PROCESSO N.º 15/2012-T
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO:
1. …, SGPS, SA, pessoa colectiva n.º …, com sede social no …, de ora em diante designada por Requerente, apresentou, em 24 de Janeiro de 2012, um pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º e alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
2. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou um árbitro singular.
3. A reunião prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, teve lugar no dia 13 de Março de 2012, pelas 10 horas, data a partir da qual o Tribunal Arbitral se considera constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste:
i) Na declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC com o n.º 2010 …, de 5 de Julho de 2010, relativo ao exercício de 2009, por errónea quantificação do tributo, na parte respeitante à derrama municipal apurada em excesso;
ii) No reembolso do montante de € 34 513,76 (trinta e quarto mil quinhentos e treze euros e setenta e seis cêntimos) pago em excesso;
iii) No pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o montante indevidamente pago.
5. No dia 10 de Abril de 2012 teve lugar a primeira reunião do Tribunal Arbitral, em conformidade com o estatuído no artigo 18.º do RJAT.
II ALEGAÇÕES DA REQUERENTE NO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL
6.1. Fundamentando o seu pedido, a Requerente alega que …”no exercício de 2007, entrou em vigor a Lei das Finanças Locais, a qual veio alterar a forma de cálculo da derrama para os exercícios de 2007 e seguintes”.
6.2. A Lei das Finanças Locais passou a estabelecer que…”os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola (…)”.
6.3. Desta forma, continua a requerente,…”a derrama, anteriormente apurada em função da colecta dos sujeitos passivos do IRC, passou a incidir sobre o respectivo lucro tributável.”
6.4. Havendo opção pela tributação segundo o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), “…o lucro tributável do Grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao Grupo. (artigo 64º, nº 1 do CIRC, que corresponde actualmente ao artigo 70º do mesmo diploma).
6.5. “…O rendimento relevante é o rendimento global do Grupo, determinado em função do somatório dos lucros e prejuízos individuais de cada uma das sociedades que o compõem, reflexo de uma lógica de tributação agregada, segundo a qual um Grupo de sociedades deverá ser tributado como se um único sujeito passivo se tratasse”.
6.6. “À luz desta lógica, o entendimento preconizado pelos Serviços da Administração Fiscal no Ofício-circulado nº 20132 contraria a ratio sobre a qual assenta o apuramento da base tributável do IRC e, bem assim, da derrama, ao nível dos Grupos sujeitos ao RETGS”.
6.7. “…a Lei das Finanças Locais veio apenas modificar a base de cálculo da derrama, não introduzindo quaisquer alterações relativamente a esta matéria em particular”.
6.8. É irrelevante a circunstância das sociedades que integram os Grupos societários terem de cumprir obrigação declarativa própria, já que, antes mesmo da entrada em vigor da Lei n.º 2/2007, tais sociedades apresentavam uma declaração de rendimentos individual, sem que isso tivesse qualquer relevância em termos de tributação em sede de derrama, ou seja, antes da entrada em vigor da Lei n.º 2/2007, era unanimemente entendido, até pela DGCI, que a derrama incidia sobre a colecta do Grupo e não sobre as colectas individuais de cada uma das sociedades que integravam grupos de sociedades sujeitos ao RETGS”.
6.9. “Sendo a base de incidência de incidência do IRC determinada através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais das sociedades do grupo, a derrama deverá ser igualmente apurada pelo lucro tributável do Grupo e não pelo lucro tributável individual das sociedades que o compõem”.
6.10 Se assim é, então o lucro tributável que deverá servir de base à derrama apurada pelo Grupo de sociedades será aquele que resulta do n.º 1 do art.º 64º do CIRC (artigo 70º, na redacção actualmente em vigor).
6.11. Corroborando a tese que sustenta, a Requerente invoca várias decisões judiciais que já foram tomadas sobre a matéria submetida agora a julgamento arbitral.
6.12.”A derrama devida pelo grupo ascende a € 296 880,04 (duzentos e noventa e seis mil oitocentos e oitenta euros e quatro cêntimos) e não a € 331 393,80 (trezentos e trinta e um mil trezentos e noventa e três euros e oitenta cêntimos) ”;
6.13. Como consequência, a reclamante tem direito ao reembolso de € 34 513,76 (trinta e quatro mil quinhentos e treze euros e setenta e seis cêntimos).
6.14. Finalmente, a Requerente peticiona ainda, em caso de procedência do presente pedido de pronúncia arbitral, “…o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º e 100º, ambos da Lei Geral Tributária, por pagamento indevido de prestação tributária, uma vez que houve erro imputável aos serviços da AT, na medida em que, apesar da autoliquidação, a Requerente seguiu, no acto declarativo que ela própria cumpriu, o entendimento preconizado no Ofício-Circulado n.º 20.132, de 14 de Abril”.
III ALEGAÇÕES DA REQUERIDA NA RESPOSTA
7. A Requerida apresentou resposta, na qual alega que “…a derrama constitui um imposto geral, ordinário, directo, real, periódico e não estadual, tendo em conta que os sujeitos activos são os municípios”.
7.1. “Os sujeitos passivos são, em conformidade com o disposto no Código do IRC, as sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado, com sede ou direcção efectiva em território português”.
7.2. Da análise das normas legais supra indicadas …”resulta clarificado que no caso concreto da derrama municipal – que se socorre das regras de incidência do CIRC para concretizar a sujeição pessoal àquele imposto – os sujeitos activos serão os municípios, sendo sujeitos passivos as sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado, com sede ou direcção efectiva em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”.
7.3. “No caso concreto da derrama, a qualidade de sujeito activo não se resume ao papel de destinatário do produto da cobrança daquele imposto, antes assumindo um papel activo ao nível do próprio lançamento, seja porque sobre eles recai a legitimidade, não só de decidir se pretendem lançar aquele imposto sobre os rendimentos gerados na sua área geográfica, mas igualmente de deliberar qual a taxa de derrama a aplicar (artigo 14º da LFL) e ainda, conceder isenções totais ou parciais relativamente a impostos próprios (artigo 12º da mesma LFL).
7.4. “À AT apenas ficam assim conferidas funções de arrecadação da receita (dada a forma de apuramento da derrama que, à semelhança do IRC é autoliquidada na declaração de rendimentos – Modelo 22) e subsequente entrega ao município”.
7.5. “Temos assim pois por certo que a competência para administrar a derrama municipal cabe em larga medida aos municípios, sendo estes, em exclusivo, os sujeitos activos do imposto.
7.6. “Daqui decorre necessariamente que a legitimidade passiva para intervir no presente litigio – cujo objecto é exclusivamente a derrama municipal – será igualmente dos municípios (sujeitos activos e co-administradores do imposto) e não a AT, em exclusivo.
7.7 “ Como tal, continua a AT, e em face do que acima vem exposto, afigura-se plenamente justificado ponderar a verificação de “uma intervenção provocada” dos municípios nas demandas que tenham por objecto a derrama municipal”.
7.8. Acresce que, no caso concreto em apreço, continua a AT, …” o imposto em causa encontra-se na esfera jurídica dos seguintes municípios:
…;
…;
e …”.
7.9. “Decorrente deste valor, já oportunamente transferido, os municípios, à luz da LFL, terão visto influenciados os seus limites de endividamento”.
7.10. “Outrossim, e por força da transferência desta receita municipal para os municípios, terão já disposto da mesma, de acordo com as suas necessidades práticas”.
7.11.“Assim, não só em face da relação jurídica que aqui se mostra configurada, mas igualmente por força do interesse pessoal e directo em agir que os municípios têm, afigura-se não só necessária, mas mesmo essencial a intervenção provocada dos mesmos – acima identificados – no presente processo arbitral, à luz dos artigos 325º e ss. do C.P. Civil, o que se afigura pertinente suscitar, a título de incidente processual”.
7.12. Refere ainda a AT que …”nem o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, nem a Portaria de vinculação (Portaria nº 112-A/2011) conferem ao dirigente máximo da AT o papel de representante de outra entidade que não a AT (e anteriormente a DGCI e a DGAIEC).
7.13. Para além da ilegitimidade, da intervenção principal provocada e da incompetência do Tribunal Arbitral, a AT, à cautela mas sem conceder, apresenta igualmente defesa por impugnação, na qual sustenta que “o actual regime de tributação da derrama foi introduzido pela Lei das Finanças Locais – Lei nº 2/2007, de 15 de Janeiro”.
7.14. Na derrama, segundo a AT, …” será sujeito activo do imposto o município correspondente à área geográfica no qual é gerado o rendimento – podendo ser tantos os sujeitos activos quanto os municípios em que uma sociedade gere rendimentos, de acordo com os números seguintes do artigo 14º - e sujeito passivo, inter alia, as sociedades residentes, que exerçam a titulo principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agricola, na área geográfica daqueles municípios”.
7.15. “Quanto à incidência real, esta recai sobre o lucro tributável das sociedades-conceito distinto do de matéria colectável- sendo a imputação da derrama aos vários sujeitos activos feita de acordo com as disposições constantes do artigo 14º da LFL”.
7.16. “Para efeitos de determinação da base de incidência da derrama, o legislador socorre-se dos mecanismos legalmente previstos no CIRC, que culminam com o apuramento do lucrp tributável sujeito e não isente de IRC”.
7.17. “ Ora, no caso concreto das sociedades abrangidas pelo RETGS, é inegável que cada uma das sociedades que integram o perímetro é sujeito passivo de IRC, sendo igualmente incontestável que todas elas geram rendimentos sujeitos a IRC”.
7.18. “Em momento algum é consagrada qualquer situação de não sujeição, de isenção ou de exclusão de tributação para estas sociedades ou seus rendimentos”.
7.19. “O que o legislador prevê, para estas sociedades, é que possam agregar os seus vários lucros tributáveis/prejuízos fiscais, individualmente apurados e assim chegar ao denominado lucro tributável do grupo”.
7.20. “Inexistindo qualquer estatuição que considere não sujeitos ou isentos de IRC os rendimentos das sociedades que integram o perímetro de um grupo de sociedades, não se vislumbra como possam os mesmos estar afastados de tributação em sede de derrama”.
7.21.”Tributar cada uma das sociedades que integram o perímetro, tendo por base o seu próprio lucro tributável, é aliás a melhor forma de conferir exequibilidade ao instrumento de financiamento dos municípios que se consubstancia na derrama”.
IV. ALEGAÇÕES DA REQUERENTE NO ARTICULADO SUPERVENIENTE
8.1. Face às excepções levantadas pela entidade Requerida, a Requerente veio apresentar a respectiva resposta.
8.2. Assim sustenta que “como é do conhecimento comum, a entidade responsável pela administração e exercício das diversas competências previstas no CPPT é, sem excepção, a Autoridade Tributária e Aduaneira”.
8.3. “De facto, e no que concerne à derrama, é a Autoridade Tributária e Aduaneira a entidade responsável pela publicação dos modelos da declaração periódica de rendimentos sujeitos a IRC (Declaração Modelo 22), bem como pela preparação e divulgação das respectivas instruções de preenchimento, os quais contemplam, de igual modo, o apuramento do IRC a pagar ou a receber e da derrama municipal devida”.
8.4. “E, como tal, é a Autoridade Tributária e Aduaneira responsável pelas competências previstas no CPPT, associadas à liquidação da derrama, nomeadamente:
i) apreciação dos pedidos de informação vinculativa e respectiva publicação no seu endereço online;
ii) publicação de esclarecimentos prestados aos contribuintes;
iii) apreciação dos requerimentos submetidos pelos contribuintes em sede do procedimento administrativo (como reclamações graciosas, pedidos de revisão do acto tributário e recursos hierárquicos)”.
8.5. “Na verdade, é ostensivo que é a Autoridade Tributária e Aduaneira a entidade que administra a derrama municipal, em detrimento do reduzido (será mesmo nulo) papel que incumbe nesta matéria aos municípios, não se limitando aquela entidade, como afirma no ponto 24 da sua resposta, a “meras funções de arrecadação de receita”.
8.6. “…a fazer fé do entendimento preconizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira na resposta que ora se pretende contestar, esta entidade não teria sido competente para indeferir a reclamação graciosa apresentada pela ora requerente”.
8.7. No que diz respeito à incompetência do Tribunal Arbitral, a requerente sustenta que…”os organismos integrantes da DGCI e da DGAIEC se encontram vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.
8.8. “Como tal, a vinculação de entidades à jurisdição dos tribunais arbitrais não se encontra dependente do facto de estas serem credoras dos tributos subjacentes às questões controvertidas, mas sim do facto de serem essas as entidades responsáveis pela administração dos mesmos”.
8.9. Finalmente, no que respeita à intervenção provocada dos municípios, refere a requerente que “Os municípios, estando o imposto liquidado e estando a ser discutida a sua legalidade, não têm interesse jurídico relevante em termos de intervenção processual em sede de discussão da legalidade que, como referido, se lhes impõe”.
V. ALEGAÇÕES DA REQUERIDA NO ARTICULADO SUPERVENIENTE
9.1. A requerida apresentou um outro articulado, de forma a responder ao que foi suscitado pela requerente no respectivo articulado superveniente.
9.2. Assim sendo, sustenta que “Conceber que os municípios limitam-se a ser os destinatários do produto obtido através da cobrança da derrama municipal é esquecer a natureza de imposto não estadual que consubstancia uma verdadeira receita autónoma dos municípios”.
9.3.”A relação jurídica substancial constitui-se entre a requerente e os vários municípios nos quais gerou rendimentos, em função das unidades económicas neles localizadas, sendo a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira inteiramente alheia a essa relação, só intervindo quando se verificam os pressupostos subjectivos e objectivos de apuramento do montante do imposto a pagar”.
9.4. Em conclusão, defende ainda que “esta questão não extravasa de forma alguma o plano fiscal, pois a natureza municipal que o imposto assume, confere aos municípios em cuja área geográfica tenham sido gerados rendimentos pelas sociedades do grupo que a requerente representa, um interesse directo em contradizer a presente demanda, tendo um efectivo interesse em agir”.
VI. THEMA DECIDENDUM
10.1 O Tribunal relegou o conhecimento das excepções e do incidente para final, uma vez que não havia necessidade de apreciar e decidir em momento anterior.
10.2. As questões que é necessário apreciar e decidir no presente processo arbitral são as seguintes:
i. competência do Tribunal Arbitral;
ii. legitimidade da Requerida;
iii. incidente de intervenção provocada.
10.3. Não procedendo as invocadas excepções, deve conhecer-se o mérito do pedido de pronúncia arbitral que, como é sabido, diz respeito ao apuramento da derrama no âmbito dos grupos de sociedades sujeitos ao RETGS, previsto, à data a que se reportam os factos, nos artigos 63º a 65º do Código do IRC (actualmente artigos 69º a 71º).
VII. DECISÃO
VII.A. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
11.1. Antes de entrar na apreciação destas questões, cumpre fixar a matéria factual que é relevante para a respetiva decisão.
11.2. Assim, a Requerente insere-se num grupo de sociedades sujeito, no exercício de 2009, ao RETGS.
11.3. Em 31 de Maio de 2010, cumprindo a Requerente a respectiva obrigação declarativa, entregou a declaração Modelo 22 do IRC, reportada ao exercício de 2009, do grupo de sociedades sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades de que é sociedade dominante.
11.4. Em resultado do tratamento da aludida declaração Modelo 22, emergiu a liquidação nº 2010…, de 5.7.2010, que apurou uma derrama no montante de €331 393,80 (trezentos e trinta e um mil trezentos e noventa e três euros e oitenta cêntimos).
11.5. A diferença entre a derrama municipal liquidada de acordo com o determinado no Oficio – Circulado nº 20.132, de 14 de Abril de 2008 (€331 393,80) e a derrama que seria apurada em função do lucro tributável do Grupo (€296 880,04) é de 34.513,76 (trinta e quatro mil quinhentos e treze euros e setenta e seis cêntimos).
11.6. Face à divergência supra referida, a requerente concluiu que havia erra na liquidação, pelo que apresentou, em 1 de Agosto de 2011, uma reclamação graciosa contra aquele acto de liquidação, que veio a ser indeferida por despacho de 17 de Novembro de 2011 e comunicada no dia 22 do mesmo mês.
11.7. A convicção sobre os factos assim dados como provados fundou-se na prova documental junta aos autos pela Requerente (Anexos 1 a 13) e nos documentos incluídos no processo administrativo tributário junto.
11.8. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.
VII.B) DO DIREITO:
III.B1) DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL
12.1. A este propósito, importa referir que seguiremos de perto a decisão arbitral proferida no processo no processo nº 02/2012-T, datada de 24 de Abril de 2012.
12.2. Também aqui é necessário conhecer, antes de mais, a matéria da competência do Tribunal Arbitral, dada a sua apreciação preceder o conhecimento de qualquer outra questão, em termos de prioridade cronológica absoluta (artigo 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 288º, nº1, alínea a) do Código do Processo Civil).
12.3. A Requerida fundamenta e aduz com a excepção da incompetência do tribunal arbitral estribada no artigo 4º do RJAT, bem como na Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março. Partindo da constatação de que os municípios são sujeitos activos da relação de imposto aqui em causa, podendo, por isso, ser demandados na presente contenda, conclui a AT que o Tribunal Arbitral é incompetente para a apreciação da questão subjudice, porquanto os municípios não se encontram vinculados às decisões a proferir por tribunal arbitral.
12.4. Transcrevendo a já identificada decisão arbitral: “A competência do tribunal para julgar a causa que nele foi instaurada, que constitui pressuposto processual essencial e, como tal, condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa, é a medida da sua jurisdição, pelo que um certo tribunal é competente para o julgamento de uma certa causa quando os critérios determinativos da competência lhe atribuem a medida de jurisdição suficiente para essa apreciação.
Consabidamente, a verificação do tribunal competente mediante o preenchimento desses critérios opera como factor de legitimação dos poderes de que esse tribunal se pode servir para apreciar a admissibilidade da acção, instrui-la e julgá-la. Pois bem, em geral a competência do tribunal deve ser aferida em função do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos (causa de pedir) que o suportam, tendo em conta o modo como surgem formulados na petição inicial, independentemente da sua procedência ou não. A competência apura-se, portanto, de acordo com o quid disputatum ou quid decidendum tal como o mesmo é configurado pelo autor (vd., assim, entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.03.2010, proc. 2425/07.1TBVCD.P1.S1 e de 10.12.09, proc. 09S0470, divulgados in www.dgsi.pt)”.
12.5. Revertendo para o caso em apreciação, diga-se que o pedido objecto dos presentes autos arbitrais é a declaração parcial de ilegalidade do acto de liquidação de derrama municipal, ou seja, a apreciação de questão relacionada com a forma de cálculo da derrama municipal no âmbito de um grupo societário tributado nos termos e em conformidade com o RETGS.
12.6. Verifica-se, assim, em atenção ao modo como a Requerente configura a sua pretensão no requerimento de pronúncia arbitral, que aquela formula pedido dirigido contra acto de liquidação de derrama, em ordem à respectiva anulação parcial, com base em vícios de violação de lei que são directamente imputados à liquidação subjudice.
12.7. nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT, e em atenção ao disposto no artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, a competência dos tribunais arbitrais tributários compreende a apreciação de pretensão atinente à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, no caso de derrama municipal, que é administrada pela Autoridade Tributária e Aduaneira. A referida Portaria faz vincular a AT à jurisdição dos tribunais arbitrais, relativamente a impostos administrados pela Requerida.
12.8. Ora, a derrama é claramente administrada pela AT, logo, a jurisdição arbitral é obviamente competente para apreciar e julgar o dissídio objecto dos presentes autos.
12.9. Desta forma, atento ao facto de a Requerente formular pedido de anulação parcial da liquidação de derrama, invocando como causa de pedir a respectiva ilegalidade, cabe julgar este Tribunal como competente.
12.10. Termos em que se julga improcedente a invocada excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral.
III.B2) DA (I)LEGITIMIDADE PASSIVA DA REQUERIDA E DO INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PROVOCADA
13.1. Acolhe-se, no essencial, a posição interpretativa advogada pela Requerente no seu articulado superveniente.
13.2. Com efeito, sendo certo que o sujeito activo da relação de imposto é o município e que a derrama é receita própria dos municípios, menos certo não é também que daí não se pode retirar que a Requerida é parte ilegítima.
13.3. É que a entidade responsável pela administração da derrama é a Requerida, conforme ensina Saldanha Sanches, in “Manual de Direito Fiscal”, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 108, ao referir que o poder tributário abrange
i)a soberania quanto à criação de impostos; ii)a soberania quanto ao produto da sua cobrança; iii)e ainda a soberania quanto à administração tributária instrumental.
13.4.Diz ainda aquele autor que o texto constitucional não limitou qualquer daquelas acepções do conceito de soberania fiscal aos municípios, pelo que, “seria redutor confinar o poder tributário das autarquias locais a um poder administrativo ou a um direito à receita.”
13.5. Ora, se assim é e se em sede de derrama a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém a soberania quanto à administração tributária instrumental daquele imposto (aliás, tal como resultava dos n.ºs 8 a 10 do art.º 14º da LFL, na sua redacção à data dos factos, a administração da derrama cabia efectivamente e incontornavelmente à DGCI e continua a caber à AT na actual redacção do mesmo art.º 14º da LFL), não é possível deixar de se retirar a legitimidade passiva da AT para ser demandada em exclusivo no presente processo arbitral.
13.6. Assim sendo, fica prejudicada a apreciação da questão prévia da intervenção principal provocada.
VII.B3) DA ILEGALIDADE PARCIAL DA LIQUIDAÇÃO DE DERRAMA
14.1. Aos municípios foram atribuídos efectivos poderes tributários, na decorrência, aliás, da consagração constitucional do princípio da autonomia do poder local, ínsito no art.º 238º da CRP.
14.2. A autonomia local não pode deixar de pressupor a dotação de receitas próprias e, concomitantemente, também a realização própria de despesas.
14.3. De acordo com o estatuído no art.º 14º da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, “Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5%sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.”
14.4 Daqui se infere que a derrama, com a entrada em vigor da lei n.º 2/2007, de 15 de Agosto, passou a incidir sobre o lucro tributável, deixando de ser apurada, como até aí, em função da colecta determinada pelos sujeitos passivos do IRC.
14.5. A LFL actualmente em vigor, operou, então, uma alteração na metodologia de cálculo da derrama, elegendo como base tributável, ao invés da colecta, o lucro tributável do IRC .
14.6 Relativamente à questão subjudice, está em causa a discussão da legalidade parcial do acto de liquidação da derrama da Requerente, que se encontra sujeita ao RETGS, previsto, à data dos factos, nos artigos 63º a 65º do CIRC (actualmente nos seus art.ºs 69º a 71º).
14.7. A questão decidenda é a de saber se, para efeitos de determinação da derrama de sociedade que se encontra sujeita ao RETGS, releva o lucro tributável do Grupo, ou, ao invés, o lucro tributável de cada uma das sociedades que integram o seu perímetro institucional.
14.8. É bem certo que cada uma das sociedades que integram o grupo societário é sujeito passivo do IRC, mas a questão é saber se, para efeitos de determinação da derrama a pagar, deve levar-se em conta o lucro tributável de cada uma das sociedades que integram o grupo, ou, ao invés, se deve, tão-só, levar em boa conta o lucro tributável do Grupo.
14.9. A Requerida, na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral, advoga que, para aquele efeito, deve levar-se em consideração o lucro tributável de cada uma das sociedades que integram o grupo. Aliás, na senda do que estatui o Ofício-Circulado n.º 20.132 que a seguir se transcreve, na parte que interessa para a dilucidação do que aqui se discute: “No âmbito do regime especial de tributação de grupos de sociedades, a determinação do lucro tributável do grupo é feita pela forma referida no artigo 64.º do Código do IRC, correspondendo à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais. Se é verdade que nas declarações periódicas individuais não há um verdadeiro apuramento de colecta, o mesmo já não se pode dizer relativamente ao lucro tributável. Com efeito, cada sociedade apura um lucro tributável na sua declaração individual. Assim, para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades, a derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma sociedades na sua declaração, sendo preenchido, também individualmente, o Anexo A, se for caso disso. O somatório das derramas assim calculadas será indicado no campo 364 do Quadro 10 da correspondente declaração do grupo, competindo o respectivo pagamento à sociedade dominante, em consonância com o entendimento sancionado por despacho de 2008-03-13, do substituto legal do Director-Geral.”
14.10. A Requerente, partindo do n.º 1 do art.º 64º do CIRC, sustenta que, para efeitos de IRC, o rendimento relevante é o rendimento global do Grupo, que é tributado, naquela sede, numa lógica agregada, sendo que, nessa conformidade, o Grupo de sociedades é tributado como se de um único sujeito passivo se tratasse. E partindo daí e não obstante a derrama, com a entrada em vigor da Lei n.º 2/2007, de 15 de Agosto, ter passado, como visto, a ser calculada com base no lucro tributável e já não na colecta, considera que aquela tem de ser apurada também com base no lucro tributável do Grupo e não nos lucros tributáveis individuais de cada uma das sociedades que integram o Grupo.
14.11. Tendo por base a jurisprudência citada pela Requerente, considera-se que quando seja aplicado o RETGS, a derrama deve incidir sobre o lucro tributável do Grupo e já não sobre o lucro individual da cada uma das sociedades que o integram, na medida em que a matéria colectável da derrama, no pressuposto de que estão em causa Grupos de sociedades tributadas por aquele regime especial previsto, à data dos factos, nos art.ºs 63º a 65º do CIRC, tem de ter por referência o mesmo lucro tributável agregado, já que se não vislumbra normativo que contenha regra de determinação da matéria colectável naquela sede que seja diferente da que consta do n.º 1 do art.º 64ºdo CIRC.
14.12. Efectivamente, só assim não seria se o normativo que regulamenta a derrama contivesse disposição legal que, a propósito da determinação da matéria colectável naquela sede, estatuísse de modo diferente.
14.13. O Oficio-Circulado nº 20.132, de 14 de Abril de 2008, não é fonte de direito, uma vez que em matéria de impostos vigora o princípio da legalidade, sendo tais matérias da competência reservada da Assembleia da República.
14.14. Esta questão faz emergir a de saber se a derrama é um imposto autónomo que apenas se socorre das regras de cálculo do IRC para apuramento da sua matéria colectável.
14.15. Como refere Saldanha Sanches, in“ A Derrama, os recursos naturais e o problema da distribuição de receita entre os municípios”, Fiscalidade, n.º 38, Abril-Junho de 2009, pá. 137 e igualmente acompanhando o que, a tal propósito, está na resposta da Requerida, entendemos que a derrama, face à redacção da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro (LFL de 2007) é claramente um imposto autónomo em relação ao IRC.
14.16. Assim sendo, a derrama pode ter regras próprias de determinação da matéria colectável, sendo certo que, verificando o seu regime à data dos factos, concluímos pela ausência dessas normas, bem ao invés que hoje ocorre.
14.17. Efectivamente, com a alteração legislativa concretizada com a entrada em vigor da Lei n.º 64- B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2012) e operada no art.º 14º da Lei n.º2/2007, de 15 de Janeiro (LFL), a derrama passou a conter norma própria de determinação do lucro tributável (que aliás passa a estar em dissonância com a que existe para aplicação às sociedades que são tributadas pelo RETGS) que estatui no sentido de que, caso seja aplicável o RETGS, “(…) a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115º do Código do IRC.”
14.18. A partir da entrada em vigor da Lei supra referida, havendo norma de determinação da matéria colectável específica para a derrama, que deixou de ser imposto acessório, ela passa a incidir sobre o lucro tributável individual de cada
sociedade que integra o grupo de sociedades sujeitas ao RETGS.
14.19. Nem sequer se invoque o efeito retroactivo, já que, não se tratando de lei interpretativa, a isso se opõe o nº 3 do art.º 103º da CRP e art.º 12º da LGT.
14.20. Ora, assim sendo e acompanhando o que é expendido a dado passo na douta decisão do STA, de 2.2.2011, Acórdão nº 0909/10, inhttp://www.dgsi.pt, não tendo, à data dos factos, o regime legal da derrama normativo que dispusesse sobre a determinação da sua matéria colectável, não pode senão integrar-se tal matéria lacunar que não seja pela aplicação das regras previstas no CIRC, ou seja, a tal propósito e no que tange à tributação dos grupos de sociedades, o lucro tributável para efeitos de IRC é apurado através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais das sociedades que pertencem ao Grupo, donde, determinado o lucro tributável para efeitos do IRC, fica igualmente determinada a matéria colectável para efeitos de derrama.
14.21. Igualmente se acompanha a aludida decisão quando diz que tal hermenêutica em nada desvirtua os fins que a LFL pretende alcançar ou ofende qualquer norma ou preceito constitucional.
VII.B4) DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
15.1. Nos termos do n.º 1 do art.º 43º da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
15.2. Dispõe ainda o n.º 2 daquele artigo da LGT que “Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”
15.3. Ora, no caso concreto, apesar da derrama haver sido autoliquidada pela Requerente, a verdade é que seguiu o entendimento preconizado pelo Ofício-Circulado n.º 20.132, de 14 de Abril, pelo que fica claramente demonstrada a existência de erro imputável à AT e aqui Requerida.
15.6. Fica assim inequivocamente patenteada a legitimidade do aludido pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente, já que a liquidação subjudicese mostra em parte enfermada de ilegalidade, sendo, por isso, devidos juros desde o dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, em conformidade com o estatuído no art.º 43º da LGT e art.º 61º do CPPT.
15.5. É, por isso, a Requerente credora da AT do montante correspondente à derrama indevidamente paga, de € 34.513,76 (trinta e quatro mil quinhentos e treze euros e setenta e seis cêntimos), acrescida dos respectivos juros indemnizatórios vencidos e vincendos a calcular até à emissão da respectiva nota de crédito.
VIII. DECISÃO
Face ao exposto, decide-se pela improcedência das excepções dilatórias da incompetência e da ilegitimidade, julgando-se procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, com base em ilegalidade parcial do acto de liquidação da derrama de 2009, anulando-se o montante de €34.513,76 (trinta e quadro mil quinhentos e treze euros e setenta e seis cêntimos), condenando-se a Administração Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente o valor correspondente à parte anulada do acto de liquidação, por o mesmo haver sido indevidamente pago, adicionado de juros indemnizatórios a determinar nos termos do artigo 43º da lei Geral Tributária e do artigo 61º do Código do Procedimento e do Processo Tributário.
Custas fixadas em €1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), em conformidade com o disposto na Tabela I e no artigo 4º, nº1 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como nos artigos 6º, nº 2, alínea a) e 22º, nº 4 do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 13 de Julho de 2012
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 138º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do art.º 29º, do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
O árbitro
Paulo Lourenço