Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 188/2015-T
Data da decisão: 2015-11-05  IVA  
Valor do pedido: € 8.241,61
Tema: IVA – Taxa de IVA a aplicar nas transações de implantes e pilares constitutivos de implantes dentários quando transaccionados em separado; interpretação da Verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA.
Versão em PDF

Vem a árbitro Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 9 de Junho de 2015, decidir o seguinte:

 

 

I.                   Relatório

 

1.      A A..., S.A., NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., doravante designada por “Requerente”, vem, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral para pronúncia sobre a ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IVA e sobre o pagamento de juros indemnizatórios.

 

2.      É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

3.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 18-03-2015 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

4.      Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária do presente acórdão, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.      Em 08-05-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6.      Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 09-06-2015.

 

7.      O tribunal arbitral aceitou a cumulatividade de pedidos formulada pela Requerente, verificados que se encontram os pressupostos para tal.

 

8.      A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, tendo defendido a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

9.      Em 22-09-2015, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual os representantes da Requerente e Requerida se pronunciaram sobre a tramitação processual, sobre eventuais excepções que devessem ser apreciadas e decididas antes do Tribunal conhecer do pedido, sobre a necessidade de serem feitas correcções nas peças processuais apresentadas e sobre a necessidade de marcação de uma nova reunião para a realização de alegações orais e, ainda, procedeu-se à inquirição da testemunha arrolada pela Requerente.

 

*

10.  O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

11.  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

12.  O processo não enferma de nulidades.

 

*

 Questão prévia

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira face ao pedido de pronúncia arbitral apresentado por A..., S.A, veio, na sua resposta, suscitar uma questão prévia.

Alega, em síntese, que a Requerente não apresentou a reclamação graciosa por não concordar com os termos do relatório de inspecção mas sim nos termos do artigo 131.º do Código de Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

Não indica expressamente qual a consequência processual a extrair da aludida questão prévia. Não indicando, importa apurar o que, de um ponto de vista jurídico-processual, se pode esperar da dedução de uma questão prévia.

O que implica determinar o que seja, também nessa perspectiva, uma questão prévia.

Se percorrermos a lei civil adjectiva – o Código de Processo Civil (CPC) – não encontramos a expressão questão prévia ou questões prévias. Não obtemos, por isso, uma resposta que nos permita, de modo directo e imediato, colher do CPC o significado técnico-jurídico dessa expressão.

No contencioso tributário (e também no contencioso administrativo) já não é assim. De facto, o artigo 288.º do CPPT tem por epígrafe, além do mais, o conhecimento de questões prévias [pelo relator no tribunal superior].

Como a epígrafe se divide em dois segmentos: “conclusão ao relator” e “conhecimento de questões prévias”, e como no n.º 1 se estabelece que “Feita a distribuição, serão os autos conclusos ao relator que poderá ordenar se proceda a qualquer diligência ou se colha informação do tribunal recorrido ou de alguma autoridade”, em óbvia correspondência com esse primeiro segmento da epígrafe, então o n.º 2, que dispõe que “O relator não conhecerá do recurso se entender que lhe faltam manifestamente os respectivos pressupostos processuais”, tem evidente conexão com o segmento questões prévias da epígrafe, que nessa perspectiva assumem a natureza de excepções dilatórias.

Com efeito, estas mais não são que a falta de pressupostos processuais (cfr. artigo 278.º, n.º 1, do CPC), pois como justamente refere Antunes Varela “[p]ressupostos processuais são precisamente os elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado concedendo ou indeferindo a providência requerida. Trata-se das condições mínimas consideradas indispensáveis para, à partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa.

Não se verificando algum desses requisitos, como a legitimidade das partes, a capacidade judiciária de uma delas ou de ambas, o juiz terá, em princípio, que abster-se de apreciar a procedência ou improcedência do pedido, por falta de um pressuposto essencial para o efeito”[1].

Por conseguinte, no contencioso tributário a expressão questões prévias significa indubitavelmente o mesmo que excepções dilatórias[2].

Ora, embora os artigos 123.º e 124.º do CPPT, que regulam os requisitos da sentença, não aludam às excepções dilatórias, elas não podem deixar de ser conhecidas nesta fase processual, como observa Jorge Lopes de Sousa[3].

E como as excepções dilatórias implicam que o juiz se deva abster “de conhecer do pedido e absolver o réu da instância” (cfr. artigo 278.º, n.º 1, do CPC), então a dedução da questão prévia suscitada pela requerida, que corresponde como se viu a uma excepção dilatória inominada, tem como fito levar o tribunal a abster-se de conhecer do mérito da causa.

Contudo, essa pretensão claudica sem apelo nem agravo como se passa a demonstrar.

Nos termos do artigo 131.º do CPT, normativo que tem justamente por epígrafe “Impugnação em caso de autoliquidação”, a impugnação nestas circunstâncias depende da apresentação de “reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração” (n.º 1).

Caso a reclamação seja expressamente indeferida ou ocorra indeferimento tácito (no prazo de quatro meses contados desde a data da apresentação da reclamação graciosa (cfr. artigo 57, n.º 5, da Lei Geral Tributária/LGT e 106.º do CPPT), o contribuinte interessado pode apresentar impugnação judicial (no prazo de 3 meses) ou recorrer hierarquicamente no prazo de 30 dias.

Contudo, a reclamação graciosa não pode ser apresentada com fundamento na mera emissão de um relatório de inspecção, porque tal acto – como de resto sublinha a Requerida – não tem nem assume natureza lesiva da esfera jurídica do contribuinte, apenas podendo ser visto, quando muito, como mero propósito dessa lesividade, a concretizar por via da liquidação.

Mas, independentemente de assim ser, a mera circunstância de um procedimento de inspecção não ter sido concluído não impede que o sujeito passivo, por mero efeito da auto-liquidação que tenha efectuado, possa deduzir impugnação dessa mesma auto-liquidação.

E se, como sucede no caso sub judice, os argumentos invocados vão, parcialmente, discutir e rebater considerações tecidas no relatório de inspecção, isso apenas pode significar uma refutação ex ante ou por antecipação de argumentos que, no entender da Requerente, podem vir a ser invocados pela AT.

Não se trata, por isso, de converter um pedido de pronúncia arbitral subsequente a uma reclamação graciosa de acto de auto-liquidação num pedido de pronúncia arbitral com objecto centrado no procedimento inspectivo.

Nesta ordem de ideias já se vê que a Requerida interpretou mal o que se pretende atingir com o presente pedido de pronúncia arbitral, confundindo o objecto do mesmo – que indubitavelmente se centra na liquidação em causa – com os fundamentos em que se baseia. Assim sendo, outro caminho não resta que não seja o de considerar totalmente improcedente a referida questão prévia, que de resto sempre improcederia por outro motivo, também já aflorado: o de se desconhecer qual o verdadeiro e concreto desígnio processual que a Requerida perspectivou com a sua dedução.

É que, tal como o Autor/Requerente deve concluir por um pedido certo, inteligível e inequívoco na petição inicial, não lhe bastando por isso a mera alegação da causa de pedir, sob pena ineptidão da petição inicial (cfr. artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do CPC), também o Réu/Requerido deve alegar os factos que integram as excepções que suscita e concluir pelo pedido correspondente.

*

Não existindo qualquer outro obstáculo à apreciação do mérito da causa, cumpre proferir

 

 

II.                Fundamentação

 

A.   Matéria de facto

 

1.      Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

a.      A Requerente A..., S.A., é uma sociedade anónima, que se dedica à prestação de serviços de medicina dentária e prótese, a que corresponde o CAE 86230;

b.      A empresa configura-se como um sujeito passivo para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA);

c.       A Requerente liquidou IVA à taxa reduzida de 6% nas aquisições intracomunitárias efectuadas ao operador B... SL nos exercícios de 2010, 2011 e 2012, respeitante a diversas tipologias de implantes e pilares dentários;

d.      Ao abrigo de três ordens de serviço – OI2013 ..., OI2013 ..., OI2013 ... – a Requerente foi objecto de uma acção inspectiva interna, tendo sido efectuadas diversas correcções em sede de IVA, devido à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) entender que a Requerente deveria ter liquidado IVA à taxa normal nas aquisições intracomunitárias supra referidas, por falta de enquadramento de tais bens em qualquer das verbas das listas anexas ao CIVA;

e.       As correcções de IVA efectuadas pela AT deram origem às seguintes liquidações de IVA no montante total de € 8.241,61 (oito mil, duzentos e quarenta e um euros e sessenta e um cêntimos):

1) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201011;

2) Liquidação adicional de IVA n.º..., relativa ao período de 201012;

3) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201102;

4) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201103;

5) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201104;

6) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201105;

7) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201106;

8) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201108;

9) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201109;

10) Liquidação adicional de IVA n.º..., relativa ao período de 201110;

11) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201111;

12) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201112;

13) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201201;

14) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201202;

15) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201203;

16) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201204;

17) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201207;

18) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201208;

19) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201209;

20) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201210;

21) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201211;

22) Liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao período de 201212.

f.        A Requerente procedeu ao pagamento do IVA em causa nas referidas liquidações de imposto no decurso da aludida acção inspectiva; 

g.      A implantologia consiste na especialidade de medicina dentária que se destina à reabilitação fixa de espaços desdentados através de implantes dentários;

h.      A prótese dentária visa substituir o aparelho dentário e o seu principal objectivo é a substituição das suas funções, nomeadamente: mastigação, verbalização e função estética;

i.        Um dente é composto por duas partes, a raiz (parte interna do dente) e a coroa (a parte externa do dente);

j.        Na falta de um ou mais dentes, estes são substituíveis por um implante dentário osteointegrado e uma coroa artificial, sendo o primeiro um substituto da raiz, e a segunda substitui a parte externa e visível do dente;

k.      A prótese dentária por implante dentário é, assim, constituída por três elementos: implante, peças de ligação/pilar e coroa;

l.        O implante é um parafuso de titânio que serve para substituir a raiz de um dente natural e para suportar um pilar de fixação e uma coroa dentária, que substitui um dente natural;

m.     A coroa necessita de se ajustar às características da dentição do paciente, pelo que é especificamente produzida para cada caso;

n.      O procedimento cirúrgico comum de colocação de uma prótese dentária é um procedimento de “cirurgia de etapas”, uma vez que são necessárias três etapas para atingir o objectivo final;

o.      A primeira etapa consiste no enterro cirúrgico do implante dentário nivelado com o osso, mas dentro da gengiva;

p.       No final do processo de cicatrização, é necessário expor o implante cirurgicamente, através da remoção da gengiva sobrejacente;

q.      Após a colocação do implante dentário, o cirurgião confirma se a integração foi bem sucedida e tem início o processo de união do implante dentário ao osso, a chamada “ossointegração”, em que se fixa o pilar de fixação;

r.       Numa terceira etapa, findo o processo de cicatrização que delimita o espaço a ocupar pelo implante e tenha o mesmo sido testado para confirmar a osseointegração, a etapa de restauração é realizada e, desse modo, é fabricada e colocada a coroa dentária sobre o implante dentário osseointegrado;

s.       As três peças básicas com que é constituído o implante não têm qualquer outra utilização que não seja para fazer os implantes;

t.        Um implante dentário é assim um dente artificial fixo nas gengivas ou na mandíbula de forma a substituir dentes que se encontrem em falta e consiste numa raiz metálica que, após ser colocada dentro do osso maxilar, acaba por formar com ele uma estrutura única, suportando uma coroa artificial ou servindo de base para uma ponte fixa, restituindo a capacidade mastigatória e fonética;

u.      Existem no mercado dezenas de modelos de cada uma destas três peças básicas com que é constituído o implante.

 

 

2. Factos não provados

 

            Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

           

3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto

 

Os factos que acima se consideraram provados resultam da aplicação de dois critérios ao julgamento da matéria de facto: o primeiro, da pertinência de cada facto concreto para a decisão, a qual compete ao tribunal arbitral determinar, seleccionando de entre todos os factos que foram alegados pelas partes aqueles que revelam idoneidade para tal fim e descriminando a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Isto é, a selecção da matéria de facto pertinente para a solução da causa é feita através da condensação da materialidade fáctica alegada nos articulados, tendo em conta o silogismo que deve existir entre os factos seleccionados, a fundamentação jurídica e o segmento dispositivo que decidirá a causa.

No caso vertente a selecção dos factos pertinentes para o julgamento da causa foi feita através da escolha dos factos que, em função das várias soluções plausíveis de Direito, apresentavam relevância para a solução jurídica das questões debatidas nos autos (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

O segundo critério que subjaz à decisão sobre a matéria de facto assenta na convicção do tribunal. A convicção do tribunal emerge da análise crítica das provas, das ilacções retiradas dos factos instrumentais e de todos os elementos que são decisivos para essa convicção. Mas, para além dessa convicção, devem ser tomados em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, tal como impõe o artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

A convicção do tribunal baseia-se na livre apreciação das provas que, contudo, não abrange os factos para cuja prova a lei exija formali­dade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (artigo 607.º, n.º 5, do CPC).

Da aplicação destes critérios ao caso concreto, resulta que a convicção do tribunal quanto aos factos seleccionados e considerados provados assentou nos documentos constantes dos autos e no depoimento da testemunha inquirida, cujo depoimento denotou imparcialidade, sendo certo que, no que concerne à matéria pela qual foi inquirida, revelou directo conhecimento dos factos ou, pelo menos, demonstrou a sua razão de ciência para as respostas dadas.

Por último, importa dizer que o tribunal teve ainda em consideração, na resposta à matéria de facto, as máximas indiciárias de conteúdo determinístico-natural que, juntamente com o grau de probabilidade aceitável[4], deram ao tribunal, na apreensão dos factos, a verdade material tal como foi apurada e que, não existindo factos não provados, não se justifica a motivação da falta de prova dos mesmos.

 

B. Matéria de Direito

Interessa, em especial, decidir quanto à questão principal a analisar nos presentes autos, a saber, aferir se a transmissão “individualizada” de implantes e pilares poderá ser tributada à taxa reduzida de 6% por se subsumir no âmbito do disposto na verba 2.6 da Lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Esta matéria já foi objecto de algumas decisões neste Tribunal, estribando-se, essencialmente, nos fundamentos invocados no Processo n.º 429/2014-T, de 24 de Novembro de 2014, no qual fomos relatores da matéria de Direito no tocante ao enquadramento em IVA, pelo que nos iremos limitar a reproduzir as considerações então feitas e nelas subsumir a matéria de facto, em tudo similar à então tratada.

 

Importa assim, para o efeito, ter em consideração as regras que regem este imposto de acordo com o Direito da União Europeia, com a respectiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo, especialmente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

Com efeito, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União.

 

1. A interpretação das normas fiscais

 

Como é sabido, o artigo 11.º da LGT prescreve que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. Ora, o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil é claro quando determina que a interpretação não deve apenas cingir-se à letra da lei (elemento literal ou gramatical), mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (ratio legis), tendo em conta a unidade do sistema (elemento sistemático), as circunstâncias em que a lei foi elaborada (elemento teleológico) e as condições específicas do tempo em que é aplicada (elemento histórico).

O primeiro factor hermenêutico a que o intérprete pode lançar mão para alcançar o verdadeiro sentido e âmbito de aplicação dos textos legais é, pois, o que corresponde ao elemento literal ou gramatical.

Quanto ao elemento sistemático, determina a interpretação da norma de forma integrada considerando as demais disposições que formam o complexo normativo em que se integra a norma interpretanda.

No tocante ao elemento teleológico, “Consiste este elemento na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma. O conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.,) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma.

Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela opção que a norma exprime” [5].

Por último, de acordo com o elemento histórico há que apurar quanto ao contexto histórico da elaboração da norma.

A interpretação do normativo em causa deverá, pois, atender a estes elementos de interpretação.

 

2. O princípio da neutralidade do IVA

 

Como é sabido, o IVA é um imposto indirecto de matriz comunitária, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo (imposto geral sobre o consumo), sendo-lhe apontada como característica principal a respectiva neutralidade [6].

É habitual distinguir-se a neutralidade dos impostos de transacções relativamente aos efeitos sobre o consumo e sobre a produção. Existirá neutralidade relativamente ao consumo, quando o imposto não influi nas escolhas dos diversos bens ou serviços por parte dos consumidores. Um imposto será neutro na perspectiva da produção, se não induz os produtores a alterações na forma de organização do seu processo produtivo.

Conforme nota Xavier de Basto, “A neutralidade relativamente ao consumo depende exclusivamente do grau de cobertura objectiva do imposto e da estrutura das taxas, estando fora de questão delinear um imposto de consumo totalmente neutro. Sempre terão de ser concedidas algumas isenções (.....) e, provavelmente, existirão diferenciações na taxa aplicável às diferentes transacções de bens e prestações de serviços”.[7]

Em termos gerais, de acordo com o princípio da neutralidade, a tributação não deverá interferir nas decisões económicas nem na formação dos preços, implicando a extensão do âmbito de aplicação deste imposto a todas as fases da produção e da distribuição e ao sector das prestações de serviços[8].

Como salienta Teresa Lemos, a neutralidade pode ser encarada sob vários aspectos: neutralidade em relação aos circuitos de produção – a carga fiscal não depende da maior ou menor integração dos circuitos económicos, neutralidade face à incidência do imposto sobre os diferentes produtos e sectores, na medida em que a taxa seja uniforme, neutralidade no que se reporta à escolha dos factores de produção-capital e trabalho, e neutralidade face às preferências dos consumidores – igualdade de tributação dos diferentes produtos[9].

O princípio da neutralidade encontra-se vertido nas Directivas IVA, sendo sistematicamente invocado pela Comissão para se opor às legislações nacionais tidas por incompatíveis com as regras do Direito da União Europeia, bem como pelas administrações fiscais e pelos contribuintes dos diversos Estados membros, tendo sido, inúmeras vezes, aplicado pelo TJUE[10].

A aplicação do princípio da neutralidade deverá ser tida em consideração nas fases essenciais da vida deste tributo, como as regras de incidência objectiva e subjectiva, a localização, as isenções e o exercício do direito à dedução. Poderemos afirmar que este tem sido o princípio mais invocado pelo Tribunal para fundamentar os seus arestos, aparecendo-nos muitas vezes aliado ao princípio da igualdade de tratamento, da uniformidade e da eliminação das distorções de concorrência.

Assim, o TJUE tem-se preocupado, nomeadamente, quanto à concretização dos objectivos do sistema comum, em garantir a neutralidade da carga fiscal de todas as actividades económicas, sejam quais forem os seus objectivos ou resultados (que, como salienta, se consegue através do mecanismo das deduções que liberta o empresário da carga do IVA que pagou nas suas aquisições)[11], em assegurar aos agentes económicos uma igualdade de tratamento, conseguir uma definição uniforme de determinados elementos do imposto e garantir a segurança jurídica e facilitar as actuações tendentes à sua aplicação[12].

Desde logo, o TJUE procurou retirar as devidas consequências da igualdade de tratamento em IVA de actividades similares e da ausência do impacto da extensão das cadeias de produção e de distribuição no montante do imposto recebido pelas administrações fiscais.

É à luz deste princípio basilar que o imposto deverá ser interpretado e aplicado, de forma a se assegurar um sistema uniforme que garanta uma sã concorrência no espaço da União Europeia.

 

3. A aplicação das taxas reduzidas do IVA

 

3.1 As regras da Directiva IVA

 

De acordo com as regras da Directiva n.º 2006/112/CE, de 28 de Novembro, à qual passamos a chamar Directiva IVA ou DIVA[13], as operações tributáveis estão sujeitas ao imposto às taxas e condições do Estado membro em que se localizam. A taxa normal do IVA é fixada, nos termos do disposto nos artigos 96.º e 97.º da DIVA, numa percentagem do valor tributável que não pode ser inferior a 15% até 31 de Dezembro de 2015[14].

De acordo com o disposto no artigo 98.º da DIVA, os Estados membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas a uma percentagem que não pode ser inferior a 5%. As taxas reduzidas podem apenas ser aplicadas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do anexo III da Directiva IVA, ex. Anexo H da Sexta Directiva (com a última redacção que lhe foi dada pela Directiva 2009/47/CE).

A determinação e a definição das operações que podem beneficiar de uma taxa reduzida ao abrigo destas disposições da Directiva IVA são da competência dos Estados membros.            

Foi com a Directiva 92/77/CEE, do Conselho, de 19 de Outubro de 1992[15], que se procedeu à harmonização comunitária das taxas de IVA, tendo em vista a entrada em funcionamento do mercado interno, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2003. Até essa data, cada Estado membro dispunha de plena autonomia para fixar o número de taxas e o seu nível.

Como referimos, o Anexo III da Directiva IVA contém o elenco das transmissões de bens e prestações de serviços a que se podem aplicar as taxas reduzidas previstas no artigo 98.º, e contempla, no respectivo ponto 4, para os efeitos que ora nos interessam, as seguintes realidades: “Equipamento médico, material auxiliar e outros aparelhos normalmente utilizados para aliviar ou tratar deficiências, para uso pessoal exclusivo dos deficientes, incluindo a respectiva reparação, bem como assentos de automóvel para crianças”.

Esta redacção é similar à do anterior Anexo H da Sexta Directiva aditado pela aludida Directiva 92/77/CEE (entretanto revogada), que abrangia as seguintes operações: “Equipamento médico e outros aparelhos, normalmente utilizados para aliviar ou tratar deficiências, para uso pessoal exclusivo dos deficientes, incluindo a respectiva reparação e assentos de automóvel para crianças”, sendo a principal diferença o alargamento posterior do seu escopo que passou a conter “material auxiliar”.

Resulta do exposto que a possibilidade de aplicação de uma taxa reduzida do imposto é apenas isso mesmo: uma faculdade que os Estados membros poderão ou não utilizar. Todavia, caso façam utilização de tal possibilidade deverão fazê-lo de acordo com as normas do Direito da UE. Por outro lado, interessa salientar que os diferentes bens e serviços aos quais os Estados membros podem aplicar taxas reduzidas do imposto circunscrevem-se a situações pontuais, resultantes de uma posição consensual entre si, em que se reconhece serem bens ou serviços cujo carácter social, educativo, ou cultural os leva a considerar como de primeira necessidade, como é o caso, para os efeitos que ora nos ocupam, da saúde.

De salientar que nos seus considerandos a Directiva IVA refere que, “um sistema de IVA atinge o maior grau de simplicidade e de neutralidade se o imposto for cobrado da forma mais geral possível” (considerando 5) e que “deverá, ainda que as taxas e isenções não sejam completamente harmonizadas, conduzir a uma neutralidade concorrencial, no sentido de que, no território de cada Estado-Membro, os bens e os serviços do mesmo tipo estejam sujeitos à mesma carga fiscal, independentemente da extensão do circuito de produção e de distribuição” (considerando 7).

 

3.2 As regras do CIVA

 

O Código do IVA (CIVA) prevê no n.º 1 do seu artigo 18.º as seguintes taxas de imposto:

a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6 %;

b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista II anexa a este diploma, a taxa de 13 %;

c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 23%.” 

 

Relativamente à aplicabilidade das taxas, de acordo com o disposto no artigo 18.º do CIVA, a taxa normal do IVA aplica-se sempre que ao bem ou serviço em causa não couber uma das duas taxas reduzidas previstas nas Listas I e II anexas ao Código.

Caso se esteja em presença de agrupamentos de várias mercadorias formando um produto comercial distinto, dever-se-á ter em consideração que, quando não sofram alterações de natureza nem percam a sua individualidade, aplica-se a taxa que lhe corresponder, ou, se couberem taxas diferentes, a mais elevada (artigo 18.º, n.º 4, do CIVA).

Na situação em análise está em causa a verba 2.6. da Lista I, que representa a transposição ao nível do direito interno do referido ponto 4 do Anexo III da DIVA, nos termos da qual se determina a aplicação da taxa reduzida do IVA aos seguintes bens: “2.6. Aparelhos ortopédicos, cintas médico-cirúrgicas e meias medicinais, cadeiras de rodas e veículos semelhantes, accionados manualmente ou por motor, para deficientes, aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano ou a tratamento de fracturas e as lentes para correcção de vista, bem como calçado ortopédico, desde que prescrito por receita médica, nos termos a regulamentar pelo Governo no prazo de 30 dias.” (a ênfase é nossa).

Como é sabido, a taxa geral do imposto só se aplica caso não haja lugar à aplicação de taxas reduzidas. Por outro lado, para efeitos de aplicação da taxa do imposto importa aferir se estamos perante uma única operação ou perante operações principais e acessórias.

Com efeito, quando uma operação compreende várias transmissões de bens e/ou prestações de serviços, suscita-se a questão de saber se deve ser considerada como uma operação única ou como várias prestações distintas e independentes que devem ser apreciadas separadamente.

Esta questão reveste especial importância, na perspectiva do IVA, designadamente para efeitos da aplicação da taxa do imposto e das disposições relativas às isenções.

 

3.3 A jurisprudência do TJUE

 

A jurisprudência comunitária sobre a aplicação das taxas reduzidas do IVA não é muito abundante. Todavia, podemos destacar algumas ideias fundamentais que a norteiam, afigurando-se-nos suficientemente elucidativas para o efeito.

Em conformidade com o entendimento do TJUE, o princípio da neutralidade fiscal inclui igualmente dois outros princípios frequentemente invocados pela Comissão: o da uniformidade do IVA e da eliminação das distorções da concorrência.

O TJUE tem vindo a salientar que o princípio da neutralidade fiscal implica que todas as actividades económicas devam ser tratadas da mesma maneira[16]. O mesmo sucede quanto aos operadores económicos que efectuem as mesmas operações[17].

Prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, não devem ser tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA[18].

Como nota a Advogada Geral Juliane Kokott nas suas conclusões apresentadas no Caso TNT [19], o princípio da neutralidade fiscal opõe‑se a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado (n.º 43). Neste contexto, nota que “O princípio da neutralidade fiscal, que está na base do sistema comum do imposto e deve ser tido em conta na interpretação das normas de isenção, não permite que operadores económicos que efectuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado. (...) Nele se inclui o princípio da eliminação das distorções da concorrência resultantes de um tratamento diferenciado do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado (...)  ” (n.º 59).

O TJUE já esclareceu igualmente que a delimitação dos bens e dos serviços que podem beneficiar de taxas reduzidas deve ser efectuada em função de características objectivas. Assim, no seu Acórdão de 23 de Outubro de 2003, Caso Comissão contra a Alemanha[20], o TJUE veio reforçar o carácter objectivo das situações em que se permite a aplicação das taxas reduzidas de IVA, concluindo que, tratando-se de bens ou serviços similares e que estejam em concorrência entre si, não é admissível que sejam tratados de forma discriminatória.

Isto é, em conformidade com a jurisprudência do TJUE, a instituição e a manutenção de taxas de IVA distintas para bens ou serviços semelhantes só são admissíveis se não violarem o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA, no respeito do qual os Estados membros devem transpor as regras comunitárias[21].

Tal como o TJUE faz questão de salientar, resulta das regras comunitárias que a determinação e a definição das operações que podem beneficiar de uma taxa reduzida são da competência dos Estados membros. Como a Comissão tem vindo a salientar nos seus relatórios sobre as taxas reduzidas, um dos maiores problemas da aplicação das taxas consiste precisamente no carácter facultativo de tal aplicação e na inexistência de definições comuns para as categorias de bens e ou serviços abrangidos[22].

Todavia, apesar disso, no exercício desta competência os Estados membros devem respeitar o princípio da neutralidade fiscal. Ora, como vimos, este princípio opõe-se, nomeadamente, a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA, de modo que os referidos produtos devem ser submetidos a uma taxa uniforme[23].

Uma vez que a taxa reduzida é a excepção, o facto de se limitar a sua aplicação a aspectos concretos e específicos, é coerente com o princípio segundo o qual as isenções ou derrogações devem ser interpretadas em termos estritos, desde que não se viole o princípio da neutralidade do imposto[24].

Com efeito, a aplicação de uma ou de duas taxas reduzidas é uma possibilidade reconhecida aos Estados membros por derrogação do princípio segundo o qual é aplicável a taxa normal. Ora, resulta de jurisprudência assente que as disposições que têm o carácter de derrogação de um princípio devem ser objecto de interpretação estrita, não deixando, porém, de garantir que a derrogação não fique sem efeito útil[25].

Os Estados membros não poderão, designadamente, interpretar os conceitos utilizados no Anexo III da Directiva de forma selectiva de modo a que, sem atender a critérios objectivos, se conceda diferente tratamento a idênticas realidades. Com efeito, sendo certo que a determinação das operações sujeitas a taxa reduzida do IVA compete aos Estados membros, não existindo definições abstractas a este propósito na legislação comunitária, impõe-se que seja respeitado o princípio da neutralidade. Assim, será contrária aos princípios do Direito da UE uma tributação a taxas reduzidas do imposto que, sendo selectiva, viole as características fundamentais da neutralidade fiscal, objectividade e taxa de tributação uniforme, não permitindo que sejam instituídos subgrupos no interior de uma actividade tributável, com o intuito de lhes aplicar diferentes taxas de tributação, não existindo qualquer razão objectiva que justifique tal diferença de tratamento[26].

Em especial, o princípio da objectividade exige a aplicação de uma só e mesma regra a operações tributáveis da mesma natureza, existindo uma presunção de semelhança quando as operações em causa correspondem a diversas variantes de uma só e mesma operação tributável incluída numa das categorias do Anexo III da Directiva IVA.

Importa ainda notar neste contexto que a questão das prestações compostas versus prestações independentes foi objecto de apreciação do TJUE em alguns arestos[27].

A este respeito, decorre do artigo 2.º da Directiva IVA que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente[28].

Todavia, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, susceptíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes.

Tal sucede, por exemplo, quando, no termo de uma análise ainda que meramente objectiva, se verifica que uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e que a ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias que partilham do destino fiscal da prestação principal.

Neste contexto, é jurisprudência firmada pelo TJUE que “…se está perante uma prestação única designadamente no caso em que um ou vários elementos devem ser considerados a prestação principal, ao passo que, inversamente, um ou vários elementos devem ser considerados prestações acessórias que partilham do mesmo tratamento fiscal da prestação principal. Uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador[29].

Pode igualmente considerar‑se que se está em presença de uma única operação quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única operação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial[30].

Assim, o TJUE salienta que “… quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de actos, devem tomar-se em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para se determinar, por um lado, se se está na presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única, e, por outro, se, neste último caso, esta prestação única deve ser qualificada de prestação de serviços”; e que “O mesmo se passa [ou seja, está-se na presença de uma prestação única] quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor … estão tão estreitamente conexionados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial”.

Mas a posição do TJUE sobre a questão do fraccionamento da prestação principal em vários elementos não fica por aqui, tendo continuado, ao longo dos anos, a ser objecto de pedidos de decisão prejudicial, designadamente no âmbito do Caso Part Service[31].

Com efeito, foi entendimento do TJUE no referido processo que “51…decorre do artigo 2º da Sexta Directiva que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente.

 

52. Todavia, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, susceptíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes.

53. Tal sucede, por exemplo, quando, no termo de uma análise ainda que meramente objectiva, se verifica que uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e que a ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias que partilham do destino fiscal da prestação principal (…)[32].

Ora, em face da jurisprudência do TJUE vinda de enunciar e que, ao longo dos anos, tem vindo a ser firmada, existindo prestações principais e acessórias, economicamente indissociáveis, será de aplicar um regime de IVA único, correspondente ao da prestação principal, nomeadamente para efeitos de aplicação das taxas do imposto.

Assim sucedeu no Caso Comissão/França, em que esteve em análise a aplicação da taxa reduzida do IVA à electricidade, concretamente à subscrição de electricidade[33].

Para a Comissão, caso se considerasse que a subscrição era um fornecimento, a aplicação de uma taxa reduzida do IVA à subscrição dos serviços das redes de energia e de uma taxa normal a qualquer outro fornecimento de energia violaria o princípio da neutralidade inerente à Sexta Directiva. Com efeito, de acordo com o seu entendimento, ainda que se tratasse de um fornecimento, deveria aplicar-se a mesma taxa à subscrição e a qualquer outro consumo de electricidade, de acordo com o princípio da neutralidade.

De acordo com as conclusões do Advogado-Geral Siegbert Alber apresentadas em 10 de Outubro de 2002, a subscrição só podia ser considerada uma prestação autónoma caso se tratasse de uma prestação que se devesse distinguir do efectivo fornecimento de gás natural e de electricidade.

O TJUE, no tocante à acusação suscitada a título subsidiário relativa à violação do princípio da uniformidade da taxa de imposto, veio invocar o seguinte:

“ 88.

O princípio da neutralidade fiscal seria violado se a legislação fiscal francesa fosse de molde a que prestações iguais, que se encontram numa relação de concorrência, fossem tratadas de forma diferente em sede de imposto sobre o valor acrescentado.

89.

Tal como já se expôs, a subscrição e o fornecimento de gás natural e/ou de electricidade consubstanciam, para a grande maioria dos consumidores finais, uma prestação integrada que abrange a prestação de serviços e o fornecimento de bens (27), e não prestações distintas. É apenas o preço da prestação que é dividido em duas partes, que são o montante da subscrição e o valor variável a pagar em função da quantidade do consumo.

(…)

92.

Para além disso, este regime fiscal pode atentar contra o princípio da neutralidade fiscal. Com efeito, aplicam-se a prestações iguais taxas de imposto diferentes.”

 

É pois neste contexto que o TJUE decidiu a favor da República francesa.

O mesmo raciocínio foi adoptado pelo TJUE no seu Acórdão de 3 de Abril de 2008, Caso Finanzamt Oschatz,[34], tendo-se concluído que um ramal de ligação não era distinto da distribuição de água, devendo ser-lhe aplicada a mesma taxa reduzida de IVA da electricidade. Como se salientou, “40.  Embora a Sexta Directiva não contenha a definição de distribuição/abastecimento de água, também não resulta das suas disposições que este conceito deva ser objecto de interpretações diferentes consoante o anexo em que vem mencionado. Sendo o ramal de ligação individual indispensável para a colocação da água à disposição ao público, como resulta do n.º 34 do presente acórdão, deve considerar‑se que está abrangido igualmente pelo conceito de abastecimento de água mencionado na categoria 2 do anexo H da Sexta Directiva.”

Ainda no mesmo sentido, cite-se o Acórdão do TJUE de 10 de Março de 2011, Proc.s apensos C‑497/09, C‑499/09, C‑501/09 e C‑502/09, onde esteve em causa o alcance da expressão «produtos alimentares» que figurava no seu anexo H, categoria 1, da Sexta Directiva, novamente para efeitos de aplicação da taxa reduzida do IVA. Como o Tribunal começou por salientar haveria que aferir “… se, do ponto de vista do IVA, as diversas actividades em causa em cada um dos processos principais devem ser tratadas como operações distintas tributáveis separadamente ou como operações complexas únicas compostas de vários elementos” (n. 51).   

Salientou ainda que, “Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de actos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para determinar, por um lado, se se está em presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única e, por outro, se, neste último caso, esta prestação única deve ser qualificada de entrega de bens ou de prestação de serviços”(n. 52).

 

C.  Posição da Requerente

 

Basicamente a Requerente assenta o seu entendimento nas seguintes linhas:

 

a)     A prótese dentária é composta por implante, peças de ligação e coroa, sendo estes três elementos, distintos, que formam a prótese dentária;

b)    Estes três elementos, ainda que separados, não são outra coisa senão material de prótese, na medida em que não servem qualquer outro fim ou propósito que não sejam colmatar a ausência de um ou mais dentes;

c)     Os bens adquiridos pela Requerente, implantes e peças de ligação, são parte integrante da prótese dentária, quer sejam adquiridas em separado ou em conjunto. Quer seja em separado ou em conjunto, a Requerente está sempre a adquirir os mesmos bens, a mesma realidade;

d)    Sendo material de prótese, não se pode tratar a mesma realidade de forma diferente; Se esses bens, adquiridos de forma conjunta, estão sujeitos à taxa reduzida de IVA, os mesmos bens, ainda que adquiridos separadamente, não podem ter um tratamento diferenciado,

e)     A interpretação que a Administração Fiscal pretende fazer da verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA, de acordo com a qual a taxa reduzida do IVA se aplica apenas às “unidades completas de implante”, mas não às peças que constituem o implante dentário completo, não tem qualquer apoio no texto legal e, a ser seguida, introduziria tratamento fiscal discriminatório para as próteses por implante;

f)      Não sendo susceptíveis de qualquer outra utilização que não seja em medicina dentária, devem ser tributadas à taxa reduzida do IVA, por estarem enquadradas na verba 2.6 da referida Lista I.

 

D. Posição da Requerida

 

Nas suas linhas gerais a Autoridade Tributária e Aduaneira vem defender o seguinte:

 

a)     Os vários componentes por que são constituídos os implantes dentários quando transaccionados em separado devem ser classificadas como peças ou acessórios de um implante, não podendo ser enquadradas na verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA por não constituírem, autonomamente ou unitariamente, uma peça artificial que substitui um órgão do corpo ou parte dele (a AT utiliza a este propósito a expressão “bens completos”, em substituição do conceito antes por si utilizado de “unidade única de implante”), no sentido de assumir ou substituir, efectivamente, a função da parte do corpo com deficiência ou enfermidade, sendo-lhes aplicável a taxa normal do imposto;

b)    Com efeito, as partes e acessórios das próteses como as peças em questão, para além de não serem prótese, não são aptos, considerados individualmente, a substituir uma parte do corpo ou a sua função, ou seja, não se configuram como “bens completos” – i.e., aqueles que, por si mesmos, são aptos a substituir uma parte do corpo ou a sua função;

c)     Só quando a transacção incide sobre os transplantes completos, montados tal como são aplicados na boca dos pacientes, haverá lugar ao benefício da taxa reduzida de IVA nos termos do disposto na referida verba;

d)    Em matéria de aplicação das taxas reduzidas do IVA, tratando-se de situações excepcionais, vigora o princípio da interpretação estrita;

e)     Do ponto de vista da neutralidade temos que comparar a tributação da prótese fixa com a tributação da prótese amovível e não a tributação das peças e/ou acessórios da prótese fixa com este tipo de prótese, sendo que no caso da prótese amovível as peças são tributadas à taxa normal.

 

E.  Aplicação ao caso concreto

 

Considerando a matéria de facto dada como provada e a matéria de direito vinda de enunciar, importa aferir da legitimidade da pretensão da Requerente. Isto é, há que analisar se o legislador português visou restringir a aplicação da taxa reduzida, como pretende a Administração Fiscal, só quando estão em causa transacções que incidem sobre os implantes completos ou se a taxa reduzida se pode aplicar às transacções dos componentes implante e pilares por que são constituídos os implantes dentários quando transaccionados em separado.

Importa salientar que o sentido e alcance da taxa reduzida aplicada neste domínio deverá ter consideração as boas regras da hermenêutica, tendo em conta não só o elemento gramatical, como o respectivo contexto, razão de ser e finalidades prosseguidas pela verba 2.6, devendo resultar numa interpretação declarativa (e não restritiva, ao contrário do que sustenta a AT).

Ora, desde logo, a letra do preceito parece indicar que os implantes dentários se enquadram na referida lista, estando nós perante material de prótese destinado a substituir um órgão do corpo humano, no caso, o aparelho dentário.

Com efeito, nada na letra da lei nos leva a restringir a sua aplicação às situações de transmissões de “bens completos” de implante, na acepção que a AT pretende veicular.

Acresce que resulta dos factos dados como provados que tal conceito não existe enquanto tal, existindo sim implantes constituídos pelas três peças que os compõem – coroa, implante e pilar, que, de acordo com a técnica cirúrgica, são introduzidas por fases na boca do paciente, dando então origem, no seu conjunto, a um implante. Na realidade, estas três peças são incindíveis e inutilizáveis salvo para a composição de um implante enquanto prótese composta.

Não existindo tais “bens completos” de implante, na acepção que a AT pretende veicular, o entendimento da Administração Fiscal acaba por negar o benefício da taxa reduzida a este tipo de próteses, pondo assim em causa, sem um motivo racional atendível, a ratio legis que presidiu ao acolhimento desta verba nos termos em que se encontra redigida – a protecção da saúde pública. Com efeito, a acolher-se tal entendimento introduzir-se-ia um tratamento discriminatório arbitrário entre as diferentes próteses dentárias. Por um lado, as próteses compostas por uma única peça beneficiariam da taxa reduzida de 6%, por outro lado, as próteses “compostas” seriam tributadas à taxa normal. Tal facto é discriminatório, atentando, desde logo, nomeadamente, contra o disposto nos artigos 5.º, n.º 2 e 7.º, n.º 3 da LGT. Com efeito, de acordo com o previsto no primeiro normativo, de epígrafe, “Fins da tributação”, a tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material. Por sua vez, de acordo com o disposto no artigo 7.º, n.º3, “A tributação não discrimina qualquer profissão ou actividade nem prejudica a prática de actos legítimos de carácter pessoal, sem prejuízo dos agravamentos ou benefícios excepcionais determinados por finalidades económicas, sociais, ambientais ou outras”.

Mas estaríamos essencialmente perante uma intolerável ofensa ao princípio da neutralidade que rege este imposto ao nível do Direito da União Europeia, tratando-se bens iguais de forma distinta sem qualquer motivo racional atendível, facto que viola as regras que regem este imposto bem como toda a jurisprudência do TJUE a que aludimos.

Como é sabido, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT, sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei. Por sua vez, no n.º3 do referido normativo determina-se que, persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários. Ora, o que o legislador comunitário, a Comissão europeia e a jurisprudência do TJUE determinam é que, na utilização dos conceitos empregues para efeitos de aplicação das taxas reduzidas, os Estados membros deverão atender aos efeitos económicos em causa de forma a não se pôr em causa o princípio essencial da neutralidade do imposto.

Ou seja, a acolher-se o entendimento veiculado pela AT no caso concreto teríamos uma diferença de tratamento para realidades idênticas resultantes não da Directiva IVA mas sim de uma deficiente aplicação da mesma por parte da Administração Fiscal.

É certo que as normas de derrogação, como é o caso da norma que possibilita aos Estados membros a aplicação de taxas reduzidas do imposto, devem ser aplicada restritivamente, mas não devemos confundir tal facto com uma aplicação selectiva, realidade completamente distinta que põe em causa as mais básicas características do imposto.

Ora, importa uma vez mais salientar que, como ficou provado, as “peças” ora em apreço – implante e pilar – não podem ser utilizados separadamente, sendo especialmente concebidos e fabricados para a produção de uma peça que se designa por implante. Com efeito, contrariamente ao que a AT alega, não existe a peça única implante no sentido fáctico que lhe quer conceder, mas apenas o implante constituído, enquanto tal, por implante, coroa e pilar, peças incindíveis tendo em vista esta realidade.

É por demais evidente que o facto de tais peças serem comercializadas separadamente, tal como no caso citado, não pode afectar o enquadramento e qualificação para efeitos de IVA, fazendo-se prevalecer a forma sobre a substância.

Na realidade, o que está em causa nos presentes autos e ficou provado subsume-se na previsão legal da verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA, consubstanciando-se como um “… aparelhos, artefactos e demais material de prótese ou compensação destinados a substituir, no todo ou em parte, qualquer membro ou órgão do corpo humano”.

E, volte-se a salientar, a ratio legis que leva o legislador a acolher a aplicação da taxa reduzida do IVA em tais situações – a protecção da saúde – é exactamente a mesma que nos leva a esta interpretação.

De notar, por último que, da jurisprudência vinda de citar, ainda que supostamente existissem, tal como a AT pretende, “bens completos” de implante, na acepção que pretende veicular, sempre teríamos que reconhecer que a coroa, o pilar e o implante se configurariam como uma peça única ou, em último caso, ainda que erroneamente assim não se entendesse, como peças acessórias, tal como, aliás, a própria AT expressamente reconhece, e enquanto tal, deveriam ser tributadas à taxa reduzida, seguindo o tratamento da operação principal.

Isto é: quer apenas por recurso às regras do Direito da União Europeia quer por aplicação simples das boas regras da hermenêutica, o resultado é o mesmo – só poderá concluir-se que na verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA se incluem quer os implantes constituídos por uma peça única quer os implantes compostos.

Com efeito, todos os elementos de interpretação das normas fiscais convocáveis para o efeito, bem como as características do IVA e a interpretação que das mesmas o TJUE tem vindo a fazer, nos levam a concluir que, no caso presente, se deverá aplicar a taxa reduzida do IVA prevista na verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA à transmissão dos implantes e pilares ora sob análise, termos em que se dá razão à Requerente.

Em face do exposto, conclui-se que as liquidações de IVA impugnadas enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação desta verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA.

Este vício justifica a anulação das liquidações que são objecto do presente processo arbitral.

 

F. Pagamento de juros indemnizatórios

A Requerente cumula com o pedido anulatório do acto tributário objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia por si paga na sequência da notificação das liquidações ora anuladas.

É pressuposto da atribuição de juros indemnizatórios que o erro em que laborou a AT lhe seja imputável (cfr. o disposto no artigo 43.º da LGT).

No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, pelas razões que se indicaram, há lugar a reembolso do imposto pago pela Requerente, por força do disposto nos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

É também claro nos autos que a ilegalidade do acto de liquidação de imposto impugnado é directamente imputável à Requerida que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal, padecendo de uma errada apreciação dos factos juridicamente relevantes e consequente aplicação das normas jurídicas ao caso concreto.

Assim, a Requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

Os juros indemnizatórios são devidos à Requerentes desde a data em que efectuou o pagamento do imposto em causa nos autos, até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal.

 

III.        Valor do processo

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 8.241,61 (oito mil, duzentos e quarenta e um euros e sessenta e um cêntimos).

 

 

IV.        Dispositivo

 

Em face do exposto, neste processo arbitral intentado pela A..., S.A., contra a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, o Tribunal Arbitral decide:

 

a)        Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)        Anular, com fundamento na violação da verba 2.6 da Lista I anexa ao CIVA, as liquidações de IVA indicadas no ponto e. da matéria de facto dada como provada;

c)        Condenar a Requerida a devolver à Requerente o valor das liquidações por esta pago no montante de € 8.241,61 (oito mil, duzentos e quarenta e um euros e sessenta e um cêntimos) acrescido de juros indemnizatórios incidentes sobre esse valor, contados desde a data do pagamento do IVA resultante de tais liquidações até à data da sua integral restituição.

 

 

V.           Custas

 

Nos termos do estatuído no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918 (novecentos e dezoito), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 5 de Novembro de 2015

 

 

A Árbitro

 

(Clotilde Celorico Palma)

 

 

 

 

 

 



[1]     Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Ed.ª, 1985, p. 104.

[2]     Aliás, as excepções que impediam o conhecimento do mérito da causa e conduziam à absolvição da instância sempre assumiram no âmbito do contencioso tributário e administrativo o nomen iuris de “questões prévias”, ao contrário da denominação excepções dilatórias acolhida no processo civil. É disso exemplo o artigo 176.º do Código de Processo Tributário, relativo à falta de pressupostos processuais do recurso para o [antigo] tribunal tributário de 2.ª instância e o artigo 57.º, n.º 4, do RSTA, aplicável por força do disposto no artigo da 54.º da LPTA.

[3]     Manual de Procedimento e Processo Tributário Anotado, II Volume, 6.ª ed., Lisboa, Áreas Ed.ª, 2011, pp. 316 e ss.

[4]     Sobre os referidos conteúdos e máximas indiciárias, juízos de probabilidade e presunções judiciais, vd. Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 2ª edição, pp. 367 e ss. e Pires de Lima - Antunes Varela, Cód. Civil Anot., 4ª ed., I vol., p. 312.

[5] Conforme nos ensina J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, pp. 182 e 183.

[6] Cfr., Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação internacional, CCTF n.º 164, Lisboa 1991, p. 39 a 73 e Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF n.º1, Almedina, 6ª edição, Setembro de 2014, pp. 19 a 34.

[7] Xavier de Basto, ibidem, pp. 29 e 30.

[8] De acordo com Xavier de Basto, ibidem, p. 29, numa formulação genérica, por neutralidade entende-se a característica de um tributo que se analisa em não alterar os preços relativos das alternativas sobre que recaem as escolhas dos agentes económicos, não originando, assim, “distorções” dos seus comportamentos. Numa outra formulação, igualmente técnica, dir-se-á que imposto neutro será o que, provocando, como qualquer imposto não pode deixar de provocar, efeitos de rendimento, é isento de efeitos de substituição.

[9] Cfr. Maria Teresa Graça de Lemos, “Algumas observações sobre a eventual introdução de um sistema de Imposto sobre o Valor Acrescentado em Portugal”, CTF n.º 156, Dezembro 1971, p. 10.

[10] Tal como se salienta em Francis Lefebre (auteur Francisco Xavier Sanchéz Galhardo) - Memento Experto, IVA: Jurisprudencia Comunitaria, Directiva 2006/112/CE, Actualizado a 31 de Deciembre de 2007, Ediciones Francis Lefebre, 2008, p. 68, “Es habitual la referencia al principio de neutralidad como fundamental  en el funcionamiento del IVA, de suerte que la mecánica del impuesto se supone que ha de evitar cualquier situación discriminatoria o de distorsión en el funcionamiento de las empresas.”.

Sobre a aplicação deste princípio pelo TJUE, veja-se igualmente Michel Guichard, “L’esprit des lois communautaires en matière de TVA: du principe de neutralité”, Revue de Droit Fiscal n.º 36, 2001, pp. 1205-1212.

[11] Cfr., nomeadamente, Acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Caso Rompelman, Proc. 268/83, Rec., p. 655, n.º 19, de 22 de Junho de 1993, Caso Sofitam, Proc. C-333/91, Colect., p. I-3513, n.º 10, e de 6 de Abril de 1995, Caso BPL Group, Proc.C-4/94, Colect., p. I-983, n.º 26.

[12] Neste sentido, veja-se Ramírez Gómez, in Jurisprudencia del Tribunal de Justicia de las Comunidades Europeas en Materia de IVA, Editorial Aranzadi, Pamplona, 1997, pp. 232 e ss.

[13] Publicada no JO n.º L 347, de 11 de Dezembro de 2006. Essencialmente, esta Directiva veio reformular o texto da Sexta Directiva (trata-se de uma reformulação basicamente formal, atendendo ao facto de o seu texto se encontrar excessivamente denso, dadas as sucessivas alterações que lhe foram introduzidas desde a sua aprovação). Com a reformulação passou a ter 414 artigos (tinha 53).

[14] Sobre as regras de aplicação das taxas reduzidas do IVA veja-se Clotilde Celorico Palma, “A Proposta de Orçamento do Estado para 2012 e as taxas do IVA”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano IV, n.º 3, Novembro/2011.

[15] Publicada no JO n.º L 316, de 31 de Outubro de 1992.

[16] Acórdão de 20 de Junho de 1996, Caso Wellcome Trust, Proc.C‑155/94, Colect., p. I‑3013, n.º 38.

[17] Acórdão de 7 de Setembro de 1999, Caso Gregg, Proc. C-216/97, Colect., p. I-4947, n.º 20.

[18] Vide, designadamente, Acórdãos de 12 de Junho de 1979, Caso Nederlandse Spoorwegen, Proc. 126/78, Rec., p. 2041, de 11 de Outubro de 2001,Caso Adam, Proc. C‑267/99, Colect., p. I‑7467, n.º 36, de 23 de Outubro de 2003, Caso Comissão/Alemanha, Proc.C‑109/02, Colect., p. I‑12691, n.º 20, e de 26 de Maio de 2005, Caso Kingscrest Associates e Montecello, Proc. C‑498/03, Colect., p. I‑4427, n.º 41.

[19] Acórdão de 23 de Abril de 2009, Proc. C-357/07, Colect., p. I-5189.

[20] Proc. C-109/02, já cit..

[21] Vide, neste sentido, o Acórdão de 7 de Setembro de 1999, Caso Gregg, já cit., n.º 19.

[22] Relatório de 13 de Novembro de 1997 [COM (97) 559 final] e Relatório de 22 de Outubro de 2001 (COM (2001) 599).

[23] Veja-se, neste sentido, Acórdão de 3 de Maio de 2001, Caso Comissão/França, Proc. C-481/98, Colect., p. I-3369, n.º 22, e Acórdão de 11 de Outubro de 2001, Caso Adam, já cit.,, n.ºs 35 e 36.

[24] Vide o Acórdão de 18 de Janeiro de 2001, Caso Comissão /Espanha, Proc. C-83/99, Colect. p. I-00445.

[25] Vide, nomeadamente, Acórdãos de 30 de Setembro de 2010, Caso EMI Group, Proc. C‑581/08, Colect. , p. 8607, n.º 20, e de 28 de Outubro de 2010, Caso Axa UK, Proc C‑175/09, Colect., p. 10701, n.º 25.

[26] Citando as conclusões do Acórdão de 23 de Outubro de 2003, Caso Comissão/Alemanha, Proc. C-109/02, Colect., p. I-12691.

[27] Veja-se, nomeadamente, Acórdãos de 25 de Fevereiro de 1999, Caso CPP, Proc. C‑349/96, Colect., p. I‑973, n. º 27, e de 27 de Outubro de 2005, Caso Levob Verzekeringen e OV Bank, Proc. C‑41/04, Colect., p. I‑9433, n.º 18.

[28] Vide Acórdãos, já referidos, Caso CPP, n.º 29, e Caso Levob Verzekeringen e OV Bank, n. º 20.

[29] Caso CPP, já cit., n.º 30.

[30] Caso Levob Verzekeringen e OV Bank, já referido, n.º 22.

[31] Acórdão de 21 de Fevereiro de 2008, Caso Part Service, Proc. C-425/06, Colect., p. I-897.

[32] Ibidem.

[33] Acórdão de 8 de Maio de 2003, Caso Comissão/França, Proc. C-384/01, Colect., p. I-4395.

A República Francesa alterou a sua legislação relativa ao IVA aplicável ao fornecimento de electricidade e de gás natural, tendo passado a aplicar à subscrição, isto é, o montante certo a pagar pela adesão às redes de fornecimento durante um determinado período de tempo e que engloba ainda outras despesas fixas, a taxa reduzida do imposto e ao montante variável a pagar em função do consumo, manteve a aplicabilidade da taxa normal.

A Comissão imputou à França, no âmbito de uma acção por incumprimento, por um lado, não lhe ter transmitido devidamente e/ou totalmente as informações relativas à alteração que lhe incumbem prestar por força da Sexta Directiva IVA. Por outro lado, considerou que a aplicação de taxas de imposto sobre o valor acrescentado diferenciadas para as duas prestações do conjunto da operação era inconciliável com o disposto na directiva.

 

[34] Proc. C‑442/05, Colect., p. 1817.