Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 227/2015-T
Data da decisão: 2017-01-27  IVA  
Valor do pedido: € 2.779.626,05
Tema: IVA - Renúncia à isenção; Integração no Sistema Nacional de Saúde
Substitui a Decisão Arbitral de 4 de Novembro de 2015.
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CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 227/2015-T

Tema: IVA - Renúncia à isenção; Integração no Sistema Nacional de Saúde

           Substitui a Decisão Arbitral de 4 de Novembro de 2015. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Despacho Arbitral:

Na sequência do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 19 de Setembro de 2016, já transitado em julgado, que declarou a nulidade da decisão proferida nos presentes autos, impõe-se a prolação de nova decisão arbitral.

Nesse sentido, passa-se a proferir nova decisão arbitral:    

 

Decisão Arbitral

 

            I. Relatório

           

1. A…, S.A., registada na Conservatória de Registo Comercial de … sob o número único de pessoa colectiva e matrícula …, (doravante designada Requerente ou A…) apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à anulação das seguintes liquidações adicionais de Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e de juros compensatórios:

a)      De IVA referentes ao exercício de 2013, identificadas com os n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, todas de 25 de Outubro de 2014;

b)      De IVA referentes ao exercício de 2012, identificadas com os n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, todas de 25 de Outubro de 2014;

c)      De IVA referentes ao exercício de 2011, identificadas com os n.ºs 2014…, 2014…, ambas de 25 de outubro de 2014 e das liquidações adicionais de IVA n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, todas de 4 de Novembro de 2014;

d)      De juros compensatórios identificadas com os n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014… e 2014…, por referência ao exercício de 2013;

e)      De juros compensatórios identificadas com os n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014… e 2014…, por referência ao exercício de 2012;

f)       De juros compensatórios identificadas com os n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014 … relativas ao exercício de 2011 (Docs. 2 a 74, juntos com a Petição).

 

2. A Requerente pede:

a) A anulação das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios;

b) A imediata extinção dos processos executivos instaurados por falta de pagamento das mencionadas dívidas;

c) O pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida que venha a prestar para sustar os processos de execução fiscal entretanto instaurados, por falta de pagamento das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios acima identificadas (junta sob Docs. 76 a 128 as citações recebidas).

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 01-04-2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.° 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais  comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 26-05-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 11-06-2015.

 

4. A fundamentar as suas pretensões alega a Requerente, em síntese:

a)         Não integra o sistema nacional de saúde;

b)         Nem exerce a sua atividade médica em condições sociais análogas às de um organismo público, motivo pelo qual pode exercer o seu direito à renúncia à isenção de IVA, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 12.º do CIVA, sendo por isso ilegal, por violação daquela norma e da al. b) do n.º 1 do art.º 132.º da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro), o enquadramento da Requerente como sujeito passivo isento quanto às operações realizadas no âmbito dos serviços médicos, o que inquina de ilegalidade as liquidações contestadas, que devem ser anuladas com este fundamento (arts. 47.º e 75.º da petição);

c)         O conceito de organismo público implica uma dependência face ao Estado que não se verifica neste caso;

d)        O conceito de condições sociais análogas implica necessariamente o apelo às condições sociais, ou seja, ao facto de os fins prosseguidos serem eminentemente sociais (como é o caso dos organismos públicos), o que igualmente não é o caso da Requerente;

e)         A jurisprudência comunitária citada pela AT permite expressamente concluir que a Requerente não exerce a sua actividade médica em condições sociais análogas a qualquer organismo público, não apenas porque a percentagem de custos suportados por subsistemas públicos de saúde é apenas indiciária, como “essa percentagem é minoritária (muito inferior a 50%), o que conduz à conclusão necessária de que a referida locução da Diretiva não está preenchida e por isso a isenção de IVA que esta consagra não se aplica” (artigo 74º do Pedido Arbitral);

f)         “deve ainda, e por último, ter-se em conta o princípio da neutralidade que norteia todo o funcionamento deste imposto (o IVA) e o caráter por isso excecional das isenções consagradas, assim como deve atender-se aos objetivos que se visaram prosseguir com o estabelecimento desta isenção, para daí se concluir se no caso concreto a não aplicação da isenção bule com tais princípios, concluindo-se, como veremos, pela negativa (já que não apenas o que se pretendeu acautelar com o estabelecimento da isenção se mantém como, além disso, a sujeição não cria quaisquer distorções de concorrência)” artigo 74.ºdo Pedido Arbitral).

  A Requerente junta, para fundamentar o pedido arbitral, um Parecer, sobre o tema da renúncia à isenção de IVA, da autoria do Senhor Professor B… .

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e juntou processo instrutor, invocando, em síntese, o seguinte:

A) A título principal

a) “(…) a questão decidenda é, desde logo, saber se, por força do contrato celebrado com a Administração Regional de Saúde do …, I.P., e com a ADSE (Direcção-Geral de Protecção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública), a Requerente deve considerar-se como uma instituição privada integrada no “sistema nacional de saúde”, nos termos e para os efeitos do artigo 12.º. n.º 1, alínea b), do CIVA”;

b) Porém, e não obstante a pertinente classificação do conceito das expressões “serviço nacional de saúde”, “sistema de saúde” e “sistema nacional de saúde”, o facto é que, na realidade, o que aqui está também em causa, se tivermos em conta o seu “direito” ou “não direito” de renúncia à isenção prevista na alínea 2) do artigo 9º do Código do IVA”;

c) “É saber se tal subverte integralmente as regras da neutralidade que presidem a todo e qualquer sistema de Imposto sobre o Valor Acrescentado, em vigor na União Europeia, no caso concreto, entre serviços de saúde prestados por entidades públicas ou por entidades privadas que prestem serviços em “condições sociais análogas””;

d) “(…) a Lei de Bases de Saúde (Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto), veio esclarecer o conceito de “sistema de saúde”, constando do seu capítulo II, base XII, que:

“1- O sistema de saúde é constituído pelo Serviço Nacional de Saúde e por todas as entidades públicas que desenvolvem actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde, bem como por todas as entidades privadas e por todos os profissionais livres que acordem com a primeira a prestação de serviços de todas ou algumas daquelas actividades”;

e) “Assim, considerando a evolução legislativa em matéria de sistema nacional de saúde, é legítimo concluir que, já antes da entrada em vigor do Código do IVA, e da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, se mostrava consagrada a possibilidade por parte do Estado, de convencionar com instituições privadas a prestação de serviços médicos, designadamente os prestados por hospitais privados, que supriam as insuficiências dos serviços públicos”;

f) “Pelo que facilmente se conclui que, mesmo antes da Lei de Bases da Saúde (de 1990) acolher a locução “sistema de saúde”, consagrando-a legalmente, já o destinatário normal do artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, norma vigente desde 01/01/1986, mas aprovado por um Decreto-Lei de 26 de dezembro 1984, compreendia o seu alcance: as entidades privadas que convencionam com o Estado Português a prestação de serviços médicos e sanitários elencados no 2) do art. 9º do CIVA passam a integrar o “sistema nacional de saúde”, o que obsta à opção por aquela renúncia”;

g) ”(…) pensa-se que a menção a "Serviço Nacional de Saúde" constante da verba 2.7 da Lista I anexa ao Código do IVA, reflecte uma imprecisão terminológica, que deve ser interpretada, atendendo ao conteúdo da alínea b) do n° 1 do artigo 12º do Código do IVA e ao quadro legal que regula o sistema de saúde, como referindo-se ao "sistema nacional de saúde", porquanto, como vimos, e a Requerente refere, não existem instituições privadas, integradas no Serviço Nacional de Saúde”;

h) Para a Requerida a interpretação que defende é a mais conforme ao Direito da União [alínea b) do n.º1, parte A, do artigo 13.º da Sexta Directiva].

B) A título subsidiário

Alega ainda a Requerida que, caso assim não se entenda, deve ser ordenado o reenvio do processo ao TJUE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, para efeitos de definir o recorte da renúncia ao regime de isenção nos termos do artigo 12.º, nº1, b), do Código do IVA.

5.1. Para além destas alegações, relativas ao mérito da causa, a Requerida, na sua resposta, defendeu-se previamente por excepção, tendo invocado a incompetência material da presente instância arbitral para conhecer um dos pedidos formulados – aquele em que está subjacente reconhecer se a Requerente tem ou não o direito de renúncia à isenção prevista nos termos dos artigos 9.º, nº 2, e 12.º, nº1, b), do Código do IVA. 

5.2. A Requerente, notificada, por despacho de 23-07-2015, para exercer o contraditório quanto à matéria de excepção suscitada, bem assim quanto ao pedido de reenvio, apresentou resposta na qual conclui pela improcedência da excepção de incompetência material suscitada pela AT e, quanto ao reenvio, defendeu e requereu que apenas no caso de se revelar imprescindível para o julgamento da causa deverá a questão prejudicial ser formulada ao TJUE.

6. Nenhuma das partes requereu prova testemunhal.

7. Por despacho, de 12.09.2015, tendo em conta já ter sido exercido o contraditório quanto às excepções invocadas pelas partes, não ter sido requerida a produção de prova constituenda e salvaguardada a hipótese de as partes requererem a produção de alegações orais (o que não sucedeu), o tribunal decidiu dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade processuais, nos termos do disposto nos artigos 19.º, nº 2, e 29.º, nº 2, do RJAT.  

7.1. No mesmo despacho, atenta a circunstância de as partes não terem suscitado a excepção dilatória da incompetência absoluta em razão da matéria relativamente ao segundo pedido formulado pela Requerente (de que seja ordenada a imediata extinção dos processos executivos instaurados), o Tribunal manifestou, junto das partes, a intenção de conhecer daquela excepção a título oficioso, tendo, em conformidade com o previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, aplicável por via do artigo 29.º, n.º1, alínea e), do RJAT, convidado aquelas a exercerem o contraditório quanto a tal matéria.

7.2. Perante elementos novos juntos pela Administração Tributária e Aduaneira, foi também concedido, naquele despacho, o exercício do contraditório ao Sujeito Passivo.

Por requerimento de 30/9/2015 veio a Requerente desistir do pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, por inutilidade superveniente do mesmo, já que não se verificou a condição de que dependia a procedência do mesmo.       

8. As Partes apresentaram alegações escritas sucessivas.

8.1.Nas suas alegações suscitou a AT inovadoramente que, na medida em que “as decisões proferidas pelo Tribunal arbitral não são susceptíveis de recurso ordinário, o reenvio prejudicial revela-se como obrigatório no caso em concreto” “(…)”.

Para a Requerida “(…) o não reenvio prejudicial, no caso concreto, implica que seja proferida uma decisão arbitral num litígio onde está em causa a interpretação de normas comunitárias relativas ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, em contraponto com as normas nacionais constantes do CIVA, sem que haja um controle, em segundo grau de jurisdição, de tal decisão (do não reenvio).”

Argumenta a Requerida que tal circunstância acarreta uma violação desproporcionada do princípio constitucional do acesso ao direito previsto no art. 20.º da CRP e, bem assim, do princípio da igualdade, previsto no art. 13.º da CRP.

9.Foi proferida decisão final, a 4 de Novembro de 2015 que, por acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 19 de Setembro de 2016, já transitado em julgado, foi declarada nula, por omissão de pronúncia sobre a alegada ofensa aos princípios constitucionais do acesso ao direito e do princípio da igualdade por parte da decisão de recusa do reenvio da questão prejudicial relativa à interpretação do preceito do artigo 132.º, n.º 1, alínea b), da Directiva IVA, constante da decisão arbitral.

10. Na sequência da anulação da Decisão Arbitral, proporcionou o presente Tribunal o exercício do contraditório quanto à questão da inconstitucionalidade suscitada pela Requerida em alegações finais sucessivas. A Requerente veio argumentar que não se verificam os pressupostos do reenvio prejudicial e que são manifestamente infundados os vícios de “inconstitucionalidade” da decisão arbitral suscitados pela Requerida. 

 

II. Saneamento

 

11. Em sede de contestação, a Requerida suscitou, como ficou dito, a incompetência material do tribunal para saber se a Requerente tem ou não direito de renúncia à isenção prevista nos termos dos artigos 9.º, n.º 2, e 12.º, n.º 1, alínea b), do CIVA.

O que cumpre apreciar e decidir.

11.1. A Requerida invoca a incompetência do tribunal em razão da matéria por considerar “que, prévia à apreciação sobre a legalidade ou ilegalidade das liquidações impugnadas, há uma outra questão a decidir […] a legalidade dos pressupostos do direito de renúncia à isenção que exerceu, ao abrigo do previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 12.º do Código do IVA”, e que, por tal razão, “[…] a primeira questão a decidir prende-se com o facto de ser ou não reconhecido o direito de renúncia à isenção, por parte da Requerente, dado que os pressupostos para o seu reconhecimento foram alterados”.

Na perspectiva da Requerida estamos, assim, perante um pedido tendente ao reconhecimento de direitos em matéria tributária não contemplado no RJAT.

Assistiria razão à Requerida se este fosse o pedido deduzido em juízo pela Requerente uma vez que, efectivamente o RJAT não prevê a competência dos tribunais arbitrais para acções de reconhecimento de direitos em matéria tributária.

Note-se, porém que, nas palavras de Jorge Lopes de Sousa, os tribunais arbitrais apenas são incompetentes para “o reconhecimento de direitos e interesses legítimos em matéria tributária”, quando tal reconhecimento não esteja “subjacente à declaração de legalidade de actos ou apreciação das questões indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT” (Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Coimbra Almedina, 2013, p. 105).

No caso dos autos, como sublinhado, na resposta às excepções, “é claro” e “inequívoco” que a pretensão deduzida pela Requerente é a anulação das liquidações adicionais de IVA porque ilegais. “Ou seja”, como consignado no processo n.º 278/2013-T, que se debruçou sobre questão idêntica, “a Requerente deduz um pedido típico de acção constitutiva como é a acção impugnatória no âmbito do processo arbitral e não um pedido de uma acção de simples apreciação (positiva) característico da acção para o reconhecimento de um direito (cf. artigo 1.º do Código de Processo Civil (“CPC”) ex vi artigo 29.º, n.º1, alínea e), do RJAT)”.

Se é verdade que para se concluir pela ilegalidade dos actos tributários em causa será necessário avaliar a relação jurídico-tributária subjacente (verificar se a Requerente mantém o direito à renúncia à isenção do IVA e se deve estar enquadrada no regime normal do IVA com direito à dedução), esta traduz a causa de pedir (o fundamento) e não o pedido (pretensão) deduzido no litígio.

Não se suscitando dúvidas de que objecto principal do presente processo se reporta às liquidações adicionais de IVA cuja legalidade é questionada, não podemos deixar de concluir pela competência deste tribunal arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º1, alínea a), do RJAT.

Nestes termos, julga-se improcedente a excepção de incompetência do presente tribunal colectivo no que diz respeito ao pedido principal.

 

11.2. Importa, ainda, verificar, do pressuposto da competência material do tribunal para ordenar a extinção do processo executivo. 

Convidadas as partes para se pronunciarem sobre a incompetência material absoluta do tribunal arbitral para ordenar a extinção do processo executivo, suscitada a título oficioso pelo Tribunal, o Sujeito Passivo veio, em exercício do contraditório, aduzir, em síntese, que não pretendeu solicitar tal extinção, sendo esta apenas uma das consequências do pedido de anulação que formulou.

Por sua vez, a Requerida, em exercício do contraditório, pugnou pela procedência da excepção sustentando a incompetência absoluta do Tribunal.

Cumpre decidir.

O Tribunal profere decisões em função das declarações processuais produzidas pelas partes.

Não obstante o Sujeito Passivo invocar que a sua declaração não coincide com a intenção que a ela presidiu, a verdade é que a Requerente não curou de assegurar a coincidência entre a sua intenção e a declaração que emitiu, o que poderia ter feito mediante redução do pedido inicial.

Nestes termos, tendo o sujeito passivo optado por manter a formulação do pedido inicialmente expressa, e só podendo o tribunal conhecer da pretensão tal como é verbalizada em sede de pedido, declara-se o Tribunal incompetente para conhecer da pretensão na parte em que a Requerente solicita que o mesmo ordene a extinção do processo de execução fiscal instaurado para cobrança do imposto objecto do pedido de pronúncia arbitral.

Na verdade, atento o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais restringe-se à “apreciação da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” (norma a ler em conjugação com o disposto no artigo 4.º do RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que regula o tipo e o valor máximo dos litígios a que a Administração Tributária se encontra vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais).

Ante o exposto, a apreciação da matéria relativa ao processo executivo não se encontra abrangida no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral.

Não obstante os efeitos que uma eventual decisão do Tribunal quanto à ilegalidade da liquidação possa vir a ter sobre o processo executivo, da leitura das normas mencionadas resulta, assim, que a matéria relacionada com o processo executivo se encontra excluída da competência do Tribunal.

Com efeito, uma coisa são as repercussões sobre o processo executivo resultantes de eventual procedência do pedido da Requerente e consequente anulação da liquidação, outra, bem diferente, é a competência do Tribunal Arbitral para ordenar a extinção do processo executivo instaurado, como pretende a Requerente.

Termos em que se julga procedente a invocada excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

11.3.    Em conformidade com o exposto, declara-se o Tribunal Arbitral regularmente constituído e materialmente competente para conhecer na presente acção, em sede declarativa, quanto à “ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios identificadas no ponto I.1. do Relatório”.

Quanto ao segundo pedido, inicialmente requerido (pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida que venha a apresentar para sustar os processos de execução fiscal instaurados), veio, como supra exposto, a Requerente dele desistir.

Tal requerimento merece provimento. Tendo, inicialmente, sido formulados diversos pedidos, o facto de a Requerente desistir apenas daquele que ora se considera, representa, na verdade, uma redução do pedido.

Do deferimento do pedido de desistência quanto ao pedido em análise, bem como da declaração de incompetência em matéria de execução, resulta, assim, que, o objecto de pronúncia do Tribunal se restringirá ao pedido constitutivo (anulação de liquidações) acima mencionado.

11.4. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

11.5. O processo não enferma de nulidades.

11.6. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa. 

 

III. Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

12. Factos provados

 

12.1. Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

a)      A Requerente é uma sociedade anónima de capitais privados e com fins lucrativos, tendo por objecto a prestação de serviços médico-cirúrgicos - cf. Certidão permanente junta com a petição como Documento n.º 129, cujo teor se dá por reproduzido;

b)      Tal actividade inclui a prestação de cuidados de saúde e de serviços médicos em regime de ambulatório e/ou internamento, designadamente consultas e cirurgias em várias áreas clínicas;

c)       A Requerente presta ainda serviços de alimentação e bebidas (através da exploração de um bar/restaurante nas instalações onde desenvolve a sua actividade), prestando ainda serviços aos acompanhantes dos utentes internados (nomeadamente serviços de alojamento);

d)      Tais actividades desenvolvem-se no E… (“E…”), instalado em dois prédios urbanos contíguos e com funcionamento complementar de que a Requerente é proprietária e que assim identifica: fracções A, B e C do prédio urbano sito na Rua … n.º…, …, …-…, …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial … da freguesia da União das Freguesias de … e …; e prédio urbano descrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o n.º…;

e)      Ambos os prédios foram construídos de raiz, sendo que o prédio que integra as fracções A, B e C foi edificado em duas fases distintas, uma em 1999 e outra em 2007 (correspondendo a fracção A ao edifício inicialmente construído e concluído em 1999; ao passo que as fracções B e C integram a segunda fase de construção, concluída em 2007) - cf. Cadernetas prediais das fracções B e C, juntas com a petição como Documentos n.ºs 130 e 131, cujos teores se dão por reproduzidos;

f)       A Requerente é uma sociedade comercial que exerce, a título principal, uma actividade de natureza comercial, estando enquadrada no regime geral para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC);

g)      Em 6 de Dezembro de 1995, aquando do registo do início de actividade para efeitos fiscais, a Requerente foi enquadrada no regime de isenção de IVA, tendo como objecto principal a prestação de “Actividades dos estabelecimentos de saúde com internamento”, a que corresponde o CAE … - cf. Relatório de Inspecção Tributária (RIT), junto com a petição como Documento n.º 132, cujo teor se dá por reproduzido;

h)      Em 29 de Junho de 1999, aquando do início da actividade do E…, a ora Requerente passou a estar enquadrada para efeitos de IVA no regime misto com afectação real (em face da sua actividade de prestação de serviços médicos - actividade isenta - e das suas actividades de prestação de serviços de alimentação e bebidas e alojamento a acompanhantes de utentes internados - actividades sujeitas) - cf. cit. RIT; 

i)       Em Janeiro de 2008, a Requerente renunciou à isenção de IVA (apresentando para o efeito uma declaração de alterações de atividade com efeitos a 1 de Janeiro de 2008), ficando em consequência sujeita ao regime normal de tributação em IVA com periodicidade mensal (apurando por isso IVA nas operações activas praticadas, imposto que é mencionado nas facturas por si emitidas, e deduzindo, por conseguinte, o IVA suportado na totalidade das operações passivas) - cf. cit. RIT (Doc. n.º 132) e Declaração de Alterações de Actividade junta com a petição como Documento n.º 133, cujo teor se dá por reproduzido;

j)       Em nenhum momento entre 2008 e 2014 (aquando do procedimento de inspecção aqui em causa), a Administração Tributária pôs em causa tal renúncia ou o cumprimento dos requisitos legais para o efeito;

k)      Actuando, na sequência de tal renúncia, como um sujeito passivo “normal” (não isento de IVA), a Requerente desde Janeiro de 2008 e até à presente data, nos termos da lei, liquidava IVA nas operações ativas deduzindo o IVA suportado nas operações passivas;

l)       Em relação à segunda fase de construção do E…, concluída em 2007, a Requerente suportou IVA no montante de € 1.534.906,72 – cf. Documento n.º 134, última página, cujo teor se dá por reproduzido;

m)   A Requerente apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao período de Fevereiro de 2008, em que incluiu aquele valor de imposto suportado e solicitou o reembolso do crédito de imposto a recuperar apurado nesse período: €1.695.465,30 – cf. Documento n.º 135 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido;

n)      A AT promoveu o correspondente procedimento de inspecção, através do qual analisou e verificou a validade e conformidade legal do imposto deduzido, deferindo parcialmente o pedido de reembolso em causa, no valor de €1.610.943,47 – cf. Documento n.º 136 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido;

o)      Por referência ao exercício de 2011, a Requerente liquidou IVA nas operações activas no montante de € 490.676,11, tendo deduzido IVA suportado nas operações passivas no montante de € 489.023,71 – cf. cit. RIT (Doc. n.º 132) e Documento n.º 137, cujo teor se dá por reproduzido;

p)      Por referência ao exercício de 2012, a Requerente liquidou IVA nas operações activas no montante de € 527.304,69 tendo deduzido IVA suportado nas operações passivas no montante de € 528.287,89 - cf. cits. RIT (Doc. n.º 132) e Documento n.º 137;

q)      No exercício de 2013, a Requerente liquidou IVA nas operações ativas no montante de € 418.874,91 tendo deduzido IVA suportado nas operações passivas no montante de € 367.551,27 - cf. cit. RIT (Doc. n.º 132) e Documento n.º 137;

r)       Em 14 de Julho de 2006, a ora Requerente celebrou uma convenção com a Administração Regional de Saúde do … (“ARS”) – cf. Documento n.º 138 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido;

s)      Em 18 de Março de 2013, a Requerente celebrou uma convenção com a Direcção Geral de Protecção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública (“ADSE”) – cf. Documento n.º 139 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido;

t)       As convenções celebradas com a ARS ou a ADSE são contratos de adesão em que o preço dos serviços objecto de convenção é idêntico para todos os estabelecimentos aderentes às convenções;

u)      Assim, e necessariamente, o IVA liquidado em relação aos serviços prestados no âmbito de tais convenções é incluído pela Requerente no preço final (por dentro do preço), não representando acréscimo no preço (pelo que independentemente de se aplicar ou não o regime de isenção de IVA o preço praticado é o mesmo);

v)      Nos termos da Cláusula 2.ª da Convenção celebrada entre a ora Requerente e a ARS para efeitos de execução do SIGIC: “Os serviços a contratar e correspondentes valores globais são os constantes do Despacho n.º 24 036/2004, de 29/10.”;

w)    Mais se prevê no mesmo documento, e quanto ao preço a pagar pelo utente pelos serviços de saúde que utilize no âmbito da referida convenção, que “O acesso aos cuidados de saúde previstos nesta Convenção está sujeito ao pagamento das taxas moderadoras, nos termos da lei” (cf. cit. Documento n.º 138, Cláusula 9ª), ou seja, o utente paga pelo serviço (independentemente de o preço incluir ou não IVA) o valor da taxa moderadora legalmente estabelecida;

x)      Os valores a faturar pelo E… à ARS pelos serviços prestados pelo primeiro aos utentes convencionados “são os constantes da tabela de preços aprovada pelo Despacho n.º 24036/2004” (cf. cit. Documento n.º 138, Cláusula 10ª);

y)      Na cláusula 5ª, n.º 1 da Convenção celebrada com a ADSE, constante do Doc. N.º 139, estabelece-se que: “Os encargos decorrentes da prestação de serviços de saúde aos beneficiários são pagos de harmonia com as tabelas e regras em vigor”;

z)      O preço de cada tratamento ou exame é facturado pela Requerente à ARS ou à ADSE individualmente por cada acto ou operação realizada, de acordo com a sua natureza (hotelaria, consumíveis, medicamentos, meios complementares de diagnóstico e terapêutica) e de acordo com os preços previamente estabelecidos, independentemente de a operação em causa ser ou não sujeita a IVA;

aa)   O peso relativo da faturação emitida com respeito aos serviços prestados pela Requerente ao abrigo das convenções com a ARS e com a ADSE, no cômputo global da sua faturação por referência aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, é o que consta da tabela seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

 

2011

2012

2013

 

 

 

 

 

Entidade

Percentagem de faturação

 

 

ADSE

0%

0%

11,41%

 

 

 

 

ARS

18,16%

23,43%

15,84%

 

 

 

 

Total ADSE+ ARS

18,16%

23,43%

27,25%

 

 

 

 

- cf. Documento n.º 141 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido, e como resulta do RIT (cit. doc. n.º 132);

bb)   A Requerente foi alvo de um procedimento externo de inspeção tributária iniciado com base na Ordem de Serviço n.º OI2014…, de 27 de Maio de 2014, emitida pela Direcção de Finanças de…, tendo por objecto os exercícios de 2011, 2012 e 2013, com a finalidade de verificação do enquadramento da Requerente para efeitos de IVA, em particular quanto à opção pela renúncia à isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 12.º do CIVA - cf. Documento n.º 142, junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido;

cc)  No culminar do procedimento inspectivo, determinaram os SIT que “...considerando a existência de 2 convenções/acordos supra referidas, com os subsistemas de saúde do sistema nacional de saúde (ARS e ADSE), que representam respectivamente 18, 23 e 27% do total de serviços prestados nos anos de 2011, 2012 e 2013, é entendimento da Administração Tributária, que nos termos da línea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IVA, conjugada com a Base XII da Lei n.º 48/90 (Lei de Bases da Saúde), a A… não poderia beneficiar do directo de opção, uma vez que, com a celebração dos protocolos com as instituições públicas (ARS e ADSE) passou a estar integrado no sistema nacional de saúde.»;

dd)  Consta ainda do RIT: «Propondo-se assim e como consequência deste entendimento a alteração do enquadramento em IVA, passando a “sujeito passivo misto”, pois além das prestações de serviços médicos e operações com elas estreitamente conexas – sujeitas a imposto mas isentas, a A… também exerce, conforme atrás referimos, operações sujeitas a imposto e dele não isentas, como sejam entre outras, as relacionadas com a exploração do Bar/Restaurante e as despesas debitadas aos acompanhantes dos utentes internados. Propondo-se também e no seguimento do mesmo entendimento as necessárias correcções ao imposto apurado, especialmente o IVA deduzido relacionado com as prestações de serviços médicos nos períodos em análise (anos 2011, 2012 e 2013).»;

ee)  Mais propondo o mesmo Relatório que fosse regularizado o IVA relativo a imóveis, nos termos do n.º 6 do artigo 24.º do CIVA, nos seguintes termos:

«- Valor total do IVA deduzido ao imóvel com o artigo matricial…, fracções B e C: €1.534.906,72

- IVA dedutível decorrente do pro rata de 3% acima calculado (ano de 2011): €46.047,20(=0,03 x 1.534.906,72)

- Ano da conclusão e início da utilização do imóvel: 2007

- Período ainda não decorrido até perfazer 20 anos, tendo como referência/início de contagem o ano de 2007 e 2011 como ano da regularização para efeitos de IVA: 16

- IVA a regularizar a favor do Estado nos termos da al. b) do n.º 6 do art.º 24 do CIVA, último período de 2011: €1.191.087,61 [= 16/20 x (1.534.906,72 – 46.047,20)].» cf PA - fls. 35;

ff)     Em 20 de Outubro de 2014, a ora Requerente foi notificada do RIT, no qual a AT promove dois tipos de correções decorrentes da alteração do enquadramento em IVA da Requerente, por si operada oficiosamente: 1. Reposição do IVA deduzido nos exercícios de 2011 a 2013 relativo às operações passivas, por passar, “a ‘sujeito passivo misto” (cf. RIT – cit. Doc. n.º 132, pg. 10); 2. Regularização do IVA deduzido relativo a imóveis;

gg)   As correções operadas, que se referem a “imposto a considerar indevidamente deduzido nos termos dos artigos 20º e 23º do CIVA, ascendem a € 474.353,00 em 2011, € 512.439,20 em 2012 e € 356.524,73 em 2013” (cf. RIT – cit. Doc. n.º 132, p. 14).

 

12.2. Factos não provados

 

Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

12.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

A decisão proferida quanto à matéria de facto tem por base as posições assumidas pelas partes e não contestadas, a análise crítica dos documentos juntos aos autos pelas partes (entre os quais o Relatório da Inspecção Tributária) e por estas não impugnados, não havendo controvérsia sobre eles.

 

III.2. Matéria de direito

 

13. Resulta do exposto que na situação controvertida está em causa saber se os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, que optaram pela tributação em IVA por se considerarem não integrados no sistema nacional de saúde, preenchendo portanto as condições previstas no artigo 12.º do CIVA para a renúncia à isenção, devem ou não continuar a ser considerados para tanto elegíveis quando celebram protocolos ou acordos com entidades públicas pertencentes ao serviço nacional de saúde, a fim de prestarem aos beneficiários desses subsistemas prestações de cuidados de saúde abrangidas pela norma de isenção do n.º 2) do artigo 9.º do aludido Código.

Mais concretamente, a AT parece pretender agora, ao contrário do que vinha sendo pacificamente entendido até, pelo menos, 2008, que a mera celebração, por parte de uma entidade privada com actividade no domínio da saúde, de um único protocolo de prestação de cuidados com uma entidade pública, ou subsistema público de saúde - por exemplo, a ADSE ou uma administração regional de saúde - implica que tal entidade deixe de estar sujeita a IVA, por renúncia à isenção, passando automaticamente a ser um sujeito passivo isento, sem condições de exercer o direito à renúncia, independentemente de demonstrar que a maior parte da sua actividade continua a ser a prestação de cuidados de saúde em condições de mercado livre, distintas das condições em que os mesmos cuidados são prestados aos cidadãos beneficiários do serviço nacional de saúde.

14. As isenções para a saúde

 

14.1. Modalidades de isenções

 

Foi com a Sexta Directiva que se procurou uniformizar as isenções nas transacções internas que os Estados membros poderiam conceder, dado que na Segunda Directiva esta matéria foi deixada ao critério exclusivo do legislador nacional.

A principal preocupação subjacente ao regime das isenções previsto na Sexta Directiva foi a de estabelecer uma lista comum de isenções de forma a tornar possível, tal como resulta do seu preâmbulo, que os recursos próprios sejam cobrados de modo uniforme em todos os Estados membros.

            As isenções, todavia, com excepção das que se relacionam com o comércio exterior, constituem um entrave significativo ao funcionamento neutro do imposto, como é amplamente reconhecido. Com efeito, embora, por motivos de natureza económica e social, ou por motivos de ordem técnica, o sistema tenha de prever exonerações de imposto, é desejável limitar estritamente os casos de isenção e proceder aos aligeiramentos necessários através da aplicação de taxas reduzidas, de forma a permitir, por regra, o exercício do direito à dedução do imposto suportado.

            Como é sabido, em IVA, existem duas modalidades de isenções atendendo à possibilidade do exercício do direito à dedução[1]. Por um lado, temos as isenções completas, totais, plenas, ou que conferem o exercício do direito à dedução do IVA suportado.

            Nestas isenções, tal como a própria designação o indica, o sujeito passivo beneficiário não liquida imposto nas suas operações activas (transmissões de bens ou prestações de serviços efectuadas) e tem o direito a deduzir o IVA suportado para a respectiva realização. Caso estas isenções sejam estabelecidas em estádios intermédios, não há interrupção da cadeia de deduções, não há efeitos cumulativos e as consequências sobre a receita são nulas, uma vez que as taxas intermédias são “imateriais”. A taxa final (não nula) se encarregará de recuperar a receita — é o conhecido efeito de recuperação positivo. Se forem estabelecidas no estádio final, assistir-se-á à desoneração completa do conteúdo fiscal e o vendedor deduz o IVA que onerou os respectivos inputs, desaparecendo do valor do bem qualquer conteúdo fiscal, ostensivo ou oculto. Contrariamente às isenções simples, estas isenções não alteram as qualidades de neutralidade do IVA e têm o efeito de proteger totalmente do imposto o consumo do bem ou serviço a que essa isenção completa se aplica, pelo que se afiguram como a solução indicada para prosseguir objectivos de equidade na tributação do consumo, quando tais objectivos exijam uma completa exoneração dos encargos fiscais relativamente a certos bens e serviços[2].

            Nas denominadas isenções incompletas, simples, parciais, ou que não conferem o exercício do direito à dedução do IVA suportado, como é o caso das isenções relativas à saúde que aqui nos ocupam, o sujeito passivo beneficiário não liquida imposto nas suas operações activas, mas não tem o direito a deduzir o IVA suportado para a respectiva realização[3].

Nas isenções incompletas, o operador encontra-se, assim, fora do mecanismo do imposto, sendo tratado como um consumidor final, ao passo que nas isenções completas, ou nas situações de tributação à taxa zero, o operador faz parte integrante do mecanismo do imposto, podendo deduzi-lo nos termos gerais. Assim sendo, facilmente se conclui que a isenção simples pode ser desvantajosa para os operadores produtivos e até prejudicar a sua capacidade de concorrência. A não liquidação de IVA nas vendas ou prestações de serviços por eles efectuadas pode não compensar a impossibilidade de obter crédito do imposto suportado,  sobretudo daquele que incide sobre investimento em bens duradouros.

            Isto é, as isenções simples adulteram as propriedades de neutralidade do tributo. Se atribuídas a operadores "intermediários" no circuito económico de bens e de serviços, originam tributação em cascata, deixando o encargo fiscal de proporcionar-se exactamente ao valor do consumo. É por isso que, idealmente, tais isenções devem ser previstas com parcimónia, estão harmonizadas no sistema comum europeu do IVA e as regras que as preveem são interpretadas restritivamente.

            Por este motivo, o legislador comunitário veio permitir, em casos excepcionais, que os Estados membros concedessem o direito à renúncia de certas isenções, passando os sujeitos passivos a aplicar o imposto nos termos gerais, i.e., a liquidar e deduzir o IVA suportado, de forma a não encarecer o preço das suas operações. Entre estes casos encontra-se, precisamente, a isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA, entre nós transposta no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA.

            Na selecção das operações isentas do imposto sobre o valor acrescentado, o legislador comunitário inspirou-se, aquando da adopção da Sexta Directiva, por um lado, nas isenções já existentes nos Estados membros, por outro lado, tentou limitar o número de isenções, dado as mesmas consubstanciarem uma excepção ao princípio geral de que todas as prestações de serviços e transmissões de bens efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo estão sujeitas a IVA e porem em causa o princípio da proporcionalidade[4].

            Assim, essencialmente por motivos de ordem social, cultural e política, a Directiva IVA, na senda da Sexta Directiva, prevê uma série de isenções, que, todavia, se aplicam a um conjunto restrito de serviços, dada a base de incidência alargada do IVA.

 

14.2. As regras da Directiva IVA

 

Na Directiva IVA a regulamentação das isenções encontra-se sistematizada distinguindo “isenções em benefício de certas actividades de interesse geral”, “isenções em benefício de outras actividades” (isenções internas), “isenções relacionadas com as operações intracomunitárias e isenções na importação”, “isenções na exportação”, “isenções aplicáveis aos transportes internacionais”, “isenções aplicáveis a determinadas operações assimiladas a exportações”, “isenções aplicáveis a prestações de serviços efectuadas por intermediários” e “isenções aplicáveis a operações relacionadas com o tráfego internacional de bens”.

As prestações de serviços no domínio da saúde, quer as prestadas directamente pelos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, paramédicos) quer as referentes a hospitalização e cuidados médicos prestados por organismos de direito público ou entidades privadas trabalhando em condições sociais análogas, são, em princípio, isentas de imposto. É o que se conclui das alíneas b) e c) do artigo 132º da Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre  o valor  acrescentado. 

A solução de isentar estas[5] prestações de serviços tem origem na Sexta Directiva IVA,  antecessora  da  actualmente vigente Directiva IVA.

No âmbito das prestações de serviços de saúde, a harmonização conduziu à isenção de IVA para "hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos" (alínea b) do artigo 13 A, 1da Sexta Directiva, que corresponde ao artigo 132.º, alínea b) da Directiva IVA) e também para "as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado membro em causa" (alínea c) do artigo 13 A, da Sexta Directiva, que corresponde ao artigo 132.º, alínea c) da Directiva IVA).

Contudo, o sistema comum permite, em regime transitório ou derrogatório, que os Estados membros isentem os estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza, mesmo que não sejam reconhecidos como praticando condições sociais análogas às dos organismos de direito público. É o que actualmente consta do ponto 7 da parte B do Anexo X à Directiva IVA ("Operações que os Estados-membros podem continuar a isentar") - Anexo que corresponde ao Anexo F da Sexta Directiva, onde a isenção que nos ocupa estava prevista no respectivo n.º 10.

As disposições da Directiva IVA são, no essencial, idênticas às disposições correspondentes da Sexta Directiva.

            As isenções de interesse geral na área da saúde estão contempladas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA. Para além da sua frase introdutória, as isenções previstas no artigo 132. °, n.° 1, alíneas b) e c), da Directiva IVA estão redigidas de forma idêntica às do artigo 13.°, A, n.° 1, alíneas b) e c), da Sexta Directiva.

            Na alínea b), a Directiva IVA determina que os Estados devem isentar “a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos.”

Por seu turno, a alínea c) manda exonerar de imposto “as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa”.

O objectivo subjacente à concessão destas isenções é o de não onerar as prestações de serviços de saúde, assegurando que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA, i.e, em reduzir os custos médicos para os utentes e promover os cuidados de saúde[6]. Com efeito, estão em causa isenções em benefício de certas actividades de interesse geral, actividades específicas destinadas a prosseguir fins socialmente úteis, como a assistência médica. É ponto assente que o objectivo comum quer às isenções previstas na alínea b) quer às previstas na alínea c), é reduzir o custo dos cuidados de saúde e tornar esses cuidados mais acessíveis aos particulares [7].

A fim de determinar quais as prestações susceptíveis de beneficiarem destas isenções, é necessário atender não só ao teor literal dos preceitos, como também à razão de ser dos regimes de isenção de IVA aqui previstos. O problema foi objecto de vários arestos do TJUE, que são assim decisivos para estabelecer os contornos exactos das isenções matéria de prestações de saúde.

A Directiva IVA estabelece o regime de isenção (incompleta, sem direito à dedução) como regime-regra da prestação de serviços de hospitalização e de assistência médica quando esses serviços sejam prestados por organismos de direito público. Adicionalmente, a Directiva isenta tais serviços quando efectuados por estabelecimentos hospitalares e centros de assistência médica e de diagnóstico em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos públicos.

Assim o artigo 132.º, n.º 1 da Directiva IVA determina o seguinte:

“1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

a) (…)

b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;

(…)”

Qual o alcance desta isenção? Para a respectiva aplicação importa verificar do preenchimento simultâneo de requisitos objectivos relativos à natureza das operações e de requisitos subjectivos relativos à qualidade da entidade que as pratica. Quanto aos primeiros, as prestações fornecidas são: (i) a hospitalização ou a assistência médica, ou (ii) operações estreitamente conexas com a hospitalização ou com a assistência médica. Relativamente aos segundos: (iii) o prestador de serviços deve ser um organismo de direito público, ou (iv) deve fornecer as prestações em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público e, (v) deve tratar-se de um estabelecimento hospitalar ou um centro de assistência médica e de diagnóstico ou outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos.

À face da alínea b) supra, fora das situações em que os prestadores sejam organismos públicos ou que, não o sendo, prestem serviços médicos em condições análogas às destes organismos, a disciplina geral que resulta em primeira linha da Directiva IVA é a da tributação em IVA, à taxa normal, ou à taxa reduzida se os Estados membros exercerem a prerrogativa consagrada no artigo 98.º da Directiva IVA (em conjugação com o Anexo III).

Note-se ainda que, como iremos de seguida analisar, o legislador comunitário permitiu que os Estados membros previssem a faculdade de renúncia à isenção.

14.3. As regras nacionais

 

As isenções de IVA em matéria de prestações de serviços na área da saúde constam dos n.ºs 1,2,3, 4 e 5 do artigo 9.º do CIVA, os quais, por seu turno, reflectem as disposições correspondentes da Directiva IVA que são as alíneas b), c), d), e) e p) do n.º 1 do artigo 132º.

O n.º1 do artigo 9 manda exonerar de IVA “as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas” e o nº 2 “as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.

O alcance de algumas dessas isenções, e em especial, no caso que aqui nos ocupa, as previstas nos n.ºs 1 e 2 do referido artigo 9.º, tem suscitado dúvidas, não só entre nós, como em outras jurisdições, e algumas dessas questões têm sido levadas ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), quer em processos de reenvio prejudicial, quer em acções por incumprimento de Estado.

Entre nós, o problema da interpretação dessas normas tem sido sobretudo levantado para determinar a legitimidade da renúncia à isenção por parte de entidades privadas com actividade na área da saúde.

No Tratado de Adesão de Portugal e Espanha às Comunidades Europeias, pode ler-se que a República Portuguesa foi autorizada a isentar de IVA as operações daquele nº 10 do Anexo F da Sexta Directiva.

Decorre da 6ª Directiva, no seu artigo 28º, 3, b), que os Estados-membros podem conceder, em regime transitório, aos sujeitos passivos a faculdade de optarem pela tributação nas condições fixadas no Anexo G, faculdade que a Directiva IVA manteve no respectivo artigo 373.º[8].

O legislador português usou de ambas as faculdades. Assim, no artigo 9.º, n.º2, do CIVA, acolheu a isenção das "prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares"; e, no artigo 12.º, concedeu aos "estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas" a faculdade de "renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações".

Portugal, ao abrigo de um regime de excepção constante do artigo 377.º da Directiva IVA, usou da faculdade de isentar também estes estabelecimentos hospitalares privados, ou seja, aqueles que não prosseguem a sua actividade em condições sociais análogas aos estabelecimentos hospitalares públicos (cf. artigo 377.º da Directiva IVA).

Atento o que ficou exposto, e fazendo uso da terminologia da Directiva IVA, para efeitos deste artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA, apenas podem ser consideradas como “instituições privadas não integradas no sistema nacional de saúde” com direito à renúncia, os estabelecimentos hospitalares privados que não prossigam a sua actividade em condições sociais análogas às que vigoram para os estabelecimentos hospitalares públicos. Isto é, a Requerente é abrangida pela referida opção de renúncia à isenção se não prosseguir a sua actividade em condições sociais análogas aos mencionados estabelecimentos públicos.

Ora, sucede precisamente que surgiram, ultimamente, dúvidas quanto ao âmbito subjectivo desta renúncia à isenção. Quais são afinal os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares que podem renunciar à isenção? Que significa a fórmula da lei "não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde"?

 

15. Interpretação das normas de isenção

 

15.1 Aspectos gerais

 

O TJUE tem vindo a desenvolver, ao longo destes anos, jurisprudência relevante sobre a matéria das isenções em geral, nomeadamente sobre as respectivas características e objectivos, e, em especial, no tocante às situações concretas acolhidas na Directiva IVA. A jurisprudência do Tribunal sobre as isenções tem-se fundamentado, essencialmente, nos princípios gerais de interpretação que tem desenvolvido, em especial, o princípio da interpretação estrita, o princípio da interpretação sistemática e o princípio da interpretação uniforme, salientando igualmente, em especial, a necessidade de respeitar o princípio da neutralidade.

Mas importa desde logo sublinhar que estamos perante normas de Direito da União Europeia e que, enquanto tal, como nota o TJUE, “Para efeitos de interpretação de uma disposição de direito comunitário, há que ter em conta os seus termos, bem como o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada”.[9]

O princípio da interpretação estrita das isenções é aquele que mais frequentemente tem vindo a ser invocado pelo TJUE. É jurisprudência constante que, com alguns matizes, as isenções devem ser objecto de interpretação estrita, quer no que toca aos prestadores de serviços, quer relativamente ao tipo de actividades que devem ser isentas[10].

Segundo o TJUE, dado que a Sexta Directiva desenhou uma base de incidência do IVA muito alargada, abrangendo todas as actividades económicas de produção, comercialização ou de prestação de serviços, é possível enunciar o princípio geral de acordo com o qual o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre todo e qualquer fornecimento de bens ou qualquer prestação de serviços efectuados a título oneroso por um sujeito passivo[11]. Neste contexto, atendendo a que as isenções consubstanciam derrogações a este princípio, os termos utilizados para designar as isenções visadas pelo artigo 13.º da Sexta Directiva devem ser interpretadas de forma estrita[12]. Para este efeito, dado as disposições daquele preceito terem um carácter exaustivo[13], e deverem ser expressas e precisas[14], na sua interpretação deve atender-se sobretudo ao critério de interpretação literal[15]. Como consequência, deverá evitar-se o recurso a interpretações extensivas que alarguem o alcance daquelas disposições cuja redacção é suficientemente precisa, pois tal é incompatível com o seu objectivo que é o de isentar apenas e tão só as actividades nele enumeradas e descritas[16].

Todavia, a interpretação desses termos deve ser feita em conformidade com os objectivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA. Assim, esta regra da interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 132.º devam ser interpretados de maneira a privá‑las dos seus efeitos[17].

No mesmo sentido, o Advogado‑geral F. G. Jacobs, distinguindo as noções de interpretação “estrita” e de interpretação “restritiva”, referiu que “as isenções de IVA devem ser estritamente interpretadas, mas não devem ser minimizadas por via interpretativa. […] Como corolário, as limitações das isenções não devem ser interpretadas restritivamente, mas também não devem ser analisadas de forma a irem além dos seus termos. Quer as isenções, quer as suas limitações, devem ser interpretadas de tal forma que a isenção se aplique ao que se pretendia aplicar e não mais.”[18]

Posteriormente ao Acórdão Stichting[19], o TJUE afirmou repetidamente, de modo geral, que “os termos utilizados para designar as isenções visadas no artigo 13. da Sexta Directiva devem ser interpretados restritivamente dado que constituem derrogações ao princípio geral de acordo com o qual o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo”. Por outro lado, esclareceu que não pode ser dado um alcance extensivo às isenções na falta de “elementos interpretativos” que permitam ir para além da letra das disposições que os preveem[20].

Em síntese, poderá afirmar-se que o TJUE entende que na interpretação das normas de isenção se deve atender sobretudo ao elemento literal, mas que uma interpretação estrita não poderá nunca privar de efeito útil as regras da Directiva IVA.

No que se reporta à interpretação sistemática das isenções, o TJUE tem vindo a afirmar que os conceitos utilizados nas normas das isenções são conceitos independentes de direito comunitário que devem ser situados no contexto geral do sistema comum do IVA[21]. Nestes termos, tem vindo a salientar que o conteúdo das isenções não pode ser livremente alterado pelos Estados membros, dado que estão em causa conceitos autónomos de direito comunitário, excepcionando-se o caso de o Conselho o permitir[22]. Assim, é jurisprudência assente que as isenções previstas no artigo 13.º da Sexta Directiva constituem conceitos autónomos do Direito da União que têm por objectivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado membro para outro[23].

É habitual ainda, neste contexto, afirmar-se que as isenções em sede de IVA assumem uma natureza objectiva, ou seja, para efeitos da sua concessão releva essencialmente a natureza da actividade prosseguida e não a natureza jurídica da entidade que prossegue a actividade, embora, na realidade, tal não se verifique exactamente nestes termos quanto às isenções que nos interessam para efeitos da nossa análise.

 

15.2 O âmbito subjectivo da renúncia à isenção na área da saúde

 

Como vimos, o objectivo do regime de isenção aplicável aos cuidados de saúde consiste em assegurar que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA e, por conseguinte, em reduzir os custos médicos para os utentes e nessa medida promover os cuidados de saúde.

Assim sendo, a concessão da faculdade de renúncia à isenção é uma forma de restaurar o direito a deduzir o imposto que constitui a pedra angular de todo o sistema do IVA, eliminando imposto “oculto” (o IVA não deduzido), que penaliza os sujeitos passivos, mesmo que estes se situem no último estádio da cadeia de produção, em particular em fases de investimento significativo, caracterizadas por aquisições vultuosas, permitindo-lhes serem tributados pelo regime normal (na presente situação à taxa reduzida, constante da verba 2.7, da Lista I anexa ao Código do IVA) e assim recuperarem o IVA incorrido.

Vimos que a alínea b) do n.º 1do artigo 12.º, determina que:

"Podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas  operações:

a) ........

b) Os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas."

Para renunciar à isenção, os estabelecimentos em causa não poderão pertencer a pessoas colectivas de direito público nem a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde.

Assim, não podem renunciar à isenção os hospitais públicos, pertencentes ao Estado ou a quaisquer pessoas colectivas públicas.

O que se entende por estabelecimentos não pertencentes a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde é precisamente o que está em causa no presente processo.

No tocante aos estabelecimentos pertencentes a sociedades comerciais, com escopo lucrativo, entendia a AT até há pouco que não estariam integrados no sistema nacional de saúde, podendo, portanto, renunciar à isenção de IVA, aplicando o imposto às suas operações. E isto sem distinção entre os estabelecimentos de sociedades que celebraram acordos com o Ministério da Saúde ou com Administrações Regionais de Saúde ou outros subsistemas públicos de saúde e os que não tivessem celebrado semelhantes acordos.

A mudança de entendimento por parte da AT baseia-se no conceito de sistema nacional de saúde, constante o texto legal, que determina o âmbito subjectivo do direito à isenção.

Segundo o entendimento da administração fiscal, para a correcta interpretação do artigo 12.º o conceito de sistema nacional de saúde deve ir buscar-se à Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro). E, de acordo com tal entendimento, o conceito a adaptar na interpretação do artigo 12.º, seria o reflectido no n.º 1 da Base XII da citada Lei de Bases:

"O sistema de saúde é constituído pelo Serviço Nacional de Saúde e por todas as entidades públicas que desenvolvam actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde, bem como por todas as entidades privadas e por todos os profissionais livres que acordem com a primeira a prestação de todas ou de algumas daquelas actividades. "

Em conformidade com o aludido entendimento, as entidades privadas que acordem com o Estado a prestação de actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde ficam a pertencer ao Sistema Nacional de Saúde, o que, em termos de IVA, se traduz no facto de não poderem renunciar à isenção em causa.

Pretende ainda a Administração Tributária que este entendimento decorre da jurisprudência comunitária, especialmente dos Acórdãos proferidos nos Processos 141/00 e 45/01, em que se discutiu o que deve entender-se para os efeitos da isenção prevista na então Sexta Directiva, por "organismos devidamente reconhecido pelos Estados-membros".

Ora, não se nos afigura que a correcta definição do âmbito subjectivo da renúncia à isenção possa ser determinada por um alegado conceito de Sistema Nacional de Saúde constante da Lei de Bases da Saúde e que a jurisprudência comunitária tenha esse significado que a AT pretende agora vir atribuir.

Desde logo, a Lei de Bases da Saúde não define Sistema Nacional de Saúde. A Base XII, cuida do "sistema de saúde" e não do Sistema Nacional de Saúde.

O âmbito subjectivo da isenção em apreço não pode ser determinado por simples remissão para a Lei de Bases. Não existe um conceito legal de sistema nacional de saúde, ínsito na referida Lei de Bases. Ao disciplinar, no seu Capítulo II, as "entidades prestadoras dos cuidados de saúde em geral", a Lei define, pelo menos, três conjuntos: o sistema de saúde (nº 1 da Base XXII), o Serviço Nacional de Saúde (nº 2) e a "rede nacional de prestação de cuidados de saúde" (nº 4).

O Serviço Nacional de Saúde tem uma definição unívoca, na Base XII, nº 2: é constituído pelos organismos do Estado que operam na área da saúde. As suas características estão elencadas na Base XXIV:

"O Serviço  Nacional de Saúde caracteriza-se  por:

a)  Ser universal quanto à população abrangida;

b)  Prestar integradamente cuidados globais ou garantir a sua prestação;

c)  Ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos;

d)  Garantir a equidade no acesso dos utentes, com o objectivo de atenuar os efeitos das desigualdades económicas, geográficas e quaisquer outras no acesso aos cuidados;

e)  Ter organização regionalizada e gestão descentralizada e participada."

É sabido que a Lei Geral Tributária, no seu artigo 11.º, n.º 2, determina que "sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei." Todavia, são diversos os elementos que demonstram, neste caso, que a lei fiscal não empregou serviço nacional de saúde em sentido técnico, mesmo ignorando que a expressão "serviço nacional de saúde" não tem correspondência exacta na Lei de Bases da Saúde.

Desde logo, o CIVA é muito anterior à Lei de Bases da Saúde, e o artigo 12.º não sofreu qualquer modificação no que se reporta à utilização daquela expressão.

Como refere o Professor Xavier de Basto no seu Parecer em anexo[24], “O legislador do CIVA - posso afirmá-lo com segurança - não tomou como paradigma qualquer conceito do direito nacional ao delinear o conjunto de estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares a que queria atribuir o direito a renunciar à isenção do imposto. Usou nesta norma a noção de serviço nacional de saúde com um sentido paralelo àquele em que, na regra de isenção de IVA para os serviços de educação, usou a noção Serviço Nacional de Educação. Aí como aqui, o direito de referência não foi o direito nacional, mas antes o direito comunitário.

Tratava-se de legislar respeitando a directiva comunitária. No caso da saúde, a  norma de referência, a verter para o direito fiscal nacional, era a disposição da então 6.ª directiva IVA (hoje directiva 2006/112) que delimita o alcance da isenção de IVA para os estabelecimentos não  pertencentes  a  organismos  de  direito  público  e,  reflexamente, como vimos, determina também o âmbito subjectivo da isenção.

(…)

O legislador nacional usou a expressão "instituições privadas não integradas no sistema nacional de saúde" para abranger, como resulta do direito comunitário, entidades privadas, que trabalham na área dos serviços médicos e sanitários e outros com estes conexos em condições sociais diferentes das que são praticadas nos estabelecimentos públicos. Esta é a boa interpretação, a nosso ver, do artigo 12º quanto ao alcance subjectivo do direito à renúncia.”

E se queremos ainda melhor segurança de que é assim - e que a expressão “não integradas no sistema nacional de saúde" não tem de entender-se no sentido aproximado que resulta da Lei de Bases da Saúde - basta que atentemos que o próprio legislador do CIVA não foi  unívoco  na  definição  do  que  sejam  as  entidades  privadas  que podem renunciar à isenção. Na verdade, quando se tratou, na "verba" 2.7 da Lista I anexa ao CIVA, de estabelecer a taxa reduzida aplicável às prestações de serviços médicos e operações conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares que, nos termos do artigo 12º do CIVA, podem renunciar à isenção, o legislador usou a expressão "Serviço Nacional de Saúde" (com letras maiúsculas), e não a alternativa sistema  nacional de saúde  (com letras minúsculas), que usara no artigo 12º,  nº 1. E a norma constante daquela "verba" até foi introduzida posteriormente à publicação do CIVA, que inicialmente não previa taxa reduzida para aquelas prestações de serviço.”

Assim sendo, concluímos que a lei fiscal não utilizou estas expressões em sentido técnico no sentido que elas têm no ramo de direito a que pertencem.

Não existindo um reconhecimento expresso e casuístico dos estabelecimentos que praticam as tais "condições sociais análogas" de que fala a directiva, a correcta delimitação deve atender ao escopo das pessoas jurídicas implicadas, e à forma como os serviços são prestados. O legislador nacional, tomando como paradigma a norma relevante da Sexta directiva, só excluiu da renúncia à isenção os hospitais, clínicas, dispensários e similares pertencentes a pessoas colectivas públicas e a instituições privadas que se integrem na chamada "economia social". Nestes termos, as normas do CIVA (n.º 1do artigo 12.º e verba 2.7 da Lista 1) não excluem do direito à renúncia sociedades comerciais que tenham celebrado com o Serviço Nacional de Saúde acordos de prestação de serviços médicos. Não é a existência desses acordos que integra, sem mais, essas entidades no sistema nacional de saúde, para efeitos do CIVA, transformando-as em operadores do sector social da economia.

 Acresce que tal entendimento, ao contrário do invocado pela AT, não é posto em causa pela jurisprudência do TJUE sobre a matéria, antes pelo contrário.

Não obstante não existirem decisões jurisprudenciais do TJUE que tratem especificamente sobre a questão de saber quando é que um estabelecimento hospitalar privado efectua prestações em condições sociais análogas às que vigoram para os “organismos de direito público”, o Tribunal tem-se pronunciado em diversas ocasiões sobre os requisitos que se devem verificar para que uma entidade privada possa ser considerada como “outro estabelecimento da mesma natureza [a estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico] devidamente reconhecido” praticando condições análogas às impostas às pessoas colectivas de direito público, para efeitos do artigo 132.º, n.º 1, alínea b), da Directiva IVA, e consequente aplicação do regime de isenção.

Neste contexto vejam-se os Acórdãos Dornier[25],, o Acórdão L.u.p[26], e mais recentemente, o Acórdão Copy Gene[27]. Nos três casos, estava em causa o conceito de "organismo devidamente reconhecido" pelo Estado membro como praticando condições análogas às impostas pelos organismos similares de pessoas colectivas de direito público, mesmo não havendo reconhecimento expresso, o Tribunal forneceu critérios para a determinar em que condições deve uma entidade privada ser considerada "outro estabelecimento da mesma natureza devidamente reconhecido", para efeitos do artigo 132.º n.º 1, alínea b) da Directiva IVA. No Caso Copy Gene o Tribunal, recordando o que já havia afirmado em processos anteriores, veio estabelecer os seguintes critérios para aquele efeito:

"A este respeito, para determinar os estabelecimentos que devem ser «reconhecidos» na acepção da referida disposição, cabe às autoridades nacionais, em conformidade com o direito da União e sob a fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais, tomar em consideração vários elementos, entre os quais figuram o carácter de interesse geral das actividades do sujeito passivo em causa, o facto de outros sujeitos passivos que têm as mesmas actividades beneficiarem já de um reconhecimento semelhante, bem como o facto de os custos das prestações em questão serem eventualmente assumidos em grande parte por caixas de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Kügler, n.ºs  57 e 58; Dornier, n.º 72 e 73; e L.u.P., n.º 53). "[28]

Um dos critérios apontados é o de quem suporta os custos das prestações. O Tribunal admite que a contratação com caixas de seguro ou organismos de segurança social - supostamente organismos públicos - seja um indício a ter em conta para que prestador tenha a qualificação de organismo reconhecido como praticando condições análogas às dos organismos públicos - portanto isento de IVA para os efeitos da Directiva (e, consequentemente, impossibilitado de renunciar à isenção). Mas é claro que só o admite se os custos das prestações forem "assumidos em grande parte por caixas de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social", pois só assim as condições sociais análogas poderão estar verificadas.

O Acórdão Ines Zimmermann vai ainda mais longe ao confirmar que uma actividade que é em cerca de dois terços assumida por organismos de segurança social constitui “um elemento que pode ser tomado em consideração para determinar os organismos cujo «carácter social», na acepção do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Directiva [actual 132.º, n.º 1, b) da Directiva IVA], deve ser reconhecido para efeitos desta disposição” [29].

No Projecto de Relatório da Inspecção Tributária efectuada à lntercir, a AT concluiu que o facto de existirem acordos ou protocolos com entidades públicas é, de per si, suficiente, sem mais considerações, para que aquelas condições fiquem preenchidas e, consequentemente, impossibilitar a renúncia à isenção nos termos do artigo 12.º, não chegando sequer a indagar se os custos das prestações são assumidos pelos dois subsistemas públicos de saúde que livremente contrataram com a lntercir a prestação dos serviços médicos em "pequena" ou em “grande” parte.

Ora, a mera circunstância de se ter celebrado acordo com subsistemas públicos de saúde não pode levar a concluir que uma sociedade comercial operando na área da saúde fica qualificada, para os efeitos do IVA, como pertencendo ao sistema nacional de saúde.

Note-se que já este Tribunal se pronunciou no mesmo sentido numa situação idêntica no Processo 278/2013-T que cumpre chamar à colação e cujas principais conclusões passamos a reproduzir:

“O legislador português optou pela formulação de um requisito negativo aplicável às “instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde” (aquelas que não podem renunciar à isenção). O sentido desta expressão não pode deixar de corresponder ao de entidades que prestem serviços em condições sociais análogas às dos organismos públicos, pois esse é o conceito definidor da Directiva IVA subjacente à norma interna de transposição como acima explicitado.

(…)

Este paralelismo ou colagem à Lei de Bases da Saúde não se justifica por múltiplas razões.

Desde logo, a locução “sistema nacional de saúde” não consta de nenhum dos conceitos da Lei de Bases da Saúde.

Na verdade, não existe uma definição legal de “sistema nacional de saúde” na legislação portuguesa e do ponto de vista linguístico a expressão contém duas palavras comuns, quer ao “sistema de saúde”, quer ao “Serviço Nacional de Saúde”, sendo que este último conceito exclui os estabelecimentos privados.

Por outro lado, a Lei de Bases da Saúde, que introduz o conceito de sistema de saúde é posterior à redacção do Código do IVA (surgiu em 1990 e o Código remonta a 1984), pelo que cronologicamente este não lhe poderia fazer referência e, no que toca ao uso da expressão empregue no artigo 12.º, n.º 1, alínea b) do citado Código, até hoje não sofreu qualquer modificação.

Já o conceito de Serviço Nacional de Saúde existia à data da publicação do Código do IVA, e estava em vigor desde 1979, através da Lei n.º 56/79, de 15 de Setembro, que criou o Serviço Nacional de Saúde, que, refira-se, apenas abrange os órgãos e serviços públicos na dependência do Ministério da Saúde, excluindo, portanto, os estabelecimentos privados.

Assim, atendendo aos elementos histórico e sistemático o único conceito existente na lei portuguesa e para o qual o Código do IVA poderia remeter à data da sua publicação era o conceito de “Serviço Nacional de Saúde” (e não o conceito de sistema de saúde cujo recorte surge seis anos após a publicação do Código do IVA).

Acresce que a Lei do Orçamento do Estado para 1999 (Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro), que foi promulgada quando já estão legalmente definidos e assentes ambos os conceitos de “Serviço Nacional de Saúde” e “sistema de saúde”, faz uma referência explícita à renúncia à isenção prevista no artigo 12.º, n.º 1, alínea b) aqui em análise, indicando que, em relação a esta, estão em causa as instituições privadas integradas no Serviço Nacional de Saúde.

Esta indicação consta da nova redacção da verba 2.7 da Lista I anexa ao Código do IVA, que vem clarificar a aplicação da taxa reduzida de imposto às prestações de serviços médicos realizados por sujeitos passivos que optaram pela renúncia à isenção, e estabelece uma conexão expressa entre a renúncia à isenção e o Serviço Nacional de Saúde (e não com o “sistema de saúde”) como se ilustra infra:

(…)

Afigura-se, porém, que em rigor o Código do IVA não pretende fazer qualquer remissão ou reenvio para um conceito jurídico de direito interno.

É certo que a questão decidenda versa sobre o exercício de um poder discricionário atribuído ao legislador nacional: o de isentar (ou não) determinadas operações (de cuidados de saúde) e o de conceder (ou não) a possibilidade de opção pela tributação relativamente às mesmas.

No entanto, essa margem de liberdade do legislador refere-se a um regime de isenção delimitado por conceitos autónomos de direito comunitário, de entre os quais se destaca o de “condições sociais análogas” às dos organismos públicos.

(…)

Porém, a partir do momento em que o legislador decidiu conceder-lhes (àquelas entidades) essa faculdade (de tributação), o âmbito subjectivo da renúncia não pode ser distinto daquele que está subtraído ao regime obrigatório de isenção, sob pena de violação do parâmetro da neutralidade. Existe uma liberdade de escolha de regime (isenção com ou sem eventual renúncia à isenção), mas não existe a liberdade de conformação do âmbito subjectivo dessa escolha.

Com isto queremos dizer que todas as entidades que não prestem os seus serviços em condições sociais análogas às dos organismos públicos, e que o legislador português optou por isentar, (pelo regime-regra da Directiva IVA seriam tributadas) devem poder beneficiar da faculdade de tributarem as suas operações, se o legislador em simultâneo decidir instituir a faculdade de renúncia à isenção (como sucedeu no caso português).

Segundo o TJUE “no quadro da isenção prevista no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Directiva, tal como decorre dos n.ºs 43 e 52 do presente acórdão, não é em relação aos organismos de direito público que o princípio da neutralidade fiscal exige a igualdade de tratamento em matéria de reconhecimento do carácter social, mas em relação a todos os outros organismos [leia-se, que não sejam de direito público] entre si” – cf. Acórdão de 15 de Novembro de 2012, C-174/11, Ines Zimmermann, ponto 53.

Importa, por conseguinte, determinar o sentido e alcance da expressão “condições sociais análogas” às aplicáveis no sector público, por forma a da mesma retirar “pela negativa” o campo de aplicação da renúncia à isenção do IVA contemplada no artigo 12.º, n.º 1, alínea b) do respectivo Código, que deverá abranger todas as entidades que aí se enquadrem.

(…)

Um dos critérios principais reside, pois, em saber quem suporta o custo das prestações. Para este efeito não basta que os custos das prestações sejam assumidos “em parte” por caixas de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social. O TJUE exige que para ser um indício atendível (da equiparação ao sector público) os custos das prestações de serviços sejam assumidos em grande parte pelo sector público, só assim se dando as condições análogas por verificadas. Acompanhamos neste âmbito o parecer do Prof. Xavier de Basto. Os Acórdãos “provam justamente o contrário do que a administração pretende deles retirar”.”

 

IV. Enquadramento do caso controvertido

 

16. Conclusões

 

Do que vimos de expor retiram-se as conclusões que se passam a enunciar.

 

16.1 Legalidade dos actos de liquidação

 

No tocante aos actos de liquidação em apreço são as seguintes as nossas principais conclusões:

            a) O âmbito subjectivo do direito a renunciar à isenção por parte dos estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares determina-se por referência a critérios do Direito da União Europeia, não podendo ser correctamente definido por referência à Lei de Bases da Saúde;

            b) O termo "sistema nacional de saúde", constante do artigo 12.º, n.º 1, do CIVA tem de interpretar-se de acordo com o critério imposto pelas normas aplicáveis da Directiva IVA;

            c) Os termos "Serviço Nacional de Saúde", utilizado na verba 2.7 da Lista I anexa ao CIVA e no artigo 12.º do CIVA, também não deve ser interpretado no sentido técnico;

            d) A noção de sistema nacional de saúde para os efeitos constantes do artigo 12.º do CIVA é uma noção de direito fiscal e deve interpretada de acordo com a Directiva IVA, abrangendo os hospitais, clínicas, dispensários e similares pertencentes a pessoas colectivas públicas e a instituições privadas que se integrem na chamada "economia social", como sejam as Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS), as Misericórdias e outras entidades de escopo não lucrativo;

            e) Esta noção não abrange sociedades comerciais, mesmo que estas tenham celebrado acordos com o Estado para a prestação de alguns cuidados de saúde;

            f) Assim sendo, mesmo após a celebração desses acordos, as sociedades em causa continuam a poder exercer a renúncia a isenção, se antes o não tiverem feito, ou a manter-se no regime de tributação, se tiverem para o efeito exercido previamente o direito à renúncia;

            g) Nestes termos, conclui-se que a A… não integra o sistema nacional de saúde;

            h) Exerce de forma predominante a sua actividade de prestação de cuidados médicos em condições normais de mercado, não exercendo a sua actividade médica em condições sociais análogas às de um organismo público, pelo quel pode exercer o seu direito à renúncia à isenção de IVA, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA, sendo por isso ilegal, por violação daquela norma e da al. b) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA, o enquadramento da Requerente como sujeito passivo isento quanto às operações realizadas no âmbito dos serviços médicos, o que inquina de ilegalidade as liquidações contestadas, que devem ser anuladas com este fundamento.

 

16.2. Quanto ao pedido de reenvio

 

No tocante ao pedido de reenvio prejudicial, não se revela imprescindível para o julgamento da causa, existindo jurisprudência suficiente quer do TJUE quer do CAAD que nos elucida sobre o sentido e alcance das normas em apreço, pelo que se conclui que não deve ser formulado.

A afirmação mencionada foi feita no primeiro acórdão, em jeito de síntese, após detalhada incursão à referida jurisprudência.

Como vimos, a Requerida veio alegar que, caso este Tribunal não perfilhasse do seu entendimento, deveria ordenar o reenvio do processo ao TJUE.

Para a Requerida o sentido e alcance da norma face ao Direito da União Europeia só suscitaria dúvidas caso não se comungasse do seu entendimento, entendimento este que, entretanto, como veremos, o Governo veio a alterar.

Entendeu este Tribunal que tal entendimento sufragado pela AT estava incorrecto face à ratio legis subjacente à aludida norma do Direito da União Europeia tendo em consideração, nomeadamente, a sua inserção sistemática e a orientação que a este propósito tem vindo a ser conferida pelo TJUE e pela doutrina. Aspecto mais sintomático de tal facto, como referimos, é que o próprio Governo teve necessidade de alterar a redacção da legislação em causa, aproximando-a mais do espírito da norma europeia e do entendimento deste Tribunal.

Com efeito, através da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, foi introduzida uma alteração na alínea b) do n.º1 do artigo 9.º do CIVA, que vem determinar que podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações:

            “b) Os sujeitos passivos referidos no n.º 2) do artigo 9.º, que não sejam pessoas coletivas de direito público, relativamente às prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas, que não decorram de acordos com o Estado, no âmbito do sistema de saúde, nos termos da respetiva lei de bases;[30]” Isto é, o próprio Governo veio reconhecer que o entendimento que a AT entretanto resolveu veicular não está em conformidade com a norma da Directiva IVA sem que, para o efeito, fosse necessário proceder a qualquer reenvio para o TJUE porque, efectivamente, não é necessário.

E não é necessário por, volta este Tribunal a reafirmar, não se verificarem na situação sub judice os pressupostos requeridos para o efeito.

De facto, assim tem entendido a jurisprudência do CAAD em situações idênticas à controvertida, nomeadamente nos Processos n.ºs 278/2013-T e 629/2014, tendo decidido sem necessidade de suscitar o pedido de reenvio.

Deve salientar-se que neste caso a AT veio inverter a sua orientação parecendo pretender, ao contrário do que vinha sendo pacificamente entendido até, pelo menos, 2008, que a mera celebração, por parte de uma entidade privada com actividade no domínio da saúde, de um único protocolo de prestação de cuidados com uma entidade pública, ou subsistema público de saúde - vg., a D… ou uma administração regional de saúde -implica que tal entidade deixe de estar sujeita a IVA, por renúncia à isenção, passando automaticamente a ser um sujeito passivo isento, sem condições de exercer o direito à renúncia, independentemente de demonstrar que a maior parte da sua actividade continua a ser a prestação de cuidados de saúde em condições de mercado livre, distintas das condições em que os mesmos cuidados são prestados aos cidadãos beneficiários do serviço nacional de saúde.

          Para analisarmos cabalmente a situação em apreço, importa atender aos princípios básicos de funcionamento do IVA, em especial o objectivo de neutralidade na tributação e a forma como o sistema das isenções se insere no funcionamento do imposto, para depois explicar o alcance e o escopo das isenções no domínio da saúde, à luz da Directiva IVA e da jurisprudência do TJUE. Só bem compreendidos estes fundamentos se pode passar à correcta interpretação dos normativos nacionais e à sua aplicação aos casos concretos, em especial à situação controvertida.

  Foi o que este Tribunal fez na sua anterior decisão de forma a concluir pela desnecessidade de reenvio.

            Como este Tribunal afirmou antes e volta a salientar, o TJUE tem vindo a desenvolver jurisprudência relevante sobre a matéria das isenções em geral, nomeadamente sobre as respectivas características e objectivos, e, em especial, no tocante às situações concretas acolhidas na Directiva IVA[31].

            A jurisprudência sobre as isenções tem-se fundamentado, essencialmente, nos princípios gerais de interpretação que tem desenvolvido, em especial, o princípio da interpretação estrita, o princípio da interpretação sistemática e o princípio da interpretação uniforme, salientando igualmente, em especial, a necessidade de respeitar o princípio da neutralidade.

Repete-se que a regra da interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 132.º devam ser interpretados de maneira a privá‑las dos seus efeitos.

            A Comissão Europeia, o Tribunal e a doutrina, têm vindo sucessivamente a salientar que o princípio da neutralidade fiscal implica que todas as actividades económicas devam ser tratadas da mesma maneira[32]. O mesmo sucede quanto aos operadores económicos que efectuem as mesmas operações[33].

Salienta-se que o TJUE tem-se preocupado, nomeadamente, quanto à concretização dos objectivos do sistema comum, em garantir a neutralidade da carga fiscal de todas as actividades económicas, sejam quais forem os seus objectivos ou resultados, em assegurar aos agentes económicos uma igualdade de tratamento, conseguir uma definição uniforme de determinados elementos do imposto e garantir a segurança jurídica e facilitar as actuações tendentes à sua aplicação[34].

            O objectivo subjacente à concessão destas isenções é o de não onerar as prestações de serviços de saúde, assegurando que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA, i.e, em reduzir os custos médicos para os utentes e promover os cuidados de saúde.

Como este Tribunal afirmou antes e volta a salientar, a fim de determinar quais as prestações susceptíveis de beneficiarem destas isenções, é necessário atender não só ao teor literal dos preceitos, como também à razão de ser dos regimes de isenção de IVA aqui previstos.

Estamos perante normas de Direito da União Europeia e que, enquanto tal, como nota o TJUE, “Para efeitos de interpretação de uma disposição de direito comunitário, há que ter em conta os seus termos, bem como o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada”.

Esta questão foi objecto de vários arestos do TJUE, que são assim decisivos para estabelecer os contornos exactos das isenções matéria de prestações de saúde.

No que se reporta à interpretação sistemática das isenções, o TJUE tem vindo a afirmar que os conceitos utilizados nas normas das isenções são conceitos independentes do Direito da União Europeia que devem ser situados no contexto geral do sistema comum do IVA. Fazendo uso da terminologia da Directiva IVA, para efeitos deste artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA, apenas podem ser consideradas como “instituições privadas não integradas no sistema nacional de saúde” com direito à renúncia, os estabelecimentos hospitalares privados que não prossigam a sua actividade em condições sociais análogas às que vigoram para os estabelecimentos hospitalares públicos.

Como este Tribunal afirmou antes e volta a salientar, é este conceito que está em causa relativamente ao qual o TJUE tem vindo a dar as suas orientações interpretativas, suficientes, em entendimento deste Tribunal, para apreciar a matéria de direito aqui em causa e proceder à subsunção dos factos em apreço.

Repete-se que o TJUE tem vindo sucessivamente a reiterar que, a concessão da faculdade de renúncia à isenção é uma forma de restaurar o direito a deduzir o imposto que constitui a pedra angular de todo o sistema do IVA, eliminando imposto “oculto” (o IVA não deduzido) que penaliza os sujeitos passivos[35].

Incumbe assim a este Tribunal julgar em função dos critérios interpretativos já fixados pelo TJUE.

Como este Tribunal afirmou antes e volta a salientar, não se nos afigura que a correcta definição do âmbito subjectivo da renúncia à isenção possa ser determinada por um alegado conceito de Sistema Nacional de Saúde constante da Lei de Bases da Saúde e que a jurisprudência comunitária tenha esse significado que a AT pretende agora vir atribuir. Invocou a AT, como vimos, que este entendimento decorre da jurisprudência comunitária, especialmente dos Acórdãos proferidos nos Processos 141/00 e 45/01, em que se discutiu o que deve entender-se para os efeitos da isenção prevista na então Sexta Directiva, por "organismos devidamente reconhecido pelos Estados-membros". Ora, o próprio Governo veio, afinal, confirmar que assim não o era.

O âmbito subjectivo da isenção em apreço não pode ser determinado por simples remissão para a Lei de Bases. Não existe um conceito legal de sistema nacional de saúde, ínsito na referida Lei de Bases.

A mudança de entendimento por parte da AT baseia-se no conceito de sistema nacional de saúde, constante o texto legal, que determina o âmbito subjectivo do direito à isenção.

Como este Tribunal afirmou antes e volta a salientar, tal não pode suceder, tendo tal normativo de ser entendido face ao contexto do sistema comum do IVA e à interpretação que a este sistema tem vindo a ser dada pelo TJUE.

O próprio Professor Xavier de Basto, que, como é sabido, esteve na origem da elaboração do CIVA, vem salientar no seu Parecer em anexo que, obviamente, “Aí como aqui, o direito de referência não foi o direito nacional, mas antes o direito comunitário”.

Acontece que, como este Tribunal afirmou antes e volta a salientar, o entendimento sufragado no presente acórdão, ao contrário do invocado pela AT, não é posto em causa pela jurisprudência do TJUE sobre a matéria, muito antes pelo contrário.

Não obstante, como invoca a AT, não existirem decisões jurisprudenciais do TJUE que tratem especificamente sobre a questão de saber quando é que um estabelecimento hospitalar privado efectua prestações em condições sociais análogas às que vigoram para os “organismos de direito público”, a verdade é que o Tribunal tem-se pronunciado em diversas ocasiões sobre os requisitos que se devem verificar para que uma entidade privada possa ser considerada como “outro estabelecimento da mesma natureza [a estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico] devidamente reconhecido” praticando condições análogas às impostas às pessoas colectivas de direito público, para efeitos do artigo 132.º, n.º 1, alínea b), da Directiva IVA, e consequente aplicação do regime de isenção, em especial nos Acórdãos Dornier, L.u.p, Copy Gene e Ines Zimmermann.

As considerações destes arrestos do TJUE sobre o conceito de entidade privada- conceito mais amplo no qual se subsumem, naturalmente, entre outros, os hospitais privados – são, naturalmente, suficientes para este Tribunal apreciar esta questão sem necessidade de reenvio, tratando-se, tão apenas e tão-somente, da subsunção dos factos ora em causa aos critérios interpretativos fixados pelo TJUE.

 

Tendo esta matéria sido analisada pelo Professor José Guilherme Xavier de Basto[36], nunca este autor suscitou qualquer necessidade de reenvio a este propósito, o mesmo sucedendo com todos os autores nacionais que se dedicaram a esta temática, como, por exemplo, a Professora Doutora Rita la Feria[37].

Dito isto, cumpre salientar que, por todos os motivos indicados supra e que voltamos a repetir nesta parte em especial, o Tribunal reafirma a desnecessidade no caso concreto de ordenar o reenvio prejudicial.

 

16.3. Quanto à inconstitucionalidade suscitada

 

Em sede de alegações, a Requerida sustentou, de forma inovadora, que o reenvio prejudicial seria obrigatório, no caso em apreço, pelo que, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais (art. 20.º da CRP) e do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP), seria inconstitucional a decisão que foi proferida no sentido de o reenvio prejudicial não se revelar imprescindível. 

Vejamos, de perto, a argumentação da Requerida.

Como referido, invoca a Requerida a violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais (art. 20.º da CRP).

Afirma, a este propósito, que, na “medida em que as decisões proferidas pelo Tribunal arbitral não são susceptíveis de recurso ordinário”, então “o reenvio prejudicial revela-se obrigatório no caso concreto”.

Para a Requerida, “o não reenvio prejudicial (…) implica que seja proferida uma decisão arbitral num litígio onde está em causa a interpretação de normas comunitárias relativas ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (…) sem que haja um controle, em segundo grau, de tal decisão (do não reenvio prejudicial).” 

Segundo a Requerida, o não reenvio prejudicial acarretaria uma violação do princípio constitucional do acesso ao direito previsto no art. 20.º da CRP, porquanto só seria mesmo de inviabilizar o reenvio “caso a questão a submeter ao TJUE não assumisse qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio ou quando a mesma questão for meramente hipotética”.

E, mais adiante, refere a Requerida que “(…) o facto de a própria questão da obrigatoriedade do reenvio não poder ser reanalisada, em segundo grau de jurisdição, num mero recurso ordinário, é uma restrição injustificada, não adequada e nem proporcional ao acesso aos tribunais para a defesa de um direito e interesse legalmente protegido numa matéria em que está em causa o próprio interesse, constitucionalmente protegido, que as partes detém na análise da interpretação do direito feita, neste caso, por um órgão jurisdicional da união europeia”.

Ou seja, na óptica da Requerida, por se tratar de uma sentença arbitral, da qual não cabe recurso ordinário, o reenvio impor-se-ia, assim, como regra, sob pena de violação do direito de acesso ao direito.

Esta interpretação não tem, salvo o devido respeito, o mínimo cabimento, por várias ordens de razões, que passamos a expor.

Em primeiro lugar, cumpre salientar que o direito à tutela judicial efectiva não inclui o direito ao recurso das decisões judiciais, traduzido no direito ao duplo grau de jurisdição, com excepção da matéria penal (art. 32.º, n.º1, da CRP).

Em segundo lugar, cabe referir que o direito de acesso ao direito não assume carácter ilimitado ou irrestrito, sendo que existem pressupostos de que depende o reenvio prejudicial pelos órgãos jurisdicionais.

Tanto revela-se incompatível com o entendimento da Requerida no sentido de que o facto de não haver recurso ordinário da decisão levaria a que, sempre que, num litígio arbitral, fosse convocada a interpretação e aplicação do Direito da União, o tribunal seria obrigado a fazer o pedido de reenvio. Entendimento erróneo que leva a que a Requerida se insurja contra a decisão arbitral, fazendo impender sobre a mesma um juízo de inconstitucionalidade, pelo facto de não ter acolhido e dado como verificados, no caso, os pressupostos do reenvio prejudicial.

Ora, se é verdade que quando não se admita recurso no direito interno, o órgão jurisdicional nacional é obrigado a submeter a questão prejudicial ao Tribunal de Justiça, tanto só se verifica se não ocorrer uma das excepções à obrigatoriedade do reenvio prejudicial fixadas pela Jurisprudência do TJUE. Excepções em que, como resulta do acórdão Acórdão Cilfit de 06.10.82 (Processo 283/81): se incluem as seguintes: i) a questão não é necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal; ii) o Tribunal de Justiça já se pronunciou de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; iii) o Juiz Nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.

Também nas palavras de Jónatas Machado[38], “havendo uma orientação jurisprudencial suficientemente consolidada numa dada matéria, o tribunal nacional deve abster-se de reenviar a questão, limitando esta figura, preferencialmente, a questões de direito novas, relativamente às quais não existe um corpo jurisprudencial e doutrinal.”

Ora, o caso concreto enquadra-se no âmbito deste regime de excepção.

Com efeito, como ficou demonstrado, o acórdão em apreço fundamentou a desnecessidade de suscitar o pedido de reenvio, por entender não subsistirem dúvidas que o impusessem, com fundamento em jurisprudência do próprio TJUE, jurisprudência e doutrina nacionais.

Cabe ainda salientar que tais pressupostos (de reenvio prejudicial pelos tribunais dos Estados) não se confundem, com os pressupostos de admissão do reenvio pelo TJUE. Confusão em que a Requerida incorre. A Requerida confunde, na verdade, os pressupostos segundo os quais o Tribunal de Justiça pode recusar pronunciar-se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional, com aqueles que o tribunal nacional deve observar para decidir o pedido de reenvio prejudicial.

Com efeito, na óptica da Requerida, a sentença arbitral em análise, ao decidir pela desnecessidade do pedido de reenvio, não deveria ter seguido, como seguiu, os pressupostos para esse efeito estabelecidos, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência do próprio TJUE. Tratando-se de uma sentença arbitral, de que não há recurso ordinário, o reenvio seria, nesse erróneo entendimento, obrigatório, excepto quando “a questão não assuma qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio ou quando a mesma questão for meramente hipotética”. Ora, dos próprios acórdãos citados pela Requerida (PreussenElektra, C-379/98, e Ruffler, C-544/07) resulta claro que tais, são os pressupostos que o TJUE pode invocar para a recusa de um pedido de reenvio, que não os pressupostos do pedido de reenvio por parte dos Tribunais nacionais.

Em terceiro lugar, a proceder a interpretação sustentada pela Requerida, o pedido de reenvio seria transformado numa via substitutiva do recurso ordinário, o que subverteria a razão de ser e a função do mesmo, bem como a relação dialógica entre as instâncias jurisdicionais nacionais e da União, relação que há-de decorrer, como não pode deixar de ser, com respeito pela autonomia decisória própria de cada uma delas, sob pena da violação dos princípios da independência, da imparcialidade e da liberdade de decisão. 

Invoca também, a Requerida, a violação do princípio da igualdade quando refere: “Mais injustificada é ainda tal restrição se se pensar que há desde logo uma situação violadora do princípio da igualdade, cfr. art. 13.º da CRP, perante as partes que submetem a resolução do seu litígio ao Tribunal Arbitral e perante as que o submetem aos restantes Tribunais.”

Nesta visão, por se tratar de um tribunal arbitral, tais pressupostos seriam, na tese da Requerida, diferentes dos exigidos para os tribunais estaduais.       

Posição que igualmente não procede.  

Com efeito, o recurso à via arbitral não resulta de imposição legal, não fazendo qualquer sentido a alegada violação do princípio da igualdade das partes neste contexto.   

Por outro lado, a decisão proferida não seria diferente se estivesse em causa uma instância estadual de que não se admite recurso, na medida em que, pelas razões acima expostas, sempre se não verificariam os pressupostos do reenvio prejudicial pelo tribunal interno.

Termos em que o acórdão sub judice não merece qualquer censura, improcedendo a invocação de inconstitucionalidade que (com base na invocação violação dos princípios do acesso ao direito e da igualdade das partes) foi alegada pela Requerida.

 

16.4. Relativamente aos restantes vícios alegados e pedidos subsidiários, o conhecimento dos mesmos encontra-se prejudicado pela declaração de ilegalidade das liquidações de IVA, assente em vício substantivo que impede a respectiva reedição ou renovação.

Nestes termos, face à interpretação material preconizada fica prejudicado o conhecimento e a apreciação dos demais vícios imputados aos actos de liquidação.

 

V. Dispositivo

 

Nestes termos, acorda este Tribunal Colectivo :

 

a)      Julgar improcedente a excepção de incompetência material deste tribunal no que diz respeito ao pedido principal;

b)      Julgar procedente a excepção dilatória de incompetência para este tribunal ordenar a extinção do processo executivo;

c)      Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios objecto desta acção e, em consequência, anular, com fundamento na violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA e da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA, as liquidações de IVA e de juros compensatórios indicadas nas alíneas a) a f) do n.º1, no montante global peticionado de € 2.779.626,05 (dois milhões, setecentos e setenta, nove mil e seiscentos e vinte e seis euros e cinco cêntimos).

 

* * *

Fixa-se o valor do processo em € 2.779.626,05 (dois milhões, setecentos e setenta e nove mil e seiscentos e vinte e seis euros e cinco cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

 

* * *

O montante das custas é fixado em € 35.802,00 (trinta e cinco mil e oitocentos e dois euros) a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por nós revistos.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 27 de Janeiro de 2016

 

 

Os Árbitros

 

 

(Fernanda Maçãs)

                                               

 

(Clotilde Celorico Palma)

                 

 

(Sérgio de Matos)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

            Decisão Arbitral substituída pela Decisão Arbitral de 27 de janeiro de 2016.

 

 

Acórdão Arbitral

 

            Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Clotilde Celorico Palma e António Sérgio de Matos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11-06-2015, acordam no seguinte:

           

            I. Relatório

           

1.A…, S.A., registada na Conservatória de Registo Comercial de … sob o número único de pessoa colectiva e matrícula…, (doravante designada Requerente ou A…) apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à anulação das seguintes liquidações adicionais de Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e de juros compensatórios:

g)      De IVA referentes ao exercício de 2013, identificadas com os n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, todas de 25 de Outubro de 2014;

h)      De IVA referentes ao exercício de 2012, identificadas com os n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, todas de 25 de Outubro de 2014;

i)       De IVA referentes ao exercício de 2011, identificadas com os n.ºs 2014…, 2014…, ambas de 25 de outubro de 2014 e das liquidações adicionais de IVA n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, todas de 4 de Novembro de 2014;

j)       De juros compensatórios identificadas com os n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014… e 2014…, por referência ao exercício de 2013;

k)      De juros compensatórios identificadas com os n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014… e 2014…, por referência ao exercício de 2012;

l)       De juros compensatórios identificadas com os n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014… relativas ao exercício de 2011 (Docs. 2 a 74, juntos com a Petição).

 

2. A Requerente pede:

a) A anulação das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios;

b) A imediata extinção dos processos executivos instaurados por falta de pagamento das mencionadas dívidas;

c) O pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida que venha a prestar para sustar os processos de execução fiscal entretanto instaurados, por falta de pagamento das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios acima identificadas (junta sob Docs. 76 a 128 as citações recebidas).

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 01-04-2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.° 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais  comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 26-05-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 11-06-2015.

 

4. A fundamentar as suas pretensões alega a Requerente, em síntese:

a)         Não integra o sistema nacional de saúde;

b)         Nem exerce a sua atividade médica em condições sociais análogas às de um organismo público, motivo pelo qual pode exercer o seu direito à renúncia à isenção de IVA, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 12.º do CIVA, sendo por isso ilegal, por violação daquela norma e da al. b) do n.º 1 do art.º 132.º da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro), o enquadramento da Requerente como sujeito passivo isento quanto às operações realizadas no âmbito dos serviços médicos, o que inquina de ilegalidade as liquidações contestadas, que devem ser anuladas com este fundamento (arts. 47.º e 75.º da petição);

c)         O conceito de organismo público implica uma dependência face ao Estado que não se verifica neste caso;

d)        O conceito de condições sociais análogas implica necessariamente o apelo às condições sociais, ou seja, ao facto de os fins prosseguidos serem eminentemente sociais (como é o caso dos organismos públicos), o que igualmente não é o caso da Requerente;

e)         A jurisprudência comunitária citada pela AT permite expressamente concluir que a Requerente não exerce a sua actividade médica em condições sociais análogas a qualquer organismo público, não apenas porque a percentagem de custos suportados por subsistemas públicos de saúde é apenas indiciária, como “essa percentagem é minoritária (muito inferior a 50%), o que conduz à conclusão necessária de que a referida locução da Diretiva não está preenchida e por isso a isenção de IVA que esta consagra não se aplica” (artigo 74º do Pedido Arbitral);

f)         “deve ainda, e por último, ter-se em conta o princípio da neutralidade que norteia todo o funcionamento deste imposto (o IVA) e o caráter por isso execional das isenções consagradas, assim como deve atender-se aos objetivos que se visaram prosseguir com o estabelecimento desta isenção, para daí se concluir se no caso concreto a não aplicação da isenção bule com tais princípios, concluindo-se, como veremos, pela negativa (já que não apenas o que se pretendeu acautelar com o estabelecimento da isenção se mantém como, além disso, a sujeição não cria quaisquer distorções de concorrência)” artigo 74.ºdo Pedido Arbitral).

 

A Requerente junta, para fundamentar o pedido arbitral, um Parecer, sobre o tema da renúncia à isenção de IVA, da autoria do Senhor Professor B… .

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e juntou processo instrutor, invocando, em síntese, o seguinte:

A) A título principal

a) “(…) a questão decidenda é, desde logo, saber se, por força do contrato celebrado com a Administração Regional de Saúde do …, I.P., e com a ADSE (Direcção-Geral de Protecção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública), a Requerente deve considerar-se como uma instituição privada integrada no “sistema nacional de saúde”, nos termos e para os efeitos do artigo 12.º. n.º 1, alínea b), do CIVA”;

b) Porém, e não obstante a pertinente classificação do conceito das expressões “serviço nacional de saúde”, “sistema de saúde” e “sistema nacional de saúde”, o facto é que, na realidade, o que aqui está também em causa, se tivermos em conta o seu “direito” ou “não direito” de renúncia à isenção prevista na alínea 2) do artigo 9º do Código do IVA”;

c) “É saber se tal subverte integralmente as regras da neutralidade que presidem a todo e qualquer sistema de Imposto sobre o Valor Acrescentado, em vigor na União Europeia, no caso concreto, entre serviços de saúde prestados por entidades públicas ou por entidades privadas que prestem serviços em “condições sociais análogas””;

d) “(…) a Lei de Bases de Saúde (Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto), veio esclarecer o conceito de “sistema de saúde”, constando do seu capítulo II, base XII, que:

“1- O sistema de saúde é constituído pelo Serviço Nacional de Saúde e por todas as entidades públicas que desenvolvem actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde, bem como por todas as entidades privadas e por todos os profissionais livres que acordem com a primeira a prestação de serviços de todas ou algumas daquelas actividades”;

e) “Assim, considerando a evolução legislativa em matéria de sistema nacional de saúde, é legítimo concluir que, já antes da entrada em vigor do Código do IVA, e da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, se mostrava consagrada a possibilidade por parte do Estado, de convencionar com instituições privadas a prestação de serviços médicos, designadamente os prestados por hospitais privados, que supriam as insuficiências dos serviços públicos”;

f) “Pelo que facilmente se conclui que, mesmo antes da Lei de Bases da Saúde (de 1990) acolher a locução “sistema de saúde”, consagrando-a legalmente, já o destinatário normal do artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, norma vigente desde 01/01/1986, mas aprovado por um Decreto-Lei de 26 de dezembro 1984, compreendia o seu alcance: as entidades privadas que convencionam com o Estado Português a prestação de serviços médicos e sanitários elencados no 2) do art. 9º do CIVA passam a integrar o “sistema nacional de saúde”, o que obsta à opção por aquela renúncia”;

g) ”(…) pensa-se que a menção a "Serviço Nacional de Saúde" constante da verba 2.7 da Lista I anexa ao Código do IVA, reflecte uma imprecisão terminológica, que deve ser interpretada, atendendo ao conteúdo da alínea b) do n° 1 do artigo 12º do Código do IVA e ao quadro legal que regula o sistema de saúde, como referindo-se ao "sistema nacional de saúde", porquanto, como vimos, e a Requerente refere, não existem instituições privadas, integradas no Serviço Nacional de Saúde”;

h) Para a Requerida a interpretação que defende é a mais conforme ao Direito da União [alínea b) do n.º1, parte A, do artigo 13.º da Sexta Directiva].

B) A título subsidiário

Alega ainda a Requerida que, caso assim não se entenda, deve ser ordenado o reenvio do processo ao TJUE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, para efeitos de definir o recorte da renúncia ao regime de isenção nos termos do artigo 12.º, nº1, b), do Código do IVA.

5.1. Para além destas alegações, relativas ao mérito da causa, a Requerida, na sua resposta, defendeu-se previamente por excepção, tendo invocado a incompetência material da presente instância arbitral para conhecer um dos pedidos formulados – aquele em que está subjacente reconhecer se a Requerente tem ou não o direito de renúncia à isenção prevista nos termos dos artigos 9.º, nº 2, e 12.º, nº1, b), do Código do IVA. 

5.2. A Requerente, notificada, por despacho de 23-07-2015, para exercer o contraditório quanto à matéria de excepção suscitada, bem assim quanto ao pedido de reenvio, apresentou resposta na qual conclui pela improcedência da excepção de incompetência material suscitada pela AT e, quanto ao reenvio, defendeu e requereu que apenas no caso de se revelar imprescindível para o julgamento da causa deverá a questão prejudicial ser formulada ao TJUE.

 

6. Nenhuma das partes requereu prova testemunhal.

 

7. Por despacho, de 12.09.2015, tendo em conta já ter sido exercido o contraditório quanto às excepções invocadas pelas partes, não ter sido requerida a produção de prova constituenda e salvaguardada a hipótese de as partes requererem a produção de alegações orais (o que não sucedeu), o tribunal decidiu dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade processuais, nos termos do disposto nos artigos 19.º, nº 2, e 29.º, nº 2, do RJAT.  

7.1. No mesmo despacho, atenta a circunstância de as partes não terem suscitado a excepção dilatória da incompetência absoluta em razão da matéria relativamente ao segundo pedido formulado pela Requerente (de que seja ordenada a imediata extinção dos processos executivos instaurados), o Tribunal manifestou, junto das partes, a intenção de conhecer daquela excepção a título oficioso, tendo, em conformidade com o previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, aplicável por via do artigo 29.º, n.º1, alínea e), do RJAT, convidado aquelas a exercerem o contraditório quanto a tal matéria.

7.2. Perante elementos novos juntos pela Administração Tributária e Aduaneira, foi também concedido, naquele despacho, o exercício do contraditório ao Sujeito Passivo.

Por requerimento de 30/9/2015 veio a Requerente desistir do pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, por inutilidade superveniente do mesmo, já que não se verificou a condição de que dependia a procedência do mesmo.       

8. As Partes apresentaram alegações escritas sucessivas, mantendo, na essência, os argumentos vertidos nos articulados iniciais.

 

II. Saneamento

 

9. Em sede de contestação, a Requerida suscitou, como ficou dito, a incompetência material do tribunal para saber se a Requerente tem ou não direito de renúncia à isenção prevista nos termos dos artigos 9.º, n.º 2, e 12.º, n.º 1, alínea b), do CIVA.

 

O que cumpre apreciar e decidir.

 

9.1. A Requerida invoca a incompetência do tribunal em razão da matéria por considerar “que, prévia à apreciação sobre a legalidade ou ilegalidade das liquidações impugnadas, há uma outra questão a decidir […] a legalidade dos pressupostos do direito de renúncia à isenção que exerceu, ao abrigo do previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 12.º do Código do IVA”, e que, por tal razão, “[…] a primeira questão a decidir prende-se com o facto de ser ou não reconhecido o direito de renúncia à isenção, por parte da Requerente, dado que os pressupostos para o seu reconhecimento foram alterados”.

Na perspectiva da Requerida estamos, assim, perante um pedido tendente ao reconhecimento de direitos em matéria tributária não contemplado no RJAT.

Assistiria razão à Requerida se este fosse o pedido deduzido em juízo pela Requerente uma vez que, efectivamente o RJAT não prevê a competência dos tribunais arbitrais para acções de reconhecimento de direitos em matéria tributária.

Note-se, porém que, nas palavras de Jorge Lopes de Sousa, os tribunais arbitrais apenas são incompetentes para “o reconhecimento de direitos e interesses legítimos em matéria tributária”, quando tal reconhecimento não esteja “subjacente à declaração de legalidade de actos ou apreciação das questões indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT” (Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Coimbra Almedina, 2013, p. 105).

No caso dos autos, como sublinhado, na resposta às excepções, “é claro” e “inequívoco” que a pretensão deduzida pela Requerente é a anulação das liquidações adicionais de IVA porque ilegais. “Ou seja”, como consignado no processo n.º 278/2013-T, que se debruçou sobre questão idêntica, “a Requerente deduz um pedido típico de acção constitutiva como é a acção impugnatória no âmbito do processo arbitral e não um pedido de uma acção de simples apreciação (positiva) característico da acção para o reconhecimento de um direito (cf. artigo 1.º do Código de Processo Civil (“CPC”) ex vi artigo 29.º, n.º1, alínea e), do RJAT)”.

Se é verdade que para se concluir pela ilegalidade dos actos tributários em causa será necessário avaliar a relação jurídico-tributária subjacente (verificar se a Requerente mantém o direito à renúncia à isenção do IVA e se deve estar enquadrada no regime normal do IVA com direito à dedução), esta traduz a causa de pedir (o fundamento) e não o pedido (pretensão) deduzido no litígio.

Não se suscitando dúvidas de que objecto principal do presente processo se reporta às liquidações adicionais de IVA cuja legalidade é questionada, não podemos deixar de concluir pela competência deste tribunal arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º1, alínea a), do RJAT.

Nestes termos, julga-se improcedente a excepção de incompetência do presente tribunal colectivo no que diz respeito ao pedido principal.

 

9.2. Importa, ainda, verificar, do pressuposto da competência material do tribunal para ordenar a extinção do processo executivo. 

Convidadas as partes para se pronunciarem sobre a incompetência material absoluta do tribunal arbitral para ordenar a extinção do processo executivo, suscitada a título oficioso pelo Tribunal, o Sujeito Passivo veio, em exercício do contraditório, aduzir, em síntese, que não pretendeu solicitar tal extinção, sendo esta apenas uma das consequências do pedido de anulação que formulou.

Por sua vez, a Requerida, em exercício do contraditório, pugnou pela procedência da excepção sustentando a incompetência absoluta do Tribunal.

Cumpre decidir.

O Tribunal profere decisões em função das declarações processuais produzidas pelas partes.

Não obstante o Sujeito Passivo invocar que a sua declaração não coincide com a intenção que a ela presidiu, a verdade é que a Requerente não curou de assegurar a coincidência entre a sua intenção e a declaração que emitiu, o que poderia ter feito mediante redução do pedido inicial.

Nestes termos, tendo o sujeito passivo optado por manter a formulação do pedido inicialmente expressa, e só podendo o tribunal conhecer da pretensão tal como é verbalizada em sede de pedido, declara-se o Tribunal incompetente para conhecer da pretensão na parte em que a Requerente solicita que o mesmo ordene a extinção do processo de execução fiscal instaurado para cobrança do imposto objecto do pedido de pronúncia arbitral.

Na verdade, atento o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais restringe-se à “apreciação da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” (norma a ler em conjugação com o disposto no artigo 4.º do RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que regula o tipo e o valor máximo dos litígios a que a Administração Tributária se encontra vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais).

Ante o exposto, a apreciação da matéria relativa ao processo executivo não se encontra abrangida no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral.

Não obstante os efeitos que uma eventual decisão do Tribunal quanto à ilegalidade da liquidação possa vir a ter sobre o processo executivo, da leitura das normas mencionadas resulta, assim, que a matéria relacionada com o processo executivo se encontra excluída da competência do Tribunal.

Com efeito, uma coisa são as repercussões sobre o processo executivo resultantes de eventual procedência do pedido da Requerente e consequente anulação da liquidação, outra, bem diferente, é a competência do Tribunal Arbitral para ordenar a extinção do processo executivo instaurado, como pretende a Requerente.

Termos em que se julga procedente a invocada excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

9.3.      Em conformidade com o exposto, declara-se o Tribunal Arbitral regularmente constituído e materialmente competente para conhecer na presente acção, em sede declarativa, quanto à “ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios identificadas no ponto I.1. do Relatório”.

Quanto ao segundo pedido, inicialmente requerido (pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida que venha a apresentar para sustar os processos de execução fiscal instaurados), veio, como supra exposto, a Requerente dele desistir.

Tal requerimento merece provimento. Tendo, inicialmente, sido formulados diversos pedidos, o facto de a Requerente desistir apenas daquele que ora se considera, representa, na verdade, uma redução do pedido.

Do deferimento do pedido de desistência quanto ao pedido em análise, bem como da declaração de incompetência em matéria de execução, resulta, assim, que, o objecto de pronúncia do Tribunal se restringirá ao pedido constitutivo (anulação de liquidações) acima mencionado.

 

9.4. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

9.5. O processo não enferma de nulidades.

 

9.6. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa. 

 

III. Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

10. Factos provados

 

10.1. Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

hh)  A Requerente é uma sociedade anónima de capitais privados e com fins lucrativos, tendo por objecto a prestação de serviços médico-cirúrgicos - cf. Certidão permanente junta com a petição como Documento n.º 129, cujo teor se dá por reproduzido;

ii)     Tal actividade inclui a prestação de cuidados de saúde e de serviços médicos em regime de ambulatório e/ou internamento, designadamente consultas e cirurgias em várias áreas clínicas;

jj)      A Requerente presta ainda serviços de alimentação e bebidas (através da exploração de um bar/restaurante nas instalações onde desenvolve a sua actividade), prestando ainda serviços aos acompanhantes dos utentes internados (nomeadamente serviços de alojamento);

kk)  Tais actividades desenvolvem-se no E… (“E…”), instalado em dois prédios urbanos contíguos e com funcionamento complementar de que a Requerente é proprietária e que assim identifica: fracções A, B e C do prédio urbano sito na Rua … n.º…, …, …-…, …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial … da freguesia da União das Freguesias de … e …; e prédio urbano descrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o n.º…;

ll)     Ambos os prédios foram construídos de raiz, sendo que o prédio que integra as fracções A, B e C foi edificado em duas fases distintas, uma em 1999 e outra em 2007 (correspondendo a fracção A ao edifício inicialmente construído e concluído em 1999; ao passo que as fracções B e C integram a segunda fase de construção, concluída em 2007) - cf. Cadernetas prediais das fracções B e C, juntas com a petição como Documentos n.ºs 130 e 131, cujos teores se dão por reproduzidos;

mm)         A Requerente é uma sociedade comercial que exerce, a título principal, uma actividade de natureza comercial, estando enquadrada no regime geral para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC);

nn)  Em 6 de Dezembro de 1995, aquando do registo do início de actividade para efeitos fiscais, a Requerente foi enquadrada no regime de isenção de IVA, tendo como objecto principal a prestação de “Actividades dos estabelecimentos de saúde com internamento”, a que corresponde o CAE … - cf. Relatório de Inspecção Tributária (RIT), junto com a petição como Documento n.º 132, cujo teor se dá por reproduzido;

oo)  Em 29 de Junho de 1999, aquando do início da actividade do E…, a ora Requerente passou a estar enquadrada para efeitos de IVA no regime misto com afectação real (em face da sua actividade de prestação de serviços médicos - actividade isenta - e das suas actividades de prestação de serviços de alimentação e bebidas e alojamento a acompanhantes de utentes internados - actividades sujeitas) - cf. cit. RIT; 

pp)  Em Janeiro de 2008, a Requerente renunciou à isenção de IVA (apresentando para o efeito uma declaração de alterações de atividade com efeitos a 1 de Janeiro de 2008), ficando em consequência sujeita ao regime normal de tributação em IVA com periodicidade mensal (apurando por isso IVA nas operações activas praticadas, imposto que é mencionado nas facturas por si emitidas, e deduzindo, por conseguinte, o IVA suportado na totalidade das operações passivas) - cf. cit. RIT (Doc. n.º 132) e Declaração de Alterações de Actividade junta com a petição como Documento n.º 133, cujo teor se dá por reproduzido;

qq)  Em nenhum momento entre 2008 e 2014 (aquando do procedimento de inspecção aqui em causa), a Administração Tributária pôs em causa tal renúncia ou o cumprimento dos requisitos legais para o efeito;

rr)    Actuando, na sequência de tal renúncia, como um sujeito passivo “normal” (não isento de IVA), a Requerente desde Janeiro de 2008 e até à presente data, nos termos da lei, liquidava IVA nas operações ativas deduzindo o IVA suportado nas operações passivas;

ss)   Em relação à segunda fase de construção do E…, concluída em 2007, a Requerente suportou IVA no montante de € 1.534.906,72 – cf. Documento n.º 134, última página, cujo teor se dá por reproduzido;

tt)     A Requerente apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao período de Fevereiro de 2008, em que incluiu aquele valor de imposto suportado e solicitou o reembolso do crédito de imposto a recuperar apurado nesse período: €1.695.465,30 – cf. Documento n.º 135 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido;

uu)  A AT promoveu o correspondente procedimento de inspecção, através do qual analisou e verificou a validade e conformidade legal do imposto deduzido, deferindo parcialmente o pedido de reembolso em causa, no valor de €1.610.943,47 – cf. Documento n.º 136 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido;

vv)  Por referência ao exercício de 2011, a Requerente liquidou IVA nas operações activas no montante de € 490.676,11, tendo deduzido IVA suportado nas operações passivas no montante de € 489.023,71 – cf. cit. RIT (Doc. n.º 132) e Documento n.º 137, cujo teor se dá por reproduzido;

ww)          Por referência ao exercício de 2012, a Requerente liquidou IVA nas operações activas no montante de € 527.304,69 tendo deduzido IVA suportado nas operações passivas no montante de € 528.287,89 - cf. cits. RIT (Doc. n.º 132) e Documento n.º 137;

xx)  No exercício de 2013, a Requerente liquidou IVA nas operações ativas no montante de € 418.874,91 tendo deduzido IVA suportado nas operações passivas no montante de € 367.551,27 - cf. cit. RIT (Doc. n.º 132) e Documento n.º 137;

yy)  Em 14 de Julho de 2006, a ora Requerente celebrou uma convenção com a Administração Regional de Saúde do Centro, I.P (“ARS”) – cf. Documento n.º 138 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido;

zz)  Em 18 de Março de 2013, a Requerente celebrou uma convenção com a Direcção-Geral de Protecção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública (“ADSE”) – cf. Documento n.º 139 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido;

aaa)          As convenções celebradas com a ARS ou a ADSE são contratos de adesão em que o preço dos serviços objecto de convenção é idêntico para todos os estabelecimentos aderentes às convenções;

bbb)         Assim, e necessariamente, o IVA liquidado em relação aos serviços prestados no âmbito de tais convenções é incluído pela Requerente no preço final (por dentro do preço), não representando acréscimo no preço (pelo que independentemente de se aplicar ou não o regime de isenção de IVA o preço praticado é o mesmo);

ccc)          Nos termos da Cláusula 2.ª da Convenção celebrada entre a ora Requerente e a ARS para efeitos de execução do SIGIC: “Os serviços a contratar e correspondentes valores globais são os constantes do Despacho n.º 24 036/2004, de 29/10.”;

ddd)         Mais se prevê no mesmo documento, e quanto ao preço a pagar pelo utente pelos serviços de saúde que utilize no âmbito da referida convenção, que “O acesso aos cuidados de saúde previstos nesta Convenção está sujeito ao pagamento das taxas moderadoras, nos termos da lei” (cf. cit. Documento n.º 138, Cláusula 9ª), ou seja, o utente paga pelo serviço (independentemente de o preço incluir ou não IVA) o valor da taxa moderadora legalmente estabelecida;

eee)          Os valores a faturar pelo E… à ARS pelos serviços prestados pelo primeiro aos utentes convencionados “são os constantes da tabela de preços aprovada pelo Despacho n.º 24036/2004” (cf. cit. Documento n.º 138, Cláusula 10ª);

fff)  Na cláusula 5ª, n.º 1 da Convenção celebrada com a ADSE, constante do Doc. N.º 139, estabelece-se que: “Os encargos decorrentes da prestação de serviços de saúde aos beneficiários são pagos de harmonia com as tabelas e regras em vigor”;

ggg)         O preço de cada tratamento ou exame é facturado pela Requerente à ARS ou à ADSE ndividualmente por cada acto ou operação realizada, de acordo com a sua natureza (hotelaria, consumíveis, medicamentos, meios complementares de diagnóstico e terapêutica) e de acordo com os preços previamente estabelecidos, independentemente de a operação em causa ser ou não sujeita a IVA;

hhh)          O peso relativo da faturação emitida com respeito aos serviços prestados pela Requerente ao abrigo das convenções com a ADSE e com a ARS, no cômputo global da sua faturação por referência aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, é o que consta da tabela seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2011

2012

 

2013

 

 

 

 

 

 

Entidade

 

Percentagem de faturação

 

 

ADSE

0%

0%

 

11,41%

 

 

 

 

 

ARS

18,16%

23,43%

 

15,84%

 

 

 

 

 

Total ADSE+ ARS

18,16%

23,43%

 

27,25%

 

 

 

 

 

- cf. Documento n.º 141 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido, e como resulta do RIT (cit. doc. n.º 132);

iii)    A Requerente foi alvo de um procedimento externo de inspeção tributária iniciado com base na Ordem de Serviço n.º OI2014…, de 27 de Maio de 2014, emitida pela Direcção de Finanças de…, tendo por objecto os exercícios de 2011, 2012 e 2013, com a finalidade de verificação do enquadramento da Requerente para efeitos de IVA, em particular quanto à opção pela renúncia à isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 12.º do CIVA - cf. Documento n.º 142, junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido;

jjj)   No culminar do procedimento inspectivo, determinaram os SIT que “...considerando a existência de 2 convenções/acordos supra referidas, com os subsistemas de saúde do sistema nacional de saúde (ARS e ADSE), que representam respectivamente 18, 23 e 27% do total de serviços prestados nos anos de 2011, 2012 e 2013, é entendimento da Administração Tributária, que nos termos da línea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IVA, conjugada com a Base XII da Lei n.º 48/90 (Lei de Bases da Saúde), a A… não poderia beneficiar do directo de opção, uma vez que, com a celebração dos protocolos com as instituições públicas (ARS e ADSE) passou a estar integrado no sistema nacional de saúde.»;

kkk)         Consta ainda do RIT: «Propondo-se assim e como consequência deste entendimento a alteração do enquadramento em IVA, passando a “sujeito passivo misto”, pois além das prestações de serviços médicos e operações com elas estreitamente conexas – sujeitas a imposto mas isentas, a A… também exerce, conforme atrás referimos, operações sujeitas a imposto e dele não isentas, como sejam entre outras, as relacionadas com a exploração do Bar/Restaurante e as despesas debitadas aos acompanhantes dos utentes internados. Propondo-se também e no seguimento do mesmo entendimento as necessárias correcções ao imposto apurado, especialmente o IVA deduzido relacionado com as prestações de serviços médicos nos períodos em análise (anos 2011, 2012 e 2013).»;

lll)   Mais propondo o mesmo Relatório que fosse regularizado o IVA relativo a imóveis, nos termos do n.º 6 do artigo 24.º do CIVA, nos seguintes termos:

«- Valor total do IVA deduzido ao imóvel com o artigo matricial…, fracções B e C: €1.534.906,72

- IVA dedutível decorrente do pro rata de 3% acima calculado (ano de 2011): €46.047,20(=0,03 x 1.534.906,72)

- Ano da conclusão e início da utilização do imóvel: 2007

- Período ainda não decorrido até perfazer 20 anos, tendo como referência/início de contagem o ano de 2007 e 2011 como ano da regularização para efeitos de IVA: 16

- IVA a regularizar a favor do Estado nos termos da al. b) do n.º 6 do art.º 24 do CIVA, último período de 2011: €1.191.087,61 [= 16/20 x (1.534.906,72 – 46.047,20)].» Cf PA fls. 35;

mmm)   Em 20 de Outubro de 2014, a ora Requerente foi notificada do RIT, no qual a AT promove dois tipos de correções decorrentes da alteração do enquadramento em IVA da Requerente, por si operada oficiosamente: 1. Reposição do IVA deduzido nos exercícios de 2011 a 2013 relativo às operações passivas, por passar, “a ‘sujeito passivo misto” (cf. RIT – cit. Doc. n.º 132, pg. 10); 2. Regularização do IVA deduzido relativo a imóveis;

nnn)          As correções operadas, que se referem a “imposto a considerar indevidamente deduzido nos termos dos artigos 20º e 23º do CIVA, ascendem a € 474.353,00 em 2011, € 512.439,20 em 2012 e € 356.524,73 em 2013” (cf. RIT – cit. Doc. n.º 132, p. 14).

 

10.2. Factos não provados

 

Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

10.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

A decisão proferida quanto à matéria de facto tem por base as posições assumidas pelas partes e não contestadas, a análise crítica dos documentos juntos aos autos pelas partes (entre os quais o Relatório da Inspecção Tributária) e por estas não impugnados, não havendo controvérsia sobre eles.

 

III.2. Matéria de direito

 

11. Resulta do exposto que na situação controvertida está em causa saber se os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, que optaram pela tributação em IVA por se considerarem não integrados no sistema nacional de saúde, preenchendo portanto as condições previstas no artigo 12.º do CIVA para a renúncia à isenção, devem ou não continuar a ser considerados para tanto elegíveis quando celebram protocolos ou acordos com entidades públicas pertencentes ao serviço nacional de saúde, a fim de prestarem aos beneficiários desses subsistemas prestações de cuidados de saúde abrangidas pela norma de isenção do nº 2) do artigo 9º do aludido Código.

 

Mais concretamente, a AT parece pretender agora, ao contrário do que vinha sendo pacificamente entendido até, pelo menos, 2008, que a mera celebração, por parte de uma entidade privada com actividade no domínio da saúde, de um único protocolo de prestação de cuidados com uma entidade pública, ou subsistema público de saúde - por exemplo, a D… ou uma administração regional de saúde - implica que tal entidade deixe de estar sujeita a IVA, por renúncia à isenção, passando automaticamente a ser um sujeito passivo isento, sem condições de exercer o direito à renúncia, independentemente de demonstrar que a maior parte da sua actividade continua a ser a prestação de cuidados de saúde em condições de mercado livre, distintas das condições em que os mesmos cuidados são prestados aos cidadãos beneficiários do serviço nacional de saúde.

 

12. As isenções para a saúde

 

12.1. Modalidades de isenções

 

Foi com a Sexta Directiva que se procurou uniformizar as isenções nas transacções internas que os Estados membros poderiam conceder, dado que na Segunda Directiva esta matéria foi deixada ao critério exclusivo do legislador nacional.

A principal preocupação subjacente ao regime das isenções previsto na Sexta Directiva foi a de estabelecer uma lista comum de isenções de forma a tornar possível, tal como resulta do seu preâmbulo, que os recursos próprios sejam cobrados de modo uniforme em todos os Estados membros.

            As isenções, todavia, com excepção das que se relacionam com o comércio exterior, constituem um entrave significativo ao funcionamento neutro do imposto, como é amplamente reconhecido. Com efeito, embora, por motivos de natureza económica e social, ou por motivos de ordem técnica, o sistema tenha de prever exonerações de imposto, é desejável limitar estritamente os casos de isenção e proceder aos aligeiramentos necessários através da aplicação de taxas reduzidas, de forma a permitir, por regra, o exercício do direito à dedução do imposto suportado.

            Como é sabido, em IVA, existem duas modalidades de isenções atendendo à possibilidade do exercício do direito à dedução[39]. Por um lado, temos as isenções completas, totais, plenas, ou que conferem o exercício do direito à dedução do IVA suportado.

            Nestas isenções, tal como a própria designação o indica, o sujeito passivo beneficiário não liquida imposto nas suas operações activas (transmissões de bens ou prestações de serviços efectuadas) e tem o direito a deduzir o IVA suportado para a respectiva realização. Caso estas isenções sejam estabelecidas em estádios intermédios, não há interrupção da cadeia de deduções, não há efeitos cumulativos e as consequências sobre a receita são nulas, uma vez que as taxas intermédias são “imateriais”. A taxa final (não nula) se encarregará de recuperar a receita — é o conhecido efeito de recuperação positivo. Se forem estabelecidas no estádio final, assistir-se-á à desoneração completa do conteúdo fiscal e o vendedor deduz o IVA que onerou os respectivos inputs, desaparecendo do valor do bem qualquer conteúdo fiscal, ostensivo ou oculto. Contrariamente às isenções simples, estas isenções não alteram as qualidades de neutralidade do IVA e têm o efeito de proteger totalmente do imposto o consumo do bem ou serviço a que essa isenção completa se aplica, pelo que se afiguram como a solução indicada para prosseguir objectivos de equidade na tributação do consumo, quando tais objectivos exijam uma completa exoneração dos encargos fiscais relativamente a certos bens e serviços[40].

            Nas denominadas isenções incompletas, simples, parciais, ou que não conferem o exercício do direito à dedução do IVA suportado, como é o caso das isenções relativas à saúde que aqui nos ocupam, o sujeito passivo beneficiário não liquida imposto nas suas operações activas, mas não tem o direito a deduzir o IVA suportado para a respectiva realização[41].

Nas isenções incompletas, o operador encontra-se, assim, fora do mecanismo do imposto, sendo tratado como um consumidor final, ao passo que nas isenções completas, ou nas situações de tributação à taxa zero, o operador faz parte integrante do mecanismo do imposto, podendo deduzi-lo nos termos gerais. Assim sendo, facilmente se conclui que a isenção simples pode ser desvantajosa para os operadores produtivos e até prejudicar a sua capacidade de concorrência. A não liquidação de IVA nas vendas ou prestações de serviços por eles efectuadas pode não compensar a impossibilidade  de obter  crédito do imposto suportado,  sobretudo daquele que incide sobre investimento em bens duradouros.

            Isto é, as isenções simples adulteram as propriedades de neutralidade do tributo. Se atribuídas a operadores "intermediários" no circuito económico de bens e de serviços, originam tributação em cascata, deixando o encargo fiscal de proporcionar-se exactamente ao valor do consumo. É por isso que, idealmente, tais isenções devem ser previstas com parcimónia, estão harmonizadas no sistema comum europeu do IVA e as regras que as preveem são interpretadas restritivamente.

            Por este motivo, o legislador comunitário veio permitir, em casos excepcionais, que os Estados membros concedessem o direito à renúncia de certas isenções, passando os sujeitos passivos a aplicar o imposto nos termos gerais, i.e., a liquidar e deduzir o IVA suportado, de forma a não encarecer o preço das suas operações. Entre estes casos encontra-se, precisamente, a isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA, entre nós transposta no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA.

            Na selecção das operações isentas do imposto sobre o valor acrescentado, o legislador comunitário inspirou-se, aquando da adopção da Sexta Directiva, por um lado, nas isenções já existentes nos Estados membros, por outro lado, tentou limitar o número de isenções, dado as mesmas consubstanciarem uma excepção ao princípio geral de que todas as prestações de serviços e transmissões de bens efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo estão sujeitas a IVA e porem em causa o princípio da proporcionalidade[42].

            Assim, essencialmente por motivos de ordem social, cultural e política, a Directiva IVA, na senda da Sexta Directiva, prevê uma série de isenções, que, todavia, se aplicam a um conjunto restrito de serviços, dada a base de incidência alargada do IVA.

 

12.2. As regras da Directiva IVA

 

Na Directiva IVA a regulamentação das isenções encontra-se sistematizada distinguindo “isenções em benefício de certas actividades de interesse geral”, “isenções em benefício de outras actividades” (isenções internas), “isenções relacionadas com as operações intracomunitárias e isenções na importação”, “isenções na exportação”, “isenções aplicáveis aos transportes internacionais”, “isenções aplicáveis a determinadas operações assimiladas a exportações”, “isenções aplicáveis a prestações de serviços efectuadas por intermediários” e “isenções aplicáveis a operações relacionadas com o tráfego internacional de bens”.

As prestações de serviços no domínio da saúde, quer as prestadas directamente pelos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, paramédicos) quer as referentes a hospitalização e cuidados médicos prestados por organismos de direito público ou entidades privadas trabalhando em condições sociais análogas, são, em princípio, isentas de imposto. É o que se conclui das alíneas b) e c) do artigo 132º da Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006, relativa  ao sistema  comum do imposto sobre  o valor  acrescentado. 

A  solução de  isentar estas[43] prestações de serviços tem origem na Sexta Directiva IVA,  antecessora  da  actualmente  vigente Directiva IVA.

No âmbito das prestações de serviços de saúde, a harmonização conduziu à isenção de IVA para "hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos" (alínea b) do artigo 13 A, 1da Sexta Directiva, que corresponde ao artigo 132.º, alínea b) da Directiva IVA) e também para "as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado membro em causa" (alínea c) do artigo 13 A, da Sexta Directiva, que corresponde ao artigo 132º, alínea c) da Directiva IVA).

Contudo, o sistema comum permite, em regime transitório ou derrogatório, que os Estados membros isentem os estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza, mesmo que não sejam reconhecidos como praticando condições sociais análogas às dos organismos de direito público. É o que actualmente consta do ponto 7 da parte B do Anexo X à Directiva IVA ("Operações que os Estados-membros podem continuar a isentar") - Anexo que corresponde ao Anexo F da Sexta Directiva, onde a isenção que nos ocupa estava prevista no respectivo n.º 10.

As disposições da Directiva IVA são, no essencial, idênticas às disposições correspondentes da 6.ª Directiva.

            As isenções de interesse geral na área da saúde estão contempladas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA. Para além da sua frase introdutória, as isenções previstas no artigo 132.°, n.° 1, alíneas b) e c), da Directiva IVA estão redigidas de forma idêntica às do artigo 13.°, A, n.° 1, alíneas b) e c), da Sexta Directiva.

            Na alínea b), a Directiva IVA determina que os Estados devem isentar “a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos.”

Por seu turno, a alínea c) manda exonerar de imposto “as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa”.

O objectivo subjacente à concessão destas isenções é o de não onerar as prestações de serviços de saúde, assegurando que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA, i.e, em reduzir os custos médicos para os utentes e promover os cuidados de saúde[44]. Com efeito, estão em causa isenções em benefício de certas actividades de interesse geral, actividades específicas destinadas a prosseguir fins socialmente úteis, como a assistência médica. É ponto assente que o objectivo comum quer às isenções previstas na alínea b) quer às previstas na alínea c), é reduzir o custo dos cuidados de saúde e tornar esses cuidados mais acessíveis aos particulares [45].

A fim de determinar quais as prestações susceptíveis de beneficiarem destas isenções, é necessário atender não só ao teor literal dos preceitos, como também à razão de ser dos regimes de isenção de IVA aqui previstos. O problema foi objecto de vários arestos do TJUE, que são assim decisivos para estabelecer os contornos exactos das isenções matéria de prestações de saúde.

A Directiva IVA estabelece o regime de isenção (incompleta, sem direito à dedução) como regime-regra da prestação de serviços de hospitalização e de assistência médica quando esses serviços sejam prestados por organismos de direito público. Adicionalmente, a Directiva isenta tais serviços quando efectuados por estabelecimentos hospitalares e centros de assistência médica e de diagnóstico em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos públicos.

Assim o artigo 132.º, n.º 1 da Directiva IVA determina o seguinte:

“1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

a) (…)

b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;

(…)”

Qual o alcance desta isenção? Para a respectiva aplicação importa verificar do preenchimento simultâneo de requisitos objectivos relativos à natureza das operações e de requisitos subjectivos relativos à qualidade da entidade que as pratica. Quanto aos primeiros, as prestações fornecidas são: (i) a hospitalização ou a assistência médica, ou (ii) operações estreitamente conexas com a hospitalização ou com a assistência médica. Relativamente aos segundos: (iii) o prestador de serviços deve ser um organismo de direito público, ou (iv) deve fornecer as prestações em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público e, (v) deve tratar-se de um estabelecimento hospitalar ou um centro de assistência médica e de diagnóstico ou outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos.

À face da alínea b) supra, fora das situações em que os prestadores sejam organismos públicos ou que, não o sendo, prestem serviços médicos em condições análogas às destes organismos, a disciplina geral que resulta em primeira linha da Directiva IVA é a da tributação em IVA, à taxa normal, ou à taxa reduzida se os Estados membros exercerem a prerrogativa consagrada no artigo 98.º da Directiva IVA (em conjugação com o Anexo III).

Note-se ainda que, como iremos de seguida analisar, o legislador comunitário permitiu que os Estados membros previssem a faculdade de renúncia à isenção.

 

12.3 As regras nacionais

 

As isenções de IVA em matéria de prestações de serviços na área da saúde constam dos n.ºs 1,2,3, 4 e 5 do artigo 9.º do CIVA, os quais, por seu turno, reflectem as disposições correspondentes da Directiva IVA que são as alíneas b), c), d), e) e p) do n.º 1 do artigo 132º.

O n.º1 do artigo 9 manda exonerar de IVA “as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas” e o nº 2 “as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.

O alcance de algumas dessas isenções, e em especial, no caso que aqui nos ocupa, as previstas nos n.ºs 1 e 2 do referido artigo 9.º, tem suscitado dúvidas, não só entre nós, como em outras jurisdições, e algumas dessas questões têm sido levadas ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), quer em processos de reenvio prejudicial, quer em acções por incumprimento de Estado.

Entre nós, o problema da interpretação dessas normas tem sido sobretudo levantado para determinar a legitimidade da renúncia à isenção por parte de entidades privadas com actividade na área da saúde.

No Tratado de Adesão de Portugal e Espanha às Comunidades Europeias, pode ler-se que a República Portuguesa foi autorizada a isentar de IVA as operações daquele nº 10 do Anexo F da Sexta Directiva.

Decorre da 6ª Directiva, no seu artigo 28º, 3, b), que os Estados-membros podem conceder, em regime transitório, aos sujeitos passivos a faculdade de optarem pela tributação nas condições fixadas no Anexo G, faculdade que a Directiva IVA manteve no respectivo artigo 373.º[46].

O legislador português usou de ambas as faculdades. Assim, no artigo 9.º, n.º2, do CIVA, acolheu a isenção das "prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares"; e, no artigo 12.º, concedeu aos "estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas" a faculdade de "renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações".

Portugal, ao abrigo de um regime de excepção constante do artigo 377.º da Directiva IVA, usou da faculdade de isentar também estes estabelecimentos hospitalares privados, ou seja, aqueles que não prosseguem a sua actividade em condições sociais análogas aos estabelecimentos hospitalares públicos (cf. artigo 377.º da Directiva IVA).

Atento o que ficou exposto, e fazendo uso da terminologia da Directiva IVA, para efeitos deste artigo 12.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA, apenas podem ser consideradas como “instituições privadas não integradas no sistema nacional de saúde” com direito à renúncia, os estabelecimentos hospitalares privados que não prossigam a sua actividade em condições sociais análogas às que vigoram para os estabelecimentos hospitalares públicos. Isto é, a Requerente é abrangida pela referida opção de renúncia à isenção se não prosseguir a sua actividade em condições sociais análogas aos mencionados estabelecimentos públicos.

Ora, sucede precisamente que surgiram, ultimamente, dúvidas quanto ao âmbito subjectivo desta renúncia à isenção. Quais são afinal os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares que podem renunciar à isenção? Que significa a fórmula da lei "não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde"?

 

13. Interpretação das normas de isenção

 

13.1 Aspectos gerais

 

O TJUE tem vindo a desenvolver, ao longo destes anos, jurisprudência relevante sobre a matéria das isenções em geral, nomeadamente sobre as respectivas características e objectivos, e, em especial, no tocante às situações concretas acolhidas na Directiva IVA. A jurisprudência do Tribunal sobre as isenções tem-se fundamentado, essencialmente, nos princípios gerais de interpretação que tem desenvolvido, em especial, o princípio da interpretação estrita, o princípio da interpretação sistemática e o princípio da interpretação uniforme, salientando igualmente, em especial, a necessidade de respeitar o princípio da neutralidade.

Mas importa desde logo sublinhar que estamos perante normas de Direito da União Europeia e que, enquanto tal, como nota o TJUE, “Para efeitos de interpretação de uma disposição de direito comunitário, há que ter em conta os seus termos, bem como o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada”.[47]

O princípio da interpretação estrita das isenções é aquele que mais frequentemente tem vindo a ser invocado pelo TJUE. É jurisprudência constante que, com alguns matizes, as isenções devem ser objecto de interpretação estrita, quer no que toca aos prestadores de serviços, quer relativamente ao tipo de actividades que devem ser isentas[48].

Segundo o TJUE, dado que a Sexta Directiva desenhou uma base de incidência do IVA muito alargada, abrangendo todas as actividades económicas de produção, comercialização ou de prestação de serviços, é possível enunciar o princípio geral de acordo com o qual o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre todo e qualquer fornecimento de bens ou qualquer prestação de serviços efectuados a título oneroso por um sujeito passivo[49]. Neste contexto, atendendo a que as isenções consubstanciam derrogações a este princípio, os termos utilizados para designar as isenções visadas pelo artigo 13.º da Sexta Directiva devem ser interpretadas de forma estrita[50]. Para este efeito, dado as disposições daquele preceito terem um carácter exaustivo[51], e deverem ser expressas e precisas[52], na sua interpretação deve atender-se sobretudo ao critério de interpretação literal[53]. Como consequência, deverá evitar-se o recurso a interpretações extensivas que alarguem o alcance daquelas disposições cuja redacção é suficientemente precisa, pois tal é incompatível com o seu objectivo que é o de isentar apenas e tão só as actividades nele enumeradas e descritas[54].

Todavia, a interpretação desses termos deve ser feita em conformidade com os objectivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA. Assim, esta regra da interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 132º devam ser interpretados de maneira a privá‑las dos seus efeitos[55].

No mesmo sentido, o Advogado‑geral F. G. Jacobs, distinguindo as noções de interpretação “estrita” e de interpretação “restritiva”, referiu que “as isenções de IVA devem ser estritamente interpretadas, mas não devem ser minimizadas por via interpretativa. […] Como corolário, as limitações das isenções não devem ser interpretadas restritivamente, mas também não devem ser analisadas de forma a irem além dos seus termos. Quer as isenções, quer as suas limitações, devem ser interpretadas de tal forma que a isenção se aplique ao que se pretendia aplicar e não mais.”[56]

Posteriormente ao Acórdão Stichting[57], o TJUE afirmou repetidamente, de modo geral, que “os termos utilizados para designar as isenções visadas no artigo 13. da Sexta Directiva devem ser interpretados restritivamente dado que constituem derrogações ao princípio geral de acordo com o qual o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo”. Por outro lado, esclareceu que não pode ser dado um alcance extensivo às isenções na falta de “elementos interpretativos” que permitam ir para além da letra das disposições que os preveem[58].

Em síntese, poderá afirmar-se que o TJUE entende que na interpretação das normas de isenção se deve atender sobretudo ao elemento literal, mas que uma interpretação estrita não poderá nunca privar de efeito útil as regras da Directiva IVA.

No que se reporta à interpretação sistemática das isenções, o TJUE tem vindo a afirmar que os conceitos utilizados nas normas das isenções são conceitos independentes de direito comunitário que devem ser situados no contexto geral do sistema comum do IVA[59]. Nestes termos, tem vindo a salientar que o conteúdo das isenções não pode ser livremente alterado pelos Estados membros, dado que estão em causa conceitos autónomos de direito comunitário, excepcionando-se o caso de o Conselho o permitir[60]. Assim, é jurisprudência assente que as isenções previstas no artigo 13° da 6ª Directiva constituem conceitos autónomos do Direito da União que têm por objectivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado membro para outro[61].

É habitual ainda, neste contexto, afirmar-se que as isenções em sede de IVA assumem uma natureza objectiva, ou seja, para efeitos da sua concessão releva essencialmente a natureza da actividade prosseguida e não a natureza jurídica da entidade que prossegue a actividade, embora, na realidade, tal não se verifique exactamente nestes termos quanto às isenções que nos interessam para efeitos da nossa análise.

 

13.2 O âmbito subjectivo da renúncia à isenção na área da saúde

 

Como vimos, o objectivo do regime de isenção aplicável aos cuidados de saúde consiste em assegurar que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA e, por conseguinte, em reduzir os custos médicos para os utentes e nessa medida promover os cuidados de saúde.

Assim sendo, a concessão da faculdade de renúncia à isenção é uma forma de restaurar o direito a deduzir o imposto que constitui a pedra angular de todo o sistema do IVA, eliminando imposto “oculto” (o IVA não deduzido), que penaliza os sujeitos passivos, mesmo que estes se situem no último estádio da cadeia de produção, em particular em fases de investimento significativo, caracterizadas por aquisições vultuosas, permitindo-lhes serem tributados pelo regime normal (na presente situação à taxa reduzida, constante da verba 2.7, da Lista I anexa ao Código do IVA) e assim recuperarem o IVA incorrido.

 

Vimos que a alínea b) do n.º 1do artigo 12.º, determina que:

"Podem  renunciar  à isenção, optando pela aplicação  do imposto às suas  operações:

a) ........

b) Os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexa."

Para renunciar à isenção, os estabelecimentos em causa não poderão pertencer a pessoas colectivas de direito público nem a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde.

Assim, não podem renunciar à isenção os hospitais públicos, pertencentes ao Estado ou a quaisquer pessoas colectivas públicas.

O que se entende por estabelecimentos não pertencentes a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde é precisamente o que está em causa no presente processo.

No tocante aos estabelecimentos pertencentes a sociedades comerciais, com escopo lucrativo, entendia a AT até há pouco que não estariam integrados no sistema nacional de  saúde, podendo, portanto, renunciar à isenção de IVA, aplicando o imposto às suas operações. E isto sem distinção entre os estabelecimentos de sociedades que celebraram acordos com o Ministério da Saúde ou com Administrações Regionais de Saúde ou outros subsistemas públicos de saúde e os que não tivessem celebrado semelhantes acordos.

A mudança de entendimento por parte da AT baseia-se no conceito de sistema nacional de saúde, constante o texto legal, que determina o âmbito subjectivo do direito à isenção.

Segundo o entendimento da administração fiscal, para a correcta interpretação do artigo 12.º o conceito de sistema nacional de saúde deve ir buscar-se à Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro). E, de acordo com tal entendimento, o conceito a adaptar na interpretação do artigo 12.º, seria o reflectido no n.º 1da Base XII da citada Lei de Bases:

"O sistema de saúde é constituído pelo Serviço Nacional de Saúde e por todas as entidades públicas que desenvolvam actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde, bem como por todas as entidades privadas e por todos os profissionais livres que acordem com a primeira a prestação de todas ou de algumas daquelas actividades. "

Em conformidade com o aludido entendimento, as entidades privadas que acordem com o Estado a prestação de actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde ficam a pertencer ao Sistema Nacional de Saúde, o que, em termos de IVA, se traduz no facto de não poderem renunciar à isenção em causa.

Pretende ainda a Administração Tributária que este entendimento decorre da jurisprudência comunitária, especialmente dos Acórdãos proferidos nos Processos 141/00 e 45/01, em que se discutiu  o que deve entender-se para os efeitos da isenção prevista na então Sexta Directiva, por "organismos devidamente reconhecido pelos Estados-membros".

Ora, não se nos afigura que a correcta definição do âmbito subjectivo da renúncia à isenção possa ser determinada por um alegado conceito de Sistema Nacional de Saúde constante da Lei de Bases da Saúde e que a jurisprudência comunitária tenha esse significado que a AT pretende agora vir atribuir.

Desde logo, a Lei de Bases da Saúde não define Sistema Nacional de Saúde. A Base XII,  cuida do "sistema de saúde" e não do Sistema Nacional de Saúde.

O âmbito subjectivo da isenção em apreço não pode ser determinado por simples remissão para a Lei de Bases. Não existe um conceito legal de sistema nacional de saúde, ínsito na referida Lei de Bases. Ao disciplinar, no seu Capítulo II, as "entidades prestadoras dos cuidados de saúde em geral", a Lei define, pelo menos, três conjuntos: o sistema de saúde (nº 1 da Base XXII), o Serviço Nacional de Saúde (nº 2) e a "rede nacional de prestação de cuidados de saúde" (nº 4).

O Serviço Nacional de Saúde tem uma definição unívoca, na Base XII, nº 2: é constituído pelos organismos do Estado que operam na área da saúde. As suas características estão elencadas na Base XXIV:

"O Serviço  Nacional de Saúde caracteriza-se  por:

f)   Ser universal quanto à população abrangida;

g)  Prestar integradamente cuidados globais ou garantir a sua prestação;

h)  Ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos;

i)    Garantir a equidade no acesso dos utentes, com o objectivo de atenuar os efeitos das desigualdades económicas, geográficas e quaisquer outras no acesso aos cuidados;

j)    Ter organização regionalizada e gestão descentralizada e participada."

É sabido que a Lei Geral Tributária, no seu artigo 11.º, n.º 2, determina que "sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei." Todavia, são diversos os elementos que demonstram, neste caso, que a lei fiscal não empregou serviço nacional de saúde em sentido técnico, mesmo ignorando que a expressão "serviço nacional de saúde" não tem correspondência exacta na Lei de Bases da Saúde.

Desde logo, o CIVA é muito anterior à Lei de Bases da Saúde, e o artigo 12.º não sofreu qualquer modificação no que se reporta à utilização daquela expressão.

Como refere o Professor Xavier de Basto no seu Parecer em anexo[62], “O legislador do CIVA - posso afirmá-lo com segurança - não tomou como paradigma qualquer conceito do direito nacional ao delinear o conjunto de estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares a que queria atribuir o direito a renunciar à isenção do imposto. Usou nesta norma a noção de serviço nacional de saúde com um  sentido paralelo àquele em que, na regra de isenção de IVA para os serviços de educação, usou a noção Serviço Nacional de Educação. Aí como aqui, o direito de referência não foi o direito  nacional, mas antes o direito comunitário.

Tratava-se de legislar respeitando a directiva comunitária. No caso  da  saúde,  a  norma de referência, a verter para o direito fiscal nacional, era a disposição da então 6.ª directiva IVA (hoje directiva 2006/112) que delimita o alcance da isenção de IVA para os estabelecimentos não  pertencentes  a  organismos  de  direito  público  e,  reflexamente, como vimos, determina também o âmbito subjectivo da isenção.

(…)

O legislador nacional usou a expressão "instituições privadas não integradas no sistema nacional de saúde" para abranger, como resulta do direito  comunitário,  entidades privadas, que trabalham na área dos serviços médicos e sanitários e outros com estes conexos em condições sociais diferentes das que são praticadas nos estabelecimentos públicos. Esta é a boa interpretação, a nosso ver, do artigo 12º quanto ao alcance subjectivo do direito à renúncia.”

E se queremos ainda melhor segurança de que é assim - e que a expressão  "não integradas no sistema nacional de saúde" não tem de entender-se no sentido aproximado que resulta da Lei de Bases da Saúde - basta que atentemos que o próprio legislador do CIVA  não  foi  unívoco  na  definição  do  que  sejam  as  entidades  privadas  que podem renunciar à isenção. Na verdade, quando se tratou, na "verba" 2.7 da Lista I anexa ao CIVA, de estabelecer a taxa reduzida aplicável às prestações de serviços médicos e operações conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares que, nos termos do artigo 12º do CIVA, podem renunciar à isenção, o legislador usou a expressão "Serviço Nacional de Saúde" (com letras maiúsculas), e não a alternativa sistema  nacional de saúde  (com letras minúsculas), que usara no artigo 12º,  nº 1. E a norma constante daquela "verba" até foi introduzida posteriormente à publicação do CIVA, que inicialmente não previa taxa reduzida para aquelas prestações de serviço.”

Assim sendo, concluímos que a lei fiscal não utilizou estas expressões em sentido técnico no sentido que elas têm no ramo de direito a que pertencem.

Não existindo um reconhecimento expresso e casuístico dos estabelecimentos que praticam as tais "condições sociais análogas" de que fala a directiva, a correcta delimitação deve atender ao escopo das pessoas jurídicas implicadas, e à forma como os serviços são prestados. O legislador nacional, tomando como paradigma a norma relevante da 6ª directiva, só excluiu da renúncia à isenção os hospitais, clínicas, dispensários e similares pertencentes a pessoas colectivas públicas e a instituições privadas que se integrem na chamada "economia social". Nestes termos, as normas do CIVA (n.º 1do artigo 12.º e verba 2.7 da Lista 1) não excluem do direito à renúncia sociedades comerciais que tenham celebrado com o Serviço Nacional de Saúde acordos de prestação de serviços médicos. Não é a existência desses acordos que integra, sem mais, essas entidades no sistema nacional de saúde, para efeitos do CIVA, transformando-as em operadores do sector social da economia.

 Acresce que tal entendimento, ao contrário do invocado pela AT, não é posto em causa pela jurisprudência do TJUE sobre a matéria, antes pelo contrário.

Não obstante não existirem decisões jurisprudenciais do TJUE que tratem especificamente sobre a questão de saber quando é que um estabelecimento hospitalar privado efectua prestações em condições sociais análogas às que vigoram para os “organismos de direito público” o Tribunal tem-se pronunciado em diversas ocasiões sobre os requisitos que se devem verificar para que uma entidade privada possa ser considerada como “outro estabelecimento da mesma natureza [a estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico] devidamente reconhecido” praticando condições análogas às impostas às pessoas colectivas de direito público, para efeitos do artigo 132.º, n.º 1, alínea b) da Directiva IVA e consequente aplicação do regime de isenção.

Neste contexto vejam-se os Acórdãos Dornier[63],, o Acórdão L.u.p[64], e mais recentemente, o Acórdão Copy Gene[65]. Nos três casos, estava em causa o conceito de "organismo devidamente reconhecido" pelo Estado membro como praticando condições análogas às impostas pelos organismos similares de pessoas colectivas de direito público, Mesmo não havendo reconhecimento expresso, o Tribunal forneceu critérios para a determinar em que condições deve uma entidade privada ser considerada "outro estabelecimento da mesma natureza devidamente reconhecido", para efeitos do artigo 132.º n.º 1, alínea b) da Directiva IVA. No Caso Copy Gene o Tribunal, recordando o que já havia afirmado em processos anteriores, veio estabelecer os seguintes critérios para aquele efeito:

"A este respeito, para determinar os estabelecimentos que devem ser «reconhecidos» na acepção da referida disposição, cabe às autoridades nacionais, em conformidade com o direito da União e sob a fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais, tomar em consideração vários elementos, entre os quais figuram o carácter de interesse geral das actividades do sujeito passivo em causa, o facto de outros sujeitos passivos que têm as mesmas actividades beneficiarem já de um reconhecimento semelhante, bem como o facto de os custos das prestações em questão serem eventualmente assumidos em grande parte por caixas de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Kügler, n.ºs  57 e 58; Dornier, n.º 72 e 73; e L.u.P., n.º 53). "[66]

ooo)         Um dos critérios apontados é o de quem suporta os custos das prestações. O Tribunal admite que a contratação com caixas de seguro ou organismos de segurança social - supostamente organismos públicos - seja um indício a ter em conta para que prestador tenha a qualificação de organismo reconhecido como praticando condições análogas às dos organismos públicos - portanto isento de IVA para os efeitos da Directiva (e, consequentemente, impossibilitado de renunciar à isenção). Mas é claro que só o admite se os custos das prestações forem "assumidos em grande parte por caixas de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social", pois só assim as condições sociais análogas poderão estar verificadas.

O Acórdão Ines Zimmermann vai ainda mais longe ao confirmar que uma actividade que é em cerca de dois terços assumida por organismos de segurança social constitui “um elemento que pode ser tomado em consideração para determinar os organismos cujo «carácter social», na acepção do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Directiva [actual 132.º, n.º 1, b) da Directiva IVA], deve ser reconhecido para efeitos desta disposição” [67].

No Projecto de Relatório da Inspecção Tributária efectuada à lntercir, a AT concluiu que o facto de existirem acordos ou protocolos com entidades públicas é, de per si, suficiente, sem mais considerações, para que aquelas condições fiquem preenchidas e, consequentemente, impossibilitar a renúncia à isenção nos termos do artigo 12.º, não chegando sequer a indagar se os custos das prestações são assumidos pelos dois subsistemas públicos de saúde que livremente contrataram com a A… a prestação dos serviços médicos em "pequena" ou em “grande” parte.

Ora, a mera circunstância de se ter celebrado acordo com subsistemas públicos de saúde não pode levar a concluir que uma sociedade comercial operando na área da saúde fica qualificada, para os efeitos do IVA, como pertencendo ao sistema nacional de saúde.

Note-se que já este Tribunal se pronunciou no mesmo sentido numa situação idêntica no Processo 278/2013-T que cumpre chamar à colação e cujas principais conclusões passamos a reproduzir:

“O legislador português optou pela formulação de um requisito negativo aplicável às “instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde” (aquelas que não podem renunciar à isenção). O sentido desta expressão não pode deixar de corresponder ao de entidades que prestem serviços em condições sociais análogas às dos organismos públicos, pois esse é o conceito definidor da Directiva IVA subjacente à norma interna de transposição como acima explicitado.

(…)

Este paralelismo ou colagem à Lei de Bases da Saúde não se justifica por múltiplas razões.

Desde logo, a locução “sistema nacional de saúde” não consta de nenhum dos conceitos da Lei de Bases da Saúde.

Na verdade, não existe uma definição legal de “sistema nacional de saúde” na legislação portuguesa e do ponto de vista linguístico a expressão contém duas palavras comuns, quer ao “sistema de saúde”, quer ao “Serviço Nacional de Saúde”, sendo que este último conceito exclui os estabelecimentos privados.

Por outro lado, a Lei de Bases da Saúde, que introduz o conceito de sistema de saúde é posterior à redacção do Código do IVA (surgiu em 1990 e o Código remonta a 1984), pelo que cronologicamente este não lhe poderia fazer referência e, no que toca ao uso da expressão empregue no artigo 12.º, n.º 1, alínea b) do citado Código, até hoje não sofreu qualquer modificação.

Já o conceito de Serviço Nacional de Saúde existia à data da publicação do Código do IVA, e estava em vigor desde 1979, através da Lei n.º 56/79, de 15 de Setembro, que criou o Serviço Nacional de Saúde, que, refira-se, apenas abrange os órgãos e serviços públicos na dependência do Ministério da Saúde, excluindo, portanto, os estabelecimentos privados.

Assim, atendendo aos elementos histórico e sistemático o único conceito existente na lei portuguesa e para o qual o Código do IVA poderia remeter à data da sua publicação era o conceito de “Serviço Nacional de Saúde” (e não o conceito de sistema de saúde cujo recorte surge seis anos após a publicação do Código do IVA).

Acresce que a Lei do Orçamento do Estado para 1999 (Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro), que foi promulgada quando já estão legalmente definidos e assentes ambos os conceitos de “Serviço Nacional de Saúde” e “sistema de saúde”, faz uma referência explícita à renúncia à isenção prevista no artigo 12.º, n.º 1, alínea b) aqui em análise, indicando que, em relação a esta, estão em causa as instituições privadas integradas no Serviço Nacional de Saúde.

Esta indicação consta da nova redacção da verba 2.7 da Lista I anexa ao Código do IVA, que vem clarificar a aplicação da taxa reduzida de imposto às prestações de serviços médicos realizadas por sujeitos passivos que optaram pela renúncia à isenção, e estabelece uma conexão expressa entre a renúncia à isenção e o Serviço Nacional de Saúde (e não com o “sistema de saúde”) como se ilustra infra:

(…)

Afigura-se, porém, que em rigor o Código do IVA não pretende fazer qualquer remissão ou reenvio para um conceito jurídico de direito interno.

É certo que a questão decidenda versa sobre o exercício de um poder discricionário atribuído ao legislador nacional: o de isentar (ou não) determinadas operações (de cuidados de saúde) e o de conceder (ou não) a possibilidade de opção pela tributação relativamente às mesmas.

No entanto, essa margem de liberdade do legislador refere-se a um regime de isenção delimitado por conceitos autónomos de direito comunitário, de entre os quais se destaca o de “condições sociais análogas” às dos organismos públicos.

(…)

Porém, a partir do momento em que o legislador decidiu conceder-lhes (àquelas entidades) essa faculdade (de tributação), o âmbito subjectivo da renúncia não pode ser distinto daquele que está subtraído ao regime obrigatório de isenção, sob pena de violação do parâmetro da neutralidade. Existe uma liberdade de escolha de regime (isenção com ou sem eventual renúncia à isenção), mas não existe a liberdade de conformação do âmbito subjectivo dessa escolha.

Com isto queremos dizer que todas as entidades que não prestem os seus serviços em condições sociais análogas às dos organismos públicos, e que o legislador português optou por isentar, (pelo regime-regra da Directiva IVA seriam tributadas) devem poder beneficiar da faculdade de tributarem as suas operações, se o legislador em simultâneo decidir instituir a faculdade de renúncia à isenção (como sucedeu no caso português).

Segundo o TJUE “no quadro da isenção prevista no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Directiva, tal como decorre dos n.ºs 43 e 52 do presente acórdão, não é em relação aos organismos de direito público que o princípio da neutralidade fiscal exige a igualdade de tratamento em matéria de reconhecimento do carácter social, mas em relação a todos os outros organismos [leia-se, que não sejam de direito público] entre si” – cf. Acórdão de 15 de Novembro de 2012, C-174/11, Ines Zimmermann, ponto 53.

Importa, por conseguinte, determinar o sentido e alcance da expressão “condições sociais análogas” às aplicáveis no sector público, por forma a da mesma retirar “pela negativa” o campo de aplicação da renúncia à isenção do IVA contemplada no artigo 12.º, n.º 1, alínea b) do respectivo Código, que deverá abranger todas as entidades que aí se enquadrem.

(…)

Um dos critérios principais reside, pois, em saber quem suporta o custo das prestações. Para este efeito não basta que os custos das prestações sejam assumidos “em parte” por caixas de seguro de doença ou por outros organismos de segurança social. O TJUE exige que para ser um indício atendível (da equiparação ao sector público) os custos das prestações de serviços sejam assumidos em grande parte pelo sector público, só assim se dando as condições análogas por verificadas. Acompanhamos neste âmbito o parecer do Prof. Xavier de Basto. Os Acórdãos “provam justamente o contrário do que a administração pretende deles retirar”.”

 

IV. Enquadramento do caso controvertido

 

14. Conclusões

 

Do que vimos de expor retiram-se as conclusões que se passam a enunciar.

 

14.1 Legalidade dos actos de liquidação

 

No tocante aos actos de liquidação em apreço são as seguintes as nossas principais conclusões:

            a) O âmbito subjectivo do direito a renunciar à isenção por parte dos estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares determina-se por referência a critérios do Direito da União Europeia, não podendo ser correctamente definido por referência à Lei de Bases da Saúde;

            b) O termo "sistema nacional de saúde", constante do artigo 12.º, n.º 1, do CIVA tem de interpretar-se de acordo com o critério imposto pelas normas aplicáveis da Directiva IVA;

            c) Os termos "Serviço Nacional de Saúde", utilizado na verba 2.7 da Lista I anexa ao CIVA e no artigo 12.º do CIVA, também não deve ser interpretado no sentido técnico;

            d) A noção de sistema nacional de saúde para os efeitos constantes do artigo 12.º do CIVA é uma noção de direito fiscal e deve interpretada de acordo com a Directiva IVA, abrangendo os hospitais, clínicas, dispensários e similares pertencentes a pessoas colectivas públicas e a instituições privadas que se integrem na chamada "economia social", como sejam as Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS), as Misericórdias e outras entidades de escopo não lucrativo;

            e) Esta noção não abrange sociedades comerciais, mesmo que estas tenham celebrado acordos com o Estado para a prestação de alguns cuidados de saúde;

            f) Assim sendo, mesmo após a celebração desses acordos, as sociedades em causa continuam a poder exercer a renúncia a isenção, se antes o não tiverem feito, ou a manter-se no regime de tributação, se tiverem para o efeito exercido previamente o direito à renúncia;

            g) Nestes termos, conclui-se que a A… não integra o sistema nacional de saúde;

            h) Exerce de forma predominante a sua actividade de prestação de cuidados médicos em condições normais de mercado, não exercendo a sua actividade médica em condições sociais análogas às de um organismo público, pelo qual pode exercer o seu direito à renúncia à isenção de IVA, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA, sendo por isso ilegal, por violação daquela norma e da al. b) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA, o enquadramento da Requerente como sujeito passivo isento quanto às operações realizadas no âmbito dos serviços médicos, o que inquina de ilegalidade as liquidações contestadas, que devem ser anuladas com este fundamento.

 

14.2 Reenvio prejudicial e regularizações das deduções

 

Relativamente aos restantes vícios alegados e pedidos subsidiários, o conhecimento dos mesmos encontra-se prejudicado pela declaração de ilegalidade das liquidações de IVA, assente em vício substantivo que impede a respectiva reedição ou renovação.

Nestes termos, face à interpretação material preconizada fica prejudicado o conhecimento e a apreciação dos demais vícios imputados aos actos de liquidação.

No tocante ao pedido de reenvio prejudicial, não se revela imprescindível para o julgamento da causa, existindo jurisprudência suficiente que nos elucida sobre o sentido e alcance das normas em apreço, pelo que se conclui que não deve ser formulado.

 

V. Dispositivo

 

Nestes termos, acorda este colectivo de árbitros:

 

d)      Julgar procedente a excepção dilatória de incompetência para este tribunal ordenar a extinção do processo executivo;

e)      Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios objecto desta acção e, em consequência, anular, com fundamento na violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA e da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA, as liquidações de IVA e de juros compensatórios indicadas nas alíneas a) a f) do n.º1, no montante global peticionado de € 2.779.626,05 (dois milhões, setecentos e setenta, nove mil e seiscentos e vinte e seis euros e cinco cêntimos).

 

* * *

Fixa-se o valor do processo em € 2.779.626,05 (dois milhões, setecentos e setenta e nove mil e seiscentos e vinte e seis euros e cinco cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

 

* * *

O montante das custas é fixado em € 35.802,00 (trinta e cinco mil e oitocentos e dois euros) a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por nós revistos.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 4 de Novembro de 2015

 

 

Os Árbitros

 

 

(Fernanda Maçãs)

 

 

(Clotilde Celorico Palma)

 

 

(Sérgio de Matos)

 

 

 



[1] Para analisar a relação entre os dois tipos de isenção, vide o Acórdão de 7 de Dezembro de 2006, Caso Eurodental, Proc. C-240/05, Colect., p. I-04019, n.ºs 23 e ss., e conclusões do Advogado Geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer nesse mesmo processo, n.ºs 24 e ss.

[2] Cfr. José Guilherme Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação a nível internacional, Lições sobre a harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, CCTF n.º 164, Lisboa 1991, pp. 60 e 61.

[3] Artigos 132.° a 137.° da Directiva IVA. É o caso, entre nós, de todas as isenções do artigo 9.º e da isenção do artigo 53.º do Código do IVA.

[4] Veja-se, neste sentido, a Proposta da Comissão de 20 de Junho de 1973 para a Sexta Directiva, Proposition de la sixième directive du Conseil en matière d’harmonisation des législations des États membres relatives aux taxes sur le chiffre d’affaires - Système commun de taxe sur la valeur ajoutée: Assiette uniforme, présentée par la Commission au Conseil, (COM (73) 950 final de 20.6.1973, publicada no JO n.° C 80 de 5.10.1973, p. 1).

[5] Cfr. ainda José Guilherme Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação a nível internacional, Lições sobre a harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, op. cit., especialmente pp. 52-64.

 

[6] Como salienta o Advogado-Geral Saggio, nas suas Conclusões apresentadas em 27 de Janeiro de 2000 no Caso Landesgericht St. Pölten, a isenção agora em causa faz parte das que se destinam a tornar menos onerosas certas actividades de interesse geral (Proc. C-384/98, Colect., p. 06795) e notam Stefano Chirichigno e Vittoria Segre,“Hospital and Medical Care by Commercial Hospitals under EU VAT”, in International VAT Monitor, Volume 25 – Number 2, 2014, pp. 78-81.

[7] Acórdãos de 6 de Novembro de 2003, Caso Dornier, Proc. C‑45/01, Colect., p. I‑12911, n.º 43, de 11 de Janeiro de 2001, Caso Comissão/França, Proc. C‑76/99, já cit., n.º 23, e de 10 de Setembro de 2002, Caso Kügler, Proc. C‑141/00, Colect., p. I-6833, n.º 29.

[8] Artigo 373º: Os Estados-membros que, em 1de Janeiro de 1978, aplicavam disposições derrogatórias do artigo 28º e da alínea  c) do primeiro parágrafo do artigo 79º podem continuar  a   aplicá-las.

[9] Cfr. Acórdão de 16 de Janeiro de 2003, Caso Rudolf Maierhofer, Proc. C-315/00, n.º 27, Colect. p. I-00563 e Acórdãos de 14 de Outubro de 1999, Caso Adidas, Proc. C-223/98, n.º 23, Colect. p. I-07081 e de 14 de Junho de 2001, Caso Kvaerner, Proc. C-191/99, n.º 30, Colect. p. I-04447.

[10] A este propósito, veja-se, designadamente, os Acórdãos de 12 de Dezembro de 1995, Caso Oude Luttikhuis e o Verenigde Coöperatieve Melkindustrie Coberco BA, Proc. C-399/93, Colect., p I-4515, de 12 de Fevereiro de 1998, Caso Comissão/Espanha, Proc. C-92/96, Colect., p. I-505, e de 7 de Setembro de 1999, Caso Gregg, Proc. C-216/97, já cit.

[11] Acórdão de 15 de Junho de 1989, Caso Stichting Uirtvoering Financiële Acties, Proc. 348/87, Colect., p. 1737, n.º 10. Vide, também, o Acórdão de 26 de Junho de 1990, Caso Velker International 011 Company, Proc. C-185/89, Colect., p. I-2561, n.º 18.

[12] Acórdãos de 20 de Outubro de 2003, Caso D’Ambrumenil, Proc. C-307/01, Colect., p. I-13989, n.º 52, Caso Kingscrest e Montecello, Proc. C‑498/03, já cit., n.º 29, de 14 de Junho de 2007, Caso Haderer, Proc. C‑445/05, Colect., p. I‑4841, n.º 18, de 16 de Outubro de 2008, Caso Canterbury Hockey Club e o., Proc. C‑253/07, Colect., n.º 17, e de 15 de Junho de 1989, Caso Stichting Uitvoering Financiële Acties, Proc. 348/87, já cit., n.º 13. Vide, ainda, os Acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Caso Bulthuis-Grzffloen, Proc. C-453/93, Colect., p. I-2341, n.º 19, de 12 de Novembro de 1998, Caso Institute of the Motor Company, Proc. C-149/97, Colect., p. I-7053, n.º 17, de 25 de Fevereiro de 1999, Caso CPP, Proc. C- 349/96, Colect., p. I-00973, n.º 22, de 7 de Setembro de 1999, Caso Gregg, Proc. C-216/97, Colect., p. I-4947, n.º 12, de 12 de Setembro de 2000, Caso Comissão/Irlanda, Proc. C-358/97, Colect., p. I-06301, n.º 52, e de 26 de Junho de 1990, Caso Velker International 011 Company, Proc. C-185/89, Colect., p. I-2561, n.ºs 19 e 20. Veja-se, ainda, o Acórdão de 18 de Janeiro de 2001, Caso Stockholm Lindöpark, Proc. C‑150/99, Colect., p. I‑493, n.º 25.

[13] Cfr. Acórdão de 21 de Fevereiro de 1989, Caso Comissão/Itália, Proc. 203/87, Colect., p. 371, n.º 9.

[14] Cfr. Acórdão de 26 de Março de 1987, Caso Comissão/Países Baixos, Proc. C-235/85, Rec., p. 1471, n.º 19, no qual o TJUE afirma que a Sexta Directiva se caracteriza pela generalidade do seu âmbito de aplicação e pelo facto de todas as isenções deverem ser expressas e precisas.

[15] Cfr. Acórdãos de l1 de Julho de 1985, Caso Comissão/Alemanha, Proc. 107/84, Rec., p. 2663, n.º 20, e de 15 de Junho de 1989, Caso Stichting Uitvoering Financiële Acties, Proc. 348/87, já cit., n.º 14.

[16] Acórdão de 15 de Junho de 1989, Caso Stichting Uitvoering Financiële Acties, Proc. 348/87, já cit., n.º 14.

[17] Veja-se, designadamente, Acórdãos de 14 de Junho de 2007, Caso Haderer, Proc. C-445/05, Colect., p. I-4841, n.º 18 e jurisprudência referida, Caso Canterbury Hockey Club e o., Proc. C-253/07, JO C 183, de 4.8.2007, n.º 17, e de 19 de Novembro de 2009, Caso Don Bosco Onroerend Goed, Proc. C‑461/08, Colect., p. I-11079, n.º 25 e jurisprudência referida.

[18] Conclusões apresentadas em 13 de Dezembro de 2001, Caso Zoological Society of London, Proc. C‑267/00, Colect., p. I‑3353, n.º 19.

[19] Acórdão de 15 de Junho de 1989, Proc. C-348/87, Colect., p. 1737, n.º 13. Veja-se igualmente o Acórdão de 5 de Junho de 1997, Caso SDC, Proc. C-2/95, Colect., p. I-3017, n.ºs 20 e 21.

[20] Acórdão de 11 de Julho de 1985, Caso Comissão/Alemanha, Proc. 107/84, já cit., n.º 20.

[21] Vide, nomeadamente, o Acórdão de 10 de Setembro de 2002, Caso Kügler, Proc. C-141/00, Colect. p. I-6833, e o Acórdão de 14 de Setembro de 2000, Caso ECR, Proc. C-384/98, Colect., p. I-6795.

[22] Veja-se, designadamente, o Acórdão de 15 de Julho de 1989, Caso Stichting Uitvoering Financiële Acties, Proc. 348/87, já cit.

[23] Veja-se, designadamente, Acórdãos de 25 de Fevereiro de 1999, Caso CPP, Proc. C‑349/96, Colect., p. I‑973, n.º 15, e de 28 de Janeiro de 2010, Caso Eulitz, Proc. C‑473/08, Colect., p. I-00907, n.º 25. O mesmo é válido para as isenções previstas no artigo 132.° da Directiva IVA.

[24] Como é sabido, o Professor Xavier de Basto integrou a Comissão do IVA que introduziu este imposto no nosso país e fez a respectiva legislação, pelo que estamos perante uma interpretação autêntica.

[25] Processo C-45/01, 6 de Novembro de 2003, Colect., p. I-12911.

[26] Processo C-106/05,  de 8 de Junho de 2006, Colect., p. I-5123.

[27] Processo C- 262/08, de 10  de Junho  de 2008, Colect., p. I-5053.

 

[28] Processo  C- 262/08, de 10  de Junho de 2008, já cit., parágrafo 65.

[29] Acórdão de 15 de Novembro de 2012, Proc. C-174/11, publicado na Colectânea Geral, n.35.

[30] O bold é nosso.

[31] Sobre esta matéria em particular veja-se Clotilde Celorico Palma, no artigo “A interpretação das normas de isenção de IVA pelo Tribunal de Justiça da União Europeia – algumas notas”, Revista Temas de direito tributário – IRC, IVA e IRS [Em linha]. Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, 2016, redigido a propósito da prelecção da Conferência  “O IVA e as isenções – A  jurisprudência do TJUE”, em 12 de Junho de 2015, integrada no  Ciclo de Conferência Tributarias, organizado pelo Centro de Estudos Judiciários, 2016.

[32] Acórdão de 20 de Junho de 1996, Caso Wellcome Trust, Proc.C‑155/94, Colect., p. I‑3013, n.° 38.

[33] Acórdão de 7 de Setembro de 1999, Gregg, Proc. C-216/97, Colect., p. I-4947, n.° 20,

[34] Cfr., nomeadamente, Acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Caso Rompelman, Proc. 268/83, Rec. p. 655, n.º 19, de 22 de Junho de 1993, Caso Sofitam, Proc. C-333/91, Colect., p. I-3513, n.º 10, e de 6 de Abril de 1995, Caso BPL Group, Proc.C-4/94, Colect., p. I-983, n.º 26.

[35] Sobre esta matéria veja-se José Guilherme Xavier de Basto e Clotilde Celorico Palma, “A renúncia à isenção de IVA por parte de laboratórios de análises clínicas e estabelecimentos afins – a propósito de alguns Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VIII, nº.1, Primavera 2015.

 

[36] Cfr. José Guilherme Xavier de Basto e Clotilde Celorico Palma, “A renúncia à isenção de IVA por parte de laboratórios de análises clínicas e estabelecimentos afins – a propósito de alguns Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia”, op. cit..

[37] “Renúncia à isenção de IVA por estabelecimentos hospitalares”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VIII, nº.1, Primavera 2015.

 

[38] Direito da União Europeia, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2014.

[39] Para analisar a relação entre os dois tipos de isenção, vide o Acórdão de 7 de Dezembro de 2006, Caso Eurodental, Proc. C-240/05, Colect., p. I-04019, n.ºs 23 e ss., e conclusões do Advogado Geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer nesse mesmo processo, n.ºs 24 e ss.

[40] Cfr. José Guilherme Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação a nível internacional, Lições sobre a harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, CCTF n.º 164, Lisboa 1991, pp. 60 e 61.

[41] Artigos 132.° a 137.° da Directiva IVA. É o caso, entre nós, de todas as isenções do artigo 9.º e da isenção do artigo 53.º do Código do IVA.

[42] Veja-se, neste sentido, a Proposta da Comissão de 20 de Junho de 1973 para a Sexta Directiva, Proposition de la sixième directive du Conseil en matière d’harmonisation des législations des États membres relatives aux taxes sur le chiffre d’affaires - Système commun de taxe sur la valeur ajoutée: Assiette uniforme, présentée par la Commission au Conseil, (COM (73) 950 final de 20.6.1973, publicada no JO n.° C 80 de 5.10.1973, p. 1).

[43] Cfr. ainda José Guilherme Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação a nível internacional, Lições sobre a harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, op. cit., especialmente pp. 52-64.

 

[44] Como salienta o Advogado-Geral Saggio, nas suas Conclusões apresentadas em 27 de Janeiro de 2000 no Caso Landesgericht St. Pölten, a isenção agora em causa faz parte das que se destinam a tornar menos onerosas certas actividades de interesse geral (Proc. C-384/98, Colect., p. 06795) e notam Stefano Chirichigno e Vittoria Segre,“Hospital and Medical Care by Commercial Hospitals under EU VAT”, in International VAT Monitor, Volume 25 – Number 2, 2014, pp. 78-81.

[45] Acórdãos de 6 de Novembro de 2003, Caso Dornier, Proc. C‑45/01, Colect., p. I‑12911, n.º 43, de 11 de Janeiro de 2001, Caso Comissão/França, Proc. C‑76/99, já cit., n.º 23, e de 10 de Setembro de 2002, Caso Kügler, Proc. C‑141/00, Colect., p. I-6833, n.º 29.

[46] Artigo 373º: Os Estados-membros que, em 1de Janeiro de 1978, aplicavam disposições derrogatórias do artigo 28º e da alínea c) do primeiro parágrafo do artigo 79º podem continuar  a   aplicá-las.

[47] Cfr. Acórdão de 16 de Janeiro de 2003, Caso Rudolf Maierhofer, Proc. C-315/00, n.º 27, Colect. p. I-00563 e Acórdãos de 14 de Outubro de 1999, Caso Adidas, Proc. C-223/98, n.º 23, Colect. p. I-07081 e de 14 de Junho de 2001, Caso Kvaerner, Proc. C-191/99, n.º 30, Colect. p. I-04447.

[48] A este propósito, veja-se, designadamente, os Acórdãos de 12 de Dezembro de 1995, Caso Oude Luttikhuis e o Verenigde Coöperatieve Melkindustrie Coberco BA, Proc. C-399/93, Colect., p I-4515, de 12 de Fevereiro de 1998, Caso Comissão/Espanha, Proc. C-92/96, Colect., p. I-505, e de 7 de Setembro de 1999, Caso Gregg, Proc. C-216/97, já cit.

[49] Acórdão de 15 de Junho de 1989, Caso Stichting Uirtvoering Financiële Acties, Proc. 348/87, Colect., p. 1737, n.º 10. Vide, também, o Acórdão de 26 de Junho de 1990, Caso Velker International 011 Company, Proc. C-185/89, Colect., p. I-2561, n.º 18.

[50] Acórdãos de 20 de Outubro de 2003, Caso D’Ambrumenil, Proc. C-307/01, Colect., p. I-13989, n.º 52, Caso Kingscrest e Montecello, Proc. C‑498/03, já cit., n.º 29, de 14 de Junho de 2007, Caso Haderer, Proc. C‑445/05, Colect., p. I‑4841, n.º 18, de 16 de Outubro de 2008, Caso Canterbury Hockey Club e o., Proc. C‑253/07, Colect., n.º 17, e de 15 de Junho de 1989, Caso Stichting Uitvoering Financiële Acties, Proc. 348/87, já cit., n.º 13. Vide, ainda, os Acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Caso Bulthuis-Grzffloen, Proc. C-453/93, Colect., p. I-2341, n.º 19, de 12 de Novembro de 1998, Caso Institute of the Motor Company, Proc. C-149/97, Colect., p. I-7053, n.º 17, de 25 de Fevereiro de 1999, Caso CPP, Proc. C- 349/96, Colect., p. I-00973, n.º 22, de 7 de Setembro de 1999, Caso Gregg, Proc. C-216/97, Colect., p. I-4947, n.º 12, de 12 de Setembro de 2000, Caso Comissão/Irlanda, Proc. C-358/97, Colect., p. I-06301, n.º 52, e de 26 de Junho de 1990, Caso Velker International 011 Company, Proc. C-185/89, Colect., p. I-2561, n.ºs 19 e 20. Veja-se, ainda, o Acórdão de 18 de Janeiro de 2001, Caso Stockholm Lindöpark, Proc. C‑150/99, Colect., p. I‑493, n.º 25.

[51] Cfr. Acórdão de 21 de Fevereiro de 1989, Caso Comissão/Itália, Proc. 203/87, Colect., p. 371, n.º 9.

[52] Cfr. Acórdão de 26 de Março de 1987, Caso Comissão/Países Baixos, Proc. C-235/85, Rec., p. 1471, n.º 19, no qual o TJUE afirma que a Sexta Directiva se caracteriza pela generalidade do seu âmbito de aplicação e pelo facto de todas as isenções deverem ser expressas e precisas.

[53] Cfr. Acórdãos de l1 de Julho de 1985, Caso Comissão/Alemanha, Proc. 107/84, Rec., p. 2663, n.º 20, e de 15 de Junho de 1989, Caso Stichting Uitvoering Financiële Acties, Proc. 348/87, já cit., n.º 14.

[54] Acórdão de 15 de Junho de 1989, Caso Stichting Uitvoering Financiële Acties, Proc. 348/87, já cit., n.º 14.

[55] Veja-se, designadamente, Acórdãos de 14 de Junho de 2007, Caso Haderer, Proc. C-445/05, Colect., p. I-4841, n.º 18 e jurisprudência referida, Caso Canterbury Hockey Club e o., Proc. C-253/07, JO C 183, de 4.8.2007, n.º 17, e de 19 de Novembro de 2009, Caso Don Bosco Onroerend Goed, Proc. C‑461/08, Colect., p. I-11079, n.º 25 e jurisprudência referida.

[56] Conclusões apresentadas em 13 de Dezembro de 2001, Caso Zoological Society of London, Proc. C‑267/00, Colect., p. I‑3353, n.º 19.

[57] Acórdão de 15 de Junho de 1989, Proc. C-348/87, Colect., p. 1737, n.º 13. Veja-se igualmente o Acórdão de 5 de Junho de 1997, Caso SDC, Proc. C-2/95, Colect., p. I-3017, n.ºs 20 e 21.

[58] Acórdão de 11 de Julho de 1985, Caso Comissão/Alemanha, Proc. 107/84, já cit., n.º 20.

[59] Vide, nomeadamente, o Acórdão de 10 de Setembro de 2002, Caso Kügler, Proc. C-141/00, Colect. p. I-6833, e o Acórdão de 14 de Setembro de 2000, Caso ECR, Proc. C-384/98, Colect., p. I-6795.

[60] Veja-se, designadamente, o Acórdão de 15 de Julho de 1989, Caso Stichting Uitvoering Financiële Acties, Proc. 348/87, já cit.

[61] Veja-se, designadamente, Acórdãos de 25 de Fevereiro de 1999, Caso CPP, Proc. C‑349/96, Colect., p. I‑973, n.º 15, e de 28 de Janeiro de 2010, Caso Eulitz, Proc. C‑473/08, Colect., p. I-00907, n.º 25. O mesmo é válido para as isenções previstas no artigo 132.° da Directiva IVA.

[62] Como é sabido, o Professor Xavier de Basto integrou a Comissão do IVA que introduziu este imposto no nosso país e fez a respectiva legislação, pelo que estamos perante uma interpretação autêntica.

[63] Processo C-45/01, 6 de Novembro de 2003, Colect., p. I-12911.

[64] Processo  C-106/05,  de 8 de Junho de 2006, Colect., p. I-5123.

[65] Processo  C- 262/08, de 10  de Junho  de 2008, Colect., p. I-5053.

 

[66] Processo  C- 262/08, de 10  de Junho de 2008, já cit., parágrafo 65.

[67] Acórdão de 15 de Novembro de 2012, Proc. C-174/11, publicado na Colectânea Geral, n.35.