Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 153/2015-T
Data da decisão: 2015-09-28  Selo  
Valor do pedido: € 3.520,96
Tema: IS – Verba n.º 28.1 da TGIS; Propriedade vertical
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 153/2015-T

Tema: Imposto de Selo – Verba n.º 28.1 da TGIS, propriedade vertical

 

I - RELATÓRIO

 

1.         A… e B… requereram, em 4 de Março de 2015, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2001, de 20 de Janeiro, que regula o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), que se pronuncie sobre a ilegalidade dos actos de liquidação do Imposto de Selo (IS), por aplicação da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) anexa ao Código do Imposto de Selo (CIS), referente ao ano de 2013, que deram origem aos documentos de cobrança com os números 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, no montante total de € 3.520,96, de acordo com os 16 documentos que foram juntos.

2.         No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro.

3.         Nos termos do art. 6.º, n.º 2, al. a) e do art. 11.º, n.º 1, al. b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular a ora signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

4.         O Tribunal Arbitral ficou constituído em 11 de Maio de 2015.

5.         A Requerida apresentou a sua resposta no dia 17 de Junho de 2015.

6.         Na resposta, a Requerida requereu que fosse dispensada a reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, por falta de interesse e utilidade na sua realização, bem como a dispensa de alegações uma vez que a posição das partes já se encontrava claramente esplanada nos seus articulados.

7.         Notificada a Requerente do requerimento identificado no número anterior, a mesmo veio aos autos dizer não dispensar a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, “dispensando no entanto a apresentação de alegações orais”.

8.         Não foram invocadas excepções.

9.         Pelo Tribunal foi decidido dispensar a reunião do art. 18.º do RJAT, indicando-se como data limite para a prolação da decisão o dia 30 de Setembro de 2015.

 

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10.       As Requerentes alegam, em síntese que:

a)         As Requerentes são comproprietárias, na proporção de 1/3 para cada uma, do prédio urbano sito na Avenida … n.º … a .., tornejando para o Pátio …, na freguesia da ..., concelho de Lisboa, inscrito respectiva matriz sob o artigo …

b)         Prédio este constituído em propriedade total com 9 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com o valor patrimonial total é de € 1.184.297,44, sendo certo, no entanto, que o valor patrimonial tributário de cada um dos andares varia entre os € 128.000,00 e os € 132.036,13.

c)         As Requerentes foram notificadas das liquidações de imposto de selo que se encontram elencadas na alínea a) do pedido, as quais se basearam na aplicação da Verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

d)        As Requerentes procederam ao pagamento das mencionadas notas de cobrança.

e)         Alegam as Requerente que o prédio urbano em causa não se enquadra no conceito de “prédio com afectação habitacional” previsto na verba n.º 28.1 da TGIS.

f)         Acrescentam, ainda, que a interpretação dada pela Administração Tributária no sentido de considerar, para efeitos de aplicação do Imposto de Selo, o valor patrimonial total do prédio em vez do valor patrimonial de cada andar ou divisão, viola o disposto na lei, concretamente o disposto no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), aplicável ex vi art. 67.º do CIS.

g)         Alegam, ainda, as Requerentes que a descrição predial do imóvel não corresponde à realidade actual e matricial uma vez que o mesmo foi demolido através da empreitada n.º … o que torna o prédio incompatível com a sua utilização para os fins de comércio e habitação descritos na matriz.

h)         Na óptica das Requerentes, uma interpretação da lei de acordo com os critérios do art. 9.º do Código Civil, a administração tributária não poderia aplicar a verba n.º 28.1 da TGIS a um prédio demolido com preservação das fachadas, que nunca teve utilização para habitação, concluindo que não pode ser exigido imposto de selo a um prédio em ruínas.

i)          Concluíram alegando a inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, da verba n.º 28.1 da TGIS quando interpretada no sentido de abranger no conceito de prédio habitacional, imóveis em ruínas, ou mesmo imóveis demolidos, apenas com preservação da sua fachada, por tratar de modo igual situações desiguais.

j)          Por outro lado, invocam as Requerentes que quando estejam em causa unidades de um mesmo prédio com utilização independente o valor patrimonial relevante para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS só pode ser o de cada unidade autonomamente considerada, devendo atender-se ao disposto no art. 12.º do Código do IMI, aplicável por força do art. 67.º, n.º 2 do CIS.

k)         Em abono da sua tese invoca as decisões proferidas nos processos 49/2013-T, 50/2013-T, 180/2013-T e 183/2013-T, todos do CAAD.

l)          Pedem as Requerentes, por fim, que a Requerida seja condenada a proceder ao reembolso do montante do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

11.       Notificada para responder, a Requerida alega, em síntese, o seguinte:

a)         Que procedeu às liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral em cumprimento do disposto no artigo 6.º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba n.º 28 à TGIS e cuja respectiva norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do Código do Imposto sobre Imóveis (CIMI), com o valor patrimonial tributário (VTP) igual ou superior a € 1.000.000,00, com afectação habitacional.

b)         Que, as Requerentes pretendem erradamente assimilar propriedade vertical à propriedade horizontal, que configuram realidades distintas, pois foi o próprio legislador que entendeu que apenas as fracções sujeitas ao regime da propriedade horizontal poderiam adquirir o estatuto de prédio, conforme decorre do art. 2.º, n.º 4 do Código do IMI.

c)         Mais alega que a inscrição matricial dos andares susceptíveis de utilização independente e a atribuição de um valor patrimonial tributário individual não afasta o valor patrimonial do respectivo prédio, o qual resulta necessariamente da soma dos valores patrimoniais dos andares susceptíveis de utilização independente, nos termos do art. 7.º, n.º 2, al. b) do CIMI.

d)        Consequentemente, entende que, a interpretação dada pelas Requerentes à verba n.º 28.1 da TGIS ter-se-á de haver, por inconstitucional, por ofensa aos princípios da legalidade tributária e da igualdade.

e)         Mais alega que, de acordo com o art. 113.º do CIMI a liquidação efectua-se com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem da matriz em 31 de Dezembro do ano a que respeitam.

f)         Salienta que as Requerentes não fizeram qualquer prova de que a descrição do imóvel não corresponde à realidade material e actual do imóvel, estando em situação de ruína.

g)         E, face à certidão de teor matricial o prédio urbano em causa está efectivamente afecto à habitação, sendo um prédio com afectação habitacional conforme previsto na verba n.º 28.1 da TGIS.

h)         Conclui que os actos tributários em causa não padecem dos vícios não violam qualquer princípio legal ou constitucional, devendo assim ser mantidos, e em abono da sua tese invoca a decisão proferida no âmbito do processo n.º 640/2014-T.

 

C – Factos provados

12.       Com base nos factos alegados pelas partes, e não contestados pela Requerida, assim como na documentação junta aos autos, fixa-se a seguinte factualidade relevante para a boa decisão da causa:

a)         As Requerentes são comproprietárias, na proporção de 1/3 para cada uma delas, do prédio urbano sito na Av. … n.º … a …, tornejando para o Pátio …, freguesia da ..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo matricial ….

b)         Da certidão matricial consta que o prédio é um “prédio urbano de cinco pavimento, 4 vão por pavimento. Construção média, em regular estado de conservação. Destina-se a comércio e habitação. Loja nos … a …, com duas divisões, 1.º andar direito, habitação, com 13 divisões. 1.º andar esquerdo, habitação, com 13 divisões. 2.º andar direito, habitação, com 13 divisões. 2.º andar esquerdo, habitação, com 13 divisões. 3.º andar direito, habitação, com 13 divisões. 4.º andar direito, habitação, com 12 divisões. 4.º andar esquerdo, habitação, com 12 divisões” (cf. doc. 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral e cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

c)         Consta, também, da certidão matricial, que o prédio é composto por 9 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com área de 581,8000m2, área de implantação do edifício: 465,1000m2, Área bruta privativa total: 2.092.9500m2, Área de terreno integrante das fracções: 116,7000m2, tem o valor patrimonial total de € 1.184.297,44 (cf. doc. 17).

d)        A cada uma das unidades independentes, avaliadas em 23 de Abril de 2010, foi atribuído um valor patrimonial tributário com os seguintes valores: (i) r/c loja com o valor patrimonial tributário de € 124.280,00 (ii) primeiro direito com o valor patrimonial tributário de € 125.450,00; (iii) primeiro esquerdo com o valor patrimonial de € 125.400,00; (iv) segundo direito com o valor patrimonial de € 125.450,00; (v) segundo esquerdo com o valor patrimonial de € 125.450,00; (vi) terceiro direito com o valor patrimonial de € 125.450,00 (vii) terceiro esquerdo com o valor patrimonial de € 125.450,00; (viii) quarto direito com o valor patrimonial de € 125.450,00 (ix) quarto esquerdo com o valor patrimonial tributário de € 125.450,00 (cf. doc. 17).

e)         Os mencionados valores patrimoniais foram actualizados em 2014 para a loja e em 2013 para as unidades habitacionais, constando da caderneta predial urbana que o valor patrimonial actual (CIMI), determinado em 2013, de cada uma das 8 unidades habitacionais, é de € 132.036,13 (cf. doc. 17).

f)         Por referência ao prédio das Requerentes, a Requerida procedeu à liquidação do Imposto de Selo (IS), por aplicação da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) anexa ao Código do Imposto de Selo (CIS), referente ao ano de 2013, que deram origem aos documentos com os números 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, no montante total de € 3.520,96, constando daqueles documentos a seguinte menção “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto: € 1.056.289,04”;

g)         As Requerentes procederam ao pagamento do montante de € 3.520,96.

h)         Por fax da Câmara Municipal de Lisboa, com data de 27 de Junho de 2006, com o Assunto: custo de obras coercivas, Local: Av … …/…, refere que “as obras de demolição do prédio particular sito naquele local, realizadas através da Empreitada n.º … se encontram concluídas. (...)” (cf. Doc. 18).

i)          Em 30 de Junho de 2014 (proc. …/2014), a CML certificou que o imóvel em causa foi demolido com preservação / contenção de fachada (cf. Doc. 27).

 

II – SANEAMENTO

 

13. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, e 6.º, n.º 1, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de vícios que o invalidem, nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para prolação da decisão final.

 

III. – FUNDAMENTAÇÃO

 

A questão a apreciar refere-se à aplicação da verba n.º 28 da tabela anexa ao CIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, ao prédio de que as Requerentes são comproprietárias, mais concretamente, consiste em apurar se no caso de prédios em propriedade plena, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, o valor patrimonial tributário a considerar para efeitos de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS é o valor patrimonial tributário de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, com afectação habitacional, como sustenta a Requerente; ou se o valor total do prédio em resultado da soma dos valores patrimoniais tributários correspondentes aos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional, como sustenta a Requerida.

 

A questão foi já apreciada em vários processos, no âmbito da Arbitragem Tributária, em que foi decidido que quando se verifique que cada um dos andares que compõe um prédio em propriedade vertical têm um valor patrimonial tributário inferior a um milhão de euros, não se verifica o pressuposto legal de incidência do imposto de selo previsto na verba n.º 28.1 da TGIS e, consequentemente, pronunciou-se pela ilegalidade dos respectivos actos de liquidação (cf. decisões proferidas no âmbito dos processos números 51/2015-T, 391/2014-T, 451/2014-T, entre outros).

 

A verba n.º 28 da TGIS, anexa ao CIS, aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, teve, inicialmente, a seguinte redacção:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeitos de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministério da Justiça – 7,5%.”

 

A redacção da verba n.º 28.1 foi, entretanto, alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2014, passando o ponto 28.1 a utilizar o conceito de prédio habitacional, passando a dispor o seguinte: “28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”. Porém, a alteração legislativa operada não tem aplicação aos presentes autos que têm por referência o ano de 2013. Com efeito, como já foi salientado pelo Ac. do STA de 29/04/2015, esta alteração não tem aplicação a situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos autos.

 

A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber qual o âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, i.e., saber se a verba n.º 28.1 da TGIS se aplica aos prédios urbanos em propriedade total, mas com andares susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, quando o valor patrimonial tributário atribuído a cada uma desses andares é inferior a € 1.000.000,00, embora a soma dos andares, com utilização independente, afectas a habitação tenha um valor global igual ou superior àquele montante.

 

Em relação à norma em apreço – a verba n.º 28.1 da TGIS –, o pensamento legislativo que esteve na sua base pode ser perscrutado na apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), em que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente:

 

“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

           

Da variedade semântica da discussão ressalta, desde logo, o uso indiferenciado de expressões como “prédios urbanos habitacionais”, “propriedades de elevado valor destinadas à habitação” e “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, tudo parecendo apontar para a intensão de tributar unidades unifamiliares de maior valor económico, parametrizados através do respectivo valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros.

 

Contudo, dos trabalhos preparatórios não é possível coligir, com o necessário rigor, como já foi enfatizado em decisões anteriores, qual o conceito de prédio subjacente àquela norma (cf. decisões proferidas nos processo n.ºs 21/2015-T e 451/2014-T), designadamente, se um prédio urbano habitacional é, na acepção da verba n.º 28 da TGIS, uma unidade autónoma (auto-suficiente para o fim a que se destina), distinta e isolada na qual se processa a vida de cada individuo ou agregado familiar residente, em edifícios unifamiliares ou multifamiliares; ou, se abrange os prédios multifamiliares com unidades autónomas, mas sem autonomização jurídica, característica das fracções autónomas que compõe os prédios constituídos em propriedade horizontal.

 

No caso dos autos, o prédio em propriedade total é composto, à semelhança do que acontece com idênticos prédios constituídos em propriedade horizontal, por nove andares susceptíveis de utilização independente, sendo oito deles afectos à habitação.

 

Os valores patrimoniais tributários dos oito andares susceptíveis de utilização independente era de € 132.035,13 para cada um deles, totalizando as unidades afectas a habitação o valor total de € 1.056.289,04.

 

Da redacção da verba n.º 28.1 dispõe que “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeitos de IMI.

 

Importando, pois, determinar qual o valor patrimonial tributário considerado para efeitos de IMI posto que da verba n.º 28.1. resulta que o imposto de selo incide sobre a “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 (...)”.

 

Remete-se, assim, para o Código do IMI todo o teor regulativo quanto à incidência “prédios urbanos com o valor patrimonial tributário constante da matriz”, nos termos do Código do IMI, e quanto à matéria colectável “valor patrimonial tributário para efeitos de IMI”. Remissão que, aliás, consta, a título subsidiário, do art. 67.º, n.º 2 do CIS que remete para o Código do IMI as “matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral”.

 

Destacamos do Código do IMI, no que respeita aos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, as seguintes regras:

a)         a cada prédio corresponde um único artigo matricial (cf. art. 82.º, n.º 2 do Código do IMI);

b)         cada andar susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina o respectivo valor patrimonial tributário (cf. art. 12.º, n.º 3 do Código do IMI);

c)         a determinação do valor patrimonial tributário é apurada para cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, de acordo com a afectação de cada unidade, sendo avaliadas separadamente em função da sua utilização e áreas (cf. art. 38.º do Código do IMI);

d)        o documento de cobrança contém, obrigatoriamente, a discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário (cf. art. 119.º, n.º 1 do Código do IMI).

e)         A não discriminação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos por andares ou divisões susceptíveis de utilização autónoma constitui fundamento de reclamação de incorrecta inscrição matricial (cf. art. 130.º, n.º 3, al. h) do Código do IMI).

 

Na doutrina, SILVÉRIO MATEUS e FREITAS CORVELO salientam que um dos aspectos que deve ser evidenciado na matriz tem a ver com a necessidade de fazer relevar a autonomia que, dentro de cada prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, funcional e economicamente independentes.

 

O Código do IMI consagra relevância fiscal – ao nível da inscrição matricial, determinação do valor patrimonial tributário, discriminação do valor patrimonial tributário, liquidação, fundamentos de reclamação – à autonomização na matriz de cada parte do um prédio susceptível de utilização independente.

 

Resulta do Código do IMI que as partes de um prédio em propriedade total dotadas de autonomia, ou seja, autos suficientes para o fim a que se destinam, são objecto de avaliação individual e separadamente, são individualizadas na respectiva inscrição matricial, possuem um valor patrimonial próprio constante da matriz e são objecto de liquidações individualizadas (tudo conforme resulta dos artigos 7.º, n.º 2 al. b), 13.º, n.º 2 e 119.º, n.º 1 do Código do IMI), essa autonomia deve ser respeitada e releva para efeitos de aplicação da verba n.º 28 da TGIS.

 

A verba n.º 28 da TGIS faz referência a “prédios urbanos com valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis” e ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI”.

Por seu turno, o art. 12.º, n.º 3 do CIMI dispões que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

Donde aos andares susceptíveis de utilização independente – como é o caso dos autos – é atribuído um valor patrimonial tributário específico e próprio que é objecto de inscrição autónoma na respectiva matriz predial.

Procede-se, assim, a uma autonomização para efeitos de IMI dos andares susceptíveis de utilização independente que são objecto de uma avaliação específica, nos termos do art. 7.º, n.º 2, al. b) do CIMI, de inscrição matricial individual e com valor patrimonial tributário para efeitos de IMI autónomo.

 

No caso de prédios em propriedade vertical ou total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, mas sem estarem constituídos em propriedade horizontal, há uma clara autonomia tributária que se encontra evidenciada pelas diferentes unidades (avaliadas com parâmetros distintos consoante a afectação especifica de cada unidade), indicação do piso/andar, incluindo com especificação da área bruta privativa e da área bruta dependente, tudo como se de verdadeiras fracções autónomas se tratasse, com sucede no caso em apreço – cf. doc. 17.

 

Não havendo, assim, razão para – em sede de incidência de Imposto de Selo, previsto na verba n.º 28.1 da Tabela –, dar aos andares/divisões susceptíveis de utilização independente (integrados em prédios em propriedade vertical) um tratamento distinto do concedido aos prédios em propriedade horizontal.

 

Assim, para efeitos de incidência do imposto de selo prevista na verba n.º 28.1 da TGIS, “o valor patrimonial tributário constante da matriz” e o “valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI” corresponde ao valor patrimonial tributário que consta da matriz em relação a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente, conforme resulta do disposto do art. 12.º, n.º 3 do Código do IMI

 

Em face do exposto, reitera-se, na esteira das decisões já proferidas, que a aplicação in casu da verba n.º 28.1 da TGIS relativamente ao prédio de que as Requerentes são comproprietárias é ilegal porque a mencionada verba não pode ser interpretada no sentido de abranger cada um dos andares susceptíveis de utilização independente quando apenas da soma dos valores patrimoniais tributários resulta um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00. Como nenhuma das unidades independentes que compõe o prédio tem um valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros, não se aplica a verba n.º 28.1 da TGIS.

 

A Requerente suscitou ainda a questão referente à afectação habitacional do prédio atendendo ao seu estado de ruína, bem como a questão da inconstitucionalidade da verba n.º 28.1. da TGIS. Uma vez que o tribunal considerou que a verba n.º 28.1 da TGIS não incide sobre a soma dos valores patrimoniais das divisões susceptíveis de utilização independente, surge prejudicada e inútil, a apreciação da relevância do estado do imóvel, bem como a inconstitucionalidade invocada pela Requerente.

 

Dos juros indemnizatórios

 

Peticionam as Requerentes a condenação da AT ao reembolso do imposto pago indevidamente no montante de € 3.520,96, bem como dos respectivos juros indemnizatórios.

 

O art. 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária prescreve que são “devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

Por seu turno, o artigo 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT dispõe que a “decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributaria a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

 

Dado que, no caso sub iudice, se verifica a ilegalidade das liquidações impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, imputável à administração tributária que procedeu às liquidações impugnadas, por incorrecta aplicação e interpretação do disposto na verba n.º 28.1 da TGIS, têm as Requerentes direito ao reembolso das prestações pagas no montante de € 3.520,96 e aos juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento até integral pagamento, à taxa de juros resultante do art. 43.º, n.º 4 da LGT.

 

Decisão:

Pelos fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)         Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal a liquidação de Imposto do Selo, referente a 2013, constante dos documentos com os n.ºs 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, no montante total de € 3.520,96, com as legais consequências;

b)         Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar às Requerentes o valor do imposto pago (€ 3.520,96), acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data do pagamento até reembolso integral.

c)         Condenar a Requerida nas custas do presente processo.

 

Valor do processo:

Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, conjugado com a al. a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT e n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se à causa o valor de € 3.520,96.

 

Custas:

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12.º e no n.º 4 do art.º 22.º do RGAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao regulamento, a suportar pela Requerida.

 

Lisboa, 28 de Setembro de 2015

 

O Árbitro,

 

(Alexandra Gonçalves Marques)