Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 231/2015-T
Data da decisão: 2015-12-09  IRC  
Valor do pedido: € 559.725,59
Tema: IRC - Autoliquidação relativa a exercício de 2012, relevação fiscal de metade dos gastos e variações patrimoniais negativas, instrumentos financeiros, mensuração do justo valor (artigos 5º do DL 159/2009 e 18º-9/a) e 45º-3, do CIRC)
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 231/2015-T

Tema: IRC, autoliquidação relativa a exercício de 2012, relevação fiscal de metade dos gastos e variações patrimoniais negativas, instrumentos financeiros, mensuração do justo valor (artigos 5º do DL 159/2009 e 18º-9/a) e 45º-3, do CIRC)

 

 

Os árbitros José Poças Falcão (árbitro-presidente), Carla Castelo Trindade e António Martins (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 18 de junho de 2015, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

São partes neste litígio:

A… SGPS, SA, (doravante somente «A…», ou «Requerente»), Pessoa Colectiva n.º …, com sede na Avenida …, …, … Cascais, integrada no Serviço de Finanças de Cascais -…, sede na Rua …, Torre … - …, … Lisboa e com o NIPC …

AUTORIDADETRIBUTARIAEADUANEIRA, (doravante designada por Requerida ou AT).

Objeto do pedido

            É objeto do pedido o indeferimento da Reclamação Graciosa (Cfr. Ofício n.º  de 01.12.2014 cuja cópia foi junta como Doc. n.º 1 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido e reclamação graciosa cuja primeira página se junta como Doc n.º 2) e, mediatamente, a (alegada) ilegalidade do acto de liquidação referente ao IRC do período de tributação de 2012 (Cfr. demonstração de liquidação de IRC que se juntam como Doc. n.º 3 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).

Os fundamentos apresentados pela Requerente

Alegou a Requerente, no essencial:

a) A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais que está integrada num Grupo Fiscal sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) do qual é a sociedade dominante.

b) No período de tributação aqui em apreço (2012), a Requerente procedeu, ao abrigo do disposto no artigo 122.º do Código do IRC à submissão da sua declaração individual de rendimentos Modelo 22, em 30 de Julho de 2013, na qual apurou um lucro tributável de € 6.639.717,02 (que se junta como Doc. n.º 4 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).

c) Tendo este influenciado o resultado global do Grupo que se fixou num lucro tributável de € 11.330.140,41 e num montante de imposto a pagar de € 739.473,99 (Cfr. Declaração de Rendimentos Modelo 22 do Grupo que se junta como Doc. n.º 5 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).

d) Ora, a Requerente detém, desde 2007, uma participação financeira inferior a 5% (de 0,095%) no Banco …, S.A., com sede na Praça …, nº …, …, ..., e Número Único de Matrícula na Conservatória do Registo Comercial do ... e de Pessoa Colectiva … (doravante, apenas «Banco…») – facto este, aliás, não contestado e expressamente aceite pela AT na decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa.

e) Esta participação foi mensurada, no período de tributação aqui em apreço, em respeito pelas regras contabilísticas e fiscais aplicáveis, ao justo valor através de resultados.

f) Porém, na vigência do Plano Oficial de Contas (POC), i.e., até 31 de Dezembro de 2009, a participação encontrava-se registada, contabilisticamente, nas demonstrações financeiras da Requerente, ao custo de aquisição (€ 81.998.932), deduzido das desvalorizações que refletiam as sucessivas reduções do valor de mercado, as quais, nos termos das normas fiscais em vigor à data, não tinham relevância fiscal.

g) Com a aprovação pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Junho, do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), que veio suceder ao POC e que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2010, a Requerente procedeu ao registo da referida participação, nos termos da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 27.

h) Esta NCRF define como critério de mensuração para os instrumentos financeiros que revistam a forma de investimentos em instrumentos de capital próprio com cotação divulgada publicamente o critério do justo valor com as eventuais valorizações e desvalorizações de justo valor reconhecidas diretamente no resultado do período.

i) Assim, com a transição para o SNC, e de acordo com a NCRF 3, a Requerente reconheceu em capitais próprios o efeito decorrente do reconhecimento ao justo valor da participação no Banco… a 31 de Dezembro de 2010, i.e., reconheceu uma perda no montante de € 54.537.180,20.

j) Por esta razão, a A…, uma vez que tinha registada uma variação patrimonial negativa correspondente à diferença entre o valor de aquisição da participação e a sua cotação oficial, relevou a mesma nos seus capitais próprios.

k) Esta perda de justo valor constituiu um ajustamento de transição para o SNC, fiscalmente relevante nos termos do Código do IRC, pelo que lhe foi aplicável o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Junho.

l) De acordo com o qual, a Requerente pode deduzir ao lucro tributável, em partes iguais, durante 5 anos (i.e., de 2010 a 2014) na proporção de 1/5 em cada ano, aquela perda de justo valor.

m) Pelo que o valor de € 5.453.718,02 inscrito na sua declaração de rendimentos, no campo 705 — variações patrimoniais negativas (regime transitório previsto nos n.os 1, 5 e 6 do art.º 5.º do Decreto‑Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho) - corresponde a 1/5 de 50% do ajustamento decorrente da aplicação retrospectiva do método do justo valor no montante global de € 54.537.180,20.

n) Por outro lado, tendo existido durante o exercício de 2012 uma variação negativa da cotação da participação em causa, face ao seu valor à data de 31 de Dezembro de 2011, a Requerente considerou como fiscalmente dedutível apenas 50% da respectiva perda contabilizada, a qual foi de € 2.069.654,48, ou seja, procedeu ao acréscimo ao lucro tributável, no campo 737 do Quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do montante de € 1.034.827,24.

o) Como se pode perceber do exposto, a Requerente optou, quer quanto ao ajustamento de transição, quer quanto ao gasto gerado por aplicação do justo valor relativos à participação supra mencionada, por relevá-los, para efeitos fiscais, em apenas metade do seu valor,

p) E fê-lo por aplicação do entendimento da AT acima explanado e vertido na Ficha Doutrinária emitida no Processo n.º …/2011, com Despacho de 24.02.2011 do Diretor-Geral dos Impostos, segundo a qual as perdas resultante da aplicação do justo valor apenas devem ser consideradas em 50% para efeitos do apuramento do lucro tributável.

q) E foram estes factos que levaram ao apuramento do resultado fiscal acima indicado.

r) No entanto não corresponde esta atuação ao que a lei impõe ao contribuinte.

s) E foi por ter este entendimento que a Requerente veio a apresentar a competente Reclamação Graciosa do ato de autoliquidação de IRC (já junta como Doc. n.º 2).

t) Reclamação esta que veio a ser expressamente indeferida por Ofício da Direcção de Finanças de Lisboa n.º …, datado de 6 de Janeiro de 2015 (já junto como Doc. n.º 1).

u) Mantendo a AT o entendimento de que é aplicável a limitação prevista no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC à dedutibilidade dos gastos decorrentes da aplicação do justo valor.

v) Com efeito, conforme facilmente se constata da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a AT entende que, sucintamente, a perda verificada na cotação das acções Banco…, concorre somente em metade para a determinação do resultado tributável, por aplicação do artigo 45.° do Código do IRC.

x) Nesse sentido, considera a AT que os ajustamentos negativos decorrentes da aplicação do justo valor são efetivamente perdas que se enquadram no elenco previsto no n.° 3 do artigo 45.° do Código do IRC.

aa) Para o efeito, invoca a Ficha Doutrinária Processo n° …/2011 com Despacho de 24/02/2014 do Director geral, que estabelece o enquadramento fiscal da perda apurada por SGPS em resultado da aplicação do modelo do justo valor.

bb) Destacando o disposto no seu ponto 5, que refere que “sendo as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perda deverão ser consideradas nos termos do referido artigo 45° n° 3, do CIRC, em 50% do seu apresenta desta forma uma orientação genérica que permite clarificar aquele artigo.

cc) Concluindo do exposto que as perdas resultantes da mensuração ao justo valor dos instrumentos de capital próprio previstas na alínea a) n.° 9 do artigo 18.° do Código do IRC concorrem em apenas 50% para determinação do lucro tributável, por aplicação do n.° 3 do artigo 45.° do Código do IRC.

dd) Entendimento este que, quanto à Requerente, não está correto pela razões que esta desenvolve no seu articulado.

            Constituição do Tribunal Arbitral

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, no dia 18-6-2015, para apreciar e decidir o objeto do presente processo, e automaticamente notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18º, do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária aprovado pela Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro com as alterações subsequentes).

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, procedeu à designação dos signatários como membros deste Tribunal Arbitral Coletivo

As partes foram ulterior e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º66­B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo ficou regularmente constituído em18-06-2015.

 

A Resposta da AT

A AT apresentou resposta, mantendo, no essencial, a posição defendida na fase administrativa do processo e suscitando, como questão prévia, a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, com os seguintes fundamentos (no essencial e em síntese):

 

A exceção de incompetência material do CAAD

a) A final (cfr. arts. 100º e 101º), a Requerente peticiona que, por alegadamente ter sido indevidamente aplicado o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, «deverá a autoliquidação aqui em apreço ser alterada em conformidade, incluindo no campo 705 a título de ajustamentos de transição por aplicação, retrospetiva do justo valor o montante de € 10.907.436,04 (ao invés de € 5.453.718,02) sendo eliminado o montante de € 1.034.654,48 acrescido no campo 737, sendo, consequentemente, o seu lucro tributável individual corrigido para € 151.171,76 e o lucro tributável do Grupo corrigido para € 4.841.595,15».

b) Correções que «deverão, assim, redundar numa redução do IRC a pagar de € 739.473,99 para € 179.748,40 no âmbito do RETGS o que significa uma redução de € 559.725,59 (cfr. cálculo do RETGS que se junta como doc. 6», para o que remete no pedido, a final.

c) Ora ainda que tal pretensão pudesse eventualmente decorrer da execução de julgados que viesse a ser efetuada em caso de a decisão arbitral proferida ser de procedência do pedido - o que se concede a título meramente académico - tal pedido extravasa a competência do presente Tribunal na medida em que tal não está incluído nas matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

d) Estas estabelecem: «1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

              1ª A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

              2ª A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.»

e) Em suma, decorrendo a competência dos tribunais arbitrais do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT bem como da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ex vi artigo 4.º do RJAT, temos que, como bem refere Jorge Lopes de Sousa, «a competência dos Tribunais Arbitrais compreende a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade: (1) De atos de liquidação de tributos cuja administração seja cometida à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) [...]; (2) De atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta de tributos cuja administração seja cometida à AT, desde que tenham sido precedidos de recursos à via administrativa prévia necessária, prevista nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) [...]; (3) De atos de fixação da matéria tributável sem recurso a métodos indiretos, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo [...]; (4) De atos de determinação da matéria tributável sem recurso a métodos indiretos [...]; (5) De atos de fixação de valores patrimoniais, para efeitos de imposto, cuja administração seja cometida à AT [...]; (6) De atos de liquidação de direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente sobre exportação de mercadorias [...]; (7) As pretensões relativas a imposições à exportação instituídas no âmbito da política agrícola comum (PAC) ou no âmbito de regimes específicos aplicáveis a determinadas mercadorias resultantes da transformação de produtos agrícolas [...]; (8) De atos de liquidação de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), imposto especiais sobre o consumo (IEC's) e outros impostos indiretos sobre mercadorias que não sejam sujeitas a direitos de importação [...]» - cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pp. 105-108).

f) Para além da competência para a apreciação direta da legalidade de pedidos deste tipo, poderão os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar atos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daquele tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas e recursos hierárquicos, como resulta das referências da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que se reporta à impugnação judicial de reclamações graciosas, e à "decisão do recurso hierárquico".

g) Como tal, é manifesto que não se insere no âmbito destas competências a apreciação do pedido de reconhecimento do direito formulado nos arts. 100º e 101º e reiterado no pedido de pronúncia arbitral, a final, pois que inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, ainda que constituíssem consequência, a nível de execução, da declaração de ilegalidade de atos de liquidação.

h) Como decorre do previsto no artigo 24.º do RJAT, a definição dos atos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Neste sentido, assim já foi entendido pelo acórdão arbitral de 2015-01-15, proferido no processo n.º 587/2014-T (cfr. págs. 3 a 6 do mesmo).

i) A incompetência material do Tribunal para a apreciação do pedido identificado supra consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Foi dispensada a reunião do Tribunal com as partes prevista no artigo 18.º do RJAT.

A requerente arrolou testemunhas mas os respetivos depoimentos foram ulteriormente prescindidos.

Ambas partes, notificadas para apresentarem as suas alegações finais, de facto e de direito, por escrito, procederam a essa apresentação no prazo concedido

 

Saneador

O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído.

 

A exceção: incompetência material do Tribunal Arbitral

Como exceção ou questão prévia, suscita a AT a questão da (in)competência material do Tribunal Arbitral alegando que o pedido extravasa as competência dos Tribunais Arbitrais constituídos no âmbito do CAAD à luz do disposto no artigo 2º, do RJAT.

Alega a AT de substancial a fundamentar a exceção que “(…) é manifesto que não se insere no âmbito destas competências a apreciação do pedido de reconhecimento do direito formulado nos arts. 100º e 101º e reiterado no pedido de pronúncia arbitral, a final, pois que inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, ainda que constituíssem consequência, a nível de execução, da declaração de ilegalidade de atos de liquidação.

h) Como decorre do previsto no artigo 24.º do RJAT, a definição dos atos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Neste sentido, assim já foi entendido pelo acórdão arbitral de 2015-01-15, proferido no processo n.º 587/2014-T (cfr. págs. 3 a 6 do mesmo).

i) A incompetência material do Tribunal para a apreciação do pedido identificado supra consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT (...)”

A Requerida apresentou resposta escrita à exceção em execução de despacho nesse sentido proferido oportunamente pelo Tribunal, defendendo a improcedência da exceção porquanto, e também em substância, o pedido formulado não é o que a AT pretende na medida em que o pedido não é o que a AT alega.

Vejamos:

A AT declara que a Requerente peticiona (arts 100º e 101º, da petição inicial) que, “(…) por alegadamente ter sido indevidamente aplicado o n.° 3 do artigo 45.° do CIRC, «deverá a autoliquidação de IRC aqui em apreço ser alterada em conformidade incluindo no campo 705 a título de ajustamento de transição por aplicação, retrospectiva do justo valor o montante de €10.907.436,04 (ao invés de «5.453.718,02) sendo eliminado o montante de € 1.034.654,48 acrescido no campo 737, sendo, consequentemente o seu lucro tributável individual corrigido para €151.171,76 e o lucro tributável do Grupo corrigido para €4.841.595,15".

O pedido define-se, em termos processuais, como a pretensão do autor da ação, o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial e o modo por que intenta obter essa tutela (a providencial judiciária requerida, o efeito jurídico pretendido (cfr., v.g., artigos 186º, 552º-1/e) e 581º-3. Cfr ainda Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora/1976, pg 111).

Ora à luz do exposto e sem necessidade de outras considerações, fácil será concluir que o que a Requerente pretende ou peticiona (efeito jurídico) é claramente o que consta, não só do início ou introito da petição inicial mas, e sobretudo, do final desse articulado sob a epígrafe “do pedido” e contendo claramente a sobredita pretensão da Requerente: a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e do ato de autoliquidação.

E sendo este o âmbito ou o alcance do pedido, naturalmente que a competência material do Tribunal Arbitral é inquestionável à luz do artigo 2º, do RJAT e da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.

Improcede assim a exceção de incompetência material suscitada pela AT.

 

Este Tribunal é assim materialmente competente, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º1, alínea a), e 30.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (art.ºs 4.º e 10.º, n.º2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

Cumpre apreciar o mérito do pedido.

 

II FUNDAMENTAÇÃO

Factos provados

À luz das diversas perspetivas de apreciação e decisão do objeto do pedido, considera este Tribunal provados os seguintes factos essenciais:

a.  A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) que está integrada num Grupo Fiscal sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) do qual é a sociedade dominante.

b.  No período de tributação em causa nos autos (2012) a Requerente procedeu à submissão da sua declaração individual de rendimentos, na qual apurou um lucro tributável de € 6.639.717,02, valor que influenciou o resultado global do Grupo que se fixou num lucro tributável de € 11.330.140,41 e num montante de imposto a pagar de € 739.473,99.

c. A Requerente detém, desde 2007, uma participação financeira inferior a 5% (de 0,095%) no Banco …, S.A..

d.  Esta participação foi mensurada, no período de tributação do exercício de 2012, ao justo valor através de resultados.

e. Na vigência do Plano Oficial de Contabilidade (POC), até 31 de Dezembro de 2009, a participação encontrava-se registada contabilisticamente, nas demonstrações financeiras da Requerente, ao custo de aquisição (€ 81.998.932), deduzido das desvalorizações que refletiam as sucessivas reduções do valor de mercado.

f. Com a aprovação pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Junho, do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), que veio suceder ao POC e que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2010, a Requerente procedeu ao registo da referida participação, nos termos da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 27.

g. Esta NCRF define como critério de mensuração para os instrumentos financeiros que revistam a forma de investimentos em instrumentos de capital próprio com cotação divulgada publicamente o critério do justo valor com as eventuais valorizações e desvalorizações de justo valor reconhecidas diretamente no resultado do período.

h. Com a transição para o SNC, e de acordo com a NCRF 3, a Requerente reconheceu em capitais próprios o efeito decorrente do reconhecimento ao justo valor da participação no Banco… a 31 de Dezembro de 2010, i.e., reconheceu uma perda no montante de € 54.537.180,20.

i. Por esta razão, e uma vez que tinha registada uma variação patrimonial negativa correspondente à diferença entre o valor de aquisição da participação e a sua cotação oficial, a requerente relevou a mesma nos respetivos capitais próprios.

j. O valor de € 5.453.718,02 inscrito na sua declaração de rendimentos, no campo 705 — variações patrimoniais negativas (regime transitório previsto nos n.os 1, 5 e 6 do art.º 5.º do Decreto‑Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho) corresponde a 1/5 de 50% do ajustamento decorrente da aplicação retrospetiva do método do justo valor no montante global de € 54.537.180,20.

k. Tendo existido, durante o exercício de 2012, uma nova variação negativa da cotação da participação em causa, face ao seu valor à data de 31 de Dezembro de 2011, a Requerente considerou como fiscalmente dedutível apenas 50% da respectiva perda contabilizada, a qual foi de € 2.069.654,48, procedendo ao acréscimo ao lucro tributável, no campo 737 do Quadro 07 da Declaração de Rendimentos do montante de € 1.034.827,24.

l. A Requerente optou, quer quanto ao ajustamento de transição, quer quanto ao gasto gerado por aplicação do justo valor relativos à participação supra mencionada, por relevá-los, para efeitos fiscais, em apenas metade do seu valor, por aplicação do entendimento da AT vertido na Ficha Doutrinária emitida no Processo n.º …/2011, com Despacho do Diretor-geral dos Impostos, segundo a qual as perdas resultante da aplicação do justo valor apenas devem ser consideradas em 50% para efeitos do apuramento do lucro tributável.

m. A requerente entende que este procedimento não corresponde ao que a lei estabelece e por isso apresentou, atempadamente, Reclamação Graciosa do ato de autoliquidação de IRC.

n. Tal Reclamação foi indeferida por Ofício da Direcção de Finanças de Lisboa n.º …, datado de 6 de Janeiro de 2015,com base no entendimento de que é aplicável, no caso, a limitação prevista no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC à dedutibilidade dos gastos decorrentes da aplicação do justo valor.

o. E sustenta a AT esta sua posição na Ficha Doutrinária - Processo n° …/2011, que estabelece o enquadramento fiscal da perda apurada por SGPS em resultado da aplicação do modelo do justo valor.

p. Destaca a AT dessa Ficha Doutrinária o disposto no seu ponto 5, que refere que “sendo as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perda deverão ser consideradas nos termos do referido artigo 45° n° 3, do CIRC, em 50% do seu apresenta desta forma uma orientação genérica que permite clarificar aquele artigo.

q. Concluindo pois que as perdas resultantes da mensuração ao justo valor dos instrumentos de capital próprio previstas na alínea a) n.° 9 do artigo 18.° do Código do IRC concorrem em apenas 50% para determinação do lucro tributável, por aplicação do n.° 3 do artigo 45.° do Código do IRC.

 

Factos não provados

Não há, com interesse para a decisão, outros factos, provados e/ou não provados.

 

Motivação

O Tribunal funda a sua apreciação e decisão da matéria de facto supra, na análise crítica de toda a documentação incorporada nos autos e no processo administrativo instrutor.

Assinale-se que em termos de quadro factual estrito não se surpreendem divergências nas posições das partes.

A essência do litígio é tão só e apenas na aplicação e interpretação da Lei e do Direito.

 

II FUNDAMENTAÇÃO (cont)

 

1. O Objeto do litígio e as questões a decidir

Discute-se nos presentes autos a legalidade do ato de autoliquidação de IRC n.° 2014 … relativa ao IRC de 2012.

Tal autoliquidação de IRC, segundo a Requerente, “(…) ofende directa e inequivocamente preceitos legais imperativos, tanto de ordem material como de ordem formal (…). Na verdade, como ficou logo demonstrado na p.i., a liquidação baseia-se numa interpretação errónea de um preceito legal que culmina na aplicação de uma limitação à sua dedução de gastos aos quais tal limitação não é aplicável.

Trata-se, portanto, (…) de uma autoliquidação ferida de ilegalidade que, como tal, reclama a sua anulação (…)”

 

2. Quadro legal

Para a decisão a tomar são relevantes as seguintes normas do CIRC, adiante citadas na redação em vigor à data dos factos (2012):

Artigo 18º, nº 9:

 «Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, exceto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, quando se trate de instrumentos de capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital igual ou superior a 5% do respetivo capital social

….»

Artigo 23.º

Gastos

“1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

            a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

            b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

            c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

            d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança -reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

            e) Os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta;

            f) De natureza fiscal e parafiscal;

            g) Depreciações e amortizações;

            h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;

            i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

            j) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em activos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;

            l) Menos-valias realizadas;

            m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

…”

 

Artigo 45º, nº 3 do CIRC:

«A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.»

Artigo 46º do CIRC

«1-Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afetação permanente a fins alheios à atividade exercida, respeitantes a:

            a) Ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis, ativos biológicos não consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes ativos tenha sido reclassificado como ativo não corrente detido para venda;

            b) Instrumentos financeiros, com exceção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.

…”

3. Decisões arbitrais sobre o tema em causa

A questão de saber se os decréscimos de justo valor em instrumentos financeiros que são reconhecidos em resultados do período devem ou não sofrer a limitação constante do artigo 45º, nº 3, foi já objeto de decisões arbitrais com sentido diverso. O cerne dos argumentos expendidos em cada uma delas é em seguida apresentado, de forma extensiva, pela relevância que se lhes atribui para as teses em confronto.

 

O processo 108/2013-T

No Acórdão proferido no processo 108/2013-T (disponível em www.caad.org.pt), observa-se uma decisão favorável à não aplicação da limitação do artigo 45º, nº 3, do CIRC (ou seja, admitindo a dedutibilidade a 100% das perdas de justo valor em questão) com base nos seguintes argumentos:

A) “Previamente à adopção do justo valor, as variações patrimoniais relativas aos instrumentos financeiros eram irrelevantes do ponto de vista da formação do lucro tributável de cada período, por efeito da norma do artigo 21.º/1/b) do CIRC. Apenas no momento da realização da mais ou menos-valia é que assumia relevância fiscal a variação patrimonial verificada. Este enquadramento fiscal tinha (como tem na parte em que se mantém) três características bem vincadas, a saber:

• Era uma tributação única, ou seja, que ocorria uma só vez ao longo de todo o período de detenção dos instrumentos financeiros;

• Estava dependente de uma actuação voluntária do sujeito passivo, na medida em que a transacção dos instrumentos geradores da variação patrimonial, condição da relevância tributária daquela, apenas se daria se e quando o sujeito passivo assim o quisesse;

• A valorimetria da variação patrimonial era fixada em função da concreta transacção que desencadeava a sua relevância tributária.

A conjugação destas três características que se vêm de apontar, propiciavam, desde logo, um terreno fértil para manipulações contabilísticas e fiscais, já que o sujeito passivo podia optar por desencadear a relevância tributária no momento e termos em que tal lhe fosse fiscalmente mais proveitoso.

Por outro lado, e atenta a relevância da vontade do sujeito passivo no mecanismo de relevância tributária da variação patrimonial, o sistema estabelecido adequava-se à adopção de mecanismos de condicionamento daquela vontade, no sentido de a conformar a comportamentos economicamente mais desejáveis, que, no caso, passam pela preferência de realização de mais-valias, em detrimento da realização de menos-valias.

É neste quadro que se explica o surgimento da norma do anterior artigo 42.º/3 do CIRC, que precede o actual artigo 45.º/3 do mesmo.

 

Tal norma, quer na sua redacção primitiva, resultante da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, explica-se objectiva e subjectivamente (ou seja, face à motivação expressa pelo legislador) por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à almejada consolidação orçamental das contas públicas.

A aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, operada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, na parte abrangida, um modelo radicalmente diferente, quer de valorização quer de relevância tributária das variações patrimoniais relativas à detenção daqueles instrumentos.

Com efeito, a intenção do legislador aquando do acolhimento do modelo do justo valor, devidamente evidenciada, foi, assumida e expressamente, a de manter “a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados”.

Já relativamente a “instrumentos financeiros” que correspondam a menos “de 5 % do capital social”, “cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, (...) nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em principio assegurada”, a intenção legislativa foi a de aceitar “a aplicação do modelo do justo valor”, excluindo o princípio da realização.

Em consonância, o artigo 18.º/9 do CIRC aplicável, veio dispor que, por regra, “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados.”. Trata-se aqui de um afloramento evidente e deliberado do assumido princípio da realização.

Contudo, a mesma norma, na sua alínea a), estabelece a excepção a este regime, nos seguinte termos: “(...) excepto quando: a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social;”.

 

Ou seja, e igualmente conforme assumido pela entidade legislante, quando os “rendimentos ou gastos (...) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “concorrem para a formação do lucro tributável” “desde que”:

a. Sejam reconhecidos “através de resultados”;

b. Se tratem “de instrumentos do capital próprio”;

c. “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e

d. “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social.”.

Cumpridas estas condições:

a. consideram-se rendimentos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros (artigo 20.º/1/f) do CIRC); e

b. consideram-se gastos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros (artigo 23.º/1/i) d).

Deste modo, onde antes tínhamos uma relevância tributária única (one-off), aquando da transacção daqueles instrumentos, agora passamos a ter uma relevância tributária continuada. Ou seja, face às novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a estes passam a relevar directamente para a formação do lucro tributável (artigos 20.º/1/f) e 23.º/1/i) do CIRC) do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18.º/9 do CIRC), que incluem a formação do preço num mercado regulamentado, não sendo tributadas as variações patrimoniais verificadas como mais ou menos-valias (artigo 46.º/1/b) do CIRC).

Neste quadro, cessam, manifestamente, de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um acto de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria é objectivamente fixada.

 

B) Por outro lado, e pelas mesmas razões, carece igualmente de sentido qualquer medida de condicionamento da vontade do sujeito passivo, no sentido de favorecer comportamentos economicamente mais “desejáveis” e, como tal, conformes aos interesses do alargamento da base tributável e consolidação orçamental. A análise do texto normativo revela com clareza que o legislador elegeu, para nele incluir, três tipos de situações que se deverão ter, em função da presunção de boa técnica legislativa, por distintas, a saber:

a. “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital”;

b. “outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”;

c. “outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”.

Vejamos, então, se a situação dos autos se reconduz a alguma das elencadas situações. A situação aludida sob a alínea a) supra, será manifestamente inaplicável, não só porque não houve qualquer realização operada mediante transmissão onerosa, como porque o artigo 46.º/1/b) exclui as situações descritas no artigo 18.º/9/a) do conceito de mais valias realizadas. Deste modo, qualquer dificuldade que no caso exista, apenas se poderá reconduzir a alguma das situações elencadas nas alíneas b) e c) supra.

A aparente abrangência indiscriminada das previsões em causa, poderá, contudo, ser razoavelmente mitigada se se atentar que “perdas” e “outras variações patrimoniais negativas”, serão conceitos, não redundantes, mas dotados de um sentido próprio e distinto. Para compreender tal facto, será necessário recuar aos artigos 23.º e 24.º do mesmo Código, atentando na evolução terminológica operada pelo artigo 159/2009, de 13 de Dezembro. Com efeito, antes da entrada em vigor deste último diploma, os artigos referidos do CIRC referiam, respectivamente, que:

• “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...)”;

 

• “Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto: (...)”.

Verifica-se, deste modo, que aquando da consagração da redacção actual do artigo 45.º/3 do CIRC, este Código distinguiu expressamente, para o que aqui releva, três tipos de situações, a saber:

a. Custos;

b. Perdas;

c. Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício.

A previsão do artigo 42.º/3 (predecessor do actual 45.º/3), dever-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23.º e 24.º. Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os custos relativos “a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”, incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), relativas àquelas partes.

A alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, não terá alterado nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23.º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que o CIRC continua a utilizar a expressão “perdas”, incluindo no próprio artigo 23.º (cfr. n.º 1, alínea h)). Tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3.e) do anexo ao Decreto-Lei 158/2009 de 12 de Julho, mantém a distinção entre “gastos” e “perdas”.

Deste modo, conclui-se que o artigo 45.º/3 do CIRC aplicável, se reportará a:

a. diferenças negativas entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital;

b. outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; e

c. outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, sendo que por “perdas” se deve entender os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC, e por “variações patrimoniais negativas” se deverá entender variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, tal como definidas no artigo 24.º.

Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos”, à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

C) Por outro lado, e estando em causa instrumentos financeiros de valor não objectivamente quantificável, a desconsideração em 50% das variações patrimoniais negativas verificadas, teria também uma função de “compensar” a natural tendência dos operadores económicos para, ao nível fiscal, inflacionarem os prejuízos. Contudo, aqueles aspectos não se verificarão já nas situações abrangidas pelo artigo 18.º/9/a). Aqui, estando-se perante ajustes decorrentes da contabilização do justo valor, determinado por critérios objectivos (com “um preço formado num mercado regulamentado”), não há qualquer dúvida ou intervenção da vontade do sujeito passivo na verificação do ajustamento patrimonial negativo ou positivo. Ou seja, estes ocorrerão ou não, independentemente da actuação e da vontade do sujeito passivo.

É que, recorde-se, esta situação de penalização contingente (aleatória, até) injustificada, só se daria por força da excepcionação ao regime do princípio da realização das situações abrangidas pelo artigo 18.º/9/a) do CIRC aplicável. Ou seja, se relativamente a essas situações se aplicasse o regime geral do corpo do artigo 18.º/9, segundo o qual as mesmas não concorreriam “para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados”, a apontada incoerência não se verificaria, já que o facto que desencadearia a concorrência para a formação do lucro tributável apenas se daria por vontade do sujeito passivo, pelo que caberia a este optar por realizar a variação patrimonial negativa, com a consequente penalização fiscal, ou diferir esta para um momento em que fosse menos volumosa ou, até positiva, diminuindo ou eliminando a penalização decorrente da operação para si e para o Erário. É a excepção da alínea a), ao retirar as situações aí previstas do âmbito do princípio da realização, que justifica o novo regime de relevância para o lucro tributável, instituído.

Evidência de tudo o que vem de se dizer, apresenta-se no quadro elaborado de seguida, o qual demonstra a irrazoabilidade da aplicação da norma do artigo 45.º/3 às situações abrangidas pelo artigo 18.º/9/a):

 

Ano

Valor Inv. Financeiro

Variação Patrimonial

Aplicação do artigo 45.º/3 do CIRC

0

Valor de aquisição (V.A.)

0

0

1

V.A.+ 40

+ 40

+40

2

V.A.+ 20

-20

-10

3

V.A

-20

-10

4

V.A.-40

-40

-20

5

V.A.

+40

+40

6

V.A. -20

-20

-10

A não aplicação da norma do artigo 45.º/3 do CIRC aos gastos, e concretamente aos “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, com a consideração plena das repercussões patrimoniais verificadas, sejam positivas ou negativas, leva a uma coerência da tributação qualquer que seja a altura em que se verifique a alienação do instrumento financeiro. Ou seja, em qualquer altura que se escolha para proceder à alienação do instrumento financeiro, as alterações patrimoniais positivas e negativas compensam-se, de modo que, a final, o sujeito passivo apenas tenha acrescentado ou diminuído ao seu lucro tributável a diferença entre o valor de aquisição e o valor de venda.

Já se se aplicasse a norma do artigo 45.º/3 do CIRC, como pretende a ATA, a partir do momento em que se verifique uma alteração patrimonial negativa, haverá uma discrepância entre a relevância fiscal das variações patrimoniais negativas e positivas, sem qualquer justificação, como se disse, uma vez que aquelas variações ocorrem de forma objectiva e independente da actuação ou vontade do sujeito passivo. Assim, se ao fim do segundo ano o sujeito passivo do exemplo supra procedesse à realização do instrumento financeiro em causa, não obstante ter realizado uma mais-valia de apenas 20 (que seria tributada como tal ao abrigo do princípio da realização), teria, afinal, pago imposto sobre 30 (40-10). Do mesmo modo, se procedesse àquela realização ao fim do terceiro ano, teria pago imposto sobre 20, não obstante não ter tido qualquer acréscimo patrimonial com a operação. E se procedesse à mesma realização ao fim do sexto ano, teria pago imposto como se tivesse tido um acréscimo patrimonial de 30 (80-50), não obstante ter tido uma variação patrimonial efectiva de -20, que, ao abrigo do princípio da realização consagrado no CIRC, seria atendível, ainda que em apenas 50% do respectivo valor (-10)!

 

Parece claro que tais resultados, meramente aleatórios e sem qualquer justificação substancial que os sustente, não poderão ter sido queridos por um legislador razoável.

Nestes termos, considerando-se que o artigo 18.º/9/a) do CIRC aplicável impõe a concorrência “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, dos “rendimentos ou gastos” que “(...) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “desde que” sejam reconhecidos “através de resultados”; se tratem “de instrumentos do capital próprio”; “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”, não se aplicando, nestes casos, o artigo 45.º/3 do referido Código, na medida em que não estão abrangidos pela previsão normativa do mesmo, entende-se que merecerá provimento o pedido”.

O processo 25/2015-T

Na decisão referente ao processo 25/2015-T (disponível em www.caad.org.pt), observa-se uma decisão favorável à aplicação da limitação do artigo 45º, nº 3 do CIRC (ou seja, admitindo a dedutibilidade apenas em 50% das perdas de justo valor) com base nos seguintes argumentos:

A) “Atentas as características da relação entre contabilidade e fiscalidade e algumas críticas ou perplexidades suscitadas pela própria alínea a) do nº 9 do artigo 18º do CIRC, não consideramos evidentes nem a tese da Requerente, nem as doutas considerações e conclusões da decisão do CAAD no processo 108/2013-T. Ou seja, não temos por inteiramente demonstrado que apesar de o legislador ter previsto, na alínea a) do nº 9 do artigo 18º do CIRC, que concorrem “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, os “rendimentos ou gastos” que “(...) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “desde que” sejam reconhecidos “através de resultados”; se tratem “de instrumentos do capital próprio”; “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”, tenha pretendido, nesse caso, pôr fim ao tratamento desigual das variações positivas e negativas, previsto no nº 3 do artigo 45.º do CIRC.

É que, independentemente de um juízo de equidade ou racionalidade de política fiscal sobre a manutenção de tal regra, pode encontrar-se justificação para o legislador manter tal desigualdade de tratamento.

Desde logo, não pode desvalorizar-se a manutenção da redacção do preceito, sem qualquer reserva, quando muitas outras normas sofreram alterações, incluindo o aditamento da alínea b) do nº 1 do artigo 45º do Código do IRC”.

B) “Mas vejamos outras dúvidas que podem explicar a manutenção de tal tratamento, extensivo ao caso da alínea a) do nº 9, do art. 18º do CIRC. Um dos argumentos ponderosos indicados a favor da não aplicação do disposto no nº 3 do artigo 45º do CIRC, é que esta norma foi prevista para situações em que as mais-valias eram apuradas no momento da realização, estando esse momento dependente da actuação voluntária do SP, ao passo que, após adaptação ao SNC, os gastos apurados por aplicação do nº 9 do artigo 18º do CIRC não estão condicionados à vontade do sujeito passivo já que o valor dos instrumentos financeiros é objectivamente determinado sem a intervenção daquele na formação do preço. A aplicação do nº 3 do art. 45º do CIRC só faria sentido em casos em que a aferição da variação patrimonial é em função do princípio da realização, em situações dependentes da actuação voluntária do sujeito passivo, destinando-se o limite de 50% de desincentivo aos sujeitos passivos de tomarem certas decisões, colocando-se em posições desvantajosas para beneficiar em termos de formação de lucro tributável e em que o valor dos instrumentos financeiros não se encontrava objectivamente determinado.

Mas esta avaliação da situação é insusceptível de se impor incondicionalmente porque, nomeadamente:

- A certeza e objectividade do valor encontrado no mercado, ainda que regulado, não é de todo imune a manipulações, como é comprovado por episódios de que a imprensa internacional tem feito eco;

- O limite de 5% na detenção de participações previsto para consideração do justo valor, permite aplicação do preceito a avultados investimentos, com consequências imprevisíveis para as receitas fiscais, nomeadamente em período de crise financeira e bolsista;

- Mantém-se situações, mesmo nos casos de aplicação de valores considerados objectivamente determinados no mercado, em que se aplica a solução de tratamento desigual dos resultados negativos e positivos previstos no art. 45º, nº 3, como seja o das situações de alienação em mercado regulamentado, em que as perdas se reflectem no lucro tributável apenas no momento da realização, como nos casos de participação superior a 5% ou da opção pela não aplicação da NCRF 27 (cf. nota 9).”

C) “Quanto à argumentação baseada na dicotomia “gastos” e “perdas”, parece assentar numa injustificada sobrevalorização da distinção desses conceitos. É que, no processo de adaptação aos novos conceitos do SNC, é possível identificar diversas imprecisões terminológicas. Ana Maria Rodrigues dá conta das tentativas de superação dessas imprecisões e de hesitações quanto às soluções por receio de aumentar a perturbação no ordenamento jurídico. Como exemplo, cita as epígrafes dos artigos 20º e 23º do CIRC. Quanto à primeira, actualmente “rendimentos e ganhos”, considera que deveria ser apenas intitulada “rendimentos”, conceito que envolve réditos e ganhos e quanto à segunda, “gastos e perdas”, observa que gastos é um conceito que, em contabilidade, já inclui as perdas.

Realce-se ainda que, quanto à mensuração do valor de instrumentos financeiros, o legislador, na Reforma do IRC em vigor a partir da Lei nº 2/2014, substituiu o conceito “gastos”, utilizado anteriormente na alínea i) do nº 2 do artigo 23º pelo de “perdas” (cf. alínea j) do nº 2 do art. 23º)”

D) “Em texto escrito logo após publicação dos Decretos-Leis nºs 158/2009 e 159/2009, ambos de 13 de Julho, André Vasconcelos, identificou questões colocadas pela aplicação de regras vertidas para o CIRC de concurso para apuramento do lucro tributável de ajustamentos respeitantes a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que tratando-se de instrumentos de capital próprio tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social. Considera que às perdas apuradas com ajustamentos de justo valor não é aplicável o conceito de menos-valias e que a principal questão se coloca no enquadramento no nº 3 do (então) art. 42º, concluindo, apesar de admitir dúvidas sobre a intenção do legislador, que «na leitura daquele preceito, e dada a extensa abrangência do mesmo, somos levados a concluir que todas as perdas referentes a partes de capital, onde se incluem os activos financeiros ora em análise, apenas relevarão para efeitos fiscal em metade do seu valor».

A posição da Administração Tributária veio a ser exposta na Informação vinculativa no processo nº …/2011, proferida em pedido apresentado por uma sociedade, e decidido por Despacho do Director-Geral de 24/2/2011, no sentido de que: «Sendo as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perdas deverão ser consideradas, nos termos do referido artigo 45º, nº 3, do CIRC, em 50% do seu valor».

 

De notar ainda que, actualmente, não é detectável a existência à época de apreciável controvérsia sobre a orientação preconizada pela AT.

No mesmo sentido da interpretação divulgada, Luísa Anacoreta Correia, em artigo escrito no 2º trimestre de 2011, na Revista da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, afirma: «Conforme referido acima, o actual CIRC prevê, na alínea a) do nº 9 do artigo 18º, o regime de tributação pela variação do justo valor, a acções cotadas, quando participadas em 5% ou menos e quando reconhecidas contabilisticamente ao justo valor por resultados. Com base neste normativo poder-se-ia concluir que, para aquelas acções, quer os ganhos decorrentes de aumentos de justo valor (seja no ano da venda, seja em anos anteriores), quer as perdas resultantes de descidas de justo valor, seriam consideradas fiscalmente. Não obstante, prevê o n.º 3 do artigo 45º que 50% dessas perdas de valor não serão aceites fiscalmente».

E, mais adiante: «De referir, neste contexto, que nos casos em que a entidade detentora das acções em apreço utiliza a IAS 39 na respectiva relevação contabilística, seja porque optou pelo normativo do IASB, seja porque optou pelas IAS 32, 39 e IFRS 7, alternativamente à NCRF 27, o regime fiscal do justo valor será afastado na grande maioria dos casos, bastando que as acções sejam reconhecidas ao justo valor por capital próprio.

Refira-se ainda, como muito significativa, a interpretação manifestada numa publicação, que corporiza a participação colectiva da consultora E…, SA, subscrita por cinco partners, com comentários e sugestões aquando da preparação da recente Reforma de IRC que conduziu à aprovação da Lei nº 2/2014.

Aí, com o título, “Eliminação da restrição à dedutibilidade fiscal das perdas e menos-valias associadas a partes de capital em determinadas condições”, comenta-se e sugere-se o seguinte: «A imposição deste tipo de restrições no CIRC resulta de uma preocupação do legislador com a realização de operações que tenham como objectivo a evasão fiscal e que assentam, na maior parte dos casos, numa manipulação do valor pelo qual as partes do capital são transaccionadas. No entanto, não se compreende que esta regra seja aplicada de forma abrangente e que o Estado tribute, de uma forma geral, as empresas quando apurem mais-valias e não lhes permita relevar na totalidade, para efeitos fiscais, as menos-valias ou as perdas que apuram nas transmissões de partes de capital. O princípio da simetria é assim violado. Nos casos em que as partes de capital tenham um preço formado num mercado regulamentado e em que, consequentemente, não possam existir dúvidas sobre o valor estabelecido para as operações deverá ser estabelecida uma excepção à regra de aceitação de apenas metade do saldo negativo entre as mais-valias e as menos-valias fiscais ou de outras perdas apuradas em cada exercício, prevista no nº 3 do art. 45º do CIRC. Esta alteração permitirá igualmente evitar que as perdas de justo valor em partes de capital, reconhecidas em resultados, que tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social sejam apenas aceites para efeitos fiscais em 50%, não obstante representarem perdas potenciais. Já os ganhos de justo valor apurados nesses instrumentos financeiros, incluindo os referentes a reversões daquelas perdas, são actualmente tributados na totalidade, o que gera uma dupla tributação que urge corrigir».

E, diz-se mais à frente, comentando o anteprojecto da proposta apresentada: «Será igualmente eliminada a discriminação que sofrem actualmente as perdas de justo valor em partes de capital, reconhecidas em resultados, que tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social (o anteprojecto de Reforma propõe que este limite de participação seja reduzido para 2%). Com as alterações previstas, estas perdas passam a ser consideradas fiscalmente dedutíveis na totalidade (actualmente são apenas aceites para efeitos fiscais em 50%».

Assim, no quadro das medidas propostas pela E, a sugestão de “estabelecer uma excepção à dedução em apenas 50% das menos-valias e perdas de partes sociais quando tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social”, tem como comentário “recebida integralmente”, na medida em que, diz-se, “as menos valias, salvo em caso de liquidação, deixam de relevar, eliminando-se o disposto no nº 3 do art. 45º do CIRC.”

Ou seja, ainda que propondo-se uma alteração legislativa, não transparece a existência de qualquer controvérsia anterior sobre a refutação jurídica da interpretação da Informação Vinculativa divulgada pela AT e supra citada.

Com base no acima exposto, conclui-se que:

- Poderá, de um ponto de vista de equidade ou de adequação de política fiscal prosseguida, questionar-se se o legislador não deveria logo a partir da redacção do CIRC vigente a partir de 2010 ter revogado os limites à dedutibilidade das perdas ou variações patrimoniais associadas a partes de capital, mas, independentemente da resposta a essa questão (que não se considera evidente até porque haveria que atender à situação de crise financeira e medidas orçamentais restritivas já então existentes), cabe a este tribunal julgar segundo o “direito constituído” ao tempo da situação em apreciação neste processo;

 

- Face ao disposto em diversas normas do CIRC em vigor nos exercícios de 2010 e 2011, o tribunal não considera convincentes os argumentos expendidos no sentido da não aplicação do nº 3 do artigo 45º do mesmo Código aos casos de perdas resultantes dos ajustamentos decorrentes de variações do justo valor de partes de capital;

- Nem parece que, no período em causa, tenham surgido dúvidas na doutrina sobre a continuação de aplicação do referido nº 3 do art. 45º do CIRC a todos os casos de perdas ou variações patrimoniais negativas, verificando-se precisamente opiniões no sentido dessa interpretação, ainda que manifestando dúvidas e/ou críticas sobre os objectivos da política prosseguida;

- Reconhecendo embora o brilhantismo da fundamentação da decisão proferida no processo 108/2013-T, no âmbito do CAAD, alguns dos seus pressupostos suscitam-nos sérias dúvidas;

- Este tribunal não considera confirmada a existência de uma opção do legislador no sentido de conceder tratamento diverso aos casos de perdas em instrumentos de capital próprio com valor encontrado em mercado regulamentado, quer pelas incertezas que se mantém relativamente à forma como esse valor reflecte a realidade económica, quer pela incerteza quanto à repercussão de tal solução nas receitas fiscais;

- Suscita também dúvidas a argumentação baseada numa sobrevalorização da dicotomia dos termos “gastos” e “perdas”, atendendo à frequente imprecisão terminológica, de que é exemplo, precisamente, a oscilação na utilização dos referidos conceitos de perdas e gastos;

- Tendo em conta que, por força da conjugação da alínea a) do nº 9 do art. 18º com o disposto na alínea f) do n.º 1 do art.º 20.º e na alínea i) do n.º 1 do art.º 23.º, do CIRC, os ganhos e perdas decorrentes das aplicação do critério do justo valor por resultados concorrem para o lucro tributável de cada exercício, a coexistência destes normativos com a redacção do n.º 3 do art.º 45.º, leva a concluir que, ao introduzi-los no Código do IRC, se o legislador tivesse pretendido dar um tratamento diferente às perdas resultantes da aplicação do justo valor não poderia deixar de ter alterado a redacção da norma em conformidade, evidenciando a sua intenção, como aliás também não o fez ao tempo da criação de idênticos regimes para as empresas do sector bancário e do sector segurador;

- É que a inaplicabilidade do nº 3 do artigo 45º do Código do IRC defendida pela Requerente redundaria num tratamento mais desfavorável concedido às situações em que, na valorimetria das participações sociais, se aplicasse o método do custo ou, em caso de opção pela IAS39 (cf. §55, b)) os ganhos ou perdas resultantes de alterações no justo valor sejam reconhecidos directamente no capital próprio, pois que as perdas verificadas na sua alienação apenas seriam deduzidas em metade, ao passo que as perdas registadas nas participações sociais mensuradas ao justo valor, só pelo facto de o seu reconhecimento contabilístico ter sido feito de forma parcelar, em função das variações verificadas em cada ano no justo valor, e não apenas num único exercício, não sofreriam qualquer limitação, sendo totalmente deduzidas para efeitos de apuramento no lucro tributável;

- Parece bem mais curial que o legislador tenha pretendido manter um tratamento uniforme das perdas ou variações patrimoniais associadas às partes de capital, independentemente do nível de participação que aquelas partes representassem no capital e do critério de mensuração adoptado, já que, como referido, permaneciam casos em que à perda de valor, apesar de verificada em instrumentos de capital próprio com preço formado em mercado regulamentado (como sejam as situações em que o sujeito passivo detém mais de 5% do capital ou em que detém menos de 5% mas opta pela contabilização dos ajustamentos resultantes das alterações no justo valor em contas de capital próprio), se continuava a aplicar a limitação em 50% de dedutibilidade das perdas.

- Ou seja, entende-se que o legislador terá dado prevalência ao princípio da neutralidade no tratamento fiscal das perdas ou variações patrimoniais associadas a partes de capital, independentemente do método de mensuração, salvaguardando, em simultâneo, a imprevisibilidade de eventuais efeitos negativos nas receitas fiscais, decorrente das flutuações das cotações do mercado.

Por estas razões, considera-se que a interpretação da AT não se encontra infirmada nos autos e que, antes das alterações introduzidas no Código do IRC pela Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, o nº 3 do art. 45.º era aplicável aos ajustamentos decorrentes da mensuração ao justo valor dos instrumentos financeiros com os requisitos definidos na alínea a) do nº 9 do art. 18.º, pelo que a Requerida deveria considerar, nos exercícios em causa nos autos, que a perda reflectida em resultados na contabilidade apenas poderia ser deduzida para efeitos fiscais em metade do seu valor.

 

4. O caso subjuditio

O tribunal considera liminarmente que assiste razão à requerente. Por várias ordens de razões. Por um lado, e quanto ao elemento literal, a interpretação contabilístico-fiscal do termo “perdas” conduz a não aceitar a limitação constante do artigo 45º, nº 3, relativamente à situação concreta descrita nos autos.

Acresce que não se julga decisivo o sentido das interpretações convocadas pela AT quanto a esta complexa questão.

No tocante ao elemento teleológico, a intenção do legislador ao criar a norma não se julga aplicável à situação em apreço, atenta a natureza e substância dos fenómenos em causa.

 Por fim, a aceitar-se a limitação do artigo 45, nº 3, tal constituiria um entorse que se julga excessivo ao princípio segundo o qual a tributação deve fundamentalmente assentar no rendimento real, mesmo quando ponderado à luz do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 85/2010, adiante analisado.

Vejamos, pois, cada um destes fundamentos.

 

4.1 Aspetos contabilístico-fiscais a considerar e seu relevo na decisão: sobre o conceito de “perda” e sua aplicação ao caso concreto

4.1.1 As imprecisões na adaptação do CIRC ao SNC

Em face do preceito que aqui se discute, é ponto assente para este tribunal que as perdas de justo valor aqui em apreço não seriam enquadráveis na parte do artigo 45º, nº 3, do CIRC em que se dispõe sobre:

“A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital…,.”

mas apenas potencialmente no que concerne a:

outras perdas ….. relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”.

A dissecação do conceito de “perda” (e também de “gasto”, como se verá) reveste-se assim de clara centralidade.

Ora adaptação do CIRC ao novo normativo contabilístico surgido com o SNC, operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, veio a originar sérias dificuldades técnico-interpretativas, em especial quanto à questão de que aqui nos ocupamos.

Que assim é resulta evidente do facto de as partes em litígio extraírem dos mesmos preceitos contabilístico-fiscais conclusões diametralmente opostas. Com efeito, na petição inicial, a requerente sustenta que, cumpridos os requisitos previstos no n.º 9 do art.º 18.º do Código do IRC, as variações no valor dos instrumentos financeiros serão consideradas rendimentos (al. f) do n.º 1 do art.º 20.º do Código do IRC), ou gastos (al. i) do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC) do período de tributação a que respeitem. Assim, na perspetiva da requerente, a qualificação de gastos que o artigo 23º continha para as reduções de justo valor em instrumentos financeiros excluiria do âmbito do art.º 45.º, nº 3, os factos que sejam qualificáveis como gastos pelo Código do IRC, pois que o dito artigo 45º, nº 3, apenas se referia a outras perdas. Ora sendo gastos e perdas realidades económicas diferentes, a mera interpretação literal afastaria, no entender da requerente, a tese da AT.

A esta visão do problema contrapõe a AT que os rendimentos/ganhos e gastos/perdas a que se referia o art.º 18.º, n.º 9, alínea a) teriam de ser confrontados com o tratamento que lhes é concedido pelo disposto nos artigos 20.º, 23.º e 45.º, do CIRC. Reputa a requerida como irrelevante a questão semântica que emerge da decisão arbitral proferida no processo n.º 108/2013-T construída, na sua perspetiva, à volta da dicotomia entre o termo “perdas” utilizado no art.º 45.º, n.º 3, e o termo “gastos” usado no art.º 23.º e no art.º 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC. 

É que, para AT, o termo gastos utilizado tanto na epígrafe dada ao artigo 23.º, no âmbito das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, como na redação da alínea i) do n.º 1 desse preceito (Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiro), tem necessariamente de ser entendido em sentido amplo, i.e. cobrindo, em substância, os gastos propriamente ditos e as perdas.

Sublinha a AT que, embora cada um daqueles termos tenha um significado próprio, aquela dicotomia entre “gastos” e “perdas” só pode qualificar-se como uma imprecisão terminológica do legislador sem consequências ao nível da interpretação daqueles preceitos. E, acrescenta, nem poderia ser de outro modo, tendo em consideração o art.º 17.º, n.º 1 do CIRC, já que, no Código de Contas do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), a conta 661, onde são registados os ajustamentos negativos decorrentes da utilização do justo valor, sempre foi denominada “Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros”. 

Ora, a decisão com base na apreensão da literalidade dos preceitos não é, pois, tarefa simples. Para mais, não existe no CIRC uma definição concetual (e sim uma enumeração) de gastos ou de perdas. Essa definição existe sim no SNC, em especial na Estrutura Concetual. Aí se refere que (negrito nosso):

69 — Os elementos de rendimentos e de gastos são definidos como se segue:

….

 (b) Gastos são diminuições nos benefícios económicos durante o período contabilístico na forma de exfluxos ou deperecimentos de activos ou na incorrência de passivos que resultem em diminuições do capital próprio, que não sejam as relacionadas com distribuições aos participantes no capital próprio.

76 — A definição de gastos engloba perdas assim como aqueles gastos que resultem do decurso das actividades correntes (ou ordinárias) da entidade. Os gastos que resultem do decurso das actividades ordinárias da entidade incluem, por exemplo, o custo das vendas, os salários e as depreciações. Tomam geralmente a forma de um exfluxo ou deperecimento de activos tais como dinheiro e seus equivalentes, existências e activos fixos tangíveis.

77 — As perdas representam outros itens que satisfaçam a definição de gastos e podem, ou não, surgir no decurso das actividades ordinárias da entidade. As perdas representam diminuições em benefícios económicos e como tal não são na sua natureza diferentes de outros gastos. Daqui que não sejam vistas como um elemento separado nesta Estrutura Conceptual.

78 — As perdas incluem, por exemplo, as que resultam de desastres como os incêndios e as inundações bem como as que provêm da alienação de activos não correntes. A definição de gastos também inclui perdas não realizadas como, por exemplo, as provenientes dos efeitos do aumento da taxa de câmbio de uma moeda estrangeira respeitante a empréstimos obtidos de uma entidade nessa moeda. Quando as perdas forem reconhecidas na demonstração dos resultados, elas são geralmente mostradas separadamente porque o conhecimento das mesmas é útil para finalidades de tomar decisões económicas. As perdas são muitas vezes relatadas líquidas de rendimentos relacionados.

Esta definição de gastos do SNC, a qual, na ausência de uma definição constante do CIRC e em face do disposto no artigo 17º do CIRC será importada para o processo de apuramento do lucro tributável, estabelece que, na verdade, o conceito geral de gasto engloba as perdas. Mas, quando o legislador, na já referida adaptação do CIRC ao SNC, no artigo 23º, nº 1, alínea h) refere “Perdas por imparidade”, mostra que im...u para o CIRC o conceito da conta “65 - Perdas por imparidade” do SNC, mas que na alínea i) e j) cataloga de “gastos resultantes da aplicação justo valor” as importâncias que na conta 66 do SNC se designam de perdas por reduções de justo valor. Observam-se, assim, claras imprecisões.

Uma vez que as reduções de justo valor se designam, no SNC, por perdas, e que o CIRC, no artigo 23º, nunca se refere a perdas de justo valor e sim a gastos, haveria pois, num plano estritamente literal uma desconexão conceitual evidente. E é em larga medida desta desconexão que surgem as interpretações díspares que o preceito suscita para a requerente e para a AT. E, também, os vários graus de importância relativa que as decisões tomadas nos processos 108/2013-T e 25/2015-T atribuem ao elemento literal na qualificação de gastos ou de perdas, quando se calibra o disposto no artigo 23º do CIRC com a limitação constante do artigo 45º, nº 3, do mesmo código, quanto ao impacto das reduções de justo valor em instrumentos financeiros.

Sistematizando a questão, para já apenas num plano contabilístico-fiscal, relativamente à ambiguidade literal das normas: pode a requerente argumentar – e fá-lo – que não preceituando o artigo 23º do CIRC “perdas de justo valor” e sim “gastos”, essa qualificação legal afasta tais reduções de valor do artigo 45º, nº 3, onde se requer que tais factos se qualifiquem como perdas.

A AT pode contrapor - e fê-lo – que a conta 66 do SNC qualifica de perdas as reduções de justo valor, e isso as qualificaria como fenómenos a subsumir no disposto no artigo 45º,  nº 3. E que o conceito de gastos constante do artigo 23º engloba as perdas.

Ora, em face de uma tal amplitude interpretativa, como apreciar a questão?

Para este tribunal, a chave interpretativa, neste plano contabilístico-fiscal, assenta na distinção doutrinal entre gasto e perda, e na sua aplicação ao caso concreto dos autos.

Assim, do excerto acima transcrito da Estrutura Concetual do SNC (§§ 69-b e 76 a 78) decorre que o conceito de perda se traduz (tal como o de gasto) numa redução de benefícios económicos. Porém, as perdas distinguem-se, em regra, pela sua natureza não regular, não recorrente. São, por isso, o resultado de fenómenos com um grau de ocasionalidade ou não repetibilidade bem superior “aqueles gastos que resultem do decurso das actividades correntes (ou ordinárias) da entidade” (§76).

Que assim é, observa-se também na extensa apreciação que surge no Statement of Financial Accounting Concepts nº 6, emitido pelo Financial Accounting Standards Board, onde se desenvolvem os conceitos de gastos (expenses) e perdas (losses). Com efeito aí se definem (§§ 81 e segs, negrito e subl. nossos):

-Expenses are outflows or other using up of assets or incurrences of liabilities (or a combination of both) from delivering or producing goods, rendering services, or carrying out other activities that constitute the entity’s ongoing major or central operations.

- Losses are decreases in equity (net assets) from peripheral or incidental transactions of an entity and from all other transactions and other events and circumstances affecting the entity except those that result from expenses or distributions to owners.

Gains and losses result from entities’ peripheral or incidental transactions and from other events and circumstances stemming from the environment that may be largely beyond the control of individual entities and their managements. Thus, gains and losses are not all alike. There are several kinds, even in a single entity, and they may be described or classified in a variety of ways that are not necessarily mutually exclusive.

Gains and losses may also be described or classified as “operating” or “nonoperating,” depending on their relation to an entity’s major ongoing or central operations. For example, losses on writing down inventory from cost to market are usually considered to be operating losses, while major casualty losses are usually considered nonoperating losses.

Distinctions between revenues and gains and between expenses and losses in a particular entity depend to a significant extent on the nature of the entity, its operations, and its other activities. Items that are revenues for one kind of entity may be gains for another, and items that are expenses for one kind of entity may be losses for another. For example, investments in securities that may be sources of revenues and expenses for insurance or investment companies may be sources of gains and losses in manufacturing or merchandising companies. Technological changes may be sources of gains or losses for most kinds of enterprises but may be characteristic of the operations of high-technology or research-oriented enterprises.”

 

Como se vê, esta importante fonte doutrinária norte-americana sustenta que as perdas têm uma natureza periférica ou lateral à atividade regular de uma entidade. E, até, que o mesmo fenómeno pode ser classificado economicamente como gasto nuns casos e perda em outros, tudo dependo do enquadramento económico e substancial dos factos económicos em presença em face da(s) atividade(s) desenvolvida(s) pelas entidades empresariais.

Na doutrina nacional, J. Braz Machado[1] sublinha que “Perdas são custos extintos, que não beneficiam as atividades produtoras de rédito”. O rédito, como é definido pela Estrutura Concetual do SNC, é constituído pelos rendimentos de atividades regulares de uma entidade.

Na literatura internacional, Libbyet al[2], definem perdas (losses) como sendo “decreases in assets or increases in liabilities from peripheral transactions”.

Aliás, a distinção ente custos e perdas é antiga na tradição contabilística portuguesa, e era bem vincada no POC. O SNC também distingue entre gastos e perdas. E, o CIRC (na versão em vigor á data dos factos) menciona-se, em vários artigos, o conceito de perdas.

E, para o que aqui importa, o artigo 45º, nº 3, é claro. O que se limita é dedutibilidade de “outras perdas” e não a de “outros gastos” ou de “outros gastos e perdas”.

Aceitando-se esta distinção entre gastos e perdas, ela terá consequências. E, para o que aqui releva, a conclusão é a seguinte.

 A requerente é uma SGPS. Assim, a sua atividade central ou normal é a aquisição, detenção e venda de participações sociais. A detenção de títulos (ações) do Banco…, cotados num mercado regulamentado, e nos quais se verificam alterações do preço de mercado (traduzidas contabilisticamente por aumentos ou reduções de justo valor) não constitui um fenómeno periférico, lateral ou fortuito da sua atividade. As ditas alterações (para mais ou para menos) de justo valor nesses instrumentos de capital próprio são factos patrimoniais regulares ou recorrentes que emergem da sua atividade principal.

Tratam-se, pois, de fenómenos de modificação do valor dos ativos financeiros detidos no âmbito da prossecução da atividade central da entidade. Assim, no entender deste tribunal, a ambiguidade literal acima apontada desfaz-se quando se analisa a substância dos factos em presença.

As imprecisões resultantes da desconexão entre os artigos 18º e 23º do CIRC surgem clarificadas se atender ao facto de que a requerente registou factos patrimoniais que, com um caráter regular, deve reconhecer contabilisticamente, em face das disposições do SNC. Não se trata pois de um fenómeno que o SNC ou a doutrina contabilística nacional e estrangeira qualifiquem, em regra, como perdas. Trata-se, antes, de gastos, o que os afasta da alçada do artigo 45º, nº 3. Não por qualquer ligação ao que então se dispunha no artigo 23º, nº 1, alínea i), mas pela análise contabilístico-doutrinal do conceito de perda e do seu cruzamento com a situação concreta dos autos.

É o normativo contabilístico (importado pelo CIRC) que determina que esses ativos financeiros sejam sistematicamente ou regularmente valorizados em função de oscilações do preço de mercado. Ora, numa SGPS, a gestão dos ativos financeiros contabilizados a justo valor faz parte da sua atividade regular. Se o paradigma contabilístico vem caminhando para a adoção do justo valor num largo espectro de ativos financeiros, não se pode vir depois argumentar que o impacto de tal paradigma, transpondo para resultados os aumentos ou diminuições de valor configura um fenómeno fortuito, não recorrente ou lateral à atividade de uma SGPS, e por isso gerador de perdas ou ganhos. Ao contrário, a adoção do justo valor traz de uma forma sistemática (e não meramente ocasional) para os resultados do período o impacto das variações do preço de mercado dos ativos sujeitos a este critério valorimétrico.

Mas há ainda que discutir uma outra questão: o facto de a conta 66 do SNC qualificar de perdas as reduções de justo valor, não leva automaticamente tais reduções de justo valor para alçada do artigo 45, nº 3, face ao disposto no artigo 17º do CIRC? Não julgamos assim.

Vejamos. Se se defende, como o faz a AT nos autos, que o artigo 23º, ao qualificar de gastos as reduções de justo valor, não as afasta ainda assim do artigo 45º, nº 3, por que o artigo 23º conteria uma imprecisão terminológica irrelevante para o caso; então também se não pode argumentar que a conta 66 do SNC, epigrafada “perdas” determinaria inexoravelmente a sujeição das reduções de justo valor aqui em questão ao limite do artigo 45º, nº3. É que, no entender do tribunal, também o SNC sofre de imprecisões terminológicas.

Um exemplo, só no domínio do justo valor, bastará para o mostrar. Admita-se que uma certa empresa se dedica unicamente à criação e venda de animais. Em face da NCRF nº 17- Agricultura, caso exista um mercado onde se transacionem esses animais, os incrementos e reduções de valor são reconhecidos em resultados. Ora a conta 66 só parece deixar lugar a que estes fenómenos (sendo reduções) se qualifiquem como perdas. Não cremos que o sejam.

São gastos, porque resultam de decréscimos de valor nos ativos que constituem a atividade regular ou central (por hipótese, única) da dita empresa. Que haveria então a fazer? Aquilo que, por exemplo, a Comissão de Normalização Contabilística (CNC) recomenda relativamente à criação de subcontas quando certas realidades económicas não são apreendidas pelas contas existentes no SNC.[3]

Adicionalmente, no SNC as contas “68- Outros gastos perdas” e 69- Gastos e perdas de financiamento” desagregam (e bem) as duas realidades: gastos e perdas. Mas a conta 67 designa-se “Provisões do período”. São gastos, perdas, ou ambas as coisas? Uma provisão para garantias a clientes de uma empresa que vende automóveis será um gasto; mas uma provisão para um processo judicial movido por um trabalhador que se sentiu discriminando será uma perda. Enfim, imprecisões terminológicas também se detetam no SNC, pelo que não se deve aceitar, sem mais, que a designação da conta “66- Perdas …” leve tais realidades, automaticamente, para a alçada da limitação prevista no artigo 45º nº 3.

4.2 O sentido das interpretações doutrinais

A AT, na p. 20 da Resposta, convoca, entre outras, a posição de André A. Vasconcelos que refere:

“Pela leitura deste preceito [n.º 3 do art. 42.º, atual art. 45.º], e dada a extensa abrangência do mesmo, somos levados a concluir que todas as perdas referentes a partes de capital, onde se incluem os ativos financeiros ora em análise [aqueles a que se refere a aliena a) do n.º 9 do art.18.º do CIRC], apenas relevarão para efeitos fiscais em metade do seu valor.” [4]

Nas alegações da requerente, p 21, estende-se o texto do referido autor, e afirma-se:

“Com efeito, André Vasconcelos — autor, aliás citado pela AT na sua Resposta — diz, na sequência do pequeno excerto citado pela AT, o seguinte: "Fica, no entanto, a dúvida de saber se, ao não alterar a redacção citada, o legislador fiscal o fez com base no argumento que esta havia sido introduzida antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 159/2009, tendo como propósito prevenir determinadas situações existentes à data, e que esta nova realidade registo de perdas pelo justo valor — se encontra excluída do alcance daquela norma, ou se, pelo contrário, o legislador fiscal não alterou aquela redacção por entender que a mesma respondia às necessidades de "(...) preservar os interesses e as perspetivas próprias da fiscalidade (...)" relacionadas com esta nova  realidade. Sendo este um caso em que a "manipulação" de resultados fiscais se encontra afastada, conforme atrás defendido, não seria de estranhar que valor tivesse sido intenção do legislador a aceitação fiscal dos resultados contabilísticos decorrentes da aplicação do método do justo valor para estes casos". 

Ora, lendo-se a globalidade do texto, o autor não revela, de facto, uma categórica posição em favor da aplicação do artigo 45º, nº 3. Toma uma posição, mas subsistem-lhe dúvidas…E, da leitura que o tribunal efetuou das outras posições doutrinais, elas têm um ponto comum: aceitam que as variações de justo valor em questão sejam perdas, não discutindo se podem ser gastos.

E as dúvidas que são manifestadas por A. Vasconcelos  têm que ver o facto de  a natureza das perdas de justo valor em instrumentos financeiros cotados num mercado regulamentado ser estruturalmente bem diversa (na suas razões determinantes) do tipo de perdas que presidiu à criação da norma original do artigo 45º, nº 3. E isso conduz-nos ao próximo ponto dessa decisão: o elemento teleológico, que cremos ser um fator adicional para se aceitar a tese da requerente.

4.3 O elemento teleológico

Há, sobre este ponto, duas teses em confronto: a que se colhe na decisão relativa ao processo 108/2103-T, e a que consta da decisão referente ao processo 25/2015-T, ambas já amplamente citadas.

Na primeira, salienta-se que a norma do anterior artigo 42.º/3 do CIRC, que precede o atual artigo 45.º/3 do mesmo, quer na sua redação primitiva, resultante da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, explica-se, face à motivação expressa pelo legislador, por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à consolidação orçamental das contas públicas.

Onde antes existia uma relevância tributária única, aquando da transação daqueles instrumentos, agora passamos a observar uma relevância tributária continuada. Face às novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a estes passam a relevar diretamente para a formação do lucro tributável (artigos 20.º/1/f) e 23.º/1/i) do CIRC) do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18.º/9 do CIRC), que incluem a formação do preço num mercado regulamentado, não sendo tributadas as variações patrimoniais verificadas como mais ou menos-valias (artigo 46.º/1/b) do CIRC).

Neste quadro, cessariam de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um ato de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria é objetivamente fixada.

Já na segunda decisão se sublinha que um dos argumentos ponderosos indicados a favor da não aplicação do disposto no nº 3 do artigo 45º do CIRC, é que esta norma foi prevista para situações em que as mais-valias eram apuradas no momento da realização, estando esse momento dependente da atuação voluntária do contribuinte, ao passo que, após adaptação ao SNC, os gastos apurados por aplicação do nº 9 do artigo 18º do CIRC não estão condicionados à vontade do sujeito passivo já que o valor dos instrumentos financeiros é objetivamente determinado sem a intervenção daquele na formação do preço.

A aplicação do nº 3 do art. 45º do CIRC só faria sentido em casos em que a aferição da variação patrimonial é em função do princípio da realização, em situações dependentes da atuação voluntária do sujeito passivo, destinando-se o limite de 50% de desincentivo aos sujeitos passivos de tomarem certas decisões, colocando-se em posições desvantajosas para beneficiar em termos de formação de lucro tributável e em que o valor dos instrumentos financeiros não se encontrava objetivamente determinado.

Mas esta avaliação da situação já não se imporia incondicionalmente porque, nomeadamente a certeza e objetividade do valor encontrado no mercado, ainda que regulado, não é de todo imune a manipulações, como é comprovado por episódios de que a imprensa internacional tem feito eco. E o limite de 5% na detenção de participações previsto para consideração do justo valor, permite aplicação do preceito a elevados investimentos, com consequências imprevisíveis para as receitas fiscais, nomeadamente em período de crise financeira e bolsista.

E manter-se-iam situações, mesmo nos casos de aplicação de valores considerados objetivamente determinados no mercado, em que se aplica a solução de tratamento desigual dos resultados negativos e positivos previstos no art. 45º, nº 3, como seja o das situações de alienação em mercado regulamentado, em que as perdas se refletem no lucro tributável apenas no momento da realização, como nos casos de participação superior a 5% ou da opção pela não aplicação da NCRF 27.

Ora, para este tribunal, mesmo que se admitam, em tese, as objeções que constam da decisão relativa ao processo 25/2015-T, é de salientar que, no caso concreto, a requerente detinha 0,095% das ações do Banco….

A manipulação das cotações não seria fácil de efetuar com tal percentagem de participação. Por outro lado, o reconhecimento contabilístico do justo valor resulta, como se sabe, do impacto nos ativos das variações de preços determinados num mercado regulamentado. Os problemas bolsistas, a manipulação de cotações, as falhas de supervisão, etc., que se têm observado, não permitem afastar de todo a ideia segundo qual as reduções de justo valor são registadas por um contribuinte que, no caso dos autos e quanto aos títulos do Banco…, é um pricetaker e não um pricemaker.

Ou seja, com a percentagem de capital que detinha, dificilmente tais variações seriam determinadas por uma sua hipotética atuação manipulatória no mercado, mas antes pelo peso das transações de fundos de pensões, de seguradoras, de importantes investidores estrangeiros; enfim, dos chamados acionistas de referência.

O tribunal entende que a posição de Tomás Tavares[5] defendendo que “ao justo valor negativo nunca subjaz uma motivação de evasão fiscal, por arbitrariedade valorimétrica, pela razão simples de que a tributação do fair value se cinge aos activos transaccionados em mercado organizado, onde a cotação do activo (valorização e desvalorização) se desenraíza, totalmente da vontade fiscal do contribuinte” é a que melhor retrata a realidade dos autos.

O mesmo autor, quando refere que “um hipotético tratamento assimétrico (…) cria, bem vistas as coisas, um regime fiscal mais injusto do que o modelo puro da realização, que é, por isso, flagrantemente inconstitucional, porque esta disparidade louva-se apenas na necessidade de preservação da receita – e não em quaisquer razões legitimadoras de base fiscal, económica ou jurídica” merece ainda a nossa adesão. Neste contexto, a perspetiva da constitucionalidade será por fim abordada.

4.4 A tributação deve assentar, fundamentalmente, no lucro real

O Acórdão 85/2010, de 16 de abril, do Tribunal Constitucional, é abundantemente citado nos autos, em especial pela AT. Vale, por isso, a pena transcrever a parte que aqui interessa (negrito nosso). De salientar que o TC apreciou apenas a primeira parte do artigo 45, nº 3, e não a segunda parte, onde constam as perdas aqui em causa.

 

O TC “Decide não julgar inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 42.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, na redacção da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, enquanto estabelece que a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor. (Proc. nº 653/09)

7 - No que toca à questão da 'proibição de tributação por um rendimento presumido' é a própria letra do artigo 104.º, n.º 3, da CRP, que fornece uma resposta segura: 'a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

Como se afirmou no Acórdão 162/2004 «[...] o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável, [...].

Por outro lado, a injunção constitucional da tributação segundo o rendimento real não pode deixar de atender, necessariamente, aos princípios da praticabilidade e de operacionalidade do sistema, pelo que não pode deixar de se lhes reconhecer natureza constitucional, sob pena dos arquétipos legalmente construídos não conseguirem realizar, com a aproximação possível, o princípio da universalidade e da igualdade no pagamento dos impostos.

Um sistema inexequível ou um sistema que não permita o controlo dos rendimentos e da evasão fiscal, na medida aproximada à realidade existente, conduz em linha recta à distorção, na prática, do princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real.

 

São estas as dificuldades que explicam que a Constituição se tenha limitado a prever que a imposição fiscal deve incidir fundamentalmente sobre o rendimento real, não excluindo com tal disposição o recurso a outras formas fiscais estranhas ao mito do apuramento declarativo-contabilístico do rendimento real.”

 

Ora em que sustenta o TC a constitucionalidade da primeira parte da norma do artigo 45º nº 3 (então artigo 42, n º3)?

Nos princípios da praticabilidade e de operacionalidade do sistema e de velar para que o sistema fiscal permita o controlo dos rendimentos e da evasão fiscal, na medida aproximada à realidade existente; porque se assim não fosse tal conduziria em linha recta à distorção, na prática, do princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real.

Ora vejamos.

Traduz-se a aceitação das reduções de justo valor em 100% numa ofensa á praticabilidade ou à operacionalidade? Para mais, quando tais perdas decorrem da redução de um preço de mercado, lateral à vontade do contribuinte, como no caso em apreço? Julga-se que não.

Mais. Como se referiu no texto do acórdão 148-T-2013, do CAAD, e se mostra bem no quadro constante da decisão do processo 108/2013-T, atrás transcrito, se alguma interpretação restritiva o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC merece é certamente neste particular. O contribuinte que é tributado apenas pelo aumento ou diminuição de justo valor de investimento financeiro numa participada em que possui um participação inferior a 5% do respectiva capital, com base numa valorização de mercado cujo controlo lhe escapa e que não pode abusivamente influenciar, nem quanto ao montante, nem quanto ao timing, deverá estar sujeito a um regime simétrico de tributação dos aumentos e diminuições de valor.

Se a assimetria introduzida pelo artigo 45.º, n.º 3, do CIRC fosse aplicada aos meros aumento ou diminuição de justo valor de uma participada chegaríamos a resultados inconsistentes, por violação da tributação do lucro real. Tal pode ser facilmente ilustrado com base no seguinte exemplo: imagine-se um caso em que existe, no ano X, uma aquisição ao justo valor de 100 de uma participação de 1% numa sociedade cotada em bolsa, no ano X+1 verifica-se um diminuição do respectivo justo valor para 50 e no ano X+2 uma recuperação e aumento da cotação para o primitivo justo valor de 100. O contribuinte regozijar-se-á com a recuperação da cotação para um valor equivalente ao da aquisição, mas apenas se não lhe imputarem uma perda de 50% de 50 (ou seja, 25) no ano X+1 e um ganho de 50 no ano X+2, pagando efetivamente imposto quando o preço do ativo se ainda mantém no valor de aquisição (100).

Isto é, o contribuinte apenas pode aceitar que aumentos e diminuições do justo valor funcionem como duas faces da mesma moeda. De outro modo, quando ele ainda nada ganhou nem perdeu em termos definitivos, já teria sofrido um dano fiscal: a tributação díspar de uma diferença de 25 quando ainda não logrou uma valorização sequer superior ao custo da aquisição.

Ora, mesmo que se sustente em geral a constitucionalidade do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, o justo valor não deve tolerar este tipo de assimetria.

E certamente que, em 2003, não eram os aumentos ou diminuições do justo valor que motivaram o legislador à emissão do artigo 45.º, n.º 3, longe que estava ainda a consagração fiscal daquele conceito, apenas operada com a aprovação do Sistema de Normalização Contabilística pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, e com a revisão do CIRC operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, da mesma data.

O carácter singularmente gravoso do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, tem sido também suscitado por diversa doutrina[6].

Casalta Nabais sublinha que: “Quanto à restrição à dedução de gastos fiscais de efectivos gastos económicos e contabilísticos, esta apresenta-se sobretudo nos arts. 23°, 34° e 45° do Código do IRC, cuja evolução nos dá conta sobretudo da crescente desconsideração fiscal das menos-valias realizadas. Com efeito, estas depois de serem considerados, por via de regra, gastos nos termos da al. 1) do n° 1 do art. 23°, algumas delas são excluídas dos gastos fiscais, segundo os n°s 3, 4 e 5 desse artigo. Destaque merece aqui a exclusão constante do referido n° 5, segundo o qual não são aceites como gastos do período de tributação, os suportados, nomeadamente, com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n° 4 do artigo 63°, não se aplicando assim a tais menos-valias o regime dos preços de transferência contemplado neste artigo.

Todavia, a exclusão da consideração fiscal das menos-valias realizadas, que nos suscita maior crítica, é a estabelecida no n° 3 do art. 45°, em que se prescreve «[a] diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

Pois, embora possamos ver aí uma solução simétrica da do art. 48°, que permite a consideração fiscal por metade do saldo positivo das mais-valias e menos-valias, no caso do reinvestimento da totalidade dos correspondentes activos, o certo é que esta solução, para além de estar dependente da decisão de reinvestimento da empresa, se apresenta como a da concessão de um benefício fiscal à promoção do investimento mediante o autofinanciamento. Mais especificamente, estamos perante um verdadeiro incentivo ou estímulo fiscal ao investimento que tem um indiscutível alcance geral de beneficiação do autofinanciamento das empresas, o qual, obviamente, não tem a mesma lógica da referida desconsideração fiscal de gastos.

Naturalmente que não se põe em causa o poder de o legislador fiscal excluir dos gastos fiscais certos gastos económicos e contabilísticos, como são as menos-valias realizadas com a alienação de partes sociais ou outras variações patrimoniais negativas do capital próprio das sociedades, quando a realização dessas menos-valias é levada a cabo em circunstâncias de tempo, lugar ou modo que, em abstracto, apresentem elevado risco de as empresas adoptarem puras práticas de «gestão de resultados» (earning management).Em tais situações impõe-se mesmo que o legislador prescreva a desconsideração fiscal dessas menos-valias, sob pena de deixar à rédea solta à realização das mesmas com o único ou principal intuito de engendrar puros gastos fiscais, pois decorre dos princípios constitucionais ser incumbência do legislador fiscal prevenir e reprimir o planeamento fiscal abusivo'''.

Mas é óbvio que a norma em referência não apresenta essa configuração. É que a sua formulação tão genérica e abrangente não se reporta a quaisquer situações que, em abstracto, sejam susceptíveis de comportar risco de planeamento fiscal abusivo. Pois essa norma abarca também as situações de desenvolvimento normal da actividade das empresas, segundo um estrito business purpose, baseando-se, portanto, em actos absolutamente normais de gestão, em que estas, todavia, apuram menos-valias realizadas com a alienação de partes sociais ou outras variações patrimoniais negativas do seu capital próprio[7].

O tribunal comunga desta perspetiva, em face da qual a segunda parte da norma em apreço (artigo 45º, nº 3) contém disposições que vão frontalmente contra a tributação do lucro real, e que não foram sanadas pelo Acórdão do TC que atrás citámos, que as não analisou.

Tal Acórdão apenas apreciou a primeira parte da norma e a declarou constitucional com um fundamento essencialmente anti evasivo. Essa hipotética propensão para a evasão poderia dar-se na medida em que a realização de menos-valias estava dependente de atos do contribuinte, o que não quadra com as reduções de justo valor aqui em causa.

5. Juros indemnizatórios

Pede a Requerente que a autoliquidação de IRC aqui em apreço seja alterada, nos termos expostos na petição, incluindo no campo 705 a título de ajustamento de transição, por aplicação retrospectiva do justo valor, o montante de € 10.907.436,04 (ao invés de € 5.453.718,02) sendo eliminado o montante de € 1.034.654,48 acrescido no campo 737, sendo, consequentemente o seu lucro tributável individual corrigido para € 151.171,76 e o lucro tributável do Grupo corrigido para € 4.841.595,15.

Considera ainda a Requerente que as sobreditas correções devem redundar numa redução do IRC a pagar de € 739.473,99 para € 179.748,40 no âmbito do RETGS o que significa uma redução de € 559.725,59 (Cfr. Cálculo do RETGS que juntou como Doc. n.º 6).

Ora – ainda de harmonia com a Requerente - tendo o IRC relativo ao período de tributação em apreço sido pago, a anulação da liquidação de IRC deverá ter como consequência o reembolso à Requerente do imposto pago em excesso que, como resulta do exposto, se cifra em € 559.725,59.

E conclui pedindo o reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de € 559.725,59., acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos do art. 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

Vejamos os fundamentos do pedido de juros indemnizatórios:

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade parcial do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do acto é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, na medida em foi com base em instruções suas que enfermam de ilegalidade, como se viu, que a contribuinte e ora Requerente, procedeu à autoliquidação de IRC.

Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que foi paga indevidamente.

Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir aos Requerentes e calcular os respectivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

III - DECISÃO

Face a tudo que antecede, o tribunal considera totalmente procedente o pedido da Requerente e, em consequência:

            a) Julga procedentes os pedidos de declaração da ilegalidade dos atos de indeferimento da reclamação graciosa e liquidação de IRC, relativa ao ano de 2012, nos termos peticionados;

            b) Anula, na parte respetiva, a referida liquidação;

            c) Julga procedente o pedido de restituição da quantia paga correspondente à liquidação na parte anulada;

            d) Condena a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente a importância da liquidação na parte ora julgada ilegal, ou seja, € 559.725,59;

            e) Julga procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios sobre a sobredita importância e condena a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, calculados sobre a quantia a restituir, desde a data em que ocorreu o pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que devem ser incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT), às taxas legais que vigorarem até ao pagamento, nos termos do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem) e

            f) Condena a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do presente processo.

 

Valor do Processo:

Fixa-se ao processo o valor de € 559.725,59.

 

Custas

As custas, no montante de € 8.568,00 ficam, como se disse, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último –n.º10 do art.º 35º, e n.º1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º1,  al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º1, al.a) do CPPT e 559.º do CPC.

 

·         Notifique-se.

 

*

 

Lisboa, 9 de dezembro de 2015.

 

 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(árbitro-presidente)

 

 

 

Carla Castelo Trindade

(árbitro-vogal)

 

 

António Martins

(árbitro-vogal)

 



[1] J. Braz machado, ContabildiadeFinancira, Lisboa, Ed. Porttocontas, 1998, p. 1188

[2] R. Libby, P. Libby and D. Short, Financial Accointing, N. York, MacGrawhilkl, 2009, p. 108-109

[3] No sitio eletrónico da CNC (http://www.cnc.min-financas.pt/_siteantigo/0_new_site/FAQs/sitecnc_faqs.htm)consta o seguinte excerto (subl. nosso):

“Pergunta 10:

·   Em que rubricas do código de contas do SNC deverão ser registadas as diferenças de câmbio?

·   Resposta (em 24FEV2010): - A Portaria n.º 1011/2009, de 9 de Setembro, contempla a existência de duas contas para o registo das diferenças de câmbio:

692 – Diferenças de câmbio desfavoráveis

6921 - Relativas a financiamentos obtidos

6928 - Outros

786 – Rendimentos e ganhos nos restantes ativos financeiros

7861 – Diferenças de câmbio favoráveis

Daqui parece poder indiciar-se que a segunda se reporta às diferenças de câmbio favoráveis associadas a itens relativos às atividades de investimento da entidade e que a primeira respeita às diferenças de câmbio desfavoráveis associadas às atividades de financiamento. Não considerou o legislador a previsão de contas relativas às diferenças de câmbio desfavoráveis associadas às atividades de investimento, nem às diferenças de câmbio favoráveis associadas às atividades de financiamento, nem qualquer conta respeitante às diferenças de câmbio (favoráveis e desfavoráveis) associadas a itens relativos às atividades operacionais.

Tendo sido detectada a lacuna acima referida e mostrando-se necessário clarificar o modo de a superar, entende a CNC que, para registo daquelas operações, podem ser criadas as seguintes contas:

Para a atividade de investimento

6863 – Diferenças de câmbio desfavoráveis

Para a atividade operacional

6887 – Diferenças de câmbio desfavoráveis

7887 – Diferenças de cambo favoráveis

Para a atividade de financiamento

793 – Diferenças de câmbio favoráveis

[4]O justo valor e o Código do IRC”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, Número 4, inverno, página 202. 

[5] Tomás de Castro Tavares, Justo Valor e tributação das mais-valias de acções de sociedade cotadas: a propósito da interpretação do art. 18.º, N.º 9, Al. a), do CIRC, Estudos em memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, Volume IV, pág. 1143.

[6] O carácter inconstitucional de disposições semelhantes ao artigo 42.º, n.º 3, do CIRC (constantes do artigo 23.º do mesmo Código), em virtude da violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, igualdade fiscal, proporcionalidade, estado de direito democrático, segurança jurídica, propriedade privada e liberdade de gestão fiscal foi sustentado por Canotilho, Gomes, “Cláusulas de Rigor e Direito Constitucional” in Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3971, Novembro-Dezembro de 2011, pp. 70-91.

[7] Nabais, José Casalta, Introdução ao Direito Fiscal da Empresas, Almedina, Coimbra, 2013, pp. 150-151.