Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 181/2015-T
Data da decisão: 2015-11-09  IUC  
Valor do pedido: € 12.657,70
Tema: IUC – Incidência subjetiva; Locação financeira; Presunção ilidível
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 181/2015-T

Tema: IUC                

 

REQUERENTE: A…, SA

 

REQUERIDA: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

 

I – RELATÓRIO

 

A)    As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral

 

1.      A…, S.A., doravante designada por “Requerente”, anteriormente designada por B…, S.A., sociedade com sede na Rua …, n.º …, … Lisboa, com o número de pessoa coletiva …, notificada da decisão de deferimento parcial, proferida por despacho de 14.11.2014 da Exma. Senhora Diretora de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais, a qual recaiu sobre o recurso hierárquico n.º …/13, apresentado contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra as autoliquidações de Imposto Único de Circulação (IUC), respeitantes aos anos de 2008 e 2009, requereu constituição de Tribunal Arbitral Singular, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), com vista à anulação dos referidos atos tributários.

 

2.      O recurso hierárquico correu termos junto da Direção de Finanças de Lisboa, tendo sido parcialmente deferido, como consta dos documentos juntos aos autos pela Requerente e, ainda, do processo administrativo junto pela Requerida.

Assim, atendendo ao pedido formulado pela Requerente, estão em causa apenas as liquidações de imposto, constantes do documento nº 2, juntas em anexo ao pedido arbitral. Trata-se de 110 liquidações de IUC, referentes às viaturas aí identificadas, no montante global de €12.657,70.

 

3.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 16-03-2015 e foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 18-03-2015 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 24-03-2015. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº1, do artigo 6º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 08-05-2015, como árbitro a Prof. Doutora Maria do Rosário Anjos. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (RJAT), o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 26-05-2015. Foi proferido despacho arbitral para a AT apresentar resposta no prazo legal, em 27-05-2015, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 17º do RJAT.

 

4.      A AT apresentou a sua resposta em 29-05-2015, acompanhada pelo respetivo processo administrativo, juntos aos autos e que se dão por integralmente reproduzidos. Em 14-07-2015 veio a Requerente pronunciar-se quanto às exceções invocadas pela Requerida na sua resposta.

 

5.       Em 13-07-2015, foi proferido despacho arbitral para consulta às partes sobre a possibilidade de dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, uma vez que as questões em discussão nos autos se afiguram exclusivamente de direito. No mesmo despacho é indicada a data de 07-09-2015, para a realização da reunião se as partes entenderem haver interesse na mesma.

A Requerente pronunciou-se por requerimento de 04-05-2015 no sentido de manter a realização da reunião. Já a Requerida, em 07-08-2015, pronunciou-se a favor da dispensa de realização da dita reunião, por considerar que a mesma seria um inutilidade, tanto mais que a Requerente já se havia pronunciado nos autos sobre a matéria das exceções invocadas na Resposta.

Nesta conformidade, considerando a posição assumida pelas partes e todos os elementos já juntos aos autos, dos quais resulta não haver controvérsia quanto à matéria de facto em discussão nos autos, mas tão só questões de direito, foi proferido despacho arbitral, em 14-08-2015, no qual o Tribunal decide dispensar a realização da reunião, fixa o prazo de dez dias igual e sucessivo para as partes apresentarem, querendo, as suas alegações. No mesmo despacho foi fixada data para prolação da decisão arbitral até 23-11-2015 e a Requerente notificada para, até esta data, efetuar o pagamento da taxa de justiça subsequente.

Requerente e Requerida não apresentaram alegações escritas.

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:

 

6.      A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade do indeferimento parcial do recurso hierárquico, que se seguiu ao indeferimento da reclamação graciosa anteriormente deduzida contra as liquidações de Imposto Único de Circulação que estão subjacentes, pugnando pela sua. Está em causa a ilegalidade das liquidações identificadas nos autos, referentes aos períodos compreendidos entre os anos de 2009 a 2012, constantes do documento nº 2 junto em anexo ao pedido arbitral, no valor global de €12.657,70.

 

7.      Todas estas liquidações se encontram devidamente identificadas e discriminadas nos autos (doc. nº2 em anexo ao pedido arbitral), com identificação da matrícula do veículo, ano a que respeitam e respetivo valor e comprovativo de pagamento. As liquidações em crise resultam, ainda, confirmadas pela análise do PA junto aos autos, e ainda de todos os elementos constantes dos procedimentos de Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico deduzidos pela Requerente, que se encontram juntos aos autos, como partes integrantes do Processo Administrativo. Nos termos do disposto no artigo 104º do CPPT é possível a cumulação de pedidos.

 

 

Em síntese, fundamenta o seu pedido, alegando o seguinte:

 

8.      O presente pedido de pronúncia arbitral visa a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento parcial do recurso hierárquico que manteve as autoliquidações de IUC melhor identificadas no Quadro 1 constante do pedido arbitral e que se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela ilegalidade das mesmas, respeitantes aos anos de 2008 e 2009, no valor total de €12.657,70, com fundamento no disposto na alínea a) do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

9.                  Em síntese, alega ainda que nos procedimentos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico que desencadeou fez prova documental abundante, nomeadamente das Faturas de venda das viaturas, emitidas na forma legal e cuja veracidade a ATA não impugnou, dos DUA, e mapas detalhados com as matrículas, data de matrícula, comprovativo do pagamento por transferência e identificação do comprador, extratos contabilísticos e de conta clientes (vd. Doc.5 e 7 juntos ao pedido arbitral) dos quais se conclui que à data do facto tributário a Requerente não era a proprietária dos referidos veículos.

 

10.   Assim, apesar do deferimento parcial do Recurso Hierárquico, a Requerente discorda de todos os restantes atos de liquidação reclamados e agora impugnados, pelo que também não aceita a decisão do recurso hierárquico que os manteve, porquanto considera que não é sujeito passivo de IUC relativo às matrículas em questão, em nenhum dos anos sobre os quais incidiram as liquidações objeto de pedido de pronúncia arbitral. Em todos os casos abrangidos pelo presente pedido arbitral, a Requerente considera que não é sujeito passivo de imposto, por não ser a proprietária das viaturas correspondentes às liquidações de imposto em causa, os quais já tinham sido vendidos aos respetivos compradores.

 

11.   Considera que com toda a documentação junta aos autos (Faturas, Declarações Aduaneiros (DAV) e outros que constam do processo de reclamação graciosa e do recurso hierárquico supra mencionados, afastou a presunção ilidível contida no artigo 3º, nº1 do CIUC, o que configura motivo de exclusão de incidência subjetiva de imposto. Nesta conformidade a decisão de indeferimento parcial do Recurso Hierárquico e as liquidações impugnadas enfermam de erro sobre os pressupostos do facto tributário, o que consubstancia vício de violação de lei.

 

12.  A Requerente foi notificada para pagamento de todas as liquidações oficiosas de IUC relativas às viaturas identificadas na Tabela Anexa ao pedido de pronúncia arbitral, com referência aos períodos de tributação 2008 e 2009. Efetuou o pagamento de todas as liquidações, quando notificada para esse efeito, e procedeu à apresentação de Reclamação Graciosa, que correu termos com o nº …PT, na Direção de Finanças de Lisboa, na qual juntou vasta documentação para prova dos factos alegados, sendo que, apesar disso, a reclamação foi indeferida e o recurso hierárquico parcialmente indeferido. Sucedeu-se a interposição de Recurso Hierárquico, no âmbito do qual foi proferida a decisão de deferimento parcial, por via da qual foram anuladas algumas liquidações e mantidas todas as que se identificam no Quadro1 da PI e juntas no documento nº2 em anexo ao pedido arbitral. Por não se conformar com as razões subjacentes a esse deferimento parcial a Requerente apresentou o presente pedido arbitral.

 

13.  Quanto á fundamentação de direito, considera demonstrado que no caso em apreço parte das viaturas identificadas nos autos foram alienadas aos clientes da Requerente antes da matrícula ou até ao termo daquele prazo de 60 dias legalmente previsto (cf. docs. n.ºs 4, 5, 6 e 7). Pelo que, conclui que a Requerente não é o sujeito passivo do IUC devido no ano da matrícula e, como tal, são ilegais os atos tributários relativos aos aludidos veículos, os quais devem ser anulados. Por outro lado, também considera demonstrado que outra parte das viaturas identificadas nos autos foram alienadas aos clientes da Requerente até à data do aniversário da matrícula (cf. docs. n.ºs 5 e 8), pelo que também não é o sujeito passivo do IUC devido nos anos subsequentes ao ano da matrícula, e, como tal, são ilegais os atos tributários relativos aos aludidos veículos, os quais devem ser anulados.

 

14.  Alega a Requerente que nos termos do disposto no artigo 3º, nº1 e no artigo 6º do CIUC, o legislador estabeleceu, uma norma de incidência subjetiva que assenta numa mera presunção legal, necessariamente ilidível nos termos previstos no artigo 73º da LGT. Como tal pode ser feita prova cabal, como alega ser o caso, de que à data do facto tributário a Requerente não era a proprietária das viaturas em causa. As faturas emitidas para titular as vendas das viaturas e os restantes documentos inerentes aos negócios realizados, nomeadamente o Documento Único Aduaneiro (DUA), extratos de conta clientes e comprovativos das transferências assinaladas no Mapa junto aos autos. Documentos que beneficiam da presunção de veracidade estabelecida pelo artigo 75º da LGT.

Acresce, quanto aos veículos matriculados entre 1964 e 2001 e alienados há mais de dez anos, alega que conforme resulta dos inventários referentes aos últimos 10 exercícios aquelas viaturas não constam dos mesmos, o que prova que não são sua propriedade. Sendo que a obrigação de manter na sua posse documentação comercial e contabilística se extingue ao fim de 10 anos, como resulta do disposto no artigo 40º do Código Comercial e artigo 123º do Código de imposto sobre as Pessoas coletivas (CIRC). Tratando-se de viaturas alienadas há mais de uma década conclui que a Requerente não está obrigada a produzir mais prova a este respeito.

A este propósito alega ainda a Requerente que, nos termos do disposto no artigo 5º, nº3 do Decreto-Lei 78/2008 as viaturas em causa deviam ter beneficiado no regime aí previsto, que impunha o cancelamento oficioso das matrículas das viaturas matriculadas entre 01-01-1980 e 31-12-2000. Outro entendimento resultaria em violação do princípio da igualdade e, por consequência, em manifesta inconstitucionalidade daquela norma.

 

15.  Em síntese, considera que no caso específico da atividade exercida pela requerida (importador) as regras de funcionamento do mercado em que opera a Requerente, e que segundo a Requerente a ATA conhece bem, implica que em relação ao importador nunca se verifiquem os pressupostos legais de incidência do IUC. Certo é que, as liquidações, bem assim como as decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico (indeferimento parcial) apresentados pela Requerente, não consideram devidamente tais regras, assentando num entendimento quanto à regra de incidência de IUC que a Requerente não aceita. Não existem presunções inilidíveis em matéria de incidência tributária e, no caso concreto, por toda a documentação junta aos autos deve considerar-se que a Requerente ilidiu essa presunção.

 

16.  Conclui peticionando a anulação “dos atos tributários acima identificados”, ou seja, do indeferimento do recurso hierárquico e das liquidações de imposto impugnadas, no montante global de €12.657,70, correspondente ao valor de imposto indevidamente pago e respetivos juros compensatórios indevidos. Consequentemente deve ser restituído este valor à Requerente acrescido de juros indemnizatórios pela privação do referido montante, nos termos do artigo 43º da LGT.

 

 

C – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

17.  A Requerida ATA, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, por exceção e por impugnação, alegou, em síntese, o seguinte:

a)      A título de questão prévia, alega as exceções de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e da ilegalidade de cumulação de pedidos, alegando:

                                                              i.       Quanto à primeira exceção que a Requerente apenas peticiona a declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação identificados nos autos, em relação aos quais há muito se esgotou o prazo previsto no artigo 10º, nº1 do RJAT; acrescenta que no pedido arbitral a Requerente não formulou qualquer pedido de anulação do indeferimento expresso do recurso hierárquico apresentado (…);

                                                            ii.       Em relação à segunda exceção invoca a ATA que os atos de liquidação em causa nos autos referem-se a situações diferenciadas que não respeitam às mesmas circunstâncias de facto, nem aos mesmos veículos, em relação aos quais se discutem circunstâncias diferentes, pelo que não deve considerar-se possível a cumulação de pedidos.

b)      Por impugnação, alega que não assiste razão à Requerente, porquanto, diverge da Requerente quanto à interpretação dos artigos 3º, 4º e 6º do CIUC. Do ponto de vista da ATA a questão fundamental em discussão nos autos tem a ver com a incidência objetiva/subjetiva do IUC. Resulta do disposto no artigo 17º do Código de Imposto sobre Veículos (CISV) que a introdução no consumo e liquidação de imposto sobre veículos que não possuam matrícula nacional é titulada pela emissão de uma Declaração Aduaneira de Veículos (DAV). Este documento constitui o facto gerador do imposto nos termos, para os efeitos do artigo 5º do CISV. Na ótica da ATA a interpretação e aplicação do disposto nos artigos 117º, nº4 do Código da Estrada, a matrícula é pedida ao IMTT pela entidade que proceder à admissão ou introdução do veículo no consumo. Por tudo isto e ainda por força do disposto no artigo 24º do Regulamento de Registo Automóvel e no artigo 3º nº 1 do CIUC a ATA considera que o sujeito passivo do imposto, em todas as situações descritas nos autos é a Requerente.

c)      Na sua resposta a AT, descreve o procedimento de introdução das viaturas no consumo e conclui que a aplicação das normas em causa, bem assim como no artigo 24º do Regulamento de Registo Automóvel (RRA) implicam que o primeiro registo de cada veículo é concretizado em nome da entidade importadora (Requerente). Assim, conclui que é “peremptório que a Requerente figura como proprietária dos veículos melhor identificados no pedido arbitral.”

d)      Pelos dados de que dispõe, conclui que à data dos factos tributários o registo automóvel se encontrava em nome da Requerente e não de terceiros, pelo que conclui que o IUC é devido pela Requerente, único proprietário dos bens em causa no momento da ocorrência do facto gerador de imposto. O facto gerador do imposto consagrado no artigo 6º do CIUC é aferido pela matrícula ou pelo registo em território nacional.

e)      Foi precisamente a aplicação destas regras que conduziram ao indeferimento proferido no âmbito da reclamação graciosa e do deferimento parcial do Recurso Hierárquico. Em suma, segundo a Requerida “tendo a Requerente solicitado a emissão de certificado de matrícula e encontrando-se o mesmo registado em nome desta, estão indubitavelmente reunidos os pressupostos do facto gerador do IUC, bem como da sua exigibilidade, sendo a Requerente sujeito passivo do imposto.”

f)       Além do mais, segundo a Requerida a tese da Requerente não é aceitável, porquanto o “legislador tributário quis intencional e expressamente que fosse considerado facto gerador de imposto, tal como atestado pela matrícula.”

g)      O facto gerador ocorrido com a emissão da matrícula e primeiro registo, conduz à exigibilidade do imposto por parte da Requerente e à sua sujeição a imposto. Pelo que, o entendimento propugnado pela Requerente é completamente desfasado das normas legais e consubstanciaria uma exclusão de tributação que não encontra qualquer respaldo na letra da lei.

h)      Por isso, alega, que não assiste razão à Requerente, cujo entendimento incorre numa leitura desconforme à letra da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC. Argumenta ainda que a tese da Requerente assenta numa interpretação desconforme à Constituição, violadora do princípio da capacidade contributiva, colidindo com o artigo 103º da CRP e 8º da LGT, bem assim como, com os artigos 104º da CRP e 4º da LGT.

i)        Alega que, “à revelia dos argumentos aduzidos pela requerente, sendo apenas dada relevância ao registo ficaria irremediavelmente afastado o facto gerador ocorrido com a emissão da matrícula, bem como a exigibilidade do imposto no ano em que a mesma é emitida.”

j)        Quanto ao valor probatório das faturas para afastar a alegada presunção contida no artigo 3º CIUC, alega a Requerida que tais documentos não têm essa virtualidade, porque o artigo 3º não estabelece uma presunção e porque se e quando se pretenda reagir contra a presunção de propriedade que é atribuída ao registo torna-se necessário reagir pelos meios próprios previstos no Regulamento do Registo automóvel e nas leis registais subsidiariamente aplicáveis. Invoca a favor deste entendimento a jurisprudência vertida na sentença proferida no processo arbitral nº 63/2014-T. Quanto à jurisprudência arbitral invocada pela Requerente invoca que esta não serve de precedente e não corresponde a corrente jurisprudencial de Tribunal Superior, sendo certo que a jurisprudência arbitral mais recente não tem acompanhado em todos os casos a corrente jurisprudencial inicial invocada pela Requerente;

k)      Refuta, por fim, a tese invocada pela Requerente quanto à ilegalidade das liquidações por violação do artigo 2º do CIUC em articulação com o artigo 5º, nº 3 do decreto-Lei 78/2008, quando invoca esta última norma para defender a tese de que se impunha o cancelamento oficioso das matrículas dos veículos automóveis aqui em causa, na medida em que são anteriores a janeiro de 1980, pelo que, em consequência daquele cancelamento, os veículos necessariamente ficariam fora do âmbito de incidência do IUC. A propósito desta questão alega a Requerente que o presente tribunal arbitral não teria, sequer, competência para conhecer dessa questão (embora não o faça a título e exceção), porque entende que tal questão extravasa as competências que estão reservadas por lei ao CAAD.

l)        Em torno da questão da incidência subjetiva do IUC, centrando a sua alegação no disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 3.º do CIUC, salienta um conjunto de argumentos para demonstrar que a tese defendida pela Requerente assenta numa interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do sistema, que ignora o elemento teleológico da interpretação da lei.

m)    Em suma, segundo a Requerida entender que o legislador consagrou aqui uma presunção consubstanciaria uma interpretação contra legem. Conclui, pois, que o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal e que outra interpretação seria ignorar o elemento teleológico de interpretação da lei e a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC.

n)      Conclui, que o artigo 3º do CIUC não comporta qualquer presunção legal, e pela improcedência do pedido arbitral, porquanto os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, na medida em que à luz do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do CIUC e do artigo 6.º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC, tal como atesta a Informação relativa ao histórico da propriedade dos veículos em causa, emitida pela Conservatória do Registo Automóvel;

o)      Na óptica da AT, nos termos do disposto no artigo 3º do CIUC, o imposto passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos. Outra interpretação seria ignorar o elemento teleológico de interpretação da lei, o elemento sistemático, violando a unidade do regime e seria, ainda, uma interpretação desconforme à Constituição.

p)      Alega a AT que, caso assim não se entenda, sempre se teria de considerar que os documentos probatórios juntos pela Requerente (faturas) não são suscetíveis de ilidir a presunção do registo, dado seu o caráter unilateral, pelo que se trata de um documento insuficiente para afastar a presunção do registo. Tal só seria possível através dos procedimentos próprios previstos para a anulação do registo. Invoca jurisprudência arbitral vertida em várias decisões proferidas e no recente acórdão do TCA Sul de 19-03-2015.

q)      Por último, contesta a responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais e do pagamento dos juros indemnizatórios peticionados pela Requerente. Conclui pugnando pela procedência da exceção invocada ou, caso assim nãos e entenda, pela improcedência do pedido, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se a Requerida do pedido.

 

 

 II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

18.  O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, para o conhecimento do pedido formulado, o qual consiste na anulação dos atos tributários impugnados nos presentes autos.

19.   As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (Cfr. 4º e 10º nº2 do DL nº 10/2011 e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março).

 

20.  O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

21.  Tendo em conta o processo administrativo tributário, a prova documental junto aos autos, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.

 

 

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

A)    Factos Provados

 

 

22.  Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

a)      No âmbito da sua atividade, a Requerente A…, S.A. (anteriormente designada por B…, S.A., importa os automóveis da marca C e, posteriormente, procede à alienação dos mesmos aos seus clientes.

b)      Para efeitos da venda dos automóveis em condições de circulação imediata, a Requerente requer junto dos serviços competentes a atribuição das respetivas matrículas.

c)      A matrícula é requerida em data anterior ou na mesma data da alienação das viaturas.

d)     Sempre que a Requerente requer a atribuição de uma matrícula, está obrigada a efetuar o registo inicial da propriedade do veículo em seu nome.

e)      A Requerente importa os veículos em causa e procede à sua introdução no consumo, através da apresentação da respetiva Declaração Aduaneira de Veículo (DAV);

f)       Solicita, posteriormente, a emissão do certificado de matrícula do qual depende a apresentação da DAV, a qual é emitida em nome da Requerente;

g)       O registo inicial da propriedade é, obrigatoriamente, efetuado em seu nome;

h)      Só após estes procedimentos a Requerente aliena e regista as aludidas viaturas em nome dos seus clientes;

i)        Nalguns casos, a Requerente aliena e regista os automóveis a favor dos seus clientes até ao termo do prazo legal de 60 dias após a atribuição das respetivas matrículas;

j)        No entanto, em alguns casos, por motivos que se prendem com atrasos no processo de registo da viatura em nome do cliente, não obstante a venda ser realizada até ao termo do referido prazo de 60 dias, o registo da propriedade dos automóveis a favor dos clientes é efetuado após esse período;

k)      Nos anos subsequentes ao ano da matrícula, a Requerente aliena e regista os automóveis a favor dos seus clientes antes do aniversário da matrícula;

l)        Contudo, à semelhança do que sucede em alguns casos no ano de atribuição da matrícula, não obstante a venda ser realizada antes do aniversário da matrícula, o registo da propriedade dos automóveis a favor dos clientes é efetuado, em algumas situações, após essa data;

m)    No decurso dos anos de 2012 e 2013, a Requerente recebeu várias comunicações da administração tributária nas quais se afirmava estar em falta a liquidação de IUC com referência a diversas viaturas de que a Requerente seria alegadamente proprietária;

n)      Durante os anos de 2012 e 2013, a Requerente foi notificada de várias liquidações adicionais de IUC respeitantes aos veículos identificados nas mesmas;

o)      Na origem das referidas comunicações e liquidações adicionais está o facto da Requerente, ter o seu nome na requisição da matrícula e no respetivo registo inicial de propriedade do veículo;

p)      A Requerente pagou o € 12.657,70 autoliquidado, no qual se incluem as seguintes situações:

                                                              i.      38 viaturas matriculadas no ano de 2008 e alienadas antes da atribuição da matrícula, mas registadas a favor do cliente depois do prazo de 60 dias após a data da sua atribuição, às quais corresponde IUC, no montante de € 2.013,40;

                                                            ii.      22 viaturas igualmente matriculadas no ano de 2008 e alienadas até ao termo do prazo de 60 dias após a data de atribuição da matrícula, mas registadas a favor do cliente após esse prazo, às quais corresponde IUC, no montante de € 1.459,30;

                                                          iii.      20 viaturas matriculadas nos anos de 2001 a 2008 e relativamente às quais se exige o pagamento do IUC referente a anos posteriores ao ano da matrícula, alienadas antes do aniversário da matrícula, mas registadas a favor do cliente após essa data, às quais corresponde IUC, no montante de € 1.389,00; e

                                                          iv.      41 viaturas matriculadas entre os anos de 1964 e 2001, alienadas pela Requerente há mais de 10 anos, às quais corresponde IUC, no montante de € 7.796,00.

q) A Requerente requereu o cancelamento das respetivas matrículas com referência a 25.01.2010 e num dos casos com referência a 1.10.2010, tendo sido oficiosamente canceladas as matrículas com respeito a 5 veículos;

 

r) A Propriedade destes veículos encontrava-se, à data dos factos tributários, ainda inscrita no registo automóvel a favor da Requerente.

 

 

B)    FACTOS NÃO PROVADOS

 

23. Não há factos não provados relevantes para a tomada de decisão final.

 

 

C)    FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

 

24. Os factos supra descritos foram dados como provados com base nos documentos que as partes juntaram ao presente processo, a Requerente em anexo ao pedido formulado e a ATA na resposta apresentada e respetivo processo Administrativo.

 

 

IV – QUESTÕES DECIDENDAS: EXCEÇÕES e FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

25. Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões a dirimir, em primeiro lugar quanto às exceções invocadas e só após o Tribunal poderá conhecer da questão de mérito.

 

A) Quanto às Exceções invocadas:

 

1ª - Da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral

 

26. Quanto a esta primeira exceção não assiste razão à ATA, pois é bastante claro e inequívoco que o pedido de anulação das liquidações tal como vem formulado pela Requerente decorre do indeferimento do recurso hierárquico, e é com esta decisão que a Requerente não se conforma, pugnando pela consequente anulação dos atos de liquidação em causa. De resto, no próprio pedido a requerente peticiona a anulação “dos atos tributários acima identificados”, ou seja, do indeferimento (parcial) do recurso hierárquico e das liquidações de imposto impugnadas. Ora, é manifesto que tendo sido proferida em 14-11-2014, a decisão de deferimento parcial do recurso hierárquico, notificado à Requerente em 12-12-2014, considerando as férias judiciais do Natal, e o pedido arbitral ter sido apresentado em 16-03-2015, este está dentro do prazo legal para impugnação, previsto no artigo 10º, nº1 do RJAT e com o disposto no artigo 102º, nº1, alínea e).

 

27. Porém, a Requerida veio alegar a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral apresentado, em virtude de nele se peticionar apenas a declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação melhor identificados nos autos e, por conseguinte, de já se encontrar ultrapassado o prazo legalmente definido no artigo 10.º, n.º 1 do RJAT para a impugnação de atos de liquidação em sede arbitral (…)”, qual seja, o prazo de 90 dias contados do “(…) dia seguinte ao término do prazo de pagamento voluntário das prestações tributárias (…)”

 

28. Acrescenta, ainda, a ATA que “ pese embora a Requerente tenha apresentado o referido pedido na sequência da notificação da decisão que negou provimento ao recurso hierárquico deduzido contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os atos de autoliquidação em crise nos autos, considera-se que a Requerente “(…) não formulou/concretizou a este Tribunal na sua petição inicial qualquer pedido tendente à anulação do indeferimento expresso do recurso hierárquico apresentado (…)”, pelo que (…) inexiste apoio que poderia firmar a tempestividade do pedido e, consequentemente, a possibilidade de o Tribunal apreciar o pedido formulado relativamente ao ato de liquidação (…)”

 

29. Não colhe a argumentação da requerida. Senão vejamos:

a) Logo da parte inicial da petição apresentada pela Requerente é dito claramente que o presente pedido arbitral sucede por ter sido “notificada da decisão de deferimento parcial proferida (…) a qual recaiu sobre o recurso hierárquico nº …/13 (…)” – (cfr. 1ª página do pedido arbitral);

b) Ao longo de todo o articulado a Requerente, refere de forma explícita, as razões que a conduziram ao presente pedido de constituição de tribunal arbitral, indicando a decisão de deferimento parcial proferida no âmbito do recurso hierárquico, com a qual não se conforma, por entender que também os restantes atos de liquidação devem ser anulados;

E,

c) Na parte final, conclui formulando o pedido de “procedência do presente pedido de constituição de tribunal arbitral e, em consequência, ser determinada a anulação dos atos tributários acima melhor identificados (…)

 

30. É claro para este tribunal que a decisão do indeferimento parcial do recurso hierárquico apresentado é o ato do qual a Requerente parte para a apresentação do pedido arbitral. Refere-se expressamente na 1ª página do pedido arbitral à decisão de (in) deferimento parcial como sendo o ato que a conduziu à apresentação do pedido de constituição do Tribunal arbitral, pugnando, naturalmente, pela ilegalidade das liquidações subsistentes, ou seja, não anuladas pela decisão do recurso hierárquico. Assim sendo, não há dúvida que aquele ato (decisão do recurso hierárquico), integra o objeto dos presentes autos, está na sua origem e é um dos atos cuja anulação é requerida.

 

31. Uma decisão administrativa, proferida no âmbito de um processo gracioso de reclamação ou recurso hierárquico sobre um recurso hierárquico não deixa de ser, ela própria, um ato tributário. Recordemos o conceito de ato tributário segundo Alberto Xavier: “o acto tributário é o acto de aplicação da norma tributária material ao caso concreto”.[1]

 

32. Assim, a decisão de uma reclamação graciosa ou de um recurso hierárquico, enquanto decisões praticadas pela Administração Tributária, são decisões individuais e concretas que aplicam a lei tributária material ao caso concreto. Ao que acresce que o objeto da reclamação graciosa e do recurso hierárquico consiste em aferir da legalidade subjacente à aplicação da norma tributária que dá origem ao ato de liquidação impugnado. Estamos perante o exercício legítimo do sujeito passivo optar por esgotar a via administrativa, usando as garantias graciosas impugnatórias previstas na lei.

Dito de outro modo, o que se discute no âmbito destas garantias graciosas é exatamente o que se pretende discutir no âmbito do processo de impugnação, a ilegalidade das liquidações, no caso por recurso à via da constituição de tribunal arbitral. Note-se que, como consta do processo administrativo e é alegado pela Requerente, no decurso dos anos de 2012 e 2013 esta foi advertida via email, para o facto de se encontrar em falta a liquidação de IUC com referência a várias viaturas de que alegadamente seria proprietária. Ainda nos mesmos anos foi notificada de várias liquidações adicionais de IUC, pelo que a Requerente à cautela procedeu à autoliquidação e entrega ao Estado do IUC em causa.

Seguidamente usou das garantias legalmente previstas para reclamar a ilegalidade destas liquidações, recorrendo à apresentação de reclamação graciosa e recurso hierárquico. A via é legítima e adequada à situação concreta em discussão e prudente, se considerarmos o disposto no artigo 131º do CPPT. Não colhe aceitação, por isso, a tese defendida pela Requerida quanto à contagem do prazo a partir da data limite para pagamento das ditas liquidações.

 

33. No caso concreto a Requerente refere expressamente que deduz o presente pedido de constituição de tribunal arbitral por não se conformar com a decisão de indeferimento parcial do recurso hierárquico proferida, por considerar que todos os atos de liquidação em causa são ilegais e não apenas os que foram revogados pela decisão impugnada. Na verdade a decisão do recurso hierárquico, neste como em qualquer caso, só será ilegal por ter mantido na ordem jurídica atos de liquidação ilegais, o que justifica que o ato dominante seja, efetivamente, o ato de liquidação. Por isso, ao peticionar a “anulação dos atos tributários supra identificados”, decorre claramente de todo o articulado que estão em causa a decisão do recurso hierárquico e dos atos de liquidação identificados nos presentes autos.

 

34. Acolher o entendimento da Requerida corresponderia a manifesta violação do princípio da justiça e de acesso ao direito, além do que estaríamos a contrariar a intenção do legislador ao estabelecer as garantias graciosas impugnatórias em causa (vd. art. 131º do CPPT) e a retirar qualquer efeito útil do recurso a estas garantias, fazendo prevalecer a forma sobre a substância, o que se afigura inaceitável.

 

35. Acresce ainda que, na factualidade apresentada no pedido de pronúncia arbitral, faz-se expressa menção à decisão de deferimento parcial do recurso hierárquico, expondo-se as razões que conduziram a administração tributária a concluir no sentido do deferimento parcial, as quais se reconduzem à defesa da legalidade dos atos de autoliquidação contestados, e por não se conformar com o entendimento da administração tributária constante da decisão em crise, deduziu o pedido de constituição de tribunal arbitral na origem dos autos (cf. artigos 42.º a 46.º do pedido de constituição de tribunal arbitral). Também, ao longo do capítulo IV do pedido de pronúncia arbitral, relativo às questões de Direito, a Requerente invoca e concretiza as ilegalidades de que padece a decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico, apresentando as razões pelas quais discorda do entendimento da administração tributária vertido naquela decisão (cfr., a título de exemplo, os artigos 53.º a 57.º, 163.º e 164.º do pedido de constituição de tribunal arbitral). Por fim, requer a Requerente a junção aos autos do processo administrativo instrutor, do qual fazem parte o procedimento de reclamação graciosa n.º …2013…. e o procedimento de recurso hierárquico n.º …/2013-…. Pelo que, tal como alega a Requerente na resposta às exceções invocadas pela ATA, “é evidente que a decisão expressa de deferimento parcial que recaiu sobre o recurso hierárquico integra, contrariamente ao que se invoca, o objeto do pedido de pronúncia arbitral.”

 

36. Em todo o caso, o que se pretende é a anulação da decisão do recurso hierárquico (com a qual a requerente não se conforma) e, verdadeiramente, a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação em causa. Por isso, é dos fundamentos da ilegalidade destes atos que o Tribunal tem de conhecer e, se os considerar ilegais forçoso é concluir pela ilegalidade da decisão do recurso hierárquico, se considerar que os atos não padecem de qualquer ilegalidade concluirá que a decisão do recurso hierárquico não padece de qualquer ilegalidade.

 

37. Tem pois razão a Requerente quando refere que “não é pelo facto de não se invocarem vícios próprios das decisões de indeferimento do recurso hierárquico e/ou da reclamação graciosa apresentados que se deve concluir pela ausência do pedido tendente à sua anulação. De facto, a ilegalidade das referidas decisões decorre, não de vícios próprios do procedimento de recurso hierárquico e/ou de reclamação graciosa, mas do facto de naqueles se não terem reconhecido os vícios de que padecem os atos de autoliquidação em crise nos autos. Sem prejuízo do acima exposto, e ainda que subsistam dúvidas quanto ao alcance do pedido formulado, o que apenas por cautela de patrocínio se concebe, sem conceder, o que é certo, é que tal circunstância não constitui motivo, com o devido respeito, para concluir pela intempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral.

38. Com efeito, e desde logo, a alegada falta de clareza e concretização do pedido não é concebida como obstáculo ao prosseguimento dos autos, sempre que seja possível descortinar qual a pretensão do contribuinte.

 

39. Por todo o exposto supra, este Tribunal considera que o pedido é claro e não deixa dúvida sobre o que a Requerente pretende: a anulação dos atos tributários identificados nos autos, o que abrange a decisão do recurso hierárquico e os atos de liquidação.

 

40. Por último, e como bem alega a Requerente a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores também é bastante clara nesta matéria. Neste sentido, poderíamos elencar diversos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e dos Tribunais Centrais Administrativos, dos quais destacamos os seguintes, os quais revelam a posição do STA sobre o assunto:

(…) este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a adotar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir que a verdadeira pretensão de tutela jurídica é diversa da formulada (…) “

“Tendo sido entendido por todos os intervenientes no processo - Administração Fiscal, Juiz, representante da Fazenda Pública e Ministério Público que se estava perante a impugnação judicial de um dado acto de liquidação de imposto sucessório, é irrelevante que na petição não venha expressa e claramente formulado o pedido de anulação desse ato tributário (…)” (cfr. Acórdãos do STA, de 27.06.2012, e de 22.09.1999.)

 

41. Assim, dúvidas não restam de que, sendo clara a pretensão da Requerente no sentido da anulação das autoliquidações contestadas e, necessariamente, da decisão do recurso hierárquico que determinou a sua manutenção na ordem jurídica, conforme supra se evidenciou, inexiste obstáculo ao conhecimento das legalidades das mesmas.

 

42. O que releva, pois, é tudo o que a Requerente expõe ao longo do articulado, e ao concluir pelo pedido de anulação dos atos tributários formula um pedido claro, entendível e suficiente. Outro entendimento conduziria a uma interpretação violadora dos princípios do direito de acesso aos tribunais, da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva, consagrados na Constituição (artigo 18.º, 20º e 268º, nºs 4 e 5 da CRP.

 

43. Assim, em face de todo o exposto, deve julgar-se improcedente a exceção invocada.

 

 

2ª) Da Exceção de ilegalidade da cumulação de pedidos

 

44. Também em relação a esta exceção não assiste razão à Requerida. A Requerente impugna a decisão do indeferimento do recurso hierárquico e pugna pela anulação de várias liquidações adicionais de IUC respeitantes a vários veículos e juros compensatórios, por ilegais. Invoca a AT que as situações fácticas invocadas pela Requerente são díspares, por se referirem a situações diferenciadas e conclui, defendendo que a cumulação de pedidos efetuada é ilegal. A Requerente respondeu à exceção invocada, defendendo a legalidade da cumulação de pedidos, porquanto a procedência do pedido depende das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação das normas legais relativas à incidência subjetiva de IUC.

 

45. Nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1, do RJAT, a cumulação de pedidos ainda que relativamente a diferentes atos é admissível quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito. No mesmo sentido, prevê o artigo 104º do CPPT que a cumulação de pedidos é admissível em caso de identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão.

 

46. No caso dos autos, pese embora os factos se refiram, como alega a AT, a veículos diferentes, com datas de venda diferentes a proprietários totalmente díspares, por valores completamente diferenciados, a verdade é que tal circunstância não impede a cumulação de pedidos. Isto porque, independentemente da diferente situação fáctica existente a verdade é que se verificam todos os pressupostos de que depende a cumulação de pedidos, a saber: total identidade da natureza dos tributos, identidade dos fundamentos de facto e de direito invocados e, por fim, identidade do tribunal competente para a decisão.

 

47. Ora, em todas as situações invocadas pela Requerente, o tributo em causa é o IUC. Aliás, sempre se dirá que, no âmbito de pedido de pronúncia arbitral, não se exige, para este efeito, a identidade de tributos, atento o facto desta identidade não se encontrar prevista no artigo 3º nº 1 do RJAT e as normas previstas no CPPT serem de aplicação subsidiária, conforme decorre do disposto no artigo 29º nº 1 a do RJAT.

Da mesma forma, os fundamentos de facto e de direito invocados pela Requerente são os mesmos em todas as situações, reconduzindo-se os primeiros à alegada alienação das viaturas em momento anterior à data do facto gerador do imposto e os segundos à apreciação das normas legais relativas à incidência subjetiva de IUC.

 

48. A identidade do tribunal competente para a decisão parece evidente em todas as situações elencadas pela Requerente, sendo o presente tribunal arbitral materialmente competente para o efeito. Por onde se conclui necessariamente pela verificação dos pressupostos de que a lei faz depender a possibilidade de cumulação inicial de pedidos. Nem se diga, como faz a AT, que o facto de as situações invocadas se referirem a veículos diferentes, com datas de venda diferentes, procedimentos diferentes de vendas efetuadas a concessionários e vendas em datas diferentes e a proprietários totalmente díspares, por valores completamente diferenciados, impediria a cumulação. A ser assim, ver-se-ia a Requerente forçada a impugnar separadamente cada liquidação de IUC, o que manifestamente seria absurdo e contrariaria a razão de ser da previsão legal da possibilidade de cumulação de pedidos.

 

49. Considerada a verificação dos pressupostos legais de que depende a cumulação de pedidos, não se justifica a requerida notificação da Requerente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 47º nº 5 do CPTA.

 

Improcede, assim, a invocada exceção de cumulação ilegal de pedidos.

 

 

B) DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

50. Na decisão do recurso hierárquico, o indeferimento assenta nos seguintes fundamentos:

a) “Foram consultadas as respetivas aplicações informáticas constatando-se que à data do facto tributário, o registo de propriedade dos veículos em causa encontrava-se registado em nome da recorrente;

b) Por sua vez, nos casos em que a recorrente alega que ocorreu o cancelamento das matrículas, o imposto é devido já que o cancelamento verificou-se, posteriormente, à data do aniversário da matrícula dos respetivos veículos;

c) O IUC incide sobre a propriedade dos veículos, tal como atestada pelo registo (vd. n.º 1, do artigo 6º do CIUC), e não sobre o uso ou fruição dos mesmos;

d) O sujeito passivo do imposto é aferido em função do registo (vd. artº 3º e nº 1 do art 6º do CIUC);

e) Justifica-se, então, que enquanto constar no registo de automóveis (IRN) a propriedade do veículo em nome do requerente, é este o sujeito passivo de imposto (IUC); Será junto dos serviços do registo automóvel que deverá apresentar provas de que não é o proprietário do veículo (…)”

 

51. Em suma, a AT entende que quem figura no registo como proprietária dos veículos aquando da emissão da respetiva matrícula ou no primeiro dia do período de tributação, é sujeito passivo do imposto. Conforme dos factos assentes, estão em causa nos presentes autos:

a) IUC referente a veículos alienados antes da data da matrícula, antes da data do seu aniversário ou no prazo de 60 dias após a emissão da matrícula;

b) E IUC referente a veículos matriculados entre os anos de 1964 e 2001 e alienados há mais de 10 anos.

 

52. Nestes termos, fixada a matéria de facto, importa conhecer da questão de mérito suscitada pela Requerente, a qual consiste em apreciar os termos da configuração da incidência subjetiva do IUC à luz do disposto no artigo 3º do Código do CIUC.

A questão essencial a tratar em primeiro lugar, por preceder as demais, é a de saber se a incidência subjetiva assenta estritamente na inscrição da titularidade do veículo no Registo Automóvel, ou se, o registo opera apenas como uma presunção de incidência tributária, ilidível, em conformidade com o disposto no artigo 73.º, da Lei Geral Tributária. Sobre esta matéria é já abundante e bastante definida a jurisprudência arbitral vertida em diversas decisões arbitrais.

 

 

a) Da incidência subjetiva: o facto gerador de imposto e os efeitos do registo automóvel em sede de incidência de IUC

 

53. A questão a decidir tem estritamente a ver com os pressupostos de incidência de IUC, referentes ao caso concreto e, nessa medida, impõe-se conhecer da alegada ilegalidade por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos que conduziu a AT a emitir as liquidações impugnadas. Analisada a matéria de facto carreada nos autos, o regime jurídico aplicável resultante das disposições conjugadas do CIUC, do ISV e do Código da Estrada, impõe-se aferir da sua aplicação ao caso concreto para poder concluir se as liquidações de IUC impugnadas são ou não ilegais.

 

54. O CIUC estabelece, como regra de incidência, que os sujeitos passivos são os proprietários dos veículos, considerando como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados. Isso mesmo resulta do quadro jurídico fundamental aplicável nesta matéria é o previsto nos artigos 1º a 6º, do CIUC, aprovado pela Lei nº 22-A/2007, de 29 de junho.

 

55. O artigo 1º do CIUC define a incidência objetiva do imposto, distinguindo os veículos por categorias especificadas, norma que se afigura clara e sem dificuldades de aplicação. Porém, o mesmo já não sucede com a norma de incidência subjetiva contida no nº1, do artigo 3º do CIUC, a qual está na origem do presente litígio e constitui, assim, questão a decidir no caso em apreciação. A análise de ambos os preceitos (artigos 1º e 3º) permitem concluir que no funcionamento do IUC o registo automóvel tem um papel fundamental, mas a correta aplicação do regime proposto pelo legislador impõe o recurso a outros elementos interpretativos.

 

56. Assim, o que está verdadeiramente em causa é determinar qual o sentido e alcance da norma de incidência subjetiva, constante do artigo 3º, nº 1, do CIUC e da eventual existência ou não de uma presunção ilidível, conexionada com a questão dos efeitos jurídicos do registo automóvel, suscitada pela Requerente.

 

Dispõe o artigo 3º do CIUC que:

 

“ 1 – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

2 – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.

 

Estabelece o nº1, do artigo 11º, da LGT que:

 

“Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”.

 

57. A interpretação e aplicação da norma jurídica, pressupõe a realização de uma atividade interpretativa, a qual deve ser objetiva, equilibrada, e conforme com a letra e o espírito da lei. Qualquer texto, e a lei não é exceção, comporta múltiplos sentidos e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras. Por essa razão, embora a letra da lei seja “o fio condutor” do intérprete, ela deve ser interpretada tendo em conta os objetivos subjacentes, “a ratio” ou a motivação do legislador ao estabelecer a norma em análise. A estes elementos acresce um outro segundo o qual a interpretação da norma jurídica deve respeitar a “unidade do sistema jurídico”, a sua coerência e lógica intrínseca.

 

58. De recordar que o artigo 9º, do Código Civil (CC), fornece as regras e os elementos fundamentais para a interpretação da norma jurídica, ao qual também obedece a interpretação da lei fiscal, o qual começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”. A estes princípios gerais acrescem, ainda, os princípios constantes da LGT, nomeadamente no artigo 73º, que estabelece que as presunções contidas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

59. Ainda, no que se refere à questão em análise, há que salientar o contributo das decisões arbitrais já proferidas nos processos nºs 14/2013-T, de 15 de outubro, 26/2013-T de 19 de julho, 27/2013-T, de 10 de setembro, 217/2013-T de 28 de fevereiro e, mais recentemente, nas decisões proferidas nos processos 286/2013-T, de 2 de maio de 2014, 293/2013-T, de 9 de junho de 2014, 46/2014-T de 5 de setembro, 250/2014 – T, de 17 de novembro de 2014 e 43/2014 – T, 157/2015 – T, de 10 de agosto de 2015 e, pela similitude dos casos em discussão, o Acórdão proferido nos processos 212/2014 – T, de 5 de março de 2015 e 13/2015-T, de 28 de outubro de 2015, as quais, entre muitas outras, revelam uma apurada reflexão sobre a questão fundamental em apreciação.

 

60. É, pois, neste quadro de fundo, utilizando os princípios hermenêuticos fundamentais acabados de referir, acolhidos pela Jurisprudência dos nossos tribunais superiores e também pela jurisprudência arbitral, que devemos procurar encontrar a interpretação adequada aos normativos em presença.

 

61. No caso concreto em apreço, o facto gerador do imposto, nos temos do CIUC é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional, no ano da sua importação ou introdução no mercado nacional (artigo 3.º, n.º 1, do CIUC). O imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação (artigo 6.º, n.º 3, do Código do IUC), o qual corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula (cfr. artigo 4.º, n.º 2, do Código do IUC).

 

62. Há, pois, duas situações factuais distintas, em apreciação. A primeira respeita ao IUC referente a veículos alienados antes da data da matrícula, antes da data do seu aniversário ou no prazo de sessenta dias após a emissão da mesma. Ora, em relação a todas estas viaturas constata-se que o primeiro registo foi efetuado em nome da ora Requerente, já esta não era a proprietária dos veículos, por os ter alienado aos seus clientes identificados nas faturas juntas aos autos, declarações aduaneiras de veículos (DAV), complementadas com a informação sobre as transações das viaturas, comprovativo das transferências para pagamento das viaturas e a identificação dos compradores e legítimos proprietários, dos quais se destaque uma entidade publica: a D…. (cfr. doc. 4, 5 e 7, juntos ao Pedido Arbitral).

 

63. Quanto à segunda situação referida, na qual está em causa o IUC referente a veículos matriculados entre os anos de 1964 e 2001 e alienados há mais de dez anos, a Requerente demonstra que já não era a proprietária das ditas viaturas à data dos factos tributários em causa nos autos. Não junta as faturas referentes a estas viaturas, o que se compreende tendo em conta o período de tempo em que tais vendas ocorreram e a regra da obrigatoriedade de guardar a documentação contabilística por 10 anos. Porém, a demonstração pelos elementos contabilísticos que figuram nos inventários da empresa, decorre que também estas viaturas já não eram propriedade da Requerente ao tempo em que ocorreram os factos tributários.

 

64. Ora, na ausência de registo de propriedade do veículo efetuado dentro do prazo legal, é o imposto devido no ano da matrícula do veículo, liquidado e exigido ao sujeito passivo do imposto sobre veículos (ISV) com base na declaração aduaneira do veículo, ou com base na declaração complementar de veículos em que assenta a liquidação desse imposto, ainda que não seja devido (artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do CIUC. Desta última disposição resulta que, no caso de haver registo de propriedade do veículo efetuado dentro do prazo legal o imposto devido no ano da matrícula do veículo é liquidado e exigido ao respetivo titular desse registo.

 

65. Da factualidade provada nos autos conclui-se que no caso das viaturas constantes das liquidações ora impugnadas e identificadas no documento n.º 2, foi isso mesmo que sucedeu. Ou seja: embora os veículos em causa tivessem um primeiro registo a favor da ora Requerente (como se compreende pelo procedimento legalmente estabelecido e ao qual está sujeito o importador) os veículos incluídos no primeiro grupo já eram, àquela data, propriedade de outrem, a favor de quem foram registados na Conservatória do Registo Automóvel, pois só assim se compreende que o problema em discussão se cinja ao ano em causa.

Quanto às viaturas incluídas no segundo grupo, também já não era a sua proprietária, como resulta dos elementos contabilísticos juntos aos autos, assentes no essencial nos inventários da empresa, donde decorre que aqueles bens não integravam o património da empresa à data dos factos tributários em causa.

 

66. Os elementos juntos, referentes a este segundo grupo de viaturas (alienadas há mais de dez anos) são os possíveis, atendendo ao longo período de tempo já decorrido, são credíveis e beneficiam da presunção de veracidade prevista no artigo 75º da LGT, no qual o legislador considera que “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentados nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

 

67. Assim, se a Requerente não era a efetiva proprietária das viaturas à data da ocorrência dos factos que determinam a obrigação de imposto, dado terem os mesmos sido já vendidos aos respetivos clientes, em data anterior à própria matrícula das viaturas, antes da data do seu aniversário ou no prazo de sessenta dias após a emissão da matrícula, conforme faturação emitida e restantes elementos contabilísticos já supra mencionados, que junta como elementos probatórios, não se compreende nem justifica a liquidação do IUC à importadora e ora Requerente.

 

68. Esta conclusão decorre, também, da interpretação das normas do n.º 1 do artigo 17.º e do artigo 18.º do CIUC, relativas ao prazo de pagamento do imposto e liquidação oficiosa, respetivamente, os quais assentam no pressuposto de que "no ano da matrícula o sujeito passivo do IUC é o proprietário do veículo na data em que findarem aqueles 60 dias contados da data da atribuição da matrícula, que o deverá liquidar e entregar ao Estado nos 60 dias subsequentes."

 

69. E, sendo assim, no caso dos presentes autos, resulta demonstrado que o sujeito passivo, à data factos tributários, não era a ora Requerente. Aliás, outro entendimento seria ir manifestamente contra os princípios subjacentes à reforma do IUC e até contra a sua natureza de imposto sobre a circulação da viatura automóvel.

 

70. Na verdade, na atividade desenvolvida pela ora Requerente, na qualidade de importadora, a transmissão da propriedade dos veículos opera, normalmente, antes mesmo da data da matrícula. Isto porque a Requerente procede à admissão em território português de veículos novos, que, em momento anterior ao da respetiva matrícula, transmite aos seus clientes. Todavia, por força das normas legais aplicáveis, o registo dos veículos em causa é efetuado em nome da Requerente, ainda que, no momento em que se efetiva, não seja esta já a sua proprietária. Este procedimento, aliás, resulta do disposto nos artigos 117.º, n.º4, do Código da Estrada, que atribui à pessoa, singular ou coletiva, que proceder à admissão, importação ou introdução no consumo em território nacional, a obrigatoriedade de requerer a matrícula dos veículos, bem assim como, do disposto no artigo 24.º, n.º 1, do Regulamento do Registo Automóvel, que determina que o registo inicial de propriedade de veículos importados, admitidos, montados, construídos ou reconstruídos tem por base o respetivo requerimento. Das referidas normas resulta, pois, que a Requerente, na qualidade de operador registado que procede à admissão de veículos novos em território nacional, necessariamente figura no respetivo registo inicial como sua proprietária, ainda que no momento em que este se efetua, a propriedade dos mesmos, esta tenha sido já transmitida a terceiros. E, se assim é, por imposição do legislador, tal visa o controlo da atividade pelas autoridades competentes de forma a controlar quem vem a adquirir tais viaturas e quando. Disto decorrem, entre outras, diversas obrigações fiscais.

 

71. Nesta conformidade estamos perante a questão de saber se está em causa a interpretação do artigo 3º, nº1, do CIUC, no sentido de se determinar se a mesma consagra, ou não, uma presunção relativa à qualificação como proprietário, e consequentemente, como sujeito passivo deste imposto, a pessoa, singular ou coletiva, em nome da qual a propriedade do veículo se contra registada e, caso de conclua nesse sentido, a sua elisão com base dos elementos probatórios que o integram.

 

72. Tal entendimento é reforçado pelo facto do Código do IUC erigir como princípio estruturante deste tributo o princípio da equivalência, entendido como compensação pelos efeitos nefastos em termos ambientais e energéticos resultantes da circulação de veículos, o referido Código elege, no tocante à incidência subjetiva, o proprietário do veículo, considerando como tal a pessoa em nome da qual o mesmo se encontre registado (artigo 3.º, n.º 1, do CIUC). Mas, apesar disso, o legislador ressalvou alguns casos particulares em que a propriedade formal ou jurídica do veículo foi secundarizada pela utilização do mesmo, imputando a este último a obrigação de pagamento do IUC, como sucede com os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direito de opção de compra por força de contrato de locação (artigo3.º, n.º 2, do CIUC).[2]

 

73. Certo é que a norma de incidência, ao remeter para os elementos do registo automóvel, não distingue entre o registo inicial do veículo e os registos posteriores: o sujeito passivo do imposto é o proprietário do veículo, considerando-se como tal a pessoa, singular ou coletiva em nome da qual o veículo se encontrar registado. É, pois sobre a interpretação da norma do n.º 1 do artigo 3.º que, como já referido, se evidenciam as diferentes posições expressas pela Requerente e pela Requerida.

74. Segundo a Requerente, a referida norma estabelece uma presunção de propriedade, com base no registo, ilidível nos termos gerais e, em especial, por força do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária.

 

75. Para a Requerida, estabelecendo o CIUC a sujeição passiva bem como o facto gerador da obrigação de imposto, por referência aos elementos constantes do registo automóvel, conforme decorre dos artigos 3º e 6º do CIUC e sendo a Requerente a solicitar a emissão do certificado de matrícula e encontrando-se os veículos registados em seu nome nos períodos de tributação encontram-se reunidos os pressupostos do facto gerador do IUC, bem como da sua exigibilidade, sendo a Requerente sujeito passivo do imposto com referência ao período em causa. Nada diz quanto ao facto desse mesmo registo ter sido de imediato alterado para o nome dos verdadeiros proprietários e adquirentes dos veículos automóveis, no mesmo período de tributação, certamente por desconsiderar tal facto como relevante o que, à partida entra em contradição com o valor que ela própria defende atribuir ao registo automóvel.

 

76. Esta matéria tem sido objeto de diversas decisões arbitrais que, reiterada e uniformemente, se têm pronunciado no sentido de considerar que a norma do nº 1, do artigo 3º do CIUC estabelece uma presunção, ilidível, (sublinhado nosso) nos termos gerais e, em especial, for força do disposto no artigo 73.º da LGT. Também este tribunal seguirá de perto essa orientação.[3]

 

77. Com efeito, o recurso ao registo automóvel como elemento estruturante do sistema de liquidação deste tributo evidencia-se ao longo de todo o respetivo Código. Mas impõe-se atender ao disposto no seu artigo 6º, relativo à definição do facto gerador da obrigação de imposto, cujo nº 1 dispõe que é facto gerador da obrigação de imposto “a propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional".

 

78. Deste preceito decorre que os veículos automóveis que não estejam, nem devam estar, registados em território português, apenas ficam abrangidos pela incidência objetiva deste tributo se no mesmo permanecerem por período superior a 183 dias, conforme dispõe o nº 2 do mesmo artigo. Não há dúvida que é por recurso ao elemento registral que o legislador estabelece, simultaneamente, o facto gerador do imposto, bem assim como a determinação do momento do início do período de tributação e a constituição da obrigação tributária e, de uma maneira geral, todos os elementos necessários à liquidação do imposto em causa, como alega a AT.

 

79. Apesar do supra exposto quanto à dependência do regime de tributação do IUC em relação ao registo automóvel, não se pode extrair, como imediata conclusão, que a norma de incidência subjetiva não constitua uma presunção de incidência. Segundo noção contida no artigo 349º do C. Civil, presunções são as ilações que a lei ou o julgador, tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Acresce que, estabelece o artigo 341º do Código Civil que as presunções constituem meios de prova, tendo esta por função a demonstração da realidade dos factos, de tal modo que, quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (cfr. nº1 do artigo 350º do Código Civil). No caso a AT tem a seu favor a presunção, mas esta pode ser ilidida pelo Requerente.

 

80. Acresce que as presunções, que podem ser explícitas ou implícitas, salvo nos casos em que a lei o proibir, podem ser ilididas, mediante prova em contrário, como aliás resulta expressamente do disposto no nº 2, do artigo 350º do Código Civil. Por fim, tratando-se de presunções de incidência tributária, estas são sempre ilidíveis, conforme expressamente dispõe, o artigo 73º, da LGT.

 

81. A controvérsia em torno desta questão veio a surgir no âmbito na nova lei, porquanto a expressão “presumindo-se” foi substituída pela expressão “considerando-se”. No mesmo sentido, estabelece o artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento dos Impostos de Circulação e Camionagem, aprovado pelo DL n.º 116/94, de 3/05, que são sujeitos passivos destes tributos "os proprietários dos veículos presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas singulares ou coletivas em nome das quais os mesmos se encontrem registados."

 

82. Contudo, estamos perante uma mera questão semântica, que não altera minimamente o conteúdo da norma em questão. Assim, quanto à questão de saber, face ao teor literal do disposto no nº1, do artigo 3º, do CIUC, qual o alcance da expressão “considerando-se como tais”, dado que na atual versão o legislador não usou o termo “presumem-se” (o qual constava do extinto Regulamento do Imposto Sobre Veículos), entende o Tribunal que só pode ser o seguinte: o legislador presume (considera) que os proprietários são as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados (sublinhado nosso). Significa isto que, tal presunção, implícita, é naturalmente ilidível nos termos previstos no artigo 73º da LGT.

 

83. Tanto assim é que, na versão atual do Código, apenas mudou o verbo, optando agora o legislador pela expressão “considerando-se”. Certo é que, entre as versões legislativas anteriores e a atual entrou em vigor a LGT, que consagrou, expressamente, o princípio contido no artigo 73º, do qual resulta que em matéria de incidência tributária qualquer presunção admite sempre prova em contrário. Logo, torna-se indiferente a adoção de uma presunção expressa ou implícita, porquanto, uma como a outra são igualmente ilidíveis.

 

84. Entende-se, deste modo, que o facto de o legislador, na atual versão do CIUC, ter optado por uma presunção implícita (usando a expressão “considerando-se”) em vez de uma presunção expressa (com recurso à expressão “presumindo-se”), como acontecia anteriormente, não traduz uma alteração substancial no que respeita à incidência subjetiva do imposto. Não é, pois, a titularidade constante do registo automóvel condição, por si só determinante de incidência tributária, mas sim a propriedade tal qual resulta do registo, o que resulta numa mera presunção ilidível.

 

85. Ao supra exposto acresce que, podemos facilmente apontar diversos exemplos, extraídos do ordenamento jurídico tributário, em que o legislador optou pela utilização do verbo “considerar”, com sentido presuntivo. Além do que, como já se disse supra, tratando-se de norma de incidência tributária, nunca seria admissível a consagração de uma presunção inilidível. Como afirmam, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, anotação ao nº 3, do artigo 73º, da LGT), “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objetiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real”.[4]

 

86. E, são muitos os exemplos de normas em que é utilizado o verbo “considerar” para estabelecer presunções ilidíveis, como sucede com o disposto nº 2 do artigo 21º do CIRC, no artigo 89º-A da LGT ou no artigo 40º, nº1 do CIRS entre outros.

Tendo em conta que o sistema jurídico deve formar um todo coerente, os exemplos acima referidos, bem como a doutrina e jurisprudência indicadas, permitem concluir que não é só quando é usado o verbo “presumir” que estamos perante uma presunção, mas também o uso de outros termos ou expressões, como o termo “considera-se” podem servir de base a presunções. E, como se referiu supra, sendo o elemento literal o primeiro instrumento de interpretação da norma jurídica, em busca do pensamento legislativo, importa confrontá-lo com os demais elementos de interpretação, nomeadamente o elemento racional ou teleológico, o elemento histórico e o sistemático.

 

87. No que toca ao elemento histórico, há que referir, que desde a origem do imposto de circulação, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 599/72 de 30 de dezembro, foi explicitamente, consagrada uma presunção, relativamente aos sujeitos passivos do imposto como sendo aqueles em nome de quem os veículos se encontravam matriculados ou registados. Essa versão da lei usava a expressão literal “presumindo-se como tais”.

 

88. Atendendo aos fins do imposto em presença, há que reconhecer que o uso da expressão “considera-se”, na atual versão, contempla uma expressão com um efeito semelhante àquela, consubstanciando, igualmente, uma presunção. Isso mesmo sucede na formulação contida no nº 1, do artigoº 3º, do CIUC, em que se consagrou uma presunção, revelada por via do uso da expressão “considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão “presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão. O uso da expressão “considerando-se” justifica-se por se afigurar, porventura, mais em sintonia com o reforço conferido à propriedade do veículo, que passou a constituir o facto gerador do imposto, nos termos constantes do artigo 6º do CIUC.

Pelo que, à luz do elemento literal da interpretação, nada obsta ao entendimento de que, o disposto no nº1, do artigo 3.º, do CIUC, consagra uma presunção ilidível.

 

89. Assim, quanto à incidência subjetiva do imposto, é de concluir que não se verificam alterações relativamente à situação anteriormente em vigor no âmbito do Imposto Municipal sobre Veículos, Imposto de Circulação e Imposto de Camionagem, como aliás é amplamente reconhecido pela doutrina, continuando a valer uma presunção ilidível nesta matéria. Este entendimento é, ainda, o único que se afigura adequado e conforme ao princípio da verdade material e da justiça, subjacentes às relações fiscais, com o objetivo de tributar o real e efetivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário, por constar do registo automóvel, como sucede no caso concreto com a Requerente, por força da sua atividade de importadora e para cumprimento das regras legalmente aplicáveis à matrícula dos veículos novos importados e introduzidos no território nacional.

 

90. De notar que durante muitos anos, havia muitos os proprietários de viaturas automóveis que não procediam ao registo, sendo esta uma obrigação do adquirente. No caso concreto constatamos, por exemplo, que foram vendidas pela Requerente e adquiridas pela D… sessenta e duas (62) viaturas “pick up”. Seria expectável que uma entidade pública tivesse a situação regularizada em sede de registo automóvel. A verdade é que os adquirentes muitas vezes não procediam ao registo porque este nunca teve caráter obrigatório.

Mas a questão que também faz sentido colocar no caso concreto é a seguinte: tendo a AT o poder/dever de investigar os procedimentos, observando os princípios do inquisitório e da verdade material, pois só assim o procedimento de liquidação e cobrança cumpre o princípio da legalidade fiscal, não conseguiu descobrir a quem pertenciam as viaturas? Mesmo as que são propriedade de uma entidade pública como a D…?

A verdade é que podia ter acesso a essa informação pelos seus próprios meios, mas mesmo que assim não fosse, não se compreende que tenha ignorado esse facto depois de toda a informação, devidamente documentada, junta à reclamação graciosa e ao recurso hierárquico.

 

91. Neste sentido, também as decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 150/2014-T e 220/2014-T, confirmam o mesmo entendimento já plasmado em decisões arbitrais anteriores, no sentido de que: “(…) se o legislador tivesse, como pretende a Requerida, estabelecido na lei uma qualificação não presuntiva sobre quem é proprietário dos veículos (uma ficção legal), estaria com isso a estabelecer, através de uma diferente formulação, uma regra em tudo idêntica à regra hipotética referida. Estaria a fazer assentar a incidência subjetiva do imposto numa ficção legal, em total desconexão com uma qualquer substância económica como base da incidência subjetiva. (…) E, se assim é, forçoso será também concluir que o artigo 3º, n.º 1, só pode estabelecer uma presunção de propriedade do veículo, mesmo com todas as consequências negativas que essa conclusão acarretará, decerto, em termos de eficiência da administração do imposto.”

 

92. Sobre a questão em análise, é, pois, unânime o entendimento que tem vindo a ser defendido nas sucessivas, diversas e numerosas decisões arbitrais proferidas. Por ser assim, tem de se permitir ao titular inscrito no registo automóvel a possibilidade de apresentar elementos probatórios bastantes para a demonstração de que o efetivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo, e que inicialmente, e em princípio, se supunha ser o verdadeiro proprietário. Caso contrário, aceitar-se-ia a supremacia da verdade formal do registo sobre a verdade material, e seria admitir a violação grosseira dos princípios fundamentais fiscais enunciados e, ainda, do princípio contido no artigo 73º, da LGT segundo o qual não existem presunções inilidíveis em matéria de incidência fiscal.

 

93. A tudo o que se deixa supra exposto acresce que, outro entendimento, traduziria a violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça, bem como o do inquisitório, consagrados, respetivamente, nos artigos 55º e 58º da LGT.

De resto, é possível extrair, ainda, um outro argumento do disposto no artigo 7º do Código de Registo Predial (o qual constitui a base jurídica fundamental em matéria de registo de propriedade) o qual dispõe que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.” À luz do princípio da uniformidade e coerência intrínseca do sistema jurídico, nenhum fundamento se afigura aceitável para que o princípio vigente no registo de propriedade em geral, sofresse uma inflexão ou mesmo “atropelo” injustificado em matéria de registo automóvel.

 

94. Mas, se alguma dúvida persistisse, sempre se diria que, quanto aos elementos de interpretação de pendor racional ou teleológico, a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 118/X de 07/03/2007, subjacente à Lei nº 22-A/2007, de 29/06, é bastante expressiva ao esclarecer que a reforma da tributação automóvel é concretizada por via da deslocação de parte da carga fiscal do momento da aquisição dos veículos para a fase de circulação e visa “formar um todo coerente” que, embora destinado à angariação de receita pública, pretende que a mesma seja angariada na “medida dos custos ambientais que cada indivíduo provoca à comunidade”, acrescentando-se, a propósito do imposto em causa e dos diferentes tipos e categorias de veículos, que “como elemento estruturante e unificador (…) consagra-se o princípio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária”, referindo, ainda, ser “(…) este princípio que dita a oneração dos veículos em função da respetiva propriedade e até ao momento do abate (…)”.

 

96. Assim, a lógica e racionalidade do novo sistema de tributação automóvel pressupõe e almeja um sujeito passivo coincidente com o proprietário do veículo, no pressuposto de ser esse, e não outro, o real e efetivo sujeito causador dos danos ambientais, tal como decorre do princípio da equivalência inscrito no artigoº 1º, do CIUC. Este princípio da equivalência, que informa o atual imposto único de circulação, tem subjacente o princípio do poluidor - pagador, e concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar. Trata-se, afinal, de alcançar as externalidades ambientais negativas que advêm da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários e/ou pelos utilizadores, como custos que só eles deverão suportar.

 

97. A este propósito, a posição vertida na recente Decisão Arbitral nº 286/2013-T de 2 de maio de 2014, é bastante esclarecedora ao afirmar que: “É este princípio (da equivalência) que dita a oneração dos veículos em função da respetiva propriedade e até ao momento do abate, o emprego comum de uma base tributável específica, a revisão do quadro de benefícios fiscais vigente e a afetação de uma parcela da receita aos municípios da respetiva utilização. Ora, pretender, como o faz a Requerida, que o legislador, no artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, fixou, seja qual for o meio técnico subjacente, a incidência subjetiva do imposto nas pessoas em nome de quem os veículos se encontram registados, com total independência de serem ou não, no período tributário relevante, titulares do direito de utilização do veículo, maxime da sua propriedade, implicaria desprezar aquela finalidade que preside à normatividade tributária, bem manifestada na incidência objetiva e na base tributável associada às diversas categorias de veículos (cfr. arts 2.º e 7.º do CIUC). É que uma inscrição registral, sem correspondência com a titularidade subjacente, nenhuma valia possui para dar satisfação e cumprimento a tal finalidade, pois não são as pessoas em nome de quem os veículos se encontrem inscritos quando não sejam titulares de direitos sobre a sua utilização que provocam custos ambientais e viários, mas antes tais custos ambientais e viários são causados pelos efetivos utilizadores dos veículos, nos termos das situações jurídicas substantivas pertinentes, mesmo que não constem, como deviam, do registo automóvel. O registo, na verdade, em nada depõe ou serve quanto ao princípio da equivalência estabelecido no artigo 1.º do CIUC. Aliás, assumir que o elemento determinativo da incidência tributária subjetiva é simples e exclusivamente o registo automóvel também não permite afirmar uma ligação com uma qualquer manifestação de capacidade contributiva relevante, o que, via de regra, nos tributos não estritamente comutativos, é imprescindível, já que deve existir, sem prejuízo de exigências de praticabilidade, uma qualquer ligação efetiva entre o imposto e um pressuposto económico materialmente relevante capaz de fundamentar o tributo. A razão de ser da figura tributária afasta, pois, a ideia de que a incidência respetiva se prende estrita e exclusivamente com a própria inscrição registral da titularidade dos veículos tributários e não com as situações substantivas atributivas do direito de utilização dos veículos (artigo 3.º, nºs 1 e 2 do CIUC) a que o registo se destina a dar publicidade (cfr. artigo 1.º e artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro, com as alterações posteriores, que regula o registo automóvel).” 

 

98. Acresce, ainda, salientar que o DL n.º 54/75, de 12/02, que disciplina o registo de veículos automóveis, não prevendo qualquer norma acerca do caráter constitutivo do registo da propriedade automóvel, estabelece, no n.º 1 do seu artigo 1.º que o registo automóvel visa apenas dar publicidade à situação jurídica dos bens. De acordo com o artigo 7.º do Código do Registo Predial, supletivamente aplicável ao registo automóvel, por remissão do artigo 29.º daquele diploma, determina que o registo apenas "(...) constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define." Pronunciando-se sobre esta matéria, o STJ, em acórdão de 19-02-2004, proferido no processo n.º 3B4369, conclui que "(...) o registo não surte eficácia constitutiva, pois que se destina a dar publicidade ao ato registado, funcionando (apenas) como mera presunção, ilidível (presunção "juris tantum") da existência do direito (arts- 1.º, n.º 1, e 7.º, do CRP84 e 350.º, n.º2, do C. Civil) bem como da respetiva titularidade, nos termos dele constantes (...)".

 

99. Quanto aos efeitos do registo, resulta claro do disposto nos artigos 1.º e 7º do Código de Registo Predial (CRP), que o registo tem uma dupla finalidade: dar publicidade à situação jurídica dos bens e constituir presunção de que o direito existe e pertence ao titular nele inscrito. Estas presunções são, porém, ilidíveis mediante prova em contrário, como resulta expressamente do disposto artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil (CC) e, em matéria tributária, reforçado pelo artigo 73º da LGT.

 

100. É pacífico para a doutrina e para a jurisprudência dos nossos tribunais superiores que o registo não é condição de validade dos negócios a ele sujeitos ou subjacentes, dele não depende a transmissão da propriedade e não pertence ao transmitente o ónus de promover o registo, pelo que nenhuma sanção lhe pode ser imposta pelo não cumprimento dessa obrigação por parte do adquirente (este sim obrigado a promover o registo).[5]

 

101. Assim, acompanhando-se a reiterada jurisprudência arbitral, supra mencionada, relativa a situações idênticas, não pode deixar de se entender que a expressão "considerando-se como tais" constante da referida norma, configura uma presunção legal[6], e que esta é ilidível, nos termos gerais, e, em especial, por força do disposto no artigo 73.º da LGT que determina que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

Esta é, também, a posição do tribunal arbitral nos presentes autos, sufragando as posições já anteriormente plasmadas nas diversas decisões arbitrais supra mencionadas, pelo que, se entende que a presunção ilidível, inscrita no nº1, do artigoº 3º, do CIUC, corresponde à interpretação mais ajustada à prossecução dos objetivos almejados pelo legislador.

 

b) Da Elisão da Presunção

 

102. Muito do que se disse no ponto anterior aproveita ao tratamento desta questão, pois em bom rigor elas são indissociáveis.

 

103. As presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio previsto no artigo 64.º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos atos tributários que nelas se baseiem. No caso dos autos, a Requerente não utilizou aquele procedimento próprio, tendo antes optado pelo presente pedido de decisão arbitral que, assim, constitui meio próprio para ilidir a presunção de incidência subjetiva do IUC em que se suportam as liquidações tributárias cuja anulação constitui o seu objeto, pois que se trata de matéria que se situa no âmbito da competência material deste tribunal arbitral (arts. 2.º e 4.º do DL 10/2011).

 

104. Para ilidir a presunção derivada da inscrição do registo automóvel, a Requerente ofereceu, como meio de prova, cópias de faturas, declaração aduaneira de veículos (DAV), extratos contabilísticos e comprovativos das transferências e mapas anexos com todos os esclarecimentos necessários, incluindo as datas de transmissão da propriedade das viaturas e a identificação dos clientes/compradores. Todos estes documentos constam, igualmente do PA junto pela AT, pois já integravam os processos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico.

 

105. A apreciação crítica dos elementos probatórios entregues pela Requerente não deixa qualquer dúvida a este Tribunal de que ocorrera a venda de todas as viaturas em causa nos presentes autos. Assim, as liquidações de imposto, agora impugnadas deviam ter sido demandadas aos respetivos adquirentes, se identificáveis, cabendo à AT ao abrigo do princípio do inquisitório, tudo fazer para descobrir quais os verdadeiros proprietários das viaturas, uma vez que a Requerente não o é.

De facto, a Requerente ao tempo dos factos tributários e dos primeiros registos de propriedade efetuados, a Requerente já não era a proprietária dos veículos em causa.

 

106. Diverge-se, assim, do entendimento da Requerida, segundo a qual, à luz das normas legais é manifestamente irrelevante a venda antes da atribuição da matrícula, uma vez que, mesmo não podendo circular ou ser introduzida no consumo, a viatura existe, material e juridicamente, antes da matriculação, podendo, naturalmente, ser objeto de direitos e relações jurídicas. Este argumento, como vimos supra, vai contra as próprias da atividade impostas ao importador.

 

107. Não colhe, por fim, o argumento da unilateralidade das faturas alegada pela Requerida, porquanto estas são meios de prova da ocorrência das transmissões de propriedade se acompanhadas de outros documentos que não deixem dúvidas sobre a concretização daquele negócio em concreto, como sucede no presente caso. É vasta a documentação junta pela Requerente da qual se extrai que as viaturas importadas se destinavam aos seus clientes, entre eles entidades públicas como por exemplo a D…, pelo que, bastaria atender às informações dadas pela ora Requerente no âmbito dos processos de reclamação graciosa e do recurso hierárquico para ficar ciente de quem eram os proprietários ao tempo da ocorrência dos factos.

 

108. Alega a Requerente que existe controvérsia jurisprudencial sobre esta questão, e menciona alguma jurisprudência arbitral e dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que tem vindo a exigir que a prova da transmissão da propriedade seja efetuada pela junção das respetivas faturas acompanhadas de outros elementos que não permitam qualquer dúvida sobre a efetiva concretização do negócio.[7] Invoca que este entendimento foi sufragado, no essencial, no Acórdão TCA Sul de 19-03-2015,

Mas o que é claro neste Acórdão TCA Sul, é que estamos perante uma presunção que pode ser ilidida e que a Fatura, enquanto documento unilateral deverá ser complementada com outros elementos de prova donde decorra a existência da transação, tais como o pagamento ou quitação da transação, ou outros documentos contabilísticos dos quais se extraia idêntica conclusão.

 

109. Quanto à posição já vertida em algumas decisões arbitrais invocadas pela Requerida AT, segundo a qual “uma factura não é apta a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois aquele documento não revela por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte do pretenso adquirente” importa referir que, a invocada falta de valor probatório tem de ser devidamente contextualizada e analisada em função das condicionantes do caso concreto. O caso de um importador não é idêntico a muitos outros que têm vindo a ser suscitados junto deste tribunal, sem a apresentação de documentação bastante para a demonstração do que alegam. Não é o caso da ora Requerente que, para além das faturas, juntou muito mais documentação que corrobora a existência das transações. E, por fim, quanto às viaturas alienadas há mais de dez anos, a prova de que elas não integravam o património da empresa à data dos factos tributários, conforme consta dos inventários da empresa, afigura-se credível e suficiente, atendendo ao período de tempo já decorrido. Com efeito, e conforme se conclui através de análise dos inventários da Requerente referentes aos últimos dez exercícios, aqueles veículos não são propriedade da Requerente (cf. doc. n.º 8).

 

110. As exigências de prova não podem resvalar para exigências de prova impossível ou diabólica. A propósito da questão da prova e da acrescida dificuldade da prova de factos negativos, deve ser tido em conta, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas porventura menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina “iis quae difficilitoris sunt probationis leviores probationes admittuntur”.[8]

 

111. Estas exigências de prova devem ser acompanhadas das cautelas devidas e impostas pelo princípio da proporcionalidade, sob pena de imposição de exigências de prova que tornariam impossível o afastamento da presunção, transformando-a em presunção absoluta e inilidível o que de todo se aceita como possível. Assim, os requisitos de prova para o afastamento da presunção não podem ser tão exigentes que, resultem numa impossibilidade pratica de ilidir a presunção ou, dito de outro modo, só lograr a sua ilisão se o alienante provar ter efetuado o próprio registo, substituindo-se ao próprio adquirente, invertendo as regras normais de funcionamento do registo. Essa seria uma solução equivalente a tornar a presunção inilídível o que se considera inaceitável nos termos já supra expostos.

 

112. Entende este Tribunal que a Fatura acompanhada de outros elementos (declarações de venda, contratos, recibos ou qualquer outro documento contabilístico) permite, com razoabilidade aferir se o negócio se concretizou ou não. Exigir a prova de que a Requerente não era a proprietária já se afigura difícil em muitos casos, exigir que prove quem era o proprietário à data dos factos tributários afigura-se, em muitos, casos, totalmente impossível. Centrando a análise no caso concreto, tudo o que a Requerente consegue demonstrar é que alienou as viaturas importadas, quando e a quem. A partir daí, o registo é obrigação do adquirente e podem suceder várias alienações posteriores das viaturas, o que de todo pode controlar.

 

113. A partir da junção deste tipo de documentos contabilísticos afigura-se razoável e proporcional considera-los como elementos de prova suficientes para ilidir a presunção, sobretudo quando a Requerente é uma importadora de viaturas que as introduz no mercado nacional para dar resposta aos seus clientes. Pelo que as vendas destas viaturas consistem o cerne da atividade da Requerente, pelo que a sua contabilidade é tudo o que tem para poder efetuar a demonstração do facto. Não a admitir como prova idónea seria equivalente a exigir uma prova impossível, violando o princípio da proporcionalidade e de acesso ao direito consagrados constitucionalmente.

 

114. Acresce, em abono da verdade, que no caso de um contrato de compra e venda de um bem móvel, ainda que sujeito a registo, como é o veículo automóvel, basta o mero acordo consensual para que a venda suceda, nos termos do disposto no artigo 408º do Código Civil. A lei não prevê qualquer exceção para o mesmo, o contrato tem eficácia real, passando o adquirente a ser o seu proprietário, independentemente do registo, bem assim como o titular inscrito no registo deixará de ser o proprietário, pese embora ainda possa constar, por algum tempo ou mesmo muito, do registo como tal.

 

115. Acrescente-se, ainda, que na situação em análise, se está perante contratos de compra e venda que, relativos a coisa móveis, que não estando sujeitos a quaisquer formalismos especiais (C. Civil, artigo 219.º), operam a correspondente transferência de propriedade por mero efeito do contrato e tradição da coisa. (C. Civil, artigo 408.º, n.º 1). No entanto, estando em causa um contrato de compra e venda que tem por objeto um veículo automóvel, em que o registo é obrigatório, o seu cumprimento pontual pressupõe a emissão da declaração de venda necessária à inscrição no registo da correspondente aquisição a favor do comprador, conforme vem sendo entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores.[9]

 

116. Tal declaração, relevante para efeitos de registo, poderá constituir prova da transação, embora não seja o único ou exclusivo meio de prova de tal facto. E, para efeitos registrais, também não é exigível qualquer formalismo especial, bastando a apresentação à entidade competente de requerimento subscrito pelo comprador e confirmado pelo vendedor, que, através de declaração de venda confirma que a propriedade do veículo foi por aquele adquirida por contrato verbal de compra e venda.

 

117. De notar ainda que, as transmissões efetuadas são oponíveis à Requerida, apesar do disposto no nº 1, do artigo 5º do Código do Registo Predial, que dispõe: “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros quando registados.” Isto porque a AT não é terceiro para efeitos de registo, no contexto previsto na lei. A noção de terceiros para efeitos de registo está consagrada no nº 4 do mesmo artigo 5º: terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si, o que, manifestamente não é o caso da AT.

 

118. Ora, com base nos documentos que integram o presente processo verifica-se que, à data da exigibilidade do imposto, os veículos identificados já não eram propriedade da Requerente em virtude de, por esta, terem sido transmitidos a terceiros. Pelo que fica assim ilidida a presunção de propriedade derivada do registo automóvel acolhida no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, relativamente aos veículos e períodos a que se reportam todas liquidações questionadas, com referência aos veículos nelas identificados, conforme lista anexa ao presente pedido de pronúncia arbitral.

 

119. Em suma: nenhum dos veículos aqui em causa era, à data da matrícula, propriedade da Requerente, pelo que se considera ilidida a presunção decorrente do primeiro registo automóvel efetuado.

 

120. Assim, o entendimento subjacente às liquidações impugnadas nos presentes autos, segundo o qual os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo e sem admissão de prova em contrário, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar os elementos probatórios para identificação dos efetivos e verdadeiros utilizadores e atuais proprietários dos veículos, conduziu à liquidação ilegal do IUC, assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do Imposto Único de Circulação. Tais liquidações afiguram-se, pois, ilegais o que impõe a anulação dos correspondentes atos tributários.

 

121. Nestes termos, atendendo ao disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do CIUC, reitera-se a conclusão de que se mostra ilidida a presunção contida no nº 1 e que, por isso, a Requerente não constitui sujeito passivo do IUC, liquidado em relação aos anos de 2009 a 2012, quanto aos veículos identificados nos autos. Em consequência de todo o supra exposto, resulta que todas liquidações impugnadas são ilegais, padecem do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo que, devem ser objeto de anulação, procedendo-se, consequentemente, ao reembolso à Requerente do montante indevidamente pago acrescido dos juros à taxa legal.

 

122. Em consequência fica prejudicado o conhecimento de outras questões suscitadas pelas partes.

 

c) Juros indemnizatórios

 

123. A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago, no montante global de € 12.657,70, acrescido de juros indemnizatórios.

 

124. De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

125. Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

126. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

127. Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

128. No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.

 

129. No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do ato é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, por sua iniciativa praticou sem suporte legal. Estamos perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária. Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagaram indevidamente.

 

130. Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

 

131. Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos efetuados até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

V - DECISÃO

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A) – Julgar procedentes os pedidos de declaração da ilegalidade das liquidações de IUC objeto dos autos e identificadas supra;

B) – Anular as referidas liquidações;

C) Julgar procedente o pedido de restituição das quantia pagas correspondente às referidas liquidações (no total de € 12.657,70) e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir os montantes indevidamente pagos;

D) Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, calculados sobre a quantia a restituir, desde as datas dos pagamentos, até à do processamento da nota de crédito, em que devem ser incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT), às taxas legais que vigorarem até ao pagamento, nos termos do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

E) condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do presente processo.

 

VI - VALOR DO PROCESSO: Em conformidade com o disposto nos artigos 305º, nº 2 do CPC, artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €12.657,70.

 

VII - CUSTAS: Nos termos do disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00 a cargo da Autoridade Tributária.

 

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 9 de novembro de 2015

O Àrbitro,

 

 

                ___________________________________

               (Maria do Rosário Anjos) 

 

 

 



[1] Cfr. XAVIER, ALBERTO PINHEIRO (1972) Conceito e Natureza do Acto tributário. Almedina. Pág. 81.

[2] Vd. Sérgio Vasques, "Os Impostos Especiais de Consumo", Almedina, 2000 e Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 118-X, que deu origem à Lei n.º 22-A/2007, de 29/05 (reforma da tributação automóvel).

[3] Neste sentido, cfr.: Decisões Arbitrais de 19.7.2013, Proc. 26/1013-T, de 10.9.2013, Proc. 27/2013-T, de 15.10.2013, Proc. 14/2013-T, de 5.12.2013, Proc. 73/2013-T, de 14.2.2014, Proc. 170/2013-T, de 30.4.2014, Proc. 256/2013-T, de 2.5.2014, Proc. 286/2013, de 16.6.2014, Proc. 289/2013-T, de 14.7.2014, Proc.43/2014-T, de 6.6.2014, Proc. 294/2013-T, de 15.9.2014, Procs. 63/2014-T e 220/2014 e proc. 250/2014 – T de 7/11; Proc. 212/2014 – T de 5.03.2015, entre outras.

[4]  Cfr também. Jorge de Sousa, CPPT, 6.ª Edição, Áreas Editora. Lisboa, 2011, pags. 586; ainda neste sentido cfr. Ac. STA, Acs. de 29.2.2012 e de 2.5.2012, Procs. 441/11 e 381/12.

[5] Neste sentido, vd, entre outros, os seguintes Acórdãos do STJ: Ac. STJ de 31.05.1966, in Proc. nº 060727 (Relator: Conselheiro Lopes Cardoso), decisão especificamente referente ao registo automóvel; Ac. STJ de 5.05.2005 (Relator: Conselheiro Araújo Barros) e Ac. STJ de 14.11.2013, in Proc. nº 74/07.3TCGMR.G1.S1(Relator: Conselheiro Serra Batista) exímios na afirmação do predomínio do princípio da substancia sobre a forma, valendo a prova, por qualquer meio idóneo, de quem é substantivamente titular do direito de propriedade, a qual faz ilidir a presunção do registo.

[6] Aliás, a própria Requerida, afirma, mais do que uma vez que “o facto gerador do imposto é aferido pela matrícula ou pelo registo”, o que implica, necessariamente, o reconhecimento do caracter presuntivo do regime em causa. Com efeito, se “o facto gerador do imposto é aferido pela matrícula ou pelo registo”, é poruqe, naturamente, o “facto gerador do imposto” não é nem a matrícula, nem o registo! Estes serão factos-índice, dos quais se retira aquele, estando-se, perante e de forma inquestionável, perante uma presunção.

[7] Cfr., entre outras, as decisões proferidas nos processos arbitrais nºs 130/2014-T; 46/2014 – T; 125/2014-T, 212/2014-T; 217/2014T e 231/2014T, todos no sentido de considerar que a Fatura e meio de prova idóneo desde que acompanhada dos respetivos contratos de mútuo ou leasing e/ou outro meio de prova que permita concluir que o negócio se concretizou até final.

[8] Neste sentido, vd. Manuel de Andrade - «Noções Elementares de Processo Civil», 1979, pág. 203; Assento do STJ nº 4/83 de 11-7-1983, in DR, I série, de 27-08-1983; Ac. STA de 17/10/2012, in proc. nº 0414/12, entre outros.

[9] Cfr. STJ, Acs. de 23.3.2006 e de 12.10.2006, Procs. 06B722 e 06B2620.