DECISÃO ARBITRAL
Requerente: A… (doravante “Requerente”)
Requerido: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” e “Requerida”)
1. Relatório
A…, com o número de identificação fiscal nº …, residente na Rua …, n.º …, …-… ..., doravante designado por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) pedido de pronúncia arbitral com vista à anulação parcial do ato tributário de liquidação de IMI referente ao ano de 2013, a qual se desdobra em três notas de cobrança com os n.ºs 2013 …, 2013 … e 2013 …, no valor global de € 8.358,31.
A Requerente fundamenta a ilegalidade da liquidação de IMI e consequente anulação dos ato tributário, assente nos seguintes vícios:
A) Falta de notificação da decisão na qual assenta a majoração de 30% e 200%, bem como assim dos seus motivos e fundamentos;
B) Violação do direito de participação e do contraditório, por falta de audição prévia, estribado no facto de não ter sido objeto de prévia notificação para, querendo se pronunciar, relativamente à fixação/alteração das majorações referentes às frações do artigo urbano inscrito na matriz predial urbana do concelho de ..., freguesia de S…, com o n.º …;
C) Falta de fundamentação do ato tributário, na medida em que as notas de cobrança não explicitam as razões subjacentes às majorações de 30% e 200%;
Peticionando pela anulação do ato tributário e consequente reembolso do IMI correspondente à diferença entre o valor resultante da taxa de IMI e o valor obtido com a majoração.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, por seu turno, defendeu inexistir qualquer ilegalidade porquanto:
Face ao quadro legal que preside à liquidação do IMI em causa, a fixação ou alteração das majorações relativas às frações em apreço competem às autarquias, sendo que a deliberação das concretas taxas resultam de deliberação da Assembleia Municipal em que os prédios se inserem.
Compete ao município encetar o procedimento tendente à qualificação do prédio (como devoluto ou degradado) e proceder à notificação do sujeito passivo para exercer o direito de audição em tal procedimento e, em caso de se verificarem os pressupostos para o efeito, decidirem nessa conformidade.
Sendo que, perante tal quadro legal a Requerida Autoridade Tributária cumpriu os procedimentos a estava legalmente vinculada, na medida em que não estava obrigada a proceder a qualquer audição previamente à liquidação de imposto, sendo que, respaldada em jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, sustenta que a liquidação cumpre todos os formalismos legais de fundamentação do ato tributário.
O árbitro único foi designado e nomeado em 21.04.2015.
Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 07.05.2015.
Foi realizada primeira reunião arbitral, tendo a Requerente prescindido da testemunha arrolada e requerido a junção de documento, o qual foi aceite e sobre este, conferido prazo de vista para a Requerida, querendo, se pronunciar, tendo esta requerido que fossem juntas aos autos as alegações da Requerente relativas à notificação de 27.02.2015, da Câmara Municipal de ..., o que o Requerente veio a juntar dentro do prazo fixado por este Tribunal.
Foram produzidas alegações escritas e simultâneas pelo Requerente e Requerido, no qual e em suma se reiteraram os posicionamentos já firmados em sede de Pedido de Pronúncia Arbitral, quer de Resposta, respetivamente, sendo que no caso da Requerida, a mesma pugnou ainda no sentido da irrelevância da documentação junta pelo Requerente na medida em que os mesmos respeitam a procedimento de qualificação do estado de prédios cuja majoração da taxa de IMI não está em causa nos presentes autos.
2. Saneamento
O tribunal arbitral singular é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer exceções que obstem à apreciação do mérito da causa, o pedido é tempestivo, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.
3. Matéria de facto
3. 1. Factos provados:
Analisada a prova documental produzida e o posicionamento das partes, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
1. A Requerente é proprietária das frações A, B, C, D, E, F, G, H, I e J do artigo predial urbano inscrito na matriz sob o n.º … da freguesia de …, concelho de ..., sito em Rua do …, n.º …, ...;
2. Relativamente às frações autónomas em causa e um outro prédio sito em ..., foi a requerente notificada da liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) referente ao ano de 2013, a qual se externalizou através das notas de cobrança n.ºs 2013 …, 2013 … e 2013 …, no valor total de € 8.358,31.
3. A liquidação do IMI de 2013 referente ao artigo … da freguesia de … apresentava nas notas de cobrança supra identificadas as seguintes majorações da taxa: 200% relativamente às frações A, C, D, F e J e 30% relativamente às frações B, E, G, H e I;
4. Por ofício datado de 27.02.2015, a Câmara Municipal de ... procedeu à notificação do Requerente para, querendo, se pronunciar em sede de audiência prévia relativamente à declaração de prédio devoluto relativamente às frações E, G e H do artigo … da freguesia de …, Concelho de ...;
5. O Requerente veio a exercer o seu direito de audição, pugnando pela não declaração de tais frações enquanto devolutas;
6. Por despacho exarado em 30.03.2015, veio a Câmara Municipal de ..., através do vereador B… a declarar devolutas as frações E, G e H do artigo … da freguesia de …;
7. As notas de cobrança vieram a ser integralmente pagas pelo Requerente;
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Em 25.02.2015 foi apresentado, via plataforma informática, o pedido de pronúncia e de constituição de tribunal arbitral;
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O Requerente procedeu em 23.02.2015 ao pagamento da taxa de justiça inicial;
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
3.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos, bem como na aceitação da Requerente e Requerida quanto à matéria de facto trazida para estes autos e o posicionamento tomado por cada uma delas.
3.3. Factos não provados
1. A notificação do Requerente quer para efeitos de audição prévia, quer para efeitos de decisão final pela Câmara Municipal de ... relativamente à qualificação enquanto degradadas e/ou devolutas das frações A, B, C, D, E, F, G, H, I, e J do artigo … da freguesia de … em ..., em conformidade com as majorações constantes da liquidação de IMI de 2013;
4. Matéria de direito:
4.1.Objeto e âmbito do presente processo
O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de IMI do ano de 2013, no que concerne à aplicação de majorações de 30% e 200% aplicáveis à taxa de IMI sobre as frações na titularidade fiscal do Requerente relativas ao artigo … da freguesia de …, concelho de ....
4.2. Da alegada falta de notificação da decisão na qual assenta a majoração de 30% e de 200%
Antes de mais, importa relevar que das notas de cobrança em que se desdobra a liquidação de IMI em apreço, não se colhe a razão das majorações de 30% e 200% que da mesma constam, sendo que, não obstante, a Requerida, aponta a qualificação enquanto degradadas e/ou devolutas das frações do artigo … da freguesia de … enquanto fundamento para tais majorações, fundamento este que a Requerente toma igualmente por provável enquanto fonte da majoração.
Ante o posicionamento de Requerente e Requerida, considerando igualmente os factos considerados provados nos pontos 4. a 6. importa, ainda assim, enquadrar em termos legais, qual o procedimento a jusante suscetível de originar a majoração sobre a taxa de IMI em caso de declaração de prédios urbanos enquanto devolutos e degradados.
O legislador, atento o disposto no n.º 3 do artigo 112º do CIMI, através do DL 159/2006, de 8 de Agosto, veio definir não só o conceito fiscal de prédio devoluto, como igualmente efetuar a regulação do procedimento e os pressupostos para que tal declaração possa ter lugar.
No dizer do referido diploma legal, nomeadamente do seu artigo 2º, considera-se devoluto o prédio urbano ou a fração autónoma que durante um ano se encontre desocupada, sendo indícios de desocupação a inexistência de contratos em vigor com empresas de telecomunicações, de fornecimento de água, gás e eletricidade e a inexistência de faturação relativa a consumos de água, gás, eletricidade e telecomunicações, sem prejuízo das exceções elencadas no artigo 3º desse mesmo compêndio legal.
Ao nível do procedimento tendente à eventual declaração de devoluto de determinado prédio, o n.º 1 do artigo 4º refere que: “A identificação dos prédios urbanos ou frações autónomas que se encontrem devolutos compete aos municípios” e que “Os municípios notificam o sujeito passivo do IMI, para o domicílio fiscal, do projeto de declaração de prédio devoluto, para este exercer o direito de audição prévia, e da decisão, nos termos e prazos previstos no Código do Procedimento Administrativo.”, tal como se colhe do n.º 2 do normativo vindo de enunciar.
Resulta assim do concatenação dos normativos em apreço que cabe ao município, in casu, à Câmara Municipal de ..., caso se verifiquem os pressupostos para a declaração de determinado prédio enquanto devoluto de encetar o procedimento constante do artigo 4º do DL 159/2006, de 8 de Agosto, nomeadamente procedendo à notificação do proprietário para se pronunciar sobre o projeto de decisão de declaração de prédio devoluto, bem como assim da decisão que após o direito ao contraditório possibilitado, venha a resultar.
Também no tocante à declaração dos prédios enquanto degradados, a iniciativa e competência para o efeito é dos municípios, prescrevendo o n.º 8 do artigo 112º do CIMI que: “Os municípios, mediante deliberação da assembleia municipal, podem majorar até 30% a taxa aplicável a prédios urbanos degradados, considerando-se como tais os que, face ao seu estado de conservação, não cumpram satisfatoriamente a sua função ou façam perigar a segurança de pessoas e bens.”
Ora, no caso a Assembleia Municipal de ..., através de deliberação em 16 de Novembro de 2012, por unanimidade, aprovou a proposta 827/2012, a qual vigoraria para as liquidações de IMI de 2013, na qual se decidiu no seu ponto 3., al. b) “A majoração de 30% sobre a taxa aplicável a prédios ou parte de prédios urbanos degradados para os quais a Câmara Municipal de ... tenha determinado a execução de obras de conservação necessárias à correção de más condições de segurança ou de salubridade, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 89º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação aprovado pelo DL n.º 555/99 de 16 de dezembro, e respetivas alterações, enquanto não forem iniciadas as obras intimadas por motivos alheios ao Município de ...;”
Também no contexto de declaração de prédio urbano degradado, é pressuposto para a majoração em 30% da taxa de IMI para o ano de 2013 que imprescindivelmente o proprietário tenha sido intimado pra proceder às correções das más condições de segurança ou salubridade do prédio.
O que o mesmo é dizer que também neste caso, o direito de participação do proprietário não poderia deixar de ser cumprido em obediência ao preceituado no artigo 100º do Código de Procedimento Administrativo e bem assim a decisão final da autarquia sobre a degradação ou não do prédio em ordem a conferir o direito da autarquia a majorar a taxa de IMI em 30%.
Assim, resulta que, quer na hipótese de prédio devoluto, quer na hipótese de prédio degradado, tal enquadramento para efeito fiscais, designadamente para efeitos de majoração da taxa de IMI quanto às frações ora em apreço, não poderiam deixar de ser precedidas de notificação ao seu proprietário, quer para exercício do direito ao contraditório, quer, necessariamente, da decisão final da autarquia em proceder às majorações respetivas.
Ora, desde logo esta constitui uma questão central a aferir e dirimir nestes autos.
Sendo pertinente para este efeito vindo de enunciar, constatar que a lei garante, no caso da declaração de um prédio urbano enquanto devoluto e igualmente no caso de prédio degradado, que o proprietário do prédio em causa possa participar na formação da decisão, assim podendo exercer o contraditório e influenciar a decisão que sobre tal matéria venha a ser tomada pela autarquia.
O que, aliás, do estrito ponto de vista fiscal, bem se justifica, dado o facto de um prédio ser considerado degradado ou devoluto ter influência direta na taxa de IMI e destarte na coleta a liquidar junto do seu proprietário, constituindo pois essa liquidação tributária um ato tributário suscetível de afetar os legítimos interesses e direito do sujeito passivo da relação tributária.
É, em função desse mesmo procedimento prévio de iniciativa da autarquia credora tributária, que se entende que o legislador tributário não tenha feito prever qualquer audição prévia antes dessa liquidação de IMI, dado no âmbito do procedimento tendente à eventual declaração de determinado prédio enquanto degradado ou devoluto pela autarquia competente para o efeito, a legislação obrigar a que o proprietário desse mesmo prédio venha a ser chamado a tomar parte nessa mesma decisão, em sede de audiência prévia, no sentido de poder influenciar a decisão final da autarquia.
Situação esta similar a uma outra que igualmente é suscetível de alterar a coleta de IMI e que se prende com a alteração do Valor Patrimonial Tributário (VPT).
Também neste caso, o legislador consignou expressamente uma forma específica de intervenção do contribuinte na formação da decisão desse mesmo VPT – através do recurso a uma segunda avaliação - razão pela qual excluiu qualquer outra segunda oportunidade do sujeito passivo do IMI se pronunciar antes da emissão e notificação da liquidação deste mesmo imposto, sendo que e em qualquer caso (com ou sem recurso a segunda avaliação), o contribuinte é sempre notificado do VPT que vier a ser fixado.
Regressando ao caso em análise, a primeira e essencial questão a dilucidar nos autos em apreço prende-se em saber se foi ou não o Requerente, enquanto sujeito passivo do IMI, notificado para se pronunciar sobre a intenção prévia da administração tributária e consequente decisão de considerar as majorações constantes da liquidação das frações autónomas do artigo urbano da matriz … da freguesia de …, concelho de ..., de molde a afetar a taxa de IMI referente ao ano de 2013 ?
Dos documentos juntos aos autos pelo Requerente e como bem salienta a Requerida, os mesmos nada trazem de relevo para estes autos, posto que o procedimento a que os documentos juntos se referem, respeitam à declaração enquanto devolutas em 2015 das frações E, G e H, quando em 2013 a taxa de IMI aplicável encontrava-se majorada, pelo que dos mesmos não se consegue extrair qualquer informação relevante quanto ao ano de 2013, ora em causa.
Por outro lado, a Requerida não procedeu à junção a estes autos de qualquer documento comprovativo da notificação do Requerente, quer para efeitos de direito de participação deste, quer de uma hipotética decisão final quanto à declaração das frações que permitisse as majorações constantes do ato tributário em apreço, sendo que igualmente omisso a esse respeito são os elementos documentais constantes do Processo Administrativo que destes autos igualmente fazem parte integrante, pelo que a resposta à questão vinda de formular não se afigura afirmativa.
Tal conclusão colhe-se inexoravelmente da omissão por parte da Requerida em efetuar a prova de que o Requerente havia sido efetivamente notificado previamente à liquidação de IMI em causa para efeitos de audiência prévia e da decisão final quanto à consideração de tais frações autónomas, enquanto degradadas e/ou devolutas, por hipótese.
Invocou a Requerida em defesa da improcedência do pedido e da causa de pedir em que se fundou o Requerente, o facto de, estando-se perante notificações a efetuar pelo município, estar afastado qualquer direito de audição do Requerente antes da liquidação.
Ao mesmo passo que, em sede de procedimento ocorrido entre este e o município em sede de procedimento tendente à consideração das frações como degradadas e/ou devolutas, se limitou a afirmar que tal procedimento legal da competência da autarquia havia sido cumprido, sem nunca efetuar prova da sua existência, isto é da declaração pela autarquia das frações enquanto degradas e/ou devolutas.
Importa aqui relevar, conforme vem sendo entendido pela doutrina, que as autarquias locais podem e devem ser consideradas como credor tributário, porquanto não obstante não poderem criar impostos, certo é que são titulares da receita do imposto em causa – IMI - sem prejuízo da sua administração e gestão caber à administração fiscal do Estado, in casu à Autoridade Tributária e Aduaneira, ora Requerida, manifestando-se esse mesmo poder tributário através do poder de fixação das taxas do IMI, pelas Assembleias Municipais, como sucede no caso dos autos em que a lei lhes confere o poder de majoração sobre essa mesma taxa de IMI fixada.
Sendo o caso da majoração da taxa de IMI um exemplo do poder tributário autárquico, em que, no integral respeito pelo princípio da legalidade fiscal (reserva de lei formal) para a criação de impostos, as autarquias podem fixar e alterar as taxas desse mesmo imposto, cabendo em exclusivo às autarquias locais o poder de iniciativa com vista à fixação, alteração e majoração das taxas de IMI, dentro dos parâmetros definidos por lei em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa.
Em coerência com o que, é sem surpresa que a Lei Geral Tributária, nos termos do seu n.º 3 do artigo 1º, faz integrar no âmbito da administração tributária não só a atual Autoridade Tributária e Aduaneira, como igualmente os órgãos competentes das autarquias locais quando exerçam competências administrativas no domínio tributário.
Destarte, a coberto do disposto nos n.ºs 3 e 8 do artigo 112º do CIMI e após deliberação da assembleia municipal, o acionamento de procedimento tendente à declaração de determinado prédio urbano enquanto devoluto ou degradado, respetivamente, não pode deixar de se inserir no âmbito do procedimento tributário, o qual se pode definir como um conjunto de atos, provenientes de órgãos administrativos tributários plúrimos, relativamente autónomos e organizados sequencialmente, direcionados à produção de um determinado resultado, do qual são instrumentais.
E, no caso das majorações em apreço nestes autos arbitrais, dúvidas não subsistem que estas constituem um elemento determinante para a fixação da taxa de imposto efetiva a ser objeto de liquidação e colocada a pagamento ante o sujeito passivo do imposto, não se conseguindo, no entanto, assentar qual o seu concreto fundamento e em que procedimento prévio (se é que existiu) à liquidação terão sido fixadas.
De onde, eventual procedimento para tal desiderato direcionado levado a efeito pela autarquia local, não poderá deixar de não só se subsumir ao conceito de procedimento tributário, como igualmente de integrar os pressupostos em que assenta a exigência do imposto liquidado através da liquidação de IMI referente ao ano de 2013 ora objeto de pronúncia arbitral.
Nos termos do n.º 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”
Como e bem refere António Lima Guerreiro[1] em anotação ao normativo vindo de enunciar, o qual pela sua clareza e poder de síntese não se deixará de citar: “Da norma do número 1, resulta a administração não estar obrigada à prova dos factos tributários declarados pelo contribuinte, procedendo à liquidação com base no conteúdo da declaração que, ela sim, goza de presunção de verdade. Já está obrigada, porque é ela então que invoca os factos, a provar a existência e quantificação dos factos tributários não declarados, na medida em que contrariam a fé da declaração do contribuinte. Na falta de regras especiais, ou seja, salvo presunção legalmente consagrada, é assim, à administração fiscal que cabe demonstrar os pressupostos de facto da sua atuação, designadamente a existência dos factos tributários em que assenta a liquidação do tributo, que não tenham sido declarados pelo contribuinte.”
Retornando ao caso da liquidação cuja legalidade em concreto ora se aprecia, dúvidas não subsistem de que se está perante uma liquidação não emanada de qualquer declaração do sujeito passivo/contribuinte, mas antes perante a emissão de um ato tributário da exclusiva responsabilidade da administração tributária, pelo que impende sobre esta o ónus probatório relativamente aos pressupostos nos quais a liquidação de IMI de 2013 assenta.
Sendo que, inexoravelmente, um dos pressupostos que carecem de comprovação e que influi na liquidação de IMI é o relativo à taxa majorada do IMI aplicável.
Comprovação essa, que passa pela demonstração de que no caso, as majorações efetivamente lançadas no ato tributário ora sindicado foram não só decididas pelo órgão autárquico com competência administrativa no domínio tributário em obediência ao quadro legal aplicável, como igualmente notificadas ao sujeito passivo do IMI / proprietário dos prédios objeto de tal decisão.
Ora, relativamente a este pressuposto, não veio a administração tributária a apresentar qualquer comprovação de que efetivamente se verificava o pressuposto relativo à majoração da taxa de IMI concretamente aplicada às frações alegadamente degradadas e devolutas, o que objetivamente se concretizaria pela prova documental de que o Requerente havia sido notificado da declaração dessas mesmas frações enquanto degradadas e devolutas.
Afigura-se fluir do posicionamento da Requerida um entendimento segundo o qual sendo o procedimento de declaração dos prédios urbanos em causa enquanto degradados ou devolutos da competência do Município (de ...), tal circunstância como que exoneraria a Requerida de efetuar tal comprovação.
Como já se deixou expresso através da fundamentação supra invocada, a mera circunstância de o procedimento, à luz do artigo 112º do CIMI, ser desencadeado pela autarquia local da situação dos prédios não faz derrogar a disciplina da repartição do ónus probatório vigente no processo tributário e à qual já aludimos.
Isto porque, como oportunamente se relevou, nos termos da conjugação do n.º 1 e 3 do artigo 1º da Lei Geral Tributária, a autarquia local ao encetar procedimento tendente a declarar determinado prédio urbano enquanto devoluto ou degradado, age ao abrigo dos poderes tributários que lhe estão legalmente acometidos, integrando assim a aí tipificada administração tributária, não podendo tal procedimento municipal porquanto definidor da taxa aplicável e logo essencial para a quantificação da coleta a ser cobrada, deixar de ser considerado um procedimento tributário com reflexos na liquidação objeto da presente pronúncia arbitral.
Ora, a regra vigente entre a administração e os administrados e na vertente específica das relações jurídico-tributárias, entre a administração tributária e os contribuintes, é o do direito à participação dos administrados/contribuintes na formação das decisões suscetíveis de contender com os seus direitos e interesses.
Sendo que, tal regra é excecionada, no caso das relações tributárias, nas situações em que o ato tributário suscetível de afetar os interesses e direitos do contribuinte (p.ex. liquidação de imposto) tiver por base elementos declarados pelo próprio contribuinte ou quando se está perante liquidação que vise colmatar a omissão de apresentação de declaração através de liquidação oficiosa baseada em dados objetivos, e mesmo neste último caso, necessário se torna que o que a administração tributária proceda previamente à notificação do contribuinte para apresentar a declaração em falta sob pena da emissão da versada liquidação oficiosa, tal como decorre do n.º 2 do artigo 60º da Lei Geral Tributária.
Como anota António Lima Guerreiro[2], o direito à participação pelo contribuinte na formação da decisão tributária através da audição prévia prevista no artigo 60º da Lei Geral Tributária, “…é exercido geralmente por uma única vez no procedimento: finda a instrução e antes da decisão. Não pode ser utilizado para introduzir dilações sucessivas no procedimento. O presente artigo recusa, pois, a ideia de qualquer dupla ou tripla audição no procedimento.”
Razão pela qual, a argumentação apresentada pela Requerida nos presentes autos segundo a qual não cabe direito de audição antes da liquidação de IMI, encontra, em tese, sustentação no quadro legal do versado artigo 60º da Lei Geral Tributária, na medida em que, conforme alegado, os elementos novos da liquidação de IMI em apreço – majoração das taxas de IMI – já deveriam ter sido dados previamente a conhecer ao sujeito passivo do imposto através do procedimento de declaração de prédio devoluto e degradado.
Sucede, no entanto, que a administração tributária, aqui representada pela Requerida, enquanto sujeito ativo da relação tributária, não efetuou prova desse mesmo conhecimento pelo sujeito passivo do IMI, quer relativamente à decisão de majoração, muito menos o fazendo no tocante à audiência prévia que deveria anteceder tal decisão da autarquia local.
Considerando que o fim visado pelo legislador com o princípio da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito é o de assegurar a observação do princípio da verdade material e do princípio da transparência do procedimento tributário e assim permitir o direito de defesa e contraditório por parte destes, de molde a assim também obviar às denominadas decisões ou atos tributários-surpresa.
Isto é, atos tributários suscetíveis de afetar os contribuintes, sem que estes tenham tido antes, durante o procedimento tributário eventualmente tido lugar a jusante, a oportunidade de sobre estes se pronunciarem, quando aqueles contenham elementos novos sobre os quais o contribuinte não havia sido chamado a pronunciar-se e dos quais não tenha conhecimento.
Pelo exposto, não se pode deixar de concluir não estar demonstrado ter sido o Requerente notificado de qualquer decisão final que tenha estabelecido as majorações de IMI constantes do ato tributário objeto destes autos, nem tão pouco o exercício de tal direito defesa no âmbito do procedimento tributário que legitimasse essas mesmas majorações sobre as frações do artigo … da freguesia de …, em ....
Não estando comprovado nos autos, não obstante o ónus que sobre a Requerida impendia, a notificação ao Requerente quanto à fixação das majorações à taxa de IMI constantes do ato tributário objeto da presente pronúncia, está posto em crise esse mesmo pressuposto sobre o qual o ato tributário assenta.
Razão pela qual, atenta a fundamentação vinda de discorrer, se conclui pela existência de erro sobre os pressupostos de direito, porquanto não ficou demonstrada a notificação do Requerente quanto à qualificação jurídico-tributária das frações que legitimasse as majorações operadas, fosse por via da qualificação das frações enquanto degradadas e/ou devolutas ou por qualquer outro distinto fundamento, no âmbito de eventual procedimento tributário anterior à liquidação, o qual, no caso da declaração de prédio devoluto e/ou degradado se impunha ter sido levado a efeito pelo Município de ... no âmbito dos seus poderes tributários.
4.3. Questões prejudicadas:
Acolhendo, como aqui acolheu este tribunal arbitral singular, o entendimento de existência de erro sobre os pressupostos de direito, dado não se ter provado a prévia decisão e notificação do Requerente em que pudessem assentar as majorações constantes da liquidação de IMI de 2013, fica prejudicada, por processualmente inútil, a apreciação dos restantes vícios aduzidos pelo Requerente e de que possa enfermar a arbitralmente contestada liquidação de IMI de 2013, nomeadamente a referente ao direito de audição antes da liquidação e a falta de fundamentação do versado ato tributário.
4.4. Da restituição ao Requerente do IMI indevidamente pago:
Em face de tudo o quanto supra se expendeu e concluiu no ponto 4.2. : juízo de ilegalidade que recaiu sobre parte do ato tributário objeto da presente pronúncia arbitral, impõe-se efetuar a reconstituição da situação tributária do Requerente, razão pela qual não pode a Requerida AT deixar de efetuar o estorno dos valores pagos a título de IMI e que se reconduz ao valor pago a coberto das indevidas majorações de 30 e 200% sobre a taxa de IMI.
É, por isso, o Requerente credor da Requerida AT do montante correspondente à diferença entre a taxa de IMI não majorada e a objeto de majoração na liquidação de IMI de 2013 relativamente às frações A, B, C, D, E, F, G, H, I, e J, por indevidamente pago.
5. DECISÃO:
Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta, decide este tribunal arbitral:
1. Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial do ato tributário de liquidação de IMI do ano de 2013, com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito, anulando-o no segmento em que procedeu às majorações da taxa de IMI de 2013 às frações A, B, C, D, E, F, G, H, I e J do artigo urbano … da freguesia de …, concelho de ..., devendo concomitantemente ser o Requerente restituído pela diferença entre o valor da taxa de IMI não majorada (0,30%) e o valor das majorações de 30% e 200% aplicadas na liquidação sub judice, indevidamente objeto de pagamento pelo Requerente.
Valor da causa: € 3.485,45 – arts. 97º-A, do CPPT, 12º, do RJAT (DL 10/2011), 3º-2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas nos termos da Tabela I, do RCPTA, calculadas em função do sobredito valor do pedido, a cargo da Requerida - arts. 4º-1, do RCPTA e 6º-2/a) e 22º-4, do RJAT.
Notifique-se esta decisão arbitral às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.
Lisboa, 26 de Outubro de 2015.
O árbitro singular
(Luís Ricardo Farinha Sequeira)
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.
[1] In Lei Geral Tributária Anotada, Reis dos Livros, pág.329;
[2] In obra citada, pág. 279;