DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Álvaro Caneira e António Correia Valente, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, no seguinte
I – RELATÓRIO
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No dia 2 de Março de 2014, a A…, com sede na Rua …, …, … ..., NIPC …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto liquidação de ISV n.º 9004176, de 1 de Dezembro de 2014, no montante de €68.805,48.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que se verifica:
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Violação do artigo 8.º, n.º 2, al. e) da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT);
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Violação do artigo 57.º, n.º 1 (2.ª parte), al. e) da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 36.º, n.º 2, do RCPIT;
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Violação do artigo do artigo 62.º, n.º 1 do RCPIT;
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Violação do princípio da legalidade tributária, consagrado no artigo 8.º, n.º 1 da LGT, e no artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa que, uma vez que a CSR, apenas abrangerá os utilizadores da rede rodoviária nacional.
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No dia 04-03-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 23-04-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 11-05-2015.
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No dia 09-06-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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Atendendo a que se considerou não existir necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, nem matéria de excepção sobre as quais as partes carecessem de se pronunciar, e que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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No âmbito do Plano Local de Fiscalização Aduaneira, foi efectuada à Requerente, pela Alfândega de Setúbal, a Acção de Natureza Fiscalizadora (ANF) n.º …, tendo por âmbito as compras e vendas e abastecimentos de gasóleo colorido e marcado (GCM), e controlo dos respectivos registos através de cartão de microcircuito, no período compreendido entre 01/01/2013 e 24/06/2013.
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Nas datas referidas, a Requerente detinha vários postos de abastecimento, com os correspondentes sistemas POS/TPA para registo de abastecimentos de gasóleo colorido e marcado (GCM) através de cartão de microcircuito, designadamente em Brinches (onde se encontravam instalados dois depósitos com a capacidade de 20.000 l. e 10.000 l., respectivamente, e o terminal POS/TPA n.º …), em … (onde se encontrava instalado um depósito com a capacidade de 35.000 l. e o terminal POS/TPA n.º …; encontrando-se ainda atribuído o POS/TPA n.º …, sem registos) e em Pias (onde se encontrava instalado um depósito com a capacidade de 35.000 l. e o terminal POS/TPA n.º …; encontrava-se ainda atribuído o POS/TPA n.º …, sem registos).
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A Requerente, no mesmo período, tinha ainda um outro terminal POS/TPA (n.º …) na sua sede, em ..., sem que aí tivesse qualquer posto de abastecimento.
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Tendo sido, na ANF, confrontadas a facturação de aquisição e de venda de GCM com os registos de cartão de microcircuito nos terminais POS ITPA, apuraram-se as seguintes divergências:
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Registo nos POS/TPA de vendas de 155.482 l. de GCM, relativamente aos quais não havia documentos de suporte (Factura) das vendas;
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Abastecimento, a clientes finais de 243.867,51 l. de GCM, reflectidos na facturação, mas sem registo no POS/TPA.
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A ora Requerente foi notificada do Projecto de Conclusões, nos termos do artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA).
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Por Despacho de 16/12/2013, do Director da Alfândega de Setúbal (em regime de substituição), ao abrigo do artigo 36.º n.º 3, alínea a) do RCPITA, foi prorrogado por 3 meses o prazo inicial (de 6 meses) para a conclusão da ANF, que terminava em 24/12/2013.
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A ora Requerente foi notificada da prorrogação do prazo para conclusão do procedimento de inspecção (ANF) pelo ofício n.º …, de 16/12/2013, em 17/12/2013.
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Após o exercício do direito de audição prévia no âmbito da ANF pela ora Requerente, (que ocorreu fora do prazo concedido para o efeito) foi elaborado o Relatório final do procedimento em 10/01/2014, tendo sido corrigidas as quantidades de GCM vendido, em relação às que a ANF havia inicialmente apurado existirem irregularidades, no seguinte sentido:
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Registo nos POS/TPA de vendas de GCM, relativamente aos quais não havia documentos de suporte (Factura) das vendas, foi corrigido para 144.712,30 l.;
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Abastecimento, a clientes finais de GCM, reflectidos na facturação, mas sem registo no POS/TPA, foi corrigido para 229.832,70 l.
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Das conclusões do Relatório Final constava a proposta de liquidação e cobrança a posteriori, em conformidade com as irregularidades apuradas, nos seguintes valores:
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€75.246,09, referente a Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP);
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€33.379,45, referentes a Contribuição do Serviço Rodoviário (CSR);
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€54.202,91 referentes a IVA;
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Juros compensatórios respectivos, em valor a calcular nos termos do artigo 35.º da Lei Geral Tributária.
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A ora Requerente foi notificada do Relatório Final do procedimento de inspecção (ANF) pelo ofício da Alfândega de Setúbal, de 12/01/2014, em 14/01/2014.
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Com base nas conclusões do Relatório Final da ANF foi instaurado pela Alfândega de Setúbal o processo da cobrança a posteriori n.º ….
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No entanto, face à emissão da Instrução de Serviço n.º …, Série II, de 24/04/2014, da DSIECIV-DIPPE (Direcção de Serviços dos Impostos Especiais sobro o Consumo e do Imposto sobre Veículos - Divisão do Impostos sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos), relativa às vendas de GCM registadas nos terminais POS/TPA sem emissão de factura correspondente, ou com emissão de factura sem identificação do adquirente, instrução essa que determinava que a mera não emissão de factura não poderia dar origem, por si só, a liquidação de ISP e CSR, ao abrigo do artigo 93.º n.º 5 do CIEC, foi recalculada, pela Alfândega de Setúbal, a dívida, por forma a abranger apenas as situações detectadas na ANF de omissão de registo das vendas nos terminais TPA/POS.
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Face à referida alteração, foi a ora Requerente notificada antes da liquidação, para, querendo, exercer o direito de audição prévia.
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Foi efectuada a liquidação de 01/12/2014 (RLQ B-14/… / 14/…) de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e Juros Compensatórios no valor total de €68.805,48, sendo:
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€46.173,39, referentes a ISP;
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€ 20.482,69 relativos a CSR;
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€ 2.147,60 de juros compensatórios.
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A ora Requerente foi notificada da liquidação e do respectivo prazo de pagamento voluntário (15 dias), em 02/12/2014.
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Relativamente ao IVA devido, foi efectuada comunicação do Relatório Final da ANF à Direcção de Finanças de ..., para efeitos de liquidação.
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A liquidação foi paga pela Requerente em 17 de Dezembro de 2014, sob o DAC 2014/….
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não se provou que o gasóleo vendido pela Requerente, a que se reporta a liquidação objecto do presente processo, se destinou a ser utilizado fora das vias rodoviárias.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
O facto dado como não provado deve-se à ausência de prova a seu respeito.
B. DO DIREITO
Conforme resulta do seu requerimento inicial, a Requerente apresenta a serem resolvidas pelo presente Tribunal Arbitral, as seguintes questões:
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Violação do artigo 8.º, n.º 2, al. e) da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT);
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Violação do artigo 57.º, n.º 1 (2.ª parte), al. e) da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 36.º, n.º 2, do RCPIT;
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Violação do artigo do artigo 62.º, n.º 1 do RCPIT;
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Violação do princípio da legalidade tributária, consagrado no artigo 8.º, n.º 1 da LGT, e no artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa que, uma vez que a CSR apenas abrangerá os utilizadores da rede rodoviária nacional.
Vejamos cada uma delas.
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Como se viu, começa a Requerente por suscitar a questão da violação do art.º 8.º/e) da LGT, e do art.º 62.º do RCPIT, porquanto, e em suma, entende que no decurso do procedimento inspectivo foi notificada por duas vezes para exercer o seu direito de audiência prévia.
No entendimento da Requerente, “a AS introduziu nesse procedimento um acto que a lei não prevê: a repetição da formalidade de audiência prévia”, sendo que, ainda no entendimento daquela, nada “justificava a introdução de uma nova fase, de audiência prévia, não prevista na lei, enxertada na marcha do procedimento.”, já que a segunda notificação tem por base uma proposta de alteração, para menos, da correcção proposta, pelo que “A recorrente não teria interesse nem legitimidade em impugnar, com tal fundamento, a validade de tal despacho”, tendo assim, do ponto de vista da Requerente, sido violado o princípio da legalidade, consagrado no art.º 8.º da LGT, que abrange o procedimento tributário.
Mais sustenta a Requerente que “o artigo 62.º do RCPIT prevê que o procedimento
de inspecção tributária se considera concluído com a notificação do Relatório Final, o que se verificou em Janeiro de 2014, com a recepção do ofício da AS n.º …, de 13 de Janeiro de 2014. Não se julga possível que após a conclusão do procedimento de inspecção tributária se tenha seguido no mesmo procedimento, pelo menos, com referência ele, a mesma formalidade, a audiência prévia, repetindo-a, o que representa uma violação do formalismo do procedimento tributário, sujeito ao princípio da legalidade.”.
A posição sustentada pela Requerente, salvo o respeito devido, enferma de um erro de princípio, que é o de assumir que a lei, ao impor a obrigação de audiência prévia do contribuinte está, ao mesmo tempo, a proibir que tal ocorra mais do que uma vez.
Tal assumpção, que não é sustentada legalmente (o artigo 8.º da LGT nada permite concluir a esse respeito), é inclusive contrariada pelo quadro normativo aplicável.
Com efeito, e desde logo, o artigo 59.º do anterior CPA, vigente à data do procedimento tributário em causa, e aplicável por força do artigo 2.º/d) do CPPT e 2.º/c) da LGT, dispunha que “Em qualquer fase do procedimento podem os órgãos administrativos ordenar a notificação dos interessados para, no prazo que lhes for fixado, se pronunciarem acerca de qualquer questão.”.
Para além disso, e no que à invocada al. a) do n.º 2 do artigo 103.º do mesmo CPA, invocada pela Requerente, conforme explica o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa[1], “o certo é que este caso de dispensa de audiência não foi incluído na LGT, pelo que não havendo nesta matéria um caso omisso, não haverá suporte legal para fazer aplicação no procedimento tributário do preceituado nesta alínea a) do n.º 2 do artigo 103.º do CPA.”.
Por outro lado, e já no que diz respeito à, também invocada pela Requerente, al. b) da mesma norma, que tem correspondência directa no n.º 2 do artigo 60.º da LGT, prosseguindo com o mesmo Autor[2], “Apenas pode entender-se que se está perante uma decisão favorável ao contribuinte quando ela for integralmente favorável às pretensões que formulou no procedimento tributário, pois, uma decisão apenas parcialmente favorável será desfavorável na parte restante.”.
Por fim, e no que diz respeito à invocada violação do artigo 62.º do RCPIT, entende-se igualmente que a norma em causa não acolhe a interpretação e efeitos que a Requerente pretende retirar da mesma.
Com efeito, a referida norma regula essencialmente o conteúdo do relatório final de inspecção, que é o acto final do procedimento. Não obstante, tal acto é, evidentemente, um acto da Administração que a mesma era livre de, dentro dos limites e pressupostos dos artigos 138.º e ss. do anterior CPA, que não se indiciam violados, revogar total ou parcialmente, sendo que, in casu, a audiência prévia contra a qual a Requerente se insurge poderia ser entendida, justamente, no quadro de uma intenção de revogação parcial de tal acto, nos termos melhor descritos nos pontos 12 a 14 da matéria de facto.
Independentemente de tudo o mais, diga-se que a Requerente parece confundir o procedimento de inspecção tributária, regulado pelo RCPIT, com o procedimento de liquidação. A segunda notificação para audiência prévia, ocorre, assim, não no quadro do procedimento de inspecção, mas no quadro do procedimento de liquidação, que tem por base o relatório de inspecção, sendo que, por regra, a referida audiência é dispensada, com base no disposto no n.º 3 do artigo 60.º da LGT, que se refere expressamente a este tipo de situações, dizendo que “Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas (...) e) do n.º 1 [“Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária”], é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.”.
Ou seja: a regra é ser obrigatória a audiência prévia antes da liquidação (artigo 60.º/1/a) da LGT), sendo a mesma dispensada, para além do mais, quando o contribuinte tenha sido ouvido antes da conclusão do relatório de inspecção tributária (artigo 60.º/3 da LGT, 1.ª parte), salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais aquele se não tenha pronunciado (artigo 60.º/3 da LGT, 2.ª parte). Daqui se evidencia, que, ao contrário do que argumenta a Requerente, a segunda audiência prévia que lhe foi dirigida não ocorreu no quadro do procedimento de inspecção tributária, mas no quadro do procedimento de liquidação que se lhe sucedeu.
Deste modo, não se julgando legalmente fundada nenhuma das ilegalidades ora em apreço, deve o pedido arbitral, nessa parte, improceder.
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Seguidamente, suscita a Requerente a violação do artigo 57.º, n.º 1 (2.ª parte), al. e) da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 36.º, n.º 2, do RCPIT, alegando, em suma, que a segunda notificação para audiência prévia, “atrás referida redundou na prática de um acto inútil, violador do princípio da celeridade que anima o procedimento de inspecção tributária e que, na sua vertente negativa, proíbe à administração tributária a prática de actos inúteis” e que tal também “se traduz na violação do disposto no artigo 36.º, n.º 2 do RCPIT, segundo o qual o procedimento de inspecção tributária é contínuo e deve ser concluído no prazo de seis meses a contar da notificação do seu início, ou seja, a partir de 24 de Junho de 2013. A conclusão do procedimento não deveria, pois, exceder o dia 24 de Dezembro de 2013, incluindo, naturalmente, a audiência da recorrente e a elaboração e notificação do Relatório Final.”. Mais refere a Requerente que “o procedimento de inspecção tributária iniciou-se em 24 de Junho de 2013 e, em rigor, ainda não chegou ao fim. A iniciativa de introduzir no procedimento uma nova audiência prévia pressupõe uma tomada de decisão provisória a exigir uma outra, definitiva, no próprio processo de inspecção tributária, que não houve, não podendo a AS reportar essa diligência ao Relatório Final anterior, sendo-lhe vedada a possibilidade de criação de ficções legais.”.
Relativamente a esta última questão, conforme já se referiu anteriormente, entende- se que a Requerente labora em erro, ao considerar que a segunda notificação para audiência prévia ocorreu no decurso do procedimento de inspecção tributária, o que não foi o caso.
Depois, cumpre referir que, conforme resulta da matéria de facto supra-fixada, por Despacho de 16/12/2013, do Director da Alfândega de Setúbal (em regime de substituição), ao abrigo do artigo 36.º n.º 3, alínea a) do RCPITA, foi prorrogado por 3 meses o prazo inicial (de 6 meses) para a conclusão da ANF, que terminava em 24/12/2013, tendo a ora Requerente sido notificada da prorrogação do prazo para conclusão do procedimento de inspecção pelo ofício n.º …, de 16/12/2013, em 17/12/2013, e do Relatório Final do procedimento de inspecção (ANF) pelo ofício da Alfândega de Setúbal, de 12/01/2014, em 14/01/2014.
Deste modo, não assiste razão à Requerente quanto à alegada violação do artigo 36.º/2 do RCPIT, assente no não encerramento do procedimento de inspecção tributária, sendo que, mesmo que assim não fosse, não seria a consequência de tal violação a pretendida por aquela, já que, como se escreveu no Ac. do STA de 29-11-2006, proferido no processo 0695/06[3]:
“A questão a decidir é esta: a violação do prazo de inspecção constitui ilegalidade autónoma cuja consequência é a ilegalidade das liquidações impugnadas? (...)
Esta questão encontra, a nosso ver, uma resposta clara na lei, que não necessita de grande labor hermenêutico.(...)
Daqui é de concluir que o prazo de inspecção é contínuo, devendo esta ser concluída no prazo de 6 meses, com as excepções previstas no nº 3 deste artigo.
E que consequência para a violação de tal prazo?
O citado artigo 46º, nº 1 da LGT diz-nos qual a consequência: o prazo de caducidade, que estava suspenso, cessa esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início.
É esta a consequência. E mais nenhuma. O legislador pretende que o prazo de inspecção não seja ultrapassado. E, se for ultrapassado, há uma consequência para a administração fiscal. Tudo se passa como se não tivesse sido feita a inspecção correndo o prazo de caducidade continuamente e sem qualquer suspensão.
É esta para nós a interpretação dos textos legais e não outra.”
Quanto à alegada violação dos princípios da celeridade e da proibição da prática de actos inúteis, cujo acolhimento legal não é o, indicado pela Requerente, artigo 57.º da LGT, que, no caso e considerando-se, como faz a Requerente, que a notificação em questão teria ocorrido no quadro do procedimento de inspecção, até seria afastado, pela especialidade do artigo 36.º do RCPIT, sempre se dirá que constituindo a audiência prévia levada a cabo pela AT, nos termos atrás vistos, uma faculdade (decorrente do artigo 59.º do CPA aplicável) e uma obrigação (decorrente do artigo 60.º da LGT) legais, não poderá aquela ser qualificada como um acto inútil ou violador do dever de celeridade que assiste à AT.
Deve, pelo exposto, improceder também esta parte do pedido arbitral formulado pela Requerente.
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Ainda na perspectiva da legalidade formal do acto tributário objecto do presente processo, suscita a Requerente a questão da violação do artigo do artigo 62.º, n.º 1 do RCPIT, alegando, em síntese, que “A qualificação jurídica de um facto tributário exige a indicação expressa da norma que cria o tributo e autoriza a sua liquidação, que, no caso, da CSR teria de ser o artigo 4.º da referida Lei n.º 55/2007. A ausência dessa indicação fere de invalidade o despacho de 1 de Dezembro de 2014, do Ex Senhor Director da AS que determinou o apuramento da dívida de €20.482,60 de CSR, integrada na liquidação …, daquela data, por violação do disposto no artigo 62.º, n.º 1 do RCPIT, segundo o qual, o Relatório Final do procedimento deve identificar e sistematizar os factos detectados e a sua qualificação jurídico-tributária, faltando esta última, no entender da recorrente.”
Ressalvado o respeito devido, entende-se, uma vez mais, que não assistirá aqui razão à Requerente.
Com efeito, a norma invocada pela Requerente mais não é que o reflexo, em sede do procedimento inspectivo, do dever geral de fundamentação dos actos tributários, genericamente consagrado no artigo 77.º da LGT, estando concretamente ora em causa, a fundamentação de direito do acto tributário cuja legalidade é posta em crise.
Ora, conforme se escreveu no Ac. do STA de 18-06-2011, proferido no processo 068/11, “Apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável, a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário.”.
Sendo este, precisamente, o caso dos autos, haverá, justamente, de improceder a correspondente parte do pedido arbitral em questão nestes autos.
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Já de um ponto de vista substancial, alega a Requerente a ilegalidade da liquidação de € 20.482,60 de CSR, por violação do princípio da legalidade tributária, consagrado no artigo 8.º, n.º 1 da LGT, e no artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa que, uma vez que a CSR apenas abrangerá os utilizadores da rede rodoviária nacional, entendendo a Requerente que, nos autos, não se trata de gasóleo rodoviário nem o mesmo foi usado na rede rodoviária nacional. Assim, uma vez que “no seu entender, o que caracteriza a incidência em CSR é a utilização da rodovia, não o consumo do gasóleo”, conclui a Requerente que terão sido violados os normativos atrás indicados.
Liminarmente, diga-se que toda a alegação da Requerente desfalece, pela base, atenta a não demonstração, em termos de matéria de facto, de um dos pressupostos em que se sustenta a sua argumentação.
Efectivamente, não se encontra demonstrado que o combustível por si vendido, e não registado no POS/TPA, tenha tido uma utilização exclusivamente fora da “rodovia”. Ora, não se demonstrando esse facto, como acontece nos autos, mesmo que se entenda – o que não é o caso, como se verá – que a CSR apenas incide sobre combustível a utilizar na rodovia, não poderá proceder uma pretensão que assenta na não utilização do combustível confessadamente vendido, nesse âmbito.
Não obstante, sempre se dirá que não se subscreve a tese apresentada pela Requerente. Com efeito, a conclusão por esta tirada, segundo a qual “Resulta do regime legal exposto que a CSR é a contrapartida paga pelos utilizadores da rede rodoviária nacional pela sua utilização, verificada pelo consumo de combustíveis, incidindo sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao ISP”, não encontra qualquer sustentação, no que à primeira parte diz respeito, nos textos legais onde se baseia.
Assim, e desde logo, não existe qualquer relação necessária entre um tributo funcionalizado a determinada finalidade, e a sujeição exclusiva àquele dos beneficiários da finalidade visada com ele[4].
Por outro lado, a expressão “gasóleo rodoviário”, utilizada no quadro legal que regula a CSR, refere-se, naturalmente, à utilização normal do gasóleo, e não à sua utilização, eventual, para outras finalidades. De resto, nenhuma razão haveria, noutro caso, para distinguir o gasóleo da gasolina, sendo que esta, por exemplo, é com frequência, tal como o gasóleo, utilizada para finalidades não rodoviárias[5].
Não se nega, por ser expressa, que a ratio subjacente à criação e implementação da CSR seja a de onerar os utilizadores da rede rodoviária nacional, com os encargos inerentes à sua utilização. Contudo, crê-se ser igualmente expresso que o método de realização de tal ratio é o de fazer incidir o tributo em causa “sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos.”, fazendo sujeitos passivos do mesmo os “sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”, independentemente da finalidade concreta da utilização do combustível adquirido, o que se deverá, para além do mais, a evidentes razões de praticabilidade, já que não seria viável instituir um sistema em que, em cada venda, se fosse aferir se o destino concreto do combustível era, ou não, a circulação na rodovia.
Em todo o caso, como se começou por referir, o certo é que, em concreto, a Requerente não provou que todo, ou parte, do combustível a que se reporta o montante liquidado a título de CSR tenha sido destinado a fins não rodoviários, pelo que sempre, por este motivo, a sua pretensão terá de naufragar.
Ou seja, mesmo que se considere que a interpretação da norma de incidência da CSR, directamente ou por força do artigo 103.º/2 da CRP, impõe que se entenda, como sustenta a Requerente, que apenas o gasóleo utilizado efectivamente na rodovia seja tributado por aquela, no caso concreto não se apura que o gasóleo vendido pela Requerente, sem registo no POS/TPA, tenha tido um destino distinto daquele, pelo que, de tal interpretação não seria possível tirar consequências no presente processo.
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Nas suas alegações escritas, a Requerente vem suscitar novas questões que não foram anteriormente colocadas no seu Requerimento inicial, designadamente:
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a ilegalidade do despacho que autorizou a prorrogação por três meses do prazo do procedimento de inspecção tributária por violação da norma que a prevê e do dever de fundamentação, consagrado no artigo 124.º, n.º 1, al. a) do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e no artigo 125.º do mesmo diploma, aprovado pelo Decreto-lei n.º 442/91, de 15 de Novembro;
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a ilegalidade do acto de liquidação do tributo por falta de fundamentação, por violação dos artigos 36.º, n.º 2 e n.º 3, al. a) do RCPITA, dos artigos 124.º n.º 1 e 125.º do CPA aplicável, do artigo 62.º n.º 1 do CPPT, do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT;
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a ilegalidade do acto de liquidação, por violação dos artigos 55.º, 57.º, n.º 1 , 60.º, n.º 3 todos da LGT;
Como refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa[6], “Nas alegações, em regra, apenas é admissível a apreciação crítica das provas e a discussão das questões de direito suscitadas na petição da impugnação, não sendo possível utilizá-las para invocar novos factos ou suscitadas novas questões de ilegalidade do acto impugnado.”. E, continua aquele Autor, “Assim, só relativamente a questões de conhecimento oficioso ou quando surjam factos subjectivamente supervenientes para o impugnante que lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia ter conhecimento no momento da apresentação da petição, será permitido ao impugnante invocar novos factos ou suscitar novas questões de legalidade do acto impugnado”. Não sendo esse o caso, ou seja, não estando em causa questões de conhecimento oficioso, nem factos subjectivamente supervenientes, não poderá este tribunal conhecer das referidas questões.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, absolver a Requerida do mesmo.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €68.805,48, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa
21 de Setembro de 2015
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(Álvaro Caneira)
O Árbitro Vogal
(António Correia Valente)
[1] “CPPT – Anotado e Comentado”, I vol., Áreas Editora, 2006, p. 395.
[3] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência sem indicação de proveniência.
[4] Mesmo históricamente. Basta atentar que o real d’água, que se destinava, primitivamente, a financiar o arranjo de canos, fontes e aquedutos, para abastecimento de agua das povoações (donde a sua denominação), incidia sobre a venda de produtos como as bebidas alcoólicas, o azeite e o vinagre.
[5] Como, por exemplo, na propulsão de embarcações.