Decisão Arbitral
Requerente – A…
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
Tema: IRS; mais-valias; reliquidação; falta de audição prévia; deferimento parcial de reclamação graciosa; caducidade do direito de acção
I – Relatório
1. No dia 10 de Março de 2015, A…, com o NIF … apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), um pedido que designou de impugnação, invocando o disposto na alínea c) do artigo 99º do CPPT, pedindo a declaração de nulidade da liquidação de IRS 2014… relativa ao ano de 2010, no montante de € 1.744,59 (mil setecentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e nove cêntimos). Com o Requerimento foram juntos, para além da procuração e comprovativo de pagamento da taxa, quatro documentos.
2. No requerimento apresentado o Requerente não designou árbitro tendo sido por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
3. O tribunal arbitral ficou constituído em 21 de Maio de 2015.
4. A Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) enviou a Resposta e o processo administrativo (PA) em 22 e 26 de Junho de 2015, respectivamente.
5. A Requerente respondeu por escrito à excepção suscitada pela Requerida, sendo, com concordância das partes, dispensada a realização da reunião do artigo 18º do RJAT e designado o dia 20 de Novembro para comunicação da decisão final
6. Requerente e Requerida apresentaram alegações em 4 e 8 de Setembro de 2015, respectivamente.
7. O Pedido de Pronúncia
A Requerente sustenta, em síntese (da nossa responsabilidade):
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Em 24 de Maio de 2011 o Requerente procedeu à entrega da declaração de IRS relativa ao ano de 2010, tendo declarado no Anexo G a mais-valia obtida com a venda de um imóvel sito na ... assim como a intenção de reinvestimento da mesma, nos termos previstos no n.º 5 do art. 10º do CIRS.
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A Declaração em apreço deu origem à liquidação n.º 2011…., com o valor de € 485,48 a reembolsar.
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Em Janeiro de 2011 o Requerente veio a adquirir novo imóvel que incluiu como reinvestimento no anexo G na declaração de IRS referente ao ano de 2011, entregue então no estado civil de casado, e que foi validada pelos serviços.
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Em 31 de Julho de 2014 o Requerente foi notificado de nova liquidação relativa ao ano de 2010, no montante de € 5.663,65 a pagar acrescido de juros compensatórios e do montante do reembolso anterior de € 485,48, mas até àquela data nunca fora notificado de qualquer divergência ou qualquer questão sobre a declaração de 2010 susceptível de alterar a primeira liquidação de IRS do mesmo ano, nem a declaração de 2011 em que declarara o reinvestimento dera origem a qualquer erro ou divergência.
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A AT, desconsiderando o reinvestimento declarado no anexo G da declaração de IRS de 2011, tributou a mais-valia total declarada na declaração de 2010 praticando um erro grosseiro e notificou a liquidação sem qualquer fundamentação, pelo que a liquidação e a notificação carecem de fundamentação.
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A Administração não solicitou ao Requerente quaisquer elementos comprovativos do reinvestimento, nos termos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo 57º do CIRS, e não fundamentou a liquidação, violando os artigos 77º da LGT e 66º do CIRS e o n.º 3 do art. 268º da CRP.
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As justificações dadas pela AT, após pedido de certidão de fundamentação do Requerente, não explicaram a situação nem a falta de fundamentação, tendo o Requerente apresentado reclamação graciosa em 19 de Dezembro de 2014 solicitando a declaração de nulidade da liquidação.
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Em 9 de Fevereiro de 2015 o Requerente veio a ser notificado do despacho pelo qual a AT indeferiu parcialmente a reclamação apresentada, entendendo como justificada a dispensa de audição prévia da liquidação notificada em 31 de Julho de 2014, referente ao ano de 2010, e, analisando a matéria de facto do reinvestimento da mais-valia, deu lugar à liquidação nº 2015…, no valor de €1.259,11.
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Esta decisão da reclamação graciosa ignora a preterição de formalidades legais da liquidação reclamada, sendo que não é aplicável o previsto no n.º 2 do art. 60º da LGT no que se refere à dispensa de audição prévia do contribuinte, porque nos casos em que a liquidação seja elaborada com base nos elementos factuais da declaração do contribuinte, mas com diferente enquadramento jurídico, sobre o qual o interessado não tenha tido oportunidade de se pronunciar, por imperativo constitucional não poderá dispensar-se a audição do contribuinte antes de se efectuar a liquidação”.
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Mas o Requerente, na sua declaração de IRS de 2011, declarou o reinvestimento de acordo com o nº 5 do art. 10º do CIRS, pelo que nunca poderia a liquidação reclamada ter sido efectuada com base nos elementos declarados da Declaração de 2010.
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A dispensa ilegal do direito de audição prévia do contribuinte antes da liquidação constitui preterição de formalidade essencial susceptível de invalidar o acto final da liquidação (n.º 3 do art. 103º da CRP) mas o despacho que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente não se pronuncia sobre a falta de fundamentação da nova liquidação de IRS de 2010, nem quanto à omissão de tal fundamentação na notificação recebida pelo Requerente em 31.07.2014, citando a esse propósito, o Acórdão do STA proferido em 21.11.2012, processo n.º 0736/12.
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Assim quer a notificação da liquidação quer o próprio acto de liquidação de notificado em 31 de Julho de 2014 enfermam de nulidade, por vício de inexistência de fundamentação, devendo o presente pedido ser considerado totalmente procedente, com declaração da ilegalidade da liquidação n.º 2014…. relativa ao ano de 2010, com todas as consequências legais que daí advenham.
8. A Resposta
A Requerida responde, em síntese (da nossa responsabilidade):
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A declaração Mod. 3 de IRS de 2010, entregue pelo Requerente em 24-05-2011, onde este indicou no Anexo G ter procedido em 20-10-2010 à alienação onerosa de um prédio (matriz …, … ...), manifestando a intenção de reinvestimento da mais-valia gerada, nos termos previstos no n.º 5 do art.º 10° do CIRS, deu origem à liquidação n.º 2011…., com valor de € 485,48 a reembolsar.
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Em Janeiro de 2011, o Requerente adquiriu um novo prédio urbano (matriz art.º …, fracção A, freguesia da …, Lisboa), tendo incluído na Mod. 3 de IRS para o ano de 2011, entregue a 30-05-2012, o Anexo G, indicando o reinvestimento da totalidade da mais-valia realizada no ano de 2010, tendo esta declaração dado origem à liquidação n.º 2012… .
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Entretanto, relativamente ao ano de 2010, foi emitida uma liquidação (identificada com o n.º2014…), desconsiderando a totalidade do reinvestimento efectuado, com imposto a pagar, até 27 de Agosto de 2014, no montante de € 5.663,65. Foi dispensada a audição prévia por se ter considerado que aquela nova liquidação foi efectuada sem quaisquer alterações dos dados declarados pelo Requerente.
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O Requerente solicitou, nos termos do art.º 37.º do CPPT, passagem de certidão da nova liquidação contendo a respectiva fundamentação, e, após obtenção de informação dos serviços, apresentou reclamação graciosa, instruída com o n.º…2014…, contra a liquidação n.º 2014…..
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No exercício do direito de audição prévia sobre projecto de decisão de indeferimento parcial da referida reclamação pugnou pelo indeferimento total mas o projecto foi, por despacho de 28-01-2015, convolado em decisão definitiva, pela qual os serviços da AT, tendo em conta um mútuo com hipoteca datado de 06 de Janeiro de 2011, no montante de € 30.000,00, correspondente à data de aquisição do prédio adquirido na mesma data por Escritura Pública de Compra e Venda com Mútuo e Hipoteca, consideraram, nos termos do n.º 7 do art.º 10.º do Código do IRS – CIRS, ter existido apenas reinvestimento parcial, de € 76.000,00 (€ 106.000,00 – € 30.000,00), sendo o benefício concedido na sua proporção.
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O deferimento parcial originou a única e exclusiva liquidação vigente, identificada com o n.º 2015….
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No presente Pedido de Pronúncia o Requerente identifica como acto tributário objecto do pedido de pronúncia arbitral a liquidação de IRS n.º 2014…., referente ao ano de 2010, e não o deferimento parcial da reclamação graciosa respeitante à liquidação de IRS de 2010, pelo que se verifica estar ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação de actos de liquidação em sede arbitral.
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Tendo em conta o disposto no artigo 10.º do RJAT, nos n.ºs 1 e 2 do art.º 102.º do CPPT, na alínea a) do n.º 4 do art.º 140.º CIRS e no n.º 1 do art.º 39.º do CPPT, e o facto de a data limite de pagamento do imposto em causa nos autos ter ocorrido em 27 de Agosto de 2014, o direito à acção precludiu a 26 de Novembro de 2014 pelo que o pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado a 10 de Março de 2015 é, conforme doutrina perfilhada em outros processos decididos no CAAD, intempestivo, conduzindo à existência de uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa e absolvição da Requerida da instância.
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O que está em vigor é a liquidação n.º 2015…., que considera apenas o reinvestimento parcial, ou seja de € 76.000,00 (€ 106.000,00 – € 30.000,00), e que concedeu o benefício previsto no art.º 10.º do CRIS somente na sua proporção.
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A participação do Requerente através de audição prévia no processo administrativo que conduziu ao deferimento parcial da reclamação faz degradar eventuais formalidades essenciais anteriores (à liquidação em que se desconsiderou a totalidade do reinvestimento) numa formalidade não essencial na medida em que o interessado interveio no procedimento que deu origem à liquidação e valores que ora são contestados.
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O deferimento parcial era a única e exclusiva decisão possível daquela reclamação, pois que foi com aquele que se repôs a verdade material, ou seja, a consideração do reinvestimento efectuado apenas na proporção do efectivo reinvestimento deduzido do mútuo contraído.
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O pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado intempestivo ou, a não se entender assim, deve ser considerado improcedente, mantendo-se os actos tributários e absolvendo-se a Requerida.
9. Questões a decidir
A questão fundamental objecto do Pedido consiste em saber se a liquidação de IRS referente a 2010 está inquinada de ilegalidade por preterição de formalidades essenciais na liquidação e notificação, designadamente por inexistência de fundamentação legal e falta de audição prévia.
Como questão prévia, há que decidir a excepção suscitada pela Requerida quanto à caducidade do direito de acção por intempestividade de apresentação do pedido.
10. Saneamento
O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não padece de qualquer nulidade mostrando-se reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.
II Fundamentação
11. Factos provados
11.1. O Requerente entregou em 24 de Maio de 2011 uma declaração Mod. 3 de IRS referente ao ano de 2010 (identificada com n.º …-…-…) incluindo um Anexo G (art. 1º do Pedido, Doc. n.º 1 junto com o Pedido e Processo Administrativo, PAI-1, fls. 15 e ss, juntos aos autos e que se dão por integralmente reproduzidos).
11.2. No Anexo G da declaração referida no número anterior, foi declarada a alienação onerosa, em 2010 e pelo valor de € 106.000,00, de um prédio urbano para habitação própria, matriz …, Fracção F, da freguesia da …, concelho da ..., Lisboa, adquirido em 1993 por € 44.393,01, respectivas despesas e encargos no montante de € 6.050,00, indicando-se no campo 5 do mesmo Anexo, a intenção de reinvestir o valor de 106.000,00 sem recurso ao crédito (cf. doc. n.º 1 junto com o Pedido e PA I-1, fls. 17).
11.3. Com base na declaração referida nos números anteriores foi efectuada a liquidação de IRS n.º 2011…., com valor a reembolsar de € 485,48 (cf. doc. n.º 2 junto com o Pedido e PA I-1, fls. 20).
11.4. O Requerente adquiriu, em 6 de Janeiro de 2011, um novo prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º …, fracção A, da freguesia da …, Concelho e Distrito de Lisboa (art. 5 do Pedido, 9º da Resposta).
11.5. O imóvel referido no número anterior foi inscrito na declaração Mod. 3 de IRS para o ano de 2011, entregue em 30 de Maio de 2012, no Anexo G, campo 5 A, como imóvel objecto de reinvestimento, e indicando-se, no campo 509, o valor de € 106.000,00 como valor reinvestido no primeiro ano seguinte (sem recurso ao crédito) (cf. doc. n.º 3 junto com o Pedido e PAI-2, fls. 23).
11.6. A declaração referente a 2011 deu origem à liquidação n.º 2012…. (art. 10º da Resposta).
11.7. Em 31 de Julho de 2014, o Requerente foi notificado de uma liquidação referente a 2010, identificada com o n.º 2014…. emitida a 22 de Julho de 2004, com apuramento de imposto no montante de € 5.663,65, e da nota de compensação de € 6.149,13, com data limite de pagamento de 27 de Agosto de 2014 (Doc. nº 4, junto com o Pedido e PAI-2, fls. 28 e 27).
11.8. A liquidação n.º 2014…. não foi antecedida de audição prévia (art. 15º da Resposta).
11.9. Por falta de pagamento, foi instaurado em 15 de Setembro de 2014 o processo de execução fiscal n.º …2014…, entretanto suspenso (PA I-2, fls. 52).
11.10. Por via electrónica, o Requerente solicitou esclarecimento aos serviços da DSIRS em 5 de Agosto de 2014, e, invocando o art.º 37.º do CPPT, pediu, em 26 de Novembro de 2014, ao Serviço de Finanças de Lisboa …, passagem de certidão de que constasse a fundamentação da nova liquidação; sendo-lhe respondido em 2 de Dezembro de 2014 que se tratava de uma reliquidação ao IRS de 2010, elaborada automaticamente, insistiu solicitando certidão com fundamentos da liquidação e indicação da disposição que dispõe sobre reliquidação automática de uma declaração validada e aceite pelos serviços, tendo em conta que no ano anterior foi submetida a uma declaração de reinvestimento (Pedido, nºs 25 a 29, e PAII-1, fls. 8 a 10).
11.11. Na sequência da troca de e-mails entre a Direcção de Serviços de IRS (Divisão de Liquidação) e o Serviço de Finanças Lisboa …, o Requerente foi informado em 9 de Dezembro de 2014: “Em resposta à fundamentação requerida pelo contribuinte, quanto à reliquidação efectuada para o ano de 2010, informa-se que nos termos do art. 60º da LGT, no seu nº 2, alínea a), é dispensada a audição do contribuinte, quando a liquidação é efectuada com base na declaração do contribuinte, sendo este o caso. Não houve alteração dos dados declarados (agregado e valores), houve sim e apenas a reliquidação com base na intenção manifestada de reinvestimento, do valor da alienação do imóvel por outro imóvel, decorridos os prazos previstos para o art. 10º, nº 5 do CIRS. Em concreto, esta liquidação foi efectuada com base nos dados declarados pelo próprio contribuinte”. E acrescentava “Porém, se o contribuinte apresentou reclamação graciosa deve observar o seguinte: Que seja confirmada a mudança de estado civil no ano de 2011 e o reinvestimento declarado em anos seguintes (2011); se confirmados documentalmente os dados declarados, deverá proceder à recolha de DC para o ano de 2010, com preenchimento do Quadro 5 e 5ª, para concretização do reinvestimento”. (cf. Doc. 5 junto com o Pedido e PAII-1, fls. 11 a 14).
11.12. Em 19 de Dezembro de 2014, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação n.º 2014…., tendo o processo sido instruído com o n.º …2014… (Pedido, ponto 40, Doc. nº 6 junto com o Pedido PAI-2 fls. 34 a 46).
11.13. Em 29 de Dezembro de 2014, por ofício nº …, a AT solicitou ao Requerente documentação necessária a instruir o procedimento gracioso – quanto à aquisição do imóvel em 1993 e quanto ao montante com encargos, elementos que este enviou por correio electrónico de 31 de Dezembro de 2014 e 7 de Janeiro, respectivamente (PA II- 1 e 2, fls. 28 a 39).
11.14. Com data de 6 de Janeiro de 2011, aquando da aquisição do prédio referido em 11.4., foi efectuado um mútuo com hipoteca no montante de € 30.000,00, sendo celebrada Escritura Pública de Compra e Venda com Mútuo e Hipoteca, tendo como outorgante o Requerente (art. 12º da Resposta e PAII -1, fls. 25).
11.15. Em 8 de Janeiro de 2015 o projecto de decisão de deferimento parcial, com despacho de concordância da Chefe do Serviço de Finanças Lisboa …, foi enviado ao Requerente pelo ofício n.º …, da mesma data, para efeitos de exercício do direito de audição prévia, propondo alteração da liquidação n.º 2014…., por considerar “verificar-se o reinvestimento parcial do valor de realização, na importância de € 76.000,00, nos termos do disposto na alínea a) do nº 5 e nº 6 e 7 do art.º 10.º do CIRS” e nesse sentido ser elaborado “documento de correcção único referente ao exercício de 2010” (PA II-2, fls. 46 a 52).
11.16. O Requerente exerceu o direito de audição prévia em 27 de Janeiro de 2015, insistindo na declaração de nulidade, ou anulação, da liquidação por inexistência de fundamentação e não dispensabilidade do direito de audição (PA II-2, fls. 55 a 59).
11.17. O projecto de decisão foi convolado em definitivo através do despacho da Chefe do Serviço de Finanças Lisboa …, de 28 de Janeiro de 2015, e notificado ao Requerente através do ofício n.º … da mesma data (Doc. nº 7 junto com o Pedido e PA II-2, fls. 61 e 62).
11.18. O deferimento parcial originou a emissão do Documento de correcção nº … e de declaração oficiosa referente a 2010, datada de 29 de Janeiro de 2015 (PAII-3, fls. 66 a 73), assim como a liquidação n.º 2015…., emitida em 4 de Fevereiro de 2015, por se considerar o reinvestimento parcial, ou seja de € 76.000,00 (€106.000,00 – € 30.000,00), e de conceder o benefício previsto no art.º 10.º do CRIS somente na sua proporção, resultando no apuramento de montante de imposto de € 1.259,11 (cf. doc. n.º 8 -demonstração de acerto de contas - junto com o Pedido, e PAI -2, fls. 44 e 45).
11.19. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 10 de Março de 2015.
12. Factos não provados
Não há factos não provados a considerar como relevantes para a decisão do presente processo.
13. Fundamentação dos factos provados e não provados
Os factos foram dados como provados e não provados com base na avaliação feita pelo tribunal das peças processuais entregues pelas Partes e dos documentos juntos aos autos, designadamente o processo administrativo, conforme referência feita relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto fixada.
14. Aplicação do direito
A Requerente identifica o objecto do Pedido como a liquidação de IRS notificada em 31 de Julho de 2014, imputando-lhe vício de forma por inexistência de fundamentação legal, quer quanto à liquidação quer quanto à notificação, e requer a declaração de nulidade da liquidação nº 2014….
14.1. A excepção – intempestividade/caducidade do direito à acção
14.1.1. Argumentos das partes sobre a matéria
A Requerida suscita a existência de uma excepção resultante da caducidade do direito à acção, com o fundamento de que o Requerente não identifica como acto tributário objecto do pedido de pronúncia arbitral o deferimento parcial da reclamação graciosa respeitante à liquidação de IRS de 2010, mas a liquidação de IRS n.º 2014… . referente ao ano de 2010.
Assim, de acordo com a lei (art.º 10.º do RJAT, n.ºs 1 e 2 do art.º 102.º do CPPT, alínea a) do n.º 4 do art.º 140.º CIRS e n.º 1 do art.º 39.º do CPPT) o termo do prazo para pagamento do imposto em causa nos autos teria ocorrido em 27 de Agosto de 2014 e o direito à acção precludido a 26 de Novembro de 2014 pelo que o pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado a 10 de Março de 2015 é intempestivo, devendo absolver-se a requerida da instância. Refere várias decisões do CAAD que confirmariam esta interpretação.
O Requerente respondeu à excepção dizendo que o objecto do Pedido apresentado em 10 de Março de 2015 não se limita à nulidade do acto de liquidação com o nº 2014…, relativo a 2010 mas a todos os actos praticados posteriormente, incluindo o deferimento parcial da reclamação graciosa, notificado em 9 de Fevereiro de 2015.
Isto porque, sustenta, discorda completamente da decisão da reclamação graciosa que rejeitou a sua alegação de nulidade do acto de liquidação e considerou a liquidação nº 2014… legal, entendendo que o Requerente teria direito apenas a reinvestimento parcial. A decisão, de deferimento parcial, teria ignorado que “o objecto da reclamação graciosa apresentada consiste na ilegalidade da decisão reclamada por falta de fundamentação, independentemente da análise do reinvestimento parcial ou total da mais-valia”.
E, diz, com a presente acção pretende que seja reposta a legalidade, com consideração como nula da referida liquidação e revogação da decisão sobre a reclamação graciosa, o que estava implícito no pedido “declaração de nulidade da liquidação de IRS 2014…, com todas as consequências legais que daí advenham”.
Considera que o pedido apresentado contra a decisão notificada em 9.02.2015 é tempestivo face ao artigo 102º, nº 2 do CPPT, e sempre o seria face ao nº 3 do mesmo artigo, visto ser invocada a nulidade.
14.1.2. Análise da questão
Atentando no Pedido do Requerente, verifica-se que na parte final do mesmo requer-se a declaração de nulidade da liquidação de IRS 2014… relativa a 2010, fundamentando, em síntese, que “verifica-se que quer a notificação da liquidação de IRS quer o próprio acto de liquidação notificado em 31 de Julho de 2014 enfermam de nulidade, estando em causa a legalidade formal da própria liquidação”, “vício de forma por inexistência de fundamentação legal”.
Contudo, verifica-se que na sistematização do seu Pedido procurou identificar: o acto administrativo visado (ponto I); o procedimento administrativo posterior para clarificar o acto (ponto II); a interposição de reclamação administrativa e decisão obtida (ponto III) e o acto de liquidação impugnado (ponto IV).
Verifica-se que o Requerente, tendo em atenção o resultado da reclamação graciosa de indeferimento parcial - rejeição dos fundamentos invocados quanto a ilegalidade por inexistência de fundamentação e emissão do documento nº 2015… com nova liquidação baseada na reanálise da situação de facto – continua a colocar a questão da nulidade do acto de liquidação que originou o documento nº 2014…, pretendendo que a reclamação deveria ter reconhecido o vício de inexistência de fundamentação e o efeito de nulidade de acto tributário por preterição de formalidades essenciais.
Assim, não se adere à tese defendida pela Requerida de que o Requerente não ataca a decisão da reclamação graciosa [1], acontecendo sim que põe o acento tónico na ilegalidade do acto tributário de liquidação [2], não confirmada pela decisão da reclamação, imputando-lhe um vício impugnável a todo o tempo porque gerador, na tese propugnada, de nulidade.
Assim, e ainda que a qualificação do vício como nulidade não se venha a mostrar adequada, considera-se, tendo em conta a data da notificação da decisão final da reclamação graciosa, que o presente Pedido de constituição de Tribunal Arbitral, apresentado em 10 de Março de 2015, não se mostra intempestivo face ao disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.
14.2. A falta de fundamentação do acto de liquidação
O Requerente não aceita que tendo incluído na declaração de IRS relativa ao ano de 2010 referência à alienação de imóvel para habitação com reinvestimento futuro, e, na declaração de IRS relativa ao ano de 2011, referência à aquisição com produto da anterior alienação, a AT tenha efectuado uma reliquidação relativa ao ano de 2010 (liquidação n.º 2014. …) sem nunca ter solicitado ao Requerente que comprovasse o declarado nas referidas declarações de IRS de 2010 e 2011, nos termos previstos na alínea b) do n.º 3 do CIRS e sem mencionar, na notificação daquela liquidação de IRS, nº …., qualquer fundamentação.
O Requerente entende ter sido violado o direito à fundamentação dos actos administrativos, previsto no n.º 3 do art. 268º da CRP e, considerando que essa liquidação (n.º 2014….) carece em absoluto de fundamentação, apresentou reclamação graciosa (19.12.2014) solicitando que o acto tributário de liquidação fosse declarado nulo.
Alegando que a AT desconsiderou o objecto contido na petição de reclamação graciosa, desconhecendo o alegado quanto à falta de fundamentação da liquidação de IRS de 2010, inclusive na respectiva notificação, e invocando erradamente a dispensa de audição prévia prevista no n.º 2 do art. 60º da LGT, o Requerente não aceita o deferimento parcial da reclamação e pretende a apreciação do acto de liquidação n.º 2014…..
Ou seja, o Requerente age tendo em conta a decisão proferida no processo de reclamação graciosa apenas na medida em que indeferiu a sua pretensão mas não quanto ao conteúdo na parte em que “decidiu analisar a matéria de facto do reinvestimento” (ponto 47 do Pedido) e aplicar o direito à situação.
14.3. Controvérsia sobre as liquidações automáticas ou “reliquidações”
Ao longo do procedimento administrativo e também nos presentes autos, o argumento sucessivamente repetido pelo Requerente para defender a nulidade da liquidação de IRS nº 2014…. é, pois, a inexistência de fundamentação.
Da matéria de facto fixada resulta que:
- o Requerente declarou na modelo 3 de IRS de 2010, Anexo G, a alienação onerosa em 20 de Outubro desse ano, do prédio urbano para habitação própria, com intenção de reinvestimento da mais-valia gerada, nos termos previstos no n.º 5 do art.º 10° do CIRS;
- o Requerente indicou, na declaração de IRS de 2011 entregue em 30-05-2012, no Anexo G, campo 5 A, como imóvel objecto de reinvestimento um prédio urbano imóvel adquirido em Janeiro de 2011, e no campo 509, o valor de € 106.000,00 como valor reinvestido no primeiro ano seguinte (sem recurso ao crédito);
- em 31 de Julho de 2014, o Requerente foi notificado da liquidação n.º 2014. …, desconsiderando a totalidade do reinvestimento efectuado.
Os serviços da Requerida informaram desde logo (e-mail de 2 de Dezembro) que se tratava de uma reliquidação elaborada automaticamente e com relação com o reinvestimento ou não.
E, posteriormente, mantiveram justificação para a dispensa da falta de audição prévia aquando da liquidação reclamada, com o fundamento de que a mesma era dispensável nos termos da alínea a) do n.º 2 do art.º 60.º da LGT por se tratar de liquidação efectuada com base na declaração do contribuinte.
Contra tal interpretação, o Requerente refere o Acórdão proferido pelo STA em 21 de Novembro de 2012, no proc. 0736/12, respeitante a um caso de liquidação/reliquidação: “Se do teor da liquidação não consta qualquer explicação, ainda que sumária, que permita esclarecer um destinatário normal sobre o motivo da alteração ao rendimento global que a Administração fiscal operou entre a “primitiva liquidação” e a apelidada de “reliquidação” - sequer que tal diferença de valor resulta de alteração aos rendimentos da categoria G -, o acto de liquidação adicional está ferido de vício de forma de falta de fundamentação, determinante da sua anulabilidade. Não pode extrair-se do não uso da faculdade prevista no n.°1 do artigo 37.° do CPPT quaisquer consequências quanto à validade ou invalidade do acto notificado, pois o art. 37.º só tem a ver com a notificação dos actos, destinando-se a estabelecer as consequências das deficiências das notificações e não o regime dos vícios dos actos notificados, daí que no âmbito do art. 37.° a Administração apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do acto notificado”. [3]
Contudo, sobre a matéria, é possível citar outras decisões tais como os Acórdãos proferidos pelo STA em 15 de Novembro de 2006 (proc. nº 0759/06), em 30 de Junho de 2010 e (proc.0364/10) e em 14 de Março de 2012 (proc. 0155/12).
Nesses processos, a questão decidenda consistia em saber se, numa situação em que o contribuinte tinha feito constar na sua declaração de rendimentos relativa a determinado ano a venda de um prédio e a intenção de reinvestir o respectivo preço, a liquidação adicional, efectuada com base na falta de declaração, nos dois anos seguintes à primeira declaração, precisa, ou não, de ser precedida da audição do contribuinte nos termos do n. 1, alínea a), e nº 2 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária.
Por todos, cita-se excerto do Acórdão proferido no processo nº 155/12: “A decisão recorrida considerou que o direito de audição pode ser afastado se a liquidação do imposto se efectuar com base na declaração do contribuinte. Porém, concluiu que no caso subjudice a liquidação não foi efectuada apenas com base no que os contribuintes declararam no ano de 2000 mas antes, e principalmente, com base no que não declararam nos exercícios de 2001 e 2002. Desde logo se dirá que esta argumentação da Fazenda Pública merece provimento. Como tem vindo a sublinhar a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, que também sufragamos, tendo o contribuinte feito constar na sua declaração de rendimentos, relativa a um determinado ano, a venda de um prédio e a intenção de reinvestir o respectivo preço, a liquidação adicional, efectuada com base na falta de declaração, nos dois anos seguintes, desse reinvestimento, não precisa de ser precedida da audição do contribuinte nos termos dos nºs 1, alínea a), e 2 do artigo 60º da Lei Geral Tributária – cf. neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 30.06.2010, recurso 364/10 e de 15.11.2006, recurso 759/06, in www.dgsi.pt. Ora, como se sublinha no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 15.11.2006, proferido no recurso 759/06, se o contribuinte conhece os pressupostos da não tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel destinado a habitação - pois que externou, no modelo G, a intenção de reinvestir -, não pode ignorar as consequências da falta de reinvestimento no prazo de 24 meses contados da data da realização – cf. artigo 10.º, n.º 5, alínea a), do CIRS -, falta que esteve na base da liquidação. No caso subjudice a liquidação adicional resulta da declaração de rendimentos dos impugnantes, ora recorridos, relativa ao ano de 2000, na qual assinalaram no quadro 5 daquela declaração a intenção de reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação e ainda de não terem declarado, nas declarações respeitantes aos dois anos seguintes ao da realização, o reinvestimento da totalidade do valor de mais-valias realizado, e primeiramente declarado. Assim sendo, os impugnantes, ora recorridos – que não declararam ter efectuado o reinvestimento declarado – viram a liquidação ser operada de acordo com a posição que decorre, nos aspectos factual e jurídico, da respectiva declaração. Daí que se conclua que não era necessária, por dispensada, a audição dos impugnantes, ora recorridos, de harmonia com o disposto no artigo 60.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, pelo que deve proceder o recurso”.
Acrescente-se ainda que o Acórdão citado pelo Requerente (proc. 0736/12) realçou a diferença entre a situação por si julgada e a do acórdão proferido no proc. n.° 0756/06, porque, neste último caso, na data em que foi efectuada a liquidação impugnada e em momento anterior ao do pagamento do imposto aí apurado, foi emitida pelo Serviço de Finanças “certidão atestando que a liquidação (...) teve por base a falta de reinvestimento do valor de realização (...)” enquanto, no caso dos autos, nenhuma fundamentação para a alteração ao rendimento global constante da liquidação adicional de IRS do ano de 2003 consta do acto de liquidação[4].
Ou seja, não resulta evidente que a jurisprudência do STA recuse sempre a justificação de dispensa de audiência prévia em casos de conjugação de dados declarados pelo contribuinte, antes dependendo a conclusão sobre a legalidade da situação da análise do caso concreto.
14.4. A factualidade fixada e o enquadramento da situação dos autos
Como já referido resulta dos autos que o Requerente apresentou reclamação graciosa de uma liquidação efectuada automaticamente, referida pelos serviços como “reliquidação”, sem notificação para audiência prévia, corrigindo uma autoliquidação referente ao exercício de 2010 que indicava alienação de imóvel com intenção de reinvestir e por se considerar que havia sido omitida referência ao reinvestimento nos anos seguintes.
A reclamação graciosa desencadeou um procedimento administrativo que permitiu esclarecer globalmente a situação, com identificação do acto de alienação em 2000 de prédio adquirido em 1993, da nova compra, de imóvel no ano seguinte, 2011 (em que o Requerente veio a mudar de estado civil), e com indicação de que fora feito o reinvestimento de mais-valia obtida.
Foram os factos então identificados que, sujeitos à interpretação e aplicação da lei efectuada, conduziram a uma nova liquidação que considerou que apenas parte do resultado da venda obtida com a primeira venda como reinvestido na nova aquisição.
Os factos fixados (11.11) mostram que, em resposta ao inicial pedido de certidão que mostrasse a fundamentação da decisão de liquidação, os serviços responderam que, quanto à reliquidação efectuada para o ano de 2010, tratava-se de um caso em que, nos termos do art. 60º da LGT, no seu nº 2, alínea a), é dispensada a audição do contribuinte por se tratar de liquidação efectuada com base na declaração do mesmo, não havendo alteração dos dados declarados (agregado e valores), e sim e apenas a reliquidação com base na intenção manifestada de reinvestimento, do valor da alienação do imóvel por outro imóvel, decorridos os prazos previstos para o art. 10º, nº 5 do CIRS.
Mas sugeria-se que, se o contribuinte apresentou reclamação graciosa, deveria confirmar a mudança de estado civil no ano de 2011 e o reinvestimento declarado em 2011, e se confirmados documentalmente os dados declarados, deveria proceder-se à recolha de DC para o ano de 2010, com preenchimento do Quadro 5 e 5ª, para concretização do reinvestimento”. (cf. Doc. 5 junto com o pedido e fls. 29 e ss do PA I).
Como já referido, o Requerente apresentou, efectivamente reclamação graciosa contra a liquidação 2014…, sendo nesse processo administrativo confirmados e acrescentados dados relativos à alienação de um imóvel e aquisição de outro, com mútuo e hipoteca (11.12. a 11.14.).
Apreciando a reclamação graciosa, a AT apresentou um projecto de decisão de deferimento parcial da reclamação e de alteração da liquidação reclamada, considerando ter existido reinvestimento apenas parcial no montante de € 76.000,00, com apuramento de imposto no montante de € 1.259,11. (11.15).
O contribuinte não contestou a matéria de facto nem a apreciação de direito, no que se refere ao reinvestimento parcial, continuando a pugnar pela nulidade do acto reclamado.
Convolado em definitivo o acto de indeferimento parcial da reclamação, com emissão de um novo documento de liquidação, o Requerente apresentou o presente pedido com fundamento em preterição de formalidades essenciais, por falta de fundamentação da primeira liquidação, e requerendo a declaração de nulidade pelo presente tribunal arbitral (11.19).
Ou seja, da síntese feita acima resulta que o Requerente incluíra na declaração de IRS referente a 2011 menção ao reinvestimento de mais-valias [5], pelo que é legítimo defender que o confronto dos dados fornecidos nas duas declarações – de 2010 e 2011 – pode considerar-se insuficiente para desencadear automaticamente a liquidação nº 2014. …, mostrando-se adequado que se procedesse à notificação do contribuinte para juntar elementos necessários a avaliação da situação tributária ou para se pronunciar sobre algum projecto de decisão.
Mas a apresentação da reclamação graciosa permitiu esclarecer a situação, reunindo elementos factuais e correcção da anterior posição da Administração.
Quid juris?
14.5. A liquidação de IRS e o acto objecto do pedido
A decisão da chefe de serviço de finanças que decidiu a reclamação da liquidação 2014. … assentou na seguinte fundamentação:
- O reclamante alegou que houve reinvestimento do valor da realização, vício na notificação da fundamentação e que erros informáticos não podem impedir a boa aplicação do direito;
- Quanto ao pedido de anulação da liquidação por preterição de formalidades legais que afectam a sua validade, mormente o exercício do direito de audição prévia nos termos do art. 60 da LGT, verifica-se que estavam preenchidos os pressupostos para a respectiva dispensa, já que a liquidação reclamada vem na sequência da declaração a comprovar a manifestação de reinvestimento entregue pelo reclamante.
- Quanto à liquidação de imposto objecto da reclamação, verifica-se que o reclamante declarou na declaração entregue em 2011 a venda por € 106.000,00 de uma fracção para habitação própria anteriormente adquirida por € 44.393,01, mas foi detectada, através da Declaração Modelo 11, a realização de um mútuo com hipoteca de € 30.000,0, na mesma data da aquisição do novo imóvel, pelo que de acordo com o disposto ao tempo dos factos no artigo 10º do CIRS, apenas poderia ser admitido como reinvestimento para efeitos de exclusão da tributação em mais-valias, o valor da realização deduzido do montante do empréstimo contraído para aquisição do imóvel, ou seja, € 76.000,00.
- Encontram-se verificadas todas as outras condições afectação do imóvel a habitação e comprovação dos encargos de forma a ser elaborado documento de correcção de liquidação.
Após audição prévia – onde o contribuinte repetiu argumentos sobre a nulidade da liquidação por preterição de formalidades legais – a decisão final de deferimento parcial da reclamação foi proferida sobre nova informação sucinta onde se concluía, designadamente que: “o enquadramento jurídico é o mesmo, i.e. a exclusão de tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis nos termos previstos na alínea a) do nº 5 do artigo 10º do CIRS”, sendo contudo de, ao invés do reinvestimento total invocado, reconhecer apenas o reinvestimento parcial, na proporção do reinvestimento realizado, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do art.º 10.º do CIRS”.
E, na sequência, foram emitidos documentos correctivos, incluindo o documento de liquidação n.º 2015. ….
Pode-se dizer que a decisão da reclamação graciosa não é correcta quando continua a justificar que a liquidação 2014. … tenha sido efectuada sem audiência prévia porque baseada nas declarações do contribuinte – vimos no ponto anterior que isso não aconteceu já que não foi tida em conta a declaração de IRS de 2011 onde se afirmava ter sido efectuado o reinvestimento. Mas justificar-se-á continuar a pretender a declaração de nulidade da liquidação então efectuada?
Desde logo, a preterição da audiência prévia não acarretaria a nulidade mas a anulabilidade da liquidação [6].
Quanto à falta do direito de audição, ainda que se considere que a sua preterição não se pode considerar sanada pelo simples facto de o contribuinte usar meios administrativos de impugnação (reclamação graciosa ou Recurso hierárquico), poderá, ainda que ilegal, não implicar a anulação do acto final por força de aplicação de princípio do aproveitamento do acto, numa concretização do princípio geral de direito que se exprime pela fórmula utile per inutile non vitiatur [7].
Poderá, designadamente, “considerar-se convalidado o acto primário que enferme de vício de violação do direito de audição se o interessado vier a utilizar meios de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) e neles acabou por ter oportunidade de se pronunciar sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau. Em situações deste tipo, quer o acto primário tenha sido mantido quer tenha sido revogado e substituído pelo acto de segundo grau, a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau, pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não a oportunidade de participar na sua formação” [8] (sublinhado nosso).
No presente caso, verifica-se que o Requerente apresentou reclamação graciosa de uma liquidação adicional (designada como “reliquidação”, que alterara a liquidação inicial, baseada na declaração de IRS) e, nesse processo, foi solicitado que esclarecesse vários aspectos da situação, tendo a Administração Tributária confrontado os dados de que já dispunha com os entretanto enviados pelo contribuinte.
A factualidade apurada foi objecto de aplicação das normas legais consideradas aplicáveis, conduzindo a um projecto de decisão de deferimento parcial que foi sujeita a audiência prévia do reclamante e posteriormente convertido em decisão final conduzindo à correcção da liquidação reclamada.
Tratando-se de uma decisão tomada então com pleno conhecimento de factos anteriormente desconsiderados, ter-se-á verificado a convalidação do acto anterior que padecia de falta de fundamentação e falta de audição prévia [9].
Mas a liquidação nº 2014. … foi objecto de correcção – os factos e a interpretação jurídica feita dos mesmos conduziram a apuramentos de diferentes valores, concretizados na emissão do documento de liquidação n.º 2015. ….
Contudo, a interpretação da norma legal aplicada – artigo 10º, nºs 5, 6 e 7, do CIRS - na correcção efectuada não é objecto do presente Pedido de Pronúncia.
Aqui se poderá completar o referido acima (ponto 14.1.2.): o Requerente atacou, embora de forma não totalmente explícita, a decisão da reclamação graciosa, mas fê-lo apenas quanto ao vício de forma, preterição de formalidade legal de audição prévia e falta de fundamentação, omitindo a correcção de liquidação havida, desinteressando-se de continuar a discutir a respectiva legalidade[10].
E a Administração Tributária terá praticado um acto de liquidação correctiva: com base nos factos, anteriormente inexistentes no processo ou não detectados, e apenas determinados na sequência de apresentação pelo Requerente de pedido de certidão de fundamentação e de reclamação graciosa, reviu a liquidação adicional primitiva e, com base em correcção favorável ao contribuinte, apurou um diferente montante de imposto[11].
Correcção essa cuja fundamentação legal não é atacada pelo Requerente.
14.6. Conclusões
Na aplicação do direito aos factos e com fundamento no que fica exposto, conclui-se que:
-
O presente Pedido de apreciação arbitral é tempestivo porque ainda interposto de indeferimento de reclamação graciosa;
-
Foi requerida a apreciação da legalidade da liquidação nº 2014. …, acto tributário cujos vícios imputados pelo Requerente, na reclamação graciosa, no respeitante a falta de fundamentação e falta de audiência prévia, foram superados pelo processo administrativo gracioso entretanto decorrido, sendo objecto de correcções quanto à factualidade que conduziram, com aplicação da mesma legislação inicialmente aplicada, a diferente cálculo de montante de imposto e emissão de um novo documento de liquidação, nº 2015. …, cuja legalidade substantiva não é objecto do presente Pedido de apreciação arbitral;
-
Tendo sido superados os vícios referentes à legalidade formal da liquidação suscitados pelo Requerente, o tribunal arbitral considera o Pedido improcedente.
15. Decisão
Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
-
Julgar improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS referente ao Requerente e respeitante ao ano de 2010, no valor de € 1.744,59 (mil setecentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e nove cêntimos), dele se absolvendo a Requerida.
-
Condenar o Requerente em custas.
16. Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do artigo 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.744,59 (mil setecentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e nove cêntimos).
17. Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 20 de Novembro de 2015.
A Árbitro
(Maria Manuela Roseiro)
[1] A presente situação nem é idêntica à do processo nº 38/2015-T, referido pela Requerida, onde se diz: “(...) em momento algum da petição ou do requerimento apresentado, o Requerente faz qualquer apreciação ao indeferimento e seus fundamentos, não tendo formulado qualquer pedido sobre tal acto tributário. Este tribunal teve conhecimento da existência de uma reclamação graciosa apenas e só porque o Requerente juntou cópia da decisão de indeferimento sem que, contudo, dela tenha retirado qualquer efeito legal ou jurídico”. No presente caso, o Requerente refere-se à reclamação e à respectiva decisão, contestando-a em vários pontos do Pedido.
[2] Parece-nos, de resto, que o entendimento jurisprudencial pacífico e reiterado de que a impugnação judicial que se segue a decisão de reclamação graciosa apresentada contra um acto de liquidação tem por objecto imediato o acto decisório da reclamação e por objecto mediato o acto de liquidação em si, conforme, aliás, se extrai da alínea c) do nº 1 do artigo 97º do CPPT” (por todos, Ac. do STA de 20 de Maio de 2015, in proc. nº 01021/14), visa fundamentalmente defender que “anulado o indeferimento da reclamação por vício procedimental desta, cabe ao tribunal conhecer dos restantes vícios imputados ao acto de liquidação, uma vez que este é competente para conhecer, em tal impugnação, quer do indeferimento da reclamação quer dos vícios imputados à liquidação” (acórdão referido e que cita outros arestos do STA, de 16.06.2004, no proc. nº 01877/03, de 28.10.2009, no proc. nº 0595/09, de 18.05.2011, no proc. nº 0156/11, de 16.11.2011, no proc. nº 0723/11, de 18.06.2014, no proc. nº 01942/13). Por outro lado, tendo em conta que “a competência dos tribunais arbitrais se limita à declaração de ilegalidade de actos de liquidação abrangendo apenas os actos de indeferimento de actos de segundo grau (reclamações ou recursos hierárquicos) que conheceram efectivamente da legalidade dos atos de primeiro grau” (Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 120 a 123), o objecto dos pedidos, nestes casos, é fundamentalmente a legalidade da liquidação, o que confirmará que o mais relevante é que o pedido de pronúncia apresentado na sequência de indeferimento de reclamação graciosa vise a legalidade da liquidação e que esta tenha sido apreciada pelo acto de segundo grau. Requisito que se crê preenchido no presente caso, em que se invoca a ilegalidade de acto tributário por preterição de formalidades legais e se invoca que a mesma foi mal resolvida pelo indeferimento a reclamação. Consideramos ainda relevantes as considerações feitas no acórdão arbitral proferido no proc. 282/2013-T, acerca da aplicação dos princípios “pro actione” e in dubio pro favoritate instanciae”.
[3]Neste caso, da matéria de facto fixada resultava que no ano de 2003 os sujeitos passivos entregaram uma declaração de rendimentos de IRS, onde apuraram uma mais-valia, declarada no anexo G, manifestando a intenção de reinvestir o valor de realização da venda do imóvel, nos dois anos seguintes, conforme preconiza o n.° 5 do art. 10.º do Código do IRS, e nos anos de 2004 e 2005, não efectuaram o reinvestimento declarado no ano de 2003. A AT, analisando as declarações desses anos concluíra não ter havido reinvestimento nos anos de 2004 e 2005 e que os recorridos sabiam que não podiam beneficiar da exclusão tributária que aproveitaram no ano de 2003, cabia-lhes, por força do disposto no n° 2 do art.° 60.º do Código do IRS, o ónus de apresentar uma declaração de substituição relativa a 2003. Verificando a falta de tal declaração a AT efectuou a reliquidação do ano de 2003, só sendo confirmada a causa da liquidação já na pendência dos autos.
[4] De realçar ainda que este acórdão confirmou a sentença recorrida que havia julgado parcialmente procedente a impugnação deduzida pela ora recorrida contra liquidação oficiosa de IRS relativa a 2003, anulando a liquidação e ordenando a restituição da quantia paga, não condenando embora a Administração tributária ao pagamento de quaisquer juros, porquanto o acto de liquidação foi anulado exclusivamente por falta de fundamentação, não se tendo verificado qualquer erro imputável à A.T. Salientava ainda a sentença recorrida que caso os Impugnantes não tenham, efectivamente, reinvestido o valor de realização do imóvel a liquidação oficiosa de I.R.S. mostra-se legalmente devida à luz das normas substantivas, podendo a A.T. proceder à liquidação do imposto resultante da tributação da mais-valia apurada em 2003, desde que elimine o vício formal de falta de fundamentação.
[5] Esta declaração não terá sido detectada pelos serviços (confusão que, segundo aflorado nos autos embora não explicado, terá resultado da mudança de estado civil do Requerente).
[6] “A falta de audição dos contribuintes, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de afectar a decisão que nele for tomada, que poderá vir a ser anulada (artigos 15º e 136º, nº 2, do CPA e 99º, alínea d) e 70º, nº 1, do CPPT). Não se estando perante qualquer das situações previstas no art. 133º do CPA, em que se indicam os vícios geradores de nulidade, a preterição indevida do direito de audiência prévia gera mera anulabilidade do acto que puser termo ao procedimento administrativo ou tributário (art. 135º do CPA)”. Cf. Jorge Lopes de Sousa, CCPT anotado, Áreas Editora, 6º edição, I vol., p. 437 e 438.
[7] Jorge Lopes de Sousa, ibidem, p. 439, e jurisprudência citada nas notas 766 e 767.
[8] Jorge Lopes de Sousa, ibidem, p. 440.
[9] No caso de impugnação administrativa facultativa a convalidação não terá lugar se o interessado não utilizar tal faculdade, mas se o fizer já a convalidação será possível (Jorge Lopes de Sousa, ibidem, citando Acórdãos proferidos em 7-11-2001, proc 38983).
[10] Note-se que parece até existir uma certa contradição na pretensão do Requerente na medida em que desconsidera a correcção do acto tributário, atacando a liquidação que apurara imposto devido no montante de € 6.149,13, mas indica como valor do presente processo € 1.744,59, valor resultante da correcção efectuada. Contudo não ataca em nenhum momento a interpretação da lei efectuada pela Administração na determinação do valor de imposto agora exigido.
[11] Apreciando um caso de liquidação correctiva e explanando as diferenças face a outros conceitos como anulação, liquidação adicional, reforma de acto tributário, veja-se Acórdão do TCAS, de 27 de Novembro de 2012, in proc. nº 05908/12.