilegitimidade passiva, incompetência do Tribunal Arbitral e intempestividade.

Por despacho de 01-10-2015 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Excepções

 

Cumpre apreciar, antes de mais, as excepções, começando pela incompetência, que é logicamente prioritária, como está reconhecido no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT. No caso em apreço, porém, a questão da incompetência está conexionada com a da legitimidade passiva para intervenção no processo arbitral.

A procedência de qualquer das excepções constituirá um obstáculo ao conhecimento do mérito.

 

2.1. Factos relevantes para apreciar as excepções

 

  1. Em 29-05-2014, foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira a liquidação n.º 2014 …, no valor de € 1.670.581,40, cuja cópia constitui o documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se constata que é assinada pelo Senhor Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira e tem data limite de pagamento voluntário de 06-08-2014;
  2. Nessa liquidação foi liquidado adicionalmente o montante de € 1.670.581,40, dos quais 265.902,24 € respeitavam a «Derrama», 1.370.522,40 € respeitavam a «Derrama Estadual» e 34.156,77 € respeitavam a «Juros de mora» (Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  3. Em 28-08-2014, foi emitida no processo de execução fiscal n.º …2014… a citação da Requerente cuja cópia consta do documento n.º 1 junto com as suas alegações, cujo teor se dá como reproduzido, em que se visa a cobrança coerciva da dívida de € 1.670.581,40;
  4.   Em 04-12-2014, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa da referida liquidação no Serviço de Finanças do Funchal-…, dirigida ao Senhor Director Regional dos Assuntos Fiscais (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Através do Ofício n.º …, datado de 12-12-2014, a Requerente foi notificada para exercício do direito de audição no procedimento de reclamação graciosa, nos termos que constam do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

– «4. A sociedade reclamante detém a qualidade de empresa devidamente licenciada para operar na Zona Franca da Madeira»;

– «5. No entanto, apesar desta qualidade, e ao contrário do alegado pela reclamante, o facto de a empresa ser devidamente licenciada para operar na Zona Franca da Madeira não é razão bastante para desonerar a ora reclamante do pagamento de derrama regional, no montante de € 1.370.522,40»; e

– «6.Isto porque, para beneficiar da isenção de pagamento da derrama regional, é necessário verificar a imputação dos rendimentos obtidos, nomeadamente se resultarem da atividade desenvolvida no âmbito do regime de isenção ou redução da taxa em IRC»;

– «7. No entanto, in casu, e tal como se retira da informação prestada pela Direção de Serviços de Inspeção Tributária, nos autos a fls. 48 e ss., a obtenção dos rendimentos que geraram o apuramento daquele montante de € 1.370.522,40, na liquidação n.º 2014 …, objeto desta reclamação, derivou da atividade da reclamante sujeita ao regime geral de tributação de IRC, ou seja, da atividade à qual não é aplicável o regime de exclusão, regulado no n.º 5 do artigo 6.º do anexo que faz parte integrante da republicação do regime da derrama regional, instituído pelo Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto»;

  1. Por despacho de 06-01-2015, o Senhor Director Regional dos Serviços Fiscais deferiu parcialmente a reclamação graciosa, anulando a liquidação relativamente ao montante de € 265.902,24, respeitante à derrama municipal, e mantendo a liquidação apenas quanto ao montante de € 1.370.522,40, respeitante à derrama regional (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2.  A Requerente foi notificada do referido despacho através do ofício n.º …, de 12-01-2015, da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, em que se refere, além do mais, o seguinte:

«Na sequência da reclamação graciosa apresentada por V.Exa. no Serviço de Finanças do Funchal …, solicitando a anulação da liquidação nº. 2014… no montante de €1.670.581,40 (Juros Mora incluídos no montante de €34.156,77), referente ao IRC do exercício de 2013, foi deferida parcialmente por despacho de 06 do mês em curso, do Senhor Director Regional dos Assuntos Fiscais, conforme artigo 75º do CPPT e de acordo com a delegação de competências referidas no nº 1.27 primeira parte do Despacho publicado no JORAM, II Série de 17 de Setembro, anulando-se o montante parcial de €265.902,24 exigido na liquidação reclamada a título de derrama municipal, mantendo-se no entanto a exigibilidade do montante de €1.370.522,40, devido a título de derrama regional e que já se encontra a ser cobrado no âmbito do PEF …2014…, nos termos do artigo 6º nº. 5 do anexo integrante da republicação do regime da derrama regional, instituído pelo DLR nº. 14/2010/M de 05/08.

Com os melhores cumprimentos

P’ O Director Regional

B…

Subdirectora Regional dos Assuntos Fiscais» (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

  1. Em 30-04-2014, com base na Ordem de Serviço n.º OI2014…, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Funchal, integrada na Direcção Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, iniciaram uma inspecção à Requerente (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. No procedimento referido, foi elaborado, em 26-06-2014, o Projecto de Correcções cuja cópia constitui o documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, se indica como valor da derrama regional a liquidar o de € 1.370.522,41;
  3. A Requerente foi notificada do referido projecto para efeito do exercício do direito de audição através do ofício n.º …, de 03-07-2014, enviado pela referida Direcção Regional dos Assuntos Fiscais (documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  4. A Requerente não exerceu o direito de audição relativamente ao Projecto de Correcções referido;
  5. No mesmo procedimento de inspecção, em 30-07-2014, os referidos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Funchal elaboraram o Relatório da Inspecção Tributária cuja cópia constitui o documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, se indica como valor da derrama regional a liquidar o de € 1.370.522,41;
  6.  A Requerente foi notificada do referido Relatório através do ofício n.º …, de 06-08-2014, enviado pela referida Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, referindo-se na notificação, além do mais, o seguinte:

 «Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do artigo 62.° do RCPIT, das correções resultantes da ação de inspeção, cujo relatório/conclusões se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordem de Serviço acima referenciada.

Das correções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indireta, cujos fundamentos constam do referido Relatório. A breve prazo, os serviços da AT procederão á notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar. Da presente notificação e respetiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação» (documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

  • Em 13-04-2015, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo em que, além do mais, defende que «deve o presente pedido de pronúncia arbitrai ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser declarada a ilegalidade da liquidação de IRC n.° 2014 …, na parte correspondente à Derrama Regional no montante de 1.370.522,40€, respetivos juros de mora no montante de 40.184,28€ e custas no montante de 14.172,39€».

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira não juntou aos autos qualquer processo administrativo, pelo que a decisão da matéria de facto se baseia apenas nos documentos juntos pela Requerente.

Assim, não se provou que existisse algum procedimento levado a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira antes da liquidação n.º 2014 ….

Também não se provou que, na sequência do procedimento de inspecção tivesse sido efectuada a liquidação que na notificação se anunciou que seria notificada «a breve prazo».

 

2.3. Clarificação da situação procedimental

 

Antes de mais, há que clarificar a insólita situação procedimental que se depara nos autos e o objecto do presente processo.

 

2.3.1. Relação entre o acto de liquidação impugnado e o procedimento de inspecção

 

Constata-se que, em 29-05-2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação n.º 2014 …, que a Requerente impugna, em que se inclui o montante de € 1.370.522,40, relativo a «Derrama estadual».

Entretanto, em 30-04-2014, serviços da Direcção de Finanças do Funchal, integrada na Direcção Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, iniciaram um procedimento de inspecção, que só veio a terminar em 30-07-2014, já depois de ter sido notificada aquela liquidação. Neste Relatório da Inspecção Tributária conclui-se, além do mais, que devera ser efectuada uma correcção no valor de € 1.370.522,41 relativa a «Derrama Regional».

Como é óbvio, este procedimento de inspecção não esteve subjacente àquele acto de liquidação pois este foi praticado antes daquele ter sido concluído.

Por outro lado, naquela liquidação foi liquidada a quantia de € 1.370.522,40, relativa a «Derrama estadual», enquanto no Relatório da Inspecção Tributária se concluiu que deve ser efectuada uma correcção de € 1.370.522,41 (mais um cêntimo do que o valor indicado na liquidação), relativo a «Derrama regional» e não estadual.

Por isso, conclui-se que a referida liquidação nada tem a ver com este procedimento de inspecção, o que se confirma pelo facto de, na notificação do Relatório da Inspecção Tributária, se ter anunciado, que, «a breve prazo» os serviços da AT procederiam à notificação da liquidação respectiva (o que não se provou que tivesse sucedido).

Consequentemente, a questão da competência para apreciar o pedido formulado pela Requerente, que é de declaração de ilegalidade da liquidação, juros de mora e custas, tem de ser apreciado apenas à face da liquidação impugnada, da reclamação graciosa e da respectiva decisão.

 

2.3.2. Acto que é objecto do processo e seu conteúdo

 

A Requerente pede a declaração de ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2014 …, na parte correspondente à Derrama Regional no montante de 1.370.522,40€, respetivos juros de mora no montante de 40.184,28€ e custas no montante de 14.172,39€.

Aparentemente, aquela liquidação não terá sido precedida de qualquer procedimento de inspecção, pois, como se referiu, o único de que há conhecimento terminou depois de aquela liquidação ter sido notificada, a correcção nele proposta refere-se a «derrama regional» e não «derrama estadual» e o montante da correcção apresenta uma pequena diferença (1 cêntimo).

Mas, como se vê pela reclamação graciosa apresentada, a Requerente interpretou aquela referência da liquidação a «derrama estadual» como reportando-se a «derrama regional» e a decisão da reclamação graciosa deu esta qualificação ao tributo liquidado com aquela designação e fundamentou a manutenção da liquidação nessa parte.

Nestes casos de impugnação administrativa de actos de liquidação (nomeadamente de reclamação graciosa e recurso hierárquico de actos de liquidação), se a respectiva decisão mantém o acto impugnado, total ou parcialmente, com diferente fundamentação deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto de liquidação (como decorre do artigo 147.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991) na parte mantida com nova fundamentação, passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o mesmo conteúdo decisório, na parte mantida, terá a nova fundamentação. ( [1] )

Assim, no caso em apreço, após da decisão da reclamação graciosa, o acto que permanece na ordem jurídica é o de liquidação, na parte não revogada, mas com a fundamentação que consta da decisão da reclamação graciosa.

 

2.4. Questão da incompetência

 

2.4.1. Posições das Partes

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral pelas seguintes razões, em suma:

 

– a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida pelo âmbito da vinculação da administração tributária  à sua jurisdição, definida pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, nos termos previstos no artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira é o único serviço que está vinculado à jurisdição arbitral, nos termos definidos na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março;

– a decisão de indeferimento (parcial) de reclamação graciosa foi proferida pelo Director Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, que não integra a Autoridade Tributária e Aduaneira nem o Ministro das Finanças, ma sim a Região Autónoma da Madeira;

– nos termos do artigo 1.º n.º 1 do Decreto Regulamentar Regional nº 2/2013/M «a Direção Regional dos Assuntos Fiscais, designada abreviadamente por DRAF, é o serviço central da administração direta da Região Autónoma da Madeira, abreviadamente designada por RAM, a que se refere a alínea a) do n.º 6 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar Regional n.º 4/2012/M, de 9 de abril, que tem por missão assegurar e administrar os impostos sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o consumo, sobre o património e de outros tributos legalmente previstos, bem como executar as políticas e as orientações fiscais definidas pelo Governo Regional da Madeira, em matéria tributária a exercer no âmbito da Região Autónoma da Madeira, de acordo com os artigos 140.º e 141.º da Lei n.º 130/99, de 1 de agosto, nomeadamente a liquidação e a cobrança dos impostos que constituem receita da Região»;

– o artigo 227.º da CRP estabelece que as regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os poderes enunciados nessa mesma norma e a definir nos respectivos estatutos ;

– nos termos do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, «a Região Autónoma da Madeira é uma pessoa colectiva territorial, dotada de personalidade jurídica de direito público»;

– a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais constitui a administração regional autónoma que integra a Região Autónoma da Madeira, pelo que não se encontra abrangida pela Portaria n.º 112-A/2011;

– o artigo 107.º do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira determina que a mesma exerce poder tributário próprio;

– nos termos do artigo 112.º, n.º 1, alínea  b), do mesmo Estatuto, «são receitas fiscais da Região, nos termos da lei, as relativas ou que resultem, nomeadamente, dos seguintes impostos: b) Do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas»;

– a Região Autónoma da Madeira dispõe de poder tributário próprio, consistindo o mesmo, designadamente, no direito de dispor de todas as receitas fiscais cobradas no seu território, independentemente da sua natureza e da sua categoria específica, e de dispor das mesmas;

– o Orçamento Rectificativo da Região Autónoma da Madeira para o ano de 2010, prevê, no artigo 3º e seguintes, a criação da Derrama Regional como medida de financiamento extraordinário da Região;

– nos termos do artigo 1º nº 2 do Decreto-Lei nº 18/2005 que: «compete ao Governo Regional da Região Autónoma da Madeira exercer a plenitude das competências previstas na Constituição e na lei em relação às receitas fiscais próprias, praticando todos os actos necessários à sua administração e gestão»;

– o artigo 140º nº 2 a) do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira determina que a capacidade da Região Autónoma da Madeira ser sujeito activo dos impostos nela cobrados compreende o poder do Governo Regional criar os serviços fiscais competentes para o lançamento, liquidação e cobrança dos impostos de que é sujeito activo;

– Incumbe, em especial à Direcção Regional dos Assuntos Fiscais e relativamente às receitas fiscais próprias «assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas da Região ou de pessoas coletivas de direito público»;

– nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei nº 18/2005 «o Ministério das Finanças prestará ao Governo Regional da Madeira o apoio técnico e administrativo necessário ao funcionamento dos serviços referidos no artigo anterior, com vista a assegurar um sistema fiscal único e a sua aplicação uniforme em todo o território nacional»;

– a derrama regional foi liquidada pela Região Autónoma da Madeira, já que foram os serviços de inspecção tributária da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais que realizaram o procedimento inspectivo em questão;

– qualquer intervenção que a Autoridade Tributária e Aduaneira no procedimento aqui em causa, fê-lo ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 3º do Decreto-Lei nº 18/2005, de 18 de Janeiro;

– a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais e o Governo Regional da Região Autónoma da Madeira não se vincularam ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária;

– a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à tutela arbitral pressupõe uma limitação das situações em que esta pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável, ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adoptar o comportamento potencialmente adequado a procurar efectivá-la;

– é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP], no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, uma interpretação que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente.

 

A Requerente respondeu nas suas alegações, dizendo, em suma, o seguinte:

 

– o que está em causa no presente pedido, é a anulação parcial da liquidação de IRC referente à Derrama Regional e não do indeferimento (parcial) da reclamação graciosa;

– a liquidação cuja declaração de ilegalidade é questionada foi efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

– a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira constitui desconsideração pelo princípio da boa-fé que norteia a relação entre a administração e contribuintes, face às evidências demonstradas relativamente a que entidade procedeu à liquidação subjudice;

– o Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, de 1 de fevereiro prevê que a DRAF assegure a liquidação dos impostos que constituem receita da Região Autónoma da Madeira, mas importa verificar se de facto o faz e, por poder não estar em condições de o fazer, previu o artigo 12.º do Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, de 1 de fevereiro (em vigor à data da liquidação) que «até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercido da plenitude das atribuições e competências previstas no art." 2º do presente diploma, a AT, através dos seus departamentos e serviços, continuará a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita da própria RAM»;

– a situação é diferente da que foi objecto do processo n.º 89/2012-T, pois nesse caso a liquidação adicional de IRC foi efectuada pela DRAF através do Serviço de Finanças do Funchal;

– a vinculação da AT à jurisdição arbitral no presente caso deve ser reconhecida, no sentido em que foi a AT quem praticou o ato de liquidação objeto do pedido de pronúncia e a competência para a liquidação de cobrança de impostos, ainda que constituam receita própria da RAM, pertence igualmente à AT;

– a procedência da presente excepção seria uma violação do principio da tutela jurisdicional efectiva, prevista no artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), permitindo-se, assim, que a AT, através de um comportamento desviante e errático com os princípios constitucionais vigentes no ordenamento jurídico português, adoptasse um série de condutas ilegais e anticonstitucionais ao arrepio do plasmado no artigo 266.º, n.º 2 da CRP.

 

2.4.2. Apreciação da questão da incompetência

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:

 

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

 

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

 

Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 1.º

Vinculação ao CAAD

 

Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD — Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:

a) A Direcção -Geral dos Impostos (DGCI); e

b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

 

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

 

Por força do disposto no artigo 12.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, as referências que se fazem à DGCI e à DGAIEC no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, consideram-se feitas à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Resulta destas normas, com a actualização imposta pelo Decreto-Lei n.º 118/2011, que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apenas abrange actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT «que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração (...) esteja cometida» à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Assim, o elemento decisivo para definir o âmbito da vinculação e da competência não é a entidade que praticou o acto cuja declaração de ilegalidade o sujeito passivo pretende, ou o destino da receita obtida com a cobrança do imposto, mas sim a entidade a quem é cometida a administração do imposto: se se concluir que a administração do imposto cuja ilegalidade a Requerente pretende ver declarada é cometida à Autoridade Tributária e Aduaneira estar-se-á perante uma pretensão que se insere nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Na terminologia tributária, considera-se como administração do imposto a actividade de praticar actos tributários primários criando relações jurídicas tributárias e dar-lhes execução, designadamente a liquidação e cobrança, que são as actividades que caracterizam uma entidade administrativa como administração tributária, como decorre do n.º 3 do artigo 1.º da LGT, ao referir as «entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos», e são indicadas no artigo 2.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, como actividades primaciais da Autoridade Tributária e Aduaneira.

O facto de que liquidação ter sido emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira e assinada pelo Senhor Director-Geral é irrelevante, só por si, para o efeito de definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, pois esta só de verificará se a administração do imposto em causa estiver cometida à Autoridade Tributária e Aduaneira.

O imposto a que se reporta a liquidação impugnada é, independentemente da legalidade da liquidação, IRC. A derrama estadual que nela se refere, é também IRC.

A liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, que consubstancia «administração» do tributo, está cometida à Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta do teor expresso do artigo 2.º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro.

Por isso, a tratar-se de derrama estadual, seria inequívoco que a competência para administrar o tributo cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Porém, como se disse, deve considerar-se que a decisão da reclamação graciosa consubstancia uma modificação da liquidação, que passa a assentar na respectiva fundamentação que a caracteriza como «derrama regional». Por outro lado, esta liquidação com a fundamentação que lhe foi dada na reclamação graciosa não foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mas sim pelo Director Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira.

Por isso, há que apreciar a questão da competência com base nestes pressupostos.

A derrama regional foi criada pelo artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M de 5 de Agosto, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho, e revisto pela Lei 130/99, de 21 de Agosto, com as alterações previstas na Lei 12/2000, de 21 de Junho, conjugados com o n.º 1 do artigo 56.º da Lei Orgânica 1/2010, de 29 de Março, e do artigo 2.º da Lei 12-A/2010, de 30 de Junho, que aprovou a lei de consolidação orçamental,

O artigo 69.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, republicado pela Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

«Compete ao Governo Regional

(...)

aa) Administrar, nos termos deste Estatuto e da lei, as receitas fiscais cobradas ou geradas na Região, bem como a participação nas receitas tributárias do Estado, e outras receitas que lhe sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas;»

 

Nos termos do artigo 107.º, n.º 3, do mesmo Estatuto, «a Região dispõe, nos termos do Estatuto e da lei, das receitas fiscais nela cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhe sejam atribuídas e afecta-as às suas despesas».

O artigo 108.º do mesmo Estatuto estabelece que

«Constituem receitas da Região:

(...)

b) Todos os impostos, taxas, multas, coimas e adicionais cobrados ou gerados no seu território, incluindo o imposto do selo, os direitos aduaneiros e demais imposições cobradas pela alfândega, nomeadamente impostos e diferenciais de preços sobre a gasolina e outros derivados do petróleo;

 

O artigo 112.º do mesmo Estatuto refere que «são receitas fiscais da Região, nos termos da lei, as relativas ou que resultem, nomeadamente, dos seguintes impostos: (...) b) Do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas;» e «os juros de mora e os juros compensatórios liquidados sobre os impostos que constituam receitas próprias».

A Derrama Regional que está em causa no presente processo, para além de se enquadrar no IRC, foi criada pela Assembleia Legislativa da Madeira, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, que lhe permite «exercer poder tributário próprio e adaptar o sistema fiscal nacional à Região nos termos do presente Estatuto e da lei».

Por outro lado, o artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 18/2005, de 18 de Janeiro, transferiu expressamente para o Governo Regional da Região Autónoma da Madeira a competência para «exercer a plenitude das competências previstas na Constituição e na lei em relação às receitas fiscais próprias, praticando todos os actos necessários à sua administração e gestão» e o n.º 3 do mesmo artigo extingue a Direcção de Finanças da Região Autónoma da Madeira e os serviços locais dela dependentes.

No entanto, este regime não foi imediatamente implementado, pois o artigo 2.º do mesmo Decreto-Lei n.º 18/2005 estabeleceu que «por decreto regulamentar regional será criado um organismo com vista à prossecução na Região Autónoma da Madeira das atribuições e competências cometidas à Direcção de Finanças da Região Autónoma da Madeira, extinta pelo presente diploma nos termos do n.º 3 do artigo anterior» e o artigo 4.º estabeleceu que «enquanto não for criado o novo organismo de âmbito regional, manter-se-ão as estruturas organizacionais da Direcção de Finanças da Região Autónoma da Madeira, ficando o respectivo pessoal afecto funcionalmente à Secretaria Regional do Plano e Finanças».

Posteriormente, o Decreto Regulamentar Regional n.º 29-A/2005/M, de 31 de Agosto, aprovou a estrutura orgânica da Direcção Regional dos Assunto Fiscais, dispondo, no n.º 1 do seu artigo 1.º, que «a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, abreviadamente designada por DRAF, é o departamento da Secretaria Regional do Plano e Finanças que tem por atribuições gerais, em relação às receitas fiscais próprias da Região Autónoma da Madeira, praticar todos os actos necessários à sua administração e gestão dos impostos sobre o rendimento, sobre a despesa e sobre o património e de outros tributos legalmente previstos, bem como executar as políticas e as orientações fiscais definidas pelo Governo Regional em matéria tributária».

Mas, o artigo 46.º do mesmo diploma estabeleceu que «até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das competências e atribuições previstas nos artigos 1.º e 2.º deste diploma, a DGCI, através dos seus departamentos e serviços, continuará a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a Região Autónoma da Madeira, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da Região Autónoma da Madeira».

Na mesma linha, o Decreto Legislativo Regional nº 27/2008/M, de 3 de Julho, que aprovou a adaptação orgânica e funcional da legislação fiscal nacional à Região Autónoma da Madeira, apesar de ter estabelecida que as referências feitas no CIRC à Direcção-Geral dos Impostos, em matéria que se insira nas atribuições e competências fiscais da RAM, se passavam a entender como reportadas à Direcção Regional dos Assuntos Fiscais (artigo 2.º, n.º 1), estabeleceu no seu artigo 15.º que «a adaptação legislativa operada pelo presente decreto legislativo regional é feita sem prejuízo do disposto no artigo 46.º no Decreto Regulamentar Regional 29-A/2005/M, de 31 de Agosto, diploma que aprovou a orgânica da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais».

Posteriormente, o Decreto Regulamentar Regional nº 2/2013/M, de 1 de Fevereiro, que aprovou a Orgânica da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais atribuiu-lhe, no seu artigo 3.º, a competência para assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, relativamente às receitas fiscais próprias, no seu artigo 12.º, n.º 1, estabeleceu que «até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das atribuições e competências previstas no artigo 2.º do presente diploma, a AT, através dos seus departamentos e serviços, continuará a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM.».

Este regime mantinha-se no momento da prática dos actos que estão em causa no presente processo, como se conclui do recente Decreto Regulamentar Regional n.º14/2015/M, de 19 de Agosto, que, no seu artigo 15.º, n.º 1, estabelece que «até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das atribuições e competências previstas no artigo 2.º do presente diploma, a AT, através dos seus departamentos e serviços, continua a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a Região Autónoma da Madeira, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da Região Autónoma da Madeira».

Conclui-se, assim, que o facto de se tratar de derrama regional não impede que se entenda que é a Autoridade Tributária e Aduaneira a entidade que a administra, pelo que a natureza do tributo não afasta a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Por outro lado, nestes casos em que o acto de liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida no processo arbitral foi praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não há qualquer obstáculo a nível da intervenção no processo arbitral do seu dirigente máximo, designadamente para prática de um acto de um dos tipos previstos no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT («revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo»). Na verdade, a legalidade dessa intervenção do dirigente máximo do serviço está assegurada pela Portaria n.º 112-A/2011, uma vez que o Ministro das Finanças superintende nos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 86-A/2011, de 12 de Julho, com remissão para o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 205/2006, de 27 de Outubro, e tendo em conta que as referências a Direcção-Geral de Impostos e à Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo se consideram feitas à Autoridade Tributária e Aduaneira, por força do disposto no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro).

Porém, a atribuição de competências à Autoridade Tributária e Aduaneira que se faz no artigo 12.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013/M não é total, abrangendo apenas «a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM».

Aliás, nem se compreenderia que a manutenção das competências da Autoridade Tributária e Aduaneira fosse total, pois foram criados por aquele diploma órgãos regionais da administração tributária, designadamente o Director Regional dos Assuntos Fiscais que, naturalmente, não poderia deixar de desempenhar, pelo menos, algumas das funções das inseridas nas suas competências.

E, de facto, os artigos1.º e 3.º daquele Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013/M estabelecem que Direcção Regional dos Assuntos Fiscais é o serviço central da administração directa da Região Autónoma da Madeira que é dirigido pelo Director Regional dos Assuntos Fiscais, que é, assim, o dirigente máximo do serviço.

Entre as competências do Director Regional dos Assuntos Fiscais incluem-se, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, daquele diploma as «que, por força da aplicação dos códigos e demais legislação tributária, lhe forem cometidas, ou as que nele forem delegadas pelo membro do governo regional responsável pela área das finanças», em que se inclui a de apreciação e decisão de reclamações graciosas (artigo 75.º, n.º 1, do CPPT).

Por outro lado, para além de o texto daquele artigo 12.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, ao referir expressamente apenas a liquidação e cobrança, apontar no sentido de esta atribuição de competências abranger actos primários, conclui-se do n.º 2 do mesmo artigo esta não abrangerá actos do Director Regional dos Assuntos Fiscais, pois estabelece-se aqui que «os actos praticados nos termos do número anterior serão passíveis de recurso hierárquico, a interpor, consoante o procedimento aplicável, perante o membro do governo regional responsável pela área das finanças ou do director regional». Na verdade, não sendo concebível que o recurso hierárquico seja decidido pelo próprio autor do acto recorrido, é forçoso concluir que entre os actos para que é competente a Autoridade Tributária e Aduaneira estadual a que se reporta aquele n.º 1 não se inclui a competência para decidir reclamações graciosas, que, à face do referido artigo 4.º, n.º 2, cabe ao Director Regional dos Assuntos Fiscais.

Aliás, o caso em apreço evidencia aplicação deste regime, pois a reclamação graciosa de uma liquidação emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira foi apreciada em reclamação graciosa pelo Director Regional dos Assuntos Fiscais.

Ora, nos casos em que o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida em processo arbitral foi praticado pelo Director Regional dos Assuntos Fiscais não pode deixar de se concluir que se está perante matéria que não é abrangida pela vinculação efectuada pela Portaria n.º 112-A/2011.

Na verdade, desde logo, esta Portaria vincula à jurisdição arbitral «serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública» (artigo 1.º), o que não é o caso da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais.

Na verdade, a administração tributária regional não está na dependência do Governo da República, mas sim do Governo Regional, que é o órgão superior da administração pública regional e têm competência para tutelar e dirigir os serviços e a actividade da administração regional [artigos 55.º, 69.º, alínea e), e 140.º. n.º 1, alínea c), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 130/99 de 21 de Agosto, e alterado pela Lei n.º 12/2000, de 21 de Junho].

Por isso, não pode o Governo da República, através de acto regulamentar, impor a um dirigente máximo de um serviço integrado na administração regional a intervenção no processo arbitral inerente ao regime previsto no RJAT (designadamente, para prática dos actos previstos nos artigos 13.º, n.ºs 1 e 2, 17.º e 20.º, n.º 2).

Por outro lado, o próprio regime do RJAT, que pressupõe uma intervenção liminar do dirigente máximo do serviço para eventual «revogação, ratificação, reforma ou conversão do acto tributário cuja ilegalidade foi suscitada» (Artigo 13.º, n.º 1,), afasta a possibilidade de intervenção do dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira nos casos em que o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida foi praticado por entidade não integrada na Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente o Director Regional dos Assuntos Fiscais.

Com efeito, à revogação, ratificação, reforma e conversão dos actos tributários aplicam-se as regras da revogação [artigo 137.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e artigo 164.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015, aplicáveis por força do disposto nos artigos 2.º, alínea d), e 79.º da LGT], pelo que aqueles actos apenas podem ser praticados pelo seu autor ou por um superior hierárquico (artigos 142.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e 169.º, n. 2, do Código do Procedimento Administrativo de 2015) e não há relação de hierarquia entre o Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira e o Director Regional dos Assuntos Fiscais, pois este é o dirigente máximo do serviço do respectivo serviço.

Sendo assim, a vinculação operada pela Portaria n.º 112-A/2011 apenas poderá abranger aqueles actos primários cuja competência se manteve e foi exercida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (designadamente de liquidação, mas também actos de fixação da matéria tributável ou colectável ou de valores patrimoniais), pois apenas esta entidade (como sucessora da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo) é abrangida pelo seu artigo 1.º que refere expressamente que ela abrange esses «serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública».

No caso em apreço, como se disse, o acto de decisão da reclamação graciosa, que manteve na ordem jurídica a liquidação com nova fundamentação, foi praticado por uma entidade que não está abrangida pela vinculação.

Consequentemente, conclui-se que a apreciação da pretensão de declaração de ilegalidade deste acto não se inclui na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

 

2.4.3. Constitucionalidade do regime da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD

 

A Requerente, referindo-se à incompetência, defende que «a procedência da presente exceção seria uma violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, prevista no artigo 268.°, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), permitindo-se, assim, que a AT, através de um comportamento desviante e errático com os princípios constitucionais vigentes no ordenamento jurídico português, adotasse um série de condutas ilegais e anticonstitucionais ao arrepio do plasmado no artigo 266.°, n.° 2 da CRP».

Não se vê, porém, como os limites da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD podem contender com o direito à tutela judicial efectiva, pois em relação a qualquer acto lesivo praticado pela administração estadual ou regional há possibilidade de impugnação, através dos tribunais estaduais.

É certo, porém, que a aplicação deste regime de incompetência numa situação em que o contribuinte foi induzido em erro por uma actuação irregular da administração tributária (será, decerto, o que a Requerente designa como «comportamento desviante e errático») e perdesse definitivamente o direito de impugnação contenciosa do acto lesivo poderia considerar-se incompatível com o direito à tutela judicial efectiva, que pressupõe, para a tutela ser efectiva, que esta esteja razoavelmente ao alcance dos lesados, o que tem de se entender que só ocorre em situações em que a administração tenha praticado os actos previstos na lei para assegurar o completo esclarecimento dos destinatários, pois se a lei os prevê é, forçosamente, porque os presume como necessários para ser atingido o fim em vista.

No caso em apreço, constata-se que ocorreu, de facto, um conjunto de irregularidades e incongruências procedimentais que são susceptíveis de ter afectado a possibilidade de a Requerente identificar perfeitamente o acto cuja declaração de ilegalidade deveria pedir e ter optado erradamente pela jurisdição arbitral.

Na verdade, foi manifestamente anómala a actuação conjugada da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais que os autos mostram, designadamente pelos seguintes factos:

– na liquidação, elaborada pela Autoridade Tributária e Aduaneira e que serviu de base ao processo executivo, fez-se referência a «derrama estadual», mas, na reclamação graciosa, veio a decidir-se que, afinal, tratava-se de «derrama regional», mas manteve-se a execução já instaurada com base naquela anterior liquidação;

– tratando-se de uma liquidação de IRC que constitui receita da Região Autónoma da Madeira, a Autoridade Tributária e Aduaneira não incluiu na liquidação a respectiva referência, que deveria ter sido feita, pois tal era possível, e, nestas condições, era imposta pelo artigo 140.º, n.º 3, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e pelo artigo 61.º, n.º 4, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro (que aprovou a Lei das Finanças das Regiões Autónomas);

– a liquidação efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada sem ser precedida de qualquer procedimento tributário (pelo menos não se provou que tivesse havido);

– a liquidação foi notificada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na pendência de um procedimento de inspecção relativo à apreciação da mesma situação, levado a cabo pelos serviços da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais;

– na notificação do relatório final da referida inspecção tributária, realizada já depois de notificada a liquidação pela Autoridade Tributária e Aduaneira, foi anunciado pelo Direcção Regional dos Assuntos Fiscais  que seria elaborada uma liquidação (que teria como pressuposto tratar-se de derrama regional, e não estadual), o que não veio a acontecer;

– na notificação da decisão da reclamação graciosa não foram indicados os «meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado», o que é imposto pelo artigo 36.º, n.º 2, do CPPT;

– na decisão da reclamação graciosa não se faz referência à revogação da liquidação anterior, nem se emitiu uma nova liquidação com o novo enquadramento jurídico e cálculo dos juros respectivos, dizendo-se que se mantém «a exigibilidade do montante de €1.370.522,40, devido a título de derrama regional e que já se encontra a ser cobrado no âmbito do PEF …2014…»;

– a liquidação inicial manteve-se em execução, apesar de, em 29-10-2014, antes da decisão da reclamação graciosa, a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais ter enviado à Requerente uma comunicação de que seria efectuada uma correcção à liquidação, no sentido que veio a ser adoptado na decisão da reclamação graciosa (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

Neste contexto, em que se reuniu uma quantidade invulgar de irregularidades procedimentais, compreende-se o erro da Requerente ao impugnar um acto de liquidação, que não foi expressamente revogado, mas antes lhe foi indicado como mantendo-se exigível na execução fiscal já pendente, apesar de ter sido alterada pela decisão da reclamação graciosa a qualificação do imposto a cobrar.

Por isso, entende-se que o erro da Requerente ao formular o pedido de pronúncia arbitral tendo por objecto a liquidação n.º 2014 … é explicado, em termos de razoabilidade, pela deficiência de informação referida, pelo que não pode considerar-se imputável à Requerente, para efeitos do artigo 24.º, n.º 3, do RJAT.

Na verdade, afiguram-se como decisivas para induzir em erro a Requerente as irregularidades imputáveis à Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, ao efectuar uma notificação da decisão de reclamação graciosa sem indicação dos meios de reacção disponíveis, ao não efectuar uma nova liquidação em termos formais apesar de considerar que a quantia referida na liquidação a título de «derrama estadual» deveria manter-se a título de «derrama regional» e ao decidir manter o processo de execução fiscal já instaurado com base na primitiva liquidação, apesar de terem sido alterados os seus pressupostos.

Sendo assim, permanece assegurado o direito de impugnação contenciosa previsto nesta norma, pelo que a decisão de incompetência deste Tribunal Arbitral não contende com o direito de impugnação contenciosa garantido pelo artigo 268.º, n.º 4, da CRP.

 

2.5. Questões de conhecimento prejudicado

 

Procedendo a excepção da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, impõe-se a sua absolvição da instância [artigo 278.º, n.º 1, alínea a), do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT], pelo que fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas neste processo.

 

3. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral;
  2. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância;
  3. Declarar que a procedência da excepção não resulta de facto imputável à Requerente.

 

4. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.424.879,07.

 

5. Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT fixa-se o montante das custas em € 18.972,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

Esclarece-se que, apesar de se entender que o erro da Requerente ao utilizar o pedido de pronúncia arbitral para pedir a declaração de ilegalidade da liquidação não lhe ser imputável, não pode ser imputada qualquer responsabilidade por custas à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois não foi esta, mas sim a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais (actualmente Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, nos termos do Decreto Regulamentar Regional 14/2015/M, de 19 de Agosto), quem efectuou a notificação deficiente.

Por outro lado, a Requerente opôs-se, sem êxito, à excepção da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, o que basta para justificar a sua condenação em custas.

 

Lisboa, 02-11-2015

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(João Sérgio Ribeiro)

 

 

 

(A. Sérgio de Matos)

 

 

 



[1]              Neste sentido, sobre a revogação por substituição, podem ver-se o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 6-10-1999, processo n.º 23379, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-9-2002, página 3102, e os acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 29-5-2002, processo n.º 47541; de 18-12-2002, processo n.º 48366; de 29-4-2003, processo n.º 363/03; de 28-5-2003, processo n.º 533/03; de 25-2-2009, processo n.º 843/08.