Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 33/2015-T
Data da decisão: 2015-07-06  IRC  
Valor do pedido: € 105.403,98
Tema: IRC – Responsabilidade subsidiária
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Paulo Lourenço e Luís Menezes Leitão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 21 de Janeiro de 2015, A…, contribuinte n.º …, com domicílio fiscal em …, caixa postal …-…, …-… …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2007 …, de 26 de Fevereiro de 2007, referente ao ano de 2004, no montante de EUR 105.403,98, pelo qual foi solidariamente responsabilizado.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese:

i.)                            Preterição do direito de audição prévia do Requerente, na imputada qualidade de responsável solidário, para exercício do seu direito de participação no acto tributário de liquidação em causa, em violação do artigo 267.º , n.º 5, da CRP e, bem assim dos artigos 100.º do CPA e 60.º da LGT;

ii.)                          Ilegalidade da acção inspectiva que determinou o acto tributário de liquidação em causa por incompetência da Direcção de Finanças de ... para a respectiva realização, em violação do artigo 16.º, n.º 3, do CIRC;

iii.)                        Falta de notificação ao Requerente do acto de liquidação em referência dentro do respectivo prazo de caducidade - e, bem assim, falta de notificação do mesmo acto à própria B… - em violação do artigo 45.º, n.º 1, da LGT;

iv.)                        Ilegalidade da quantificação da mais-valia sujeita a tributação por não aplicação do regime de limitação da matéria colectável constante do artigo 43.º , n.º 2, do CIRS em função da qualidade de não residente da B…, em violação do artigo 63.º do TFUE;

v.)                          Ilegalidade da quantificação da mais-valia sujeita a tributação por não consideração das despesas suportadas pela B… com a aquisição e alienação do imóvel que a gerou.

 

  1. No dia 23-01-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 16-03-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 31-03-2015.

 

  1. No dia 06-05-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

  1. A 18-05-2015, o Requerente, na sequência de notificação para o efeito, apresentou pronúncia sobre a matéria de excepção contida na resposta da Requerida

 

  1. A 20-05-2015 foi proferido despacho pelo Tribunal arbitral, onde, considerando que, no caso, não se verificava qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, e tendo em conta a posição tomada pelas partes, ao abrigo do disposto nos art.ºs 16.º/c) e 19.º do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, se dispensou a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, e se facultou às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas, de forma sucessiva, no prazo de 10 dias.

 

  1. Ambas as partes apresentaram as suas alegações, reafirmando e desenvolvendo as respectivas posições sobre a matéria de facto e de direito.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A liquidação objecto dos presentes autos tem subjacente uma mais-valia gerada pela sociedade de direito gibraltino B… (adiante B…), com o NIPC …., referente à alienação onerosa de imóvel, da qual foi o ora Requerente notificado, em sede da subsequente execução fiscal, a título de responsável solidário, ao abrigo do disposto no artigo 27.º da LGT.

2-      Ao abrigo da OI2006 …, de 17/11/2006, da Direcção de Finanças de ..., foi efectuada uma acção inspectiva interna à B…, com o NIPC …, sociedade de direito gibraltina, entidade não residente sem estabelecimento estável em território nacional, tendo por objecto o IRC de 2004,

3-      Na referida acção verificou-se que por escritura pública de compra e venda outorgada no 2.º Cartório Notarial de ..., a 10/12/2004, a B… vendeu o prédio urbano, inscrito na matriz da freguesia de …, concelho de …, sob o artigo …, pelo preço de € 450.000,00, imóvel este que havia por si sido adquirido, a título oneroso, pelo valor total de €25.342,92, sendo uma parte em 29/03/2000 (8/9 indivisos) no valor de € 22.527,04 e outra parte em 18/05/2000 (1/9 indivisos), no valor de € 2.815,88.

4-      Com referência ao IRC de 2004, a B… não entregou a declaração de rendimentos modelo 22, nos termos do art. 109.º e alínea b) do no 5 do artigo 112.º do CIRC, referente à mais-valia obtida com a alienação onerosa de imóvel.

5-      A inspecção tributária propôs uma correcção meramente aritmética à matéria tributável referente à mais-valia obtida com a alienação onerosa do referido imóvel, calculada no montante de €421.615,93, conforme se discrimina:

6-       

7-      Do projecto de correcções da inspecção tributária, para exercer o direito de audição prévia, efectuaram-se as seguintes notificações:

a.       Ofício n.º … de 05/01/2007, à B…, para a morada da B…, à data, constante do cadastro, em …, através de registo postal no RM … PT, a qual veio devolvida juntamente com carta do advogado Dr. C…, na qual informou “que há muito tempo que não representa a sociedade … pelo que se devolve a respectiva notificação”;

b.      Ofício n.º … de 05/01/2007, ao cuidado do representante fiscal da B…., D…, na sua residência fiscal em …, registo postal no RM … PT, a qual foi devolvida com a indicação “mudou-se”;

8-      À data destas notificações constava do sistema de registo de contribuintes D…, com o NIF …, na qualidade de representante fiscal da B…, na sequência da declaração de alterações que consta de fls. 117 e 120 do PA.

9-      O relatório final da inspecção tributária, sancionado por despacho de 06/02/2007, foi objecto das seguintes notificações:

a.       Por ofício n.º … de 07/02/2007 à B…, para a morada desta, à data, constante do cadastro, em …, através do registo RM … PT, o qual foi aceite;

b.      Por ofício n.º … de 08/02/2007, ao cuidado do representante fiscal D…, na sua residência fiscal em …, através do registo RM … PT, o qual foi devolvido com a indicação “não reclamado”, a que se seguiu uma 2ª notificação por ofício nº … de 20/03/2007, RM … PT, com a indicação “mudou-se”;

10-  À data destas notificações constava do sistema de registo de contribuintes D…, com o NIF …, na qualidade de representante fiscal da B….

11-  Na sequência daquela correcção, foi emitida a liquidação oficiosa de IRC referente a 2004, com n.º 2007 …, de 26/02/2007, no montante de € 105.403,98, a qual foi expedida em 03/12/2007 pelos Serviços Centrais da AT sob o registo CTT n.º RY … PT, de 03/12/2007, distribuída pelos CTT e endereçada à B…, na pessoa do seu representante fiscal, D…, para o seu domicílio fiscal.

12-  À data desta notificação constava do “Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes” D…, com o NIF …, na qualidade de representante fiscal da B….

13-  Da liquidação foi extraída a certidão de dívida n.º 2008/… com a consequente instauração do PEF …., em 02/05/2008.

14-  No âmbito daquele PEF, foi o Requerente citado a 10/02/2012, na qualidade de gestor de bens e direitos da sociedade não residente como responsável solidário pela dívida em cobrança coerciva, na sequência do despacho de 06/02/2012.

15-  O Requerente reagiu contra a liquidação de IRC controvertida deduzindo reclamação graciosa, autuada a 27/04/2012, com o n.º … 2012 ….

16-  No âmbito daquela reclamação foi proferido projecto de indeferimento por despacho de 20/07/2012, do Director de Finanças Adjunto em regime de substituição da Direcção de Finanças de Lisboa, notificado ao Requerente para exercício do direito de audição prévia pelos ofícios n.p … e … de 24/07/2012.

17-  O Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, tendo, a final, sido proferida decisão de indeferimento por despacho de 06/09/2012, notificado por carta registada de 07/09/2012.

18-  Não se conformando com a decisão proferida no âmbito do procedimento de reclamação graciosa o Requerente apresentou Recurso Hierárquico dirigido ao Ministro de Estado e das Finanças, autuado a 09/10/2012, com o n.º … 2012 ….

19-  No âmbito daquele recurso hierárquico foi proferido despacho de indeferimento datado de 18/09/2014, pela Directora Serviços do IRC, por subdelegação de competências, notificado ao Requerente por carta registada de 23/10/2014 através dos ofícios n.º … e … de 22/10/2012.

20-  O Requerente deduziu Oposição àquela Execução Fiscal, com fundamento nas alíneas b), e) e i) do nº 1 do art. 204º do CPPT, a qual corre termos no TAF de Sintra sob o nº …/12…., tendo a Representação da Fazenda Pública sido notificada para contestar, nos termos do artigo 210.º do CPPT, até 27/11/2012.

21-  O Requerente é advogado, titular da cédula profissional n .º …-F, com escritório na …, n.º …, …, …-… ....

22-  Em nenhum momento, antes de ser citado para a execução, foi o ora Requerente notificado pela Administração Tributária no âmbito do procedimento de inspecção que precedeu a liquidação de IRC na origem da execução fiscal n.º … 2008 …, tal como não foi directamente notificado da respectiva liquidação de imposto, nem lhe foi concedido prazo para o respectivo pagamento voluntário.

23-  Em nenhum momento anterior à citação concretizada no âmbito do processo de execução fiscal n.º … 2008 …, a Administração Tributária notificou o Requerente do seu entendimento nos termos do qual o tinha por responsável solidário na qualidade de gestor de bens e direitos da B…, não tendo designadamente procedido à notificação com vista a permitir ao Requerente participar na decisão administrativa de lhe imputar essa qualidade ou a recolher matéria probatória para confirmar ou infirmar semelhante hipótese.

24-  A nota de citação do Requerente, não obstante incluir cópia do relatório final de inspecção e da demonstração da consequente liquidação de IRC, é omissa quanto à eventual notificação dessa liquidação à B…, quer quanto à data da sua concretização, quer quanto ao meio utilizado pela Administração Tributária para esse efeito.

25-  Aquando da aquisição do imóvel referido em 3, a B… pagou SISA, e suportou IS no montante de € 202,74.

26-  Em sede de recurso hierárquico, veio a Administração Tributária reconhecer, todavia, que o montante relativo à SISA suportado pela B… não tinha sido devidamente relevado para o cálculo da mais-valia, concluindo pela necessidade de correcção da liquidação quanto a esse aspecto

 

A.2. Factos dados como não provados

1-      Na celebração das escrituras públicas de 29 de Março de 2000 e de 25 de Setembro de 2000, a B… suportou os correspondentes custos notariais.

2-      A B… suportou IS, aquando da alienação do imóvel, no valor de mil e seiscentos euros e vinte cinco euros.

3-      Na celebração da escritura pública de 10 de Dezembro de 2004, a B… suportou os correspondentes custos.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Em especial, o facto dado como provado no ponto 25, decorre da aplicação de um juízo de normalidade aos elementos probatórios disponíveis (escrituras públicas de alienação), de resto pressupostos pelo próprio acto tributário objecto do presente processo, à luz do disposto no ar.tº 74.º/2 da LGT, sendo que decorre da experiência comum das coisas que o adquirente suporte os encargos tributários ali indicados, que o acto notarial em questão não se teria realizado sem que os mesmos estivessem devidamente comprovados, e que, se não fosse esse o caso, facilmente a AT teria detectado essa situação e efectuado a correspondente demonstração no processo.

Os factos dados como não provados decorrem da inexistência ou insuficiência de prova a seu respeito.

Em especial o facto elencado sob o ponto 2, decorre da circunstância de, não obstante constar da escritura pública o pagamento de IS no montante indicado, não resulta da mesma, nem de um juízo de normalidade, que a B… os haja suportado.

 

B. DO DIREITO

 

            Antes de entrar na apreciação do fundo da causa, cumpre emitir pronúncia sobre o pedido formulado nos artigos 176.º e 182.º do seu Requerimento inicial, o Requerente pede que “ao abrigo do artigo 99.º, n.º 1, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, seja oficiado o 1.° Cartório Notarial de …, no sentido de serem obtidas as informações e documentos comprovativos” de custos que considera relevantes.

Dispõe o referido artigo 29.º/1 do RJAT que “São de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos: (...)e) O Código de Processo Civil.”.

            Para que haja aplicação subsidiária de uma norma do Código de Processo Civil ao processo arbitral tributário é necessário, para além do mais, que a natureza do caso omisso a permita.

Ora, a norma cuja aplicação o Requerente pretende, tem subjacente os poderes públicos de autoridade de que os tribunais estaduais dispõem, sendo manifesto que os tribunais arbitrais, incluindo os tributários, não gozam dessas prerrogativas.

Com efeito, os poderes dos tribunais arbitrais limitam-se às partes que, voluntariamente, a ele aderem.

Deste modo, não sendo pela natureza do caso, aplicável a norma do Código de Processo Civil que o Requerente invoca, nem havendo outra que a supra, indefere este Tribunal o requerido nos pontos 176.º e 182.º do requerimento inicial.

 

*

            Previamente ao conhecimento do mérito, começa a AT por questionar, a “caducidade da liquidação como fundamento de Oposição à Execução Fiscal”.

            A este propósito, refere a AT que “considera que a caducidade da liquidação, tal como vem apresentada nos presentes autos, apenas se afigura susceptível de afectar a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, consistindo, por conseguinte, num fundamento de oposição à execução fiscal e não num fundamento de impugnação da validade do acto de liquidação”.

            Continua a AT, referindo que “na situação em apreciação a liquidação controvertida foi efectuada no prazo de caducidade, discutindo-se nos autos se a notificação validamente efectuada da mesma à B… ocorreu também dentro do mesmo prazo e, no que respeita ao Requerente, se lhe era aplicável o prazo do art. 45º da LGT.”.

            Ora, em sentido contrário ao enquadramento efectuado pela AT, entende-se que esta questão não configura matéria de excepção (competência), mas de mérito. Ao Tribunal são colocadas – e aquele tem competência para decidir – questões relacionadas com a legalidade do acto de liquidação. É a isso que se reconduzem os pedidos formulados. Se os factos em questão (liquidação efectuada no prazo de caducidade e notificação após este) geram ou não a ilegalidade do acto liquidação, é uma questão que se situa na apreciação do mérito da pretensão do requerente (a ilegalidade do acto de liquidação), e não no quadro da competência do Tribunal, que, inquestionavelmente, existe, para conhecer da legalidade ou ilegalidade daquele acto.

            Improcede, assim, esta questão prévia suscitada pela AT.

 

*

            Coloca a AT, ainda, como questão prévia, a relevância para a presente acção do processo com o n.º …/12….BESNT[1], do TAF de Sintra, porquanto o mesmo tem “por objecto a exigibilidade da liquidação ora controvertida, com fundamento quer na inexistência da pretendida responsabilidade solidária (art. 204º, nº 1 alínea b) do CPPT). quer na falta de notificação ao Requerente da liquidação dentro do prazo de caducidade (art. 204º, nº1 alínea e) do CPPT).”.

            Ora, a única relevância que tal processo poderia ter em relação aos presentes autos, seria em sede de litispendência a qual só se dá havendo “identidade de sujeito, de pedido e de causa de pedir”, sendo evidente, que no processo de oposição à execução o pedido é, não a ilegalidade da liquidação, como ocorre nos presentes autos, mas a inexigibilidade da divida exequenda e o consequente arquivamento do processo executivo.

            Deste modo, não havendo identidade do pedido, deverá, sem mais, também esta questão improceder.

 

*

Posto isto, suscita o Requerente a ilegalidade da liquidação objecto dos presentes autos, com base nos seguintes fundamentos:

i.)                            Preterição do direito de audição prévia do Requerente, na imputada qualidade de responsável solidário, para exercício do seu direito de participação no acto tributário de liquidação em causa, em violação do artigo 267.º , n.º 5, da CRP e, bem assim dos artigos 100.º do CPA e 60.º da LGT;

ii.)                          Ilegalidade da acção inspectiva que determinou o acto tributário de liquidação em causa por incompetência da Direcção de Finanças de ... para a respectiva realização, em violação do artigo 16.º, n.º 3, do CIRC;

iii.)                        Falta de notificação ao Requerente do acto de liquidação em referência dentro do respectivo prazo de caducidade - e, bem assim, falta de notificação do mesmo acto à própria B… - em violação dos artigos 45.º, n.º 1, da LGT e 2.º, 13.º/1 e 268.º, todos  da CRP;

iv.)                        Ilegalidade da quantificação da mais-valia sujeita a tributação por não aplicação do regime de limitação da matéria colectável constante do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS em função da qualidade de não residente da B…, em violação do artigo 63.º do TFUE e 8.º/4 da CRP;

v.)                          Ilegalidade da quantificação da mais-valia sujeita a tributação por não consideração das despesas suportadas pela B… com a aquisição e alienação do imóvel que a gerou.

 

Vejamos cada uma delas.

 

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Entende o Requerente que “considerando, por um lado, a alegada responsabilidade solidária imputada ao ora Requerente, e, por outro, o regime aplicável às garantias e meios de defesa do responsável solidário resultante do enquadramento supra, parece claro que a Administração Tributária estaria obrigada a notificar o ora Requerente nos mesmos termos em que estava obrigada a notificar o devedor principal - i.e. a notificá-lo para o exercício do seu direito de participação na decisão no âmbito da inspecção tributária de que a B… foi objecto.”.

Alega ainda o Requerente que “pretendendo a Administração Tributária imputar ao ora Requerente a responsabilidade solidária pela dívida em causa, atribuindo-lhe a qualidade de gestor de bens e direitos da B…, nenhuma dúvida restará que haveria igualmente que ouvir o Requerente antes de semelhante decisão haver sido tomada - i.e. a notificá-lo igualmente para o exercício do seu direito de participação nessa decisão”.

Refere o Requerente, por fim, que “Tão-pouco foi o Requerente notificado pela Administração Tributária de qualquer projecto de decisão de imputação da qualidade de responsável solidário pelas dívidas da B… ou do prosseguimento da execução n.º … 2008 … contra a sua pessoa.”.

Ressalvado o respeito devido, entende-se que a pretensão do Requerente assenta em dois equívocos.

O primeiro é o de equiparar a posição do responsável solidário, à do sujeito passivo originário ou contribuinte, posições essas distintas, como decorre, desde logo, do artigo 22.º/1 da LGT.

Esta distinção, para além do mais e para o que ora interessa, evidencia-se no regime do artigo 9.º/2 do CPPT, que dispõe que:

A legitimidade dos responsáveis solidários resulta da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal.”.

Deste modo, e ao contrário do que afirma o Requerente, aquando do procedimento de liquidação contra o sujeito passivo originário, o responsável solidário (aqui Requerente) carecia de legitimidade para aquele procedimento tributário, uma vez que nessa altura não havia ocorrido, em relação a ele, o cumprimento da obrigação tributária, ou de quaisquer deveres tributários. Assim, apenas após a “exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal”, é que os responsáveis tributários serão partes legítimas nos procedimentos pendentes.

Deste modo, e uma vez que, à data do procedimento que culminou com a liquidação em questão no presente processo, como se disse já, não havia sido exigido ao Requerente o “cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal”, não tinha o responsável solidário legitimidade – não só por força da previsão normativa específica, mas igualmente porquanto o respectivo acto final não era, quanto a ele, lesivo - para intervir no procedimento de liquidação sub iudice, não tendo, correspondentemente, a AT a obrigação de “notificá-lo para o exercício do seu direito de participação na decisão no âmbito da inspecção tributária de que a B… foi objecto.”, nem para o exercício de qualquer outra faculdade, ou para o conhecimento de algum acto, no procedimento de liquidação de imposto àquela sociedade.

Por outro lado, tendo-se por inquestionável que, enquanto acto lesivo, o acto administrativo-tributário que determina a exigência ao obrigado solidário do “cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal”, deverá ser precedido da audiência prévia daquele, tem-se por igualmente inquestionável que, e aqui residirá o segundo equívoco, tal acto é um acto distinto e autónomo do acto de liquidação de imposto ao sujeito passivo originário (objecto da presente acção), e, como tal, que as invalidades desse acto (de determinação da exigência ao obrigado solidário do “cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal”), maxime a decorrente da preterição do dever de audiência prévia, não se repercutem no acto de liquidação, para além do mais por ser um acto subsequente (e não prévio) àquele[2].

Assim, as invalidades próprias do acto de determinação da exigência ao obrigado solidário do “cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” deverão ser arguidas e apreciadas em processo autónomo que o tenha como objecto, e não em sede de impugnação do acto de liquidação da obrigação tributária cujo cumprimento é exigido ao responsável solidário.

Ou seja, e em suma: uma coisa é o acto de determinação da exigência ao obrigado solidário do “cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal”, outra coisa é o acto de liquidação da obrigação tributária cujo cumprimento é exigido ao responsável solidário, devendo os vícios próprios de cada um desses actos ser arguidos e conhecidos em processos que os tenham, respectivamente por objecto.

Ora, o objecto da presente acção arbitral tributária é, inquestionavelmente, o acto de liquidação de IRC n.º 2007 …, de 26 de Fevereiro de 2007, referente ao ano de 2004, da sociedade B…, no montante de EUR 105.403,98, e não o acto de determinação da exigência ao obrigado solidário do “cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal[3].

Assim, e por tudo o que vem de se expor, entende-se não se ter verificado, no que diz respeito ao acto de liquidação de IRC n.º 2007 …, de 26 de Fevereiro de 2007, referente ao exercício do ano de 2004, da sociedade B…, no montante de EUR 105.403,98, objecto do presente processo, violação do direito de participação do Requerente, em contravenção, designadamente, ao artigo 267.º, n.º 5, da CRP e, bem assim dos artigos 100.º do CPA e 60.º da LGT, sendo certo que a exigência de participação imposta por aquele normativo constitucional se encontrará suficientemente satisfeita pela participação, como se viu legalmente assegurada, do responsável solidário, no quadro da prática do acto de determinação da exigência ao obrigado solidário do “cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal”, não se vislumbrando qualquer fundamento para sustentar que antes de ser chamado à responsabilidade, o responsável solidário intervenha num procedimento de liquidação que não é, nessa altura, e poderá nunca vir a ser, por qualquer forma lesivo.

 

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            Ainda neste âmbito, alega o Requerente que “considerando-se (...) que basta a notificação do contribuinte originário - a B… - para permitir o exercício do direito de audição prévia, sempre se dirá, como acima referido, que a Administração Tributária não demonstra que essa notificação haja sido concretizada.”.

            Ressalvado o respeito devido, também aqui será de entender que não lhe assiste razão.

            Com efeito, conforme consta do PA e resulta dos factos acima provados, foram feitas duas notificações, no âmbito da audiência prévia da B…, a saber:

i.                    Uma, dirigida à B…, pelo Ofício n.º … de 05/01/2007, para a morada à data, constante do cadastro, em …, através de registo postal no RM … PT, a qual veio devolvida;

ii.                  Outra, pelo Ofício n.º … de 05/01/2007, ao cuidado do representante fiscal da B…, D…, na sua residência fiscal em …, através de carta com o registo postal no RM … PT, a qual foi também devolvida.

Face a estes factos, e ao disposto nos artigos 38.º/3 e 39.º/1 do CPPT, dever-se-á ter por cumprido o dever de audiência prévia em questão, improcedendo, desse modo, esta alegação.

 

*

            Alega, ainda o Requerente que sendo B… uma sociedade não residente e sem estabelecimento estável em território português, “de acordo com a segunda parte do n.º 3, do artigo 16.º do CIRC, seria competente para a determinação da matéria colectável o Director dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária e não a Direcção de Finanças de ....”.

            Também aqui, sempre salvaguardado o respeito devido, laborará o requerente em erro de interpretação da lei.

            Com efeito, dispunha o artigo 16.º/3 do CIRC, na redacção relevante para o caso, que:

A determinação da matéria colectável no âmbito da avaliação directa, quando seja efectuada ou objecto de correcção pelos serviços da Direcção-Geral dos Impostos, é da competência do director de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo, ou do director dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária nos casos que sejam objecto de correcções efectuadas por esta no exercício das suas atribuições, ou por funcionário em que por qualquer deles seja delegada competência”.

            O Requerente pretende ver no texto legal, uma redacção alternativa, em que se procederia a uma distribuição de competências entre o Director de Finanças, e os Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária, em termos disjuntivos, ou seja, de a competência de um órgão excluir a do outro.

            Contudo, e face aos critérios hermenêuticos do artigo 9.º do Código Civil, entende-se não ser essa a leitura correcta do normativo em questão.

            Com efeito, aquela norma deve ler lida, conjugadamente, com o artigo 16.º do RCPIT, que dispunha que:

São competentes para a prática dos actos de inspecção tributária, nos termos da lei, os seguintes serviços da Direcção-Geral dos Impostos:

a) A Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPIT), relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários que devam ser inspeccionados pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, de acordo com os critérios de selecção previstos no Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária ou fixados pelo director-geral dos Impostos nos termos do presente Regulamento;

b) Os serviços regionais, relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários com domicílio ou sede fiscal na sua área territorial;

c) Os serviços locais, relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários com domicílio ou sede fiscal na sua área territorial.”.

            Neste quadro, afigura-se que a competência deferida pela Lei aos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária não é uma competência residual, definida negativamente pela competência atribuída aos serviços regionais e locais, mas uma competência complementar, que, em função dos PNAIT’s, se sobrepunha à daqueles.

            Entende-se, assim, que não existia um vazio legal de competência para inspecção e correcções aos sujeitos passivos não residentes e sem estabelecimento estável, verificando-se antes uma situação de lex minus dixit quam voluit. Ou seja, a não referência expressa aos sujeitos passivos não residentes e sem estabelecimento estável, não terá o sentido pretendido pelo Requerente, de os subtrair a acções de inspecção e correcção fora dos PNAIT’s, tratando-se antes de um caso em que o legislador disse menos do que aquilo que queria, entendendo-se, por isso, que aqueles sujeitos passivos, para além de estarem sujeitos ao poder inspectivo dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária, em função do conteúdo próprio de PNAIT que os abranja, estarão, concomitantemente, sujeitos à competência inspectiva e correctiva dos órgãos periféricos regionais e locais, não se vislumbrando – nem o Requerente indicando – qualquer razão atendível para que assim não seja.

            Assim, e face ao exposto, improcede também esta alegação do Requerente.

 

*

            Subsequentemente, o Requerente alega que “A considerar-se o ora Requerente como solidariamente responsável pelo pagamento da liquidação n.º 2007 …, a pretensão de cobrança expressa pela Administração Tributária, pela primeira vez, mediante citação em sede de execução fiscal, será em todo o caso ilegal, em virtude de não haver notificado o Requerente da liquidação do tributo antes do termo do prazo de caducidade, do que só pode decorrer a respectiva inexigibilidade”.

            Entende o Requerente que pela “interpretação do artigo 45.º , n.º 1, da LGT, apenas uma inclusão do «responsável solidário» no conceito de «contribuinte», a par do «sujeito passivo originário», corresponderá a uma interpretação da norma conforme ao artigo 13.º da CRP, porquanto, de outro modo, estaria o legislador ordinário a privar aquele da garantia de certeza e segurança jurídica assegurada pelo instituto da caducidade, sem que se veja qual a diferença na situação de ambos perante a Fazenda Pública que justifique tal tratamento diverso.”.

            Conclui, assim, que a “falta de notificação da liquidação do imposto dentro do respectivo prazo de caducidade de quatro anos (...) determina a respectiva inexigibilidade e constitui fundamento para anulação.”.

            Nesta matéria, contudo, segue-se a doutrina do Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa[4], segundo o qual:

Não poderão, em regra, ser utilizados como fundamento de impugnação judicial, factos que não afectem a validade dos actos mas apenas tenham a ver com a sua eficácia, como é o caso da falta ou irregularidade da sua notificação.

A notificação da liquidação é um acto posterior e exterior a esta e por isso, em regra, os vícios que afectem o acto de notificação não afectam o acto notificado.

As questões que tenham a ver com a eficácia ou ineficácia do acto, como questões que se colocam posteriormente à prática do acto que se prendem com a possibilidade de o acto produzir efeitos em relação ao destinatário, são questões que poderão ser conhecidas em processo de oposição à execução fiscal, mas não mas não podem ser objecto autónomo de apreciação em processo de impugnação judicial.

Não é assim, porém, em todos os casos de caducidade do direito de liquidação.

Na verdade, nos termos do art. 45.º da LGT, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo legal, que varia conforme os casos.

Há casos em que a própria liquidação é feita após o termo do prazo legal aplicável e casos em que a própria liquidação é feita em violação da lei.

Nestes casos, a falta de notificação dentro do prazo não assume relevância autónoma pois o próprio acto é ilegal, por ter sido praticado intempestivamente.

Porém, pode suceder que a liquidação seja efectuada dentro do prazo legal e a notificação venha a ter lugar apenas após o seu termo ou seja efectuada dentro do prazo mas deficientemente.

Nestes últimos casos, entendia-se que a legalidade da liquidação era afectada pela falta ou irregularidade da notificação, que era um requisito de validade da própria liquidação entendida não em sentido estrito, como o acto que fixa o tributo, mas em sentido lato como processo de liquidação, integrado por um conjunto de actos conexionados com tal fixação e sua imposição ao destinatário. Neste contexto, a notificação do acto de liquidação era um requisito necessário para não ocorrer a caducidade do direito de liquidar e, por isso, a sua falta afectava a legalidade do processo de liquidação, globalmente considerado.

Antes deste CPPT, não estando prevista a falta de notificação da liquidação do tributo dentro do prazo de caducidade como um fundamento de oposição à execução fiscal, entendia-se que essas questões deviam ser apreciadas em impugnação judicial como questões atinentes à legalidade da liquidação, no sentido lato referido.

Neste Código, porém, introduziu-se na alínea e), do n.º 1 do art. 204.º, um novo fundamento de oposição à execução fiscal que é, precisamente, a falta de notificação da liquidação do tributo dentro do prazo de caducidade.

Por isso, parece ser agora claro que a falta de notificação (ou a existência de irregularidades que afectem a sua validade, que se traduzem em falta de uma notificação válida) afecta a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que, em princípio, deve ser invocada essa falta de notificação e, como fundamento de oposição, poderá invocar-se nela essa falta de notificação válida mesmo que não se tenha impugnado a liquidação.

No entanto, se tal falta de notificação for invocada em processo de impugnação judicial e estiver já esgotado o prazo de caducidade, ela constituirá um obstáculo definitivo à prática de um acto de liquidação válido, pelo que será de aventar a possibilidade de se conhecer daquela como um fundamento de inutilidade superveniente da lide, por não ter utilidade apreciar se é válido um acto que não pode vir a ter eficácia.

Prosseguindo com o mesmo autor[5]:

No entanto, as deficiências que afectem a validade da notificação, não afectam a validade do acto notificado.

Com efeito, a notificação de um acto, é um acto exterior a este e, por isso, os vícios que afectem a notificação, podendo determinar a invalidade da notificação e a consequente ineficácia do acto notificado, não afectam a validade deste.”.

            Ou seja, e em suma: entende-se que a falta de notificação de um acto de liquidação, praticado dentro do prazo de caducidade, como é o caso, mas (eventualmente) notificado para lá desse prazo, não contende com a validade daquele, mas, unicamente, com a sua eficácia. De resto, o próprio Requerente parece ter, de alguma forma, esse entendimento, quando refere que a mesma gera a “inexigibilidade da dívida”, o que é, evidentemente, diferente da ilegalidade da liquidação.

            Assim, sendo, não contendendo a alegada necessidade de notificação da liquidação ao responsável solidário, com a legalidade daquela, a que se hão-de reconduzir as questões cognoscíveis no presente processo, não interessa apurar se, como alega o Requerente, aquela necessidade decorre, ou não de uma interpretação do artigo 45.º/3 da LGT, conforme à CRP (máxime com os artigos 2.º, 13.º/1 e 268.º), nem mesmo para apurar a utilidade da lide.

            Com efeito, e desde logo, no presente caso, nunca estaríamos perante uma inutilidade superveniente da lide, mas perante uma inutilidade originária, já que a situação em causa preexistiu à instauração daquela. Depois, porque, se entende que a lide, independentemente da resolução que se desse à referida questão, manteria sempre o seu interesse. Assim, se se concluísse pela desnecessidade de notificação ao responsável subsidiário, sempre haveria que conhecer das restantes questões, colocadas pelo Requerente. Já se se concluísse pela necessidade de tal notificação, não se concluiria, pelas razões antes expostas, pela invalidade da liquidação, e manter-se-ia, também, a utilidade, para o Requerente, da apreciação das restantes questões por aquele colocadas, desde logo na medida em que o caso julgado que decorresse de uma decisão de inutilidade da lide, enquanto decisão de mera forma, que determinaria a absolvição da AT da instância, não obstaria ao prosseguimento da execução.

            Deste modo, por não se repercutir na validade da liquidação impugnada a eventual necessidade de notificação da mesma ao Requerente, improcede, também, esta alegação daquele.

 

*

            Alega, seguidamente, o Requerente que “a Administração Tributária procedeu à liquidação recorrida considerando a B… como uma sociedade não residente sem estabelecimento estável em território português, determinando o rendimento tributável da mesma de acordo com as normas de determinação do rendimento colectável previstas nos artigos 22.º e seguintes do CIRS” e “que, no âmbito do CIRS, em sede de mais-valias, existe uma diferença de tratamento entre sujeitos passivos residentes e não residentes significativa, consagrada no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, onde se prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas pelos residentes mas não das mais-valias realizadas pelos não residentes”.

            Conclui, então, o Requerente, que “a B… foi objecto de um tratamento fiscal discriminatório em razão da sua residência por parte da Administração Tributária” e que “entendendo-se inexistirem quaisquer argumentos que possam justificar o tratamento discriminatório operado pelo regime do artigo 43.º , n.º 2, do CIRS, conclui-se que a redução aí prevista como apenas aplicável aos residentes consubstancia uma restrição discriminatória à livre circulação de capitais, contrária aos artigos 63.º e 65.º do TFUE e, bem assim, ao artigo 8.º , n.º 4, da CRP, a qual determina, à luz do artigo 135.º do CPA, a anulação da liquidação n.º 2007 …”.

            Uma vez mais, ressalvando-se sempre o respeito devido, entende-se que o Requerente labora em erro, na análise da situação sub iudice, a que procede.

            Com efeito, e se é certo que, ao contrário do que pugna a AT, não se considera existirem dúvidas de que o acto tributário objecto do presente processo arbitral procedeu à aplicação do artigo 43.º do CIRS[6], e que o n.º 2 desta norma foi já considerado desconforme ao Direito Comunitário[7], na medida em que discriminará, injustificadamente, residentes de não residentes, já não será possível fazer o mesmo juízo relativamente à analogia da situação em causa no presente processo, e aquelas onde aquele juízo de desconformidade com a normação comunitária foi formulado.

            Com efeito, ao contrário do que pretende o Requerente, entende-se que o juízo de discriminação se deverá reportar, não à situação de um sujeito passivo de IRC, não residente, comparada com a de um sujeito passivo de IRS, residente, mas antes à situação de um sujeito passivo de IRC, não residente, comparada com a de um sujeito passivo do mesmo tributo (IRC), residente.

            Ou seja: o Requerente não poderá pretender que a B… seja vítima de discriminação injustificada, face ao tratamento que o direito português confere a um sujeito passivo de IRS residente, porquanto, se a B…fosse residente, seria tributada não como sujeito passivo daquele imposto (de IRS), mas, antes, em IRC, pelo que, mesmo que fosse residente (ou possuísse estabelecimento estável) em território nacional, a B… nunca beneficiaria da cláusula do artigo 43.º/2 do CIRS.

            Daí que o que incumbiria demonstrar nos autos, em ordem a sustentar a existência de um tratamento injustificadamente discriminatório da B…, violador das normas de Direito Comunitário invocadas, e, concomitantemente, do art.º 8.º da CRP, seria que, caso aquela fosse um sujeito passivo residente em território nacional (ou com estabelecimento estável nele sedeado), teria, em IRC, um tratamento injustificadamente mais favorável.

            Nada se apurando a esse respeito – nem tido sido a esse propósito, de resto, alegado – não se pode afirmar que haja a suscitada violação do Direito Comunitário. De facto, não se verificando que, se fosse residente, a B… beneficiária da cláusula do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, não se pode afirmar que a sua não aplicação ao caso, conforme operado no acto tributário sub iudice, resulte numa discriminação injustificada da B…, decorrente do seu estatuto de não residente, sem estabelecimento estável.

            Assim, e por todo o exposto, deve também a alegação deste vício considerar-se improcedente.

*

            Alega, por fim, o Requerente que “a mais-valia fiscal apurada pela B… em decorrência da venda do terreno para construção, designado Lote …, sito na Urbanização …, em …, ascenderá, no máximo apenas a EUR 418.853,89 e não a EUR 421.615,93, valor relevado pela Administração Tributária”.

            Alega o Requerente que ao “valor de aquisição - devidamente majorado à luz do coeficiente de correcção monetária, previsto no artigo 50.º do CIRS e concretizado no "Quadro de actualização dos coeficientes de desvalorização da moeda a que se referem os artigos 44.º do CIRC e 50.º do CIRS"  anexo à Portaria n.º 376/2004, de 14 de Abril, no montante, portanto, de EUR 34.082,34 (EUR 30.430,66 x 1,12) – não poderão deixar de acrescer ainda os seguintes valores”:

i.                    a B… suportou IS no montante de EUR 202,74 [(PTE 4.516.267 x 0,08% = PTE 36.130) + (PTE 564.533 x 0,08% = PTE 4.516)];

ii.                  A B… suportou também os custos notariais correspondentes à celebração das escrituras públicas de 29 de Março de 2000 e de 25 de Setembro de 2000;

iii.                A B… suportou o IS referido na escritura de 10 de Dezembro de 2004 e suportou os correspondentes custos notariais.

Compulsados os factos provados e não provados, verifica-se que, efectivamente, a B… terá suportado os encargos discriminados supra, no pontos i., no total de €202,74, que deverá ser considerado, para menos, no valor de realização a tributar.

 

Deverá, portanto, nesta parte, proceder o pedido arbitral.

 

 

 

 

C. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Anular parcialmente a liquidações de IRC objecto do presente processo, e dos correspondentes juros compensatórios, na medida em que não atendeu ao valor do imposto de selo suportado pela B…, no valor de €202,74;

b)      Julgar improcedente a presente acção arbitral na parte restante;

c)      Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em €1,50 para a parte a cargo da AT, e em €3.058,50 para a parte a cargo do Requerente, tendo-se em conta o já pago.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €105.403,98, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, supra fixado, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa

 

6 de Julho de 2015

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

O Árbitro Vogal

(Paulo Lourenço)

 

O Árbitro Vogal

(Luís Menezes Leitão)

 

 

 



[1] E não …/12….BESNT, como, seguramente por lapso, consta da resposta da AT.

 

[2] Como explica Carlos Alberto da Mota Pinto (“Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª Edição, Coimbra Editora, p. 605), “Na invalidade, a ausência de produção de efeitos negociais resulta de vícios ou deficiências do negócio contemporâneos da sua formação”.

[3] Que, sempre se dirá, está incorporado no despacho de 06/02/2012, constante de fls. 49 e ss do PA.

[4]CPPT – Anotado e Comentado”, Áreas Editora, 2006, Vol. I, p. 706 e s..

 

[5]CPPT – Anotado e Comentado”, Áreas Editora, 2006, Vol. I, p. 327.

[6] Cfr. p. 3 do RIT, onde se lê: “Assim sendo, a mais valia obtida no exercício de 2004, determinada com base no disposto nos artigos 43.º, 44.º, 46.º e 50.º, todos do CIRS, foi de €421.615,93”.

[7] Cfr., p. ex., Acs. do STA de 16-01-2008 e 30-04-2013, proferidos, respectivamente, nos processos 0439/06 e 01374/12, disponíveis em www.dgsi.pt.