Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 23/2015-T
Data da decisão: 2015-07-14  ISP  
Valor do pedido: € 8.201,38
Tema: CIEC – Gasóleo colorido e marcado; responsabilidade tributária prevista no artigo 93, nº5 do CIEC.
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Decisão Arbitral

 

I – Relatório

 

1. No dia 13.01.2015, a Requerente, A…, Lda, pessoa coletiva número …, com sede no …, nº …, … e …, r/c, em …, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação das liquidações de ISP, CSR e juros compensatórios no montante total de 8.201,38 € apurado no Processo de Cobrança a posteriori n.º 2013/113, na sequência de uma Ação de Natureza Fiscalizadora (ANF) efetuada pela Alfândega de ....

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo, no prazo regularmente aplicável.

 

O Tribunal Arbitral foi constituído em 25.03.2015.

 

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

 

a.       A Requerente é uma empresa que se dedica à comercialização de produtos petrolíferos, sendo detentora de vários postos de abastecimento de combustíveis, entre os quais, dois na localidade de … e um em ….

 

b.      É distribuidora oficial da marca B… nos distritos de …, … e … de gasóleos ao domicílio, nomeadamente de gasóleo colorido e marcado, rodoviário e de aquecimento.

 

c.       Os depósitos fixos que abastecem as cisternas da distribuição estão instalados no posto de abastecimento de … na Zona …, nomeadamente o de gasóleo colorido e marcado.

 

d.      À data dos factos, a Requerente era detentora de dois terminais informatizados para controlo das quantidades vendidas de gasóleo colorido e marcado (POS) para registos dos litros vendidos de gasóleo colorido e marcado, encontrando-se um na Zona Industrial de … e outro no Posto de Abastecimento de ….

 

e.       Em regra, os clientes que requisitam o gasóleo colorido e marcado ao domicílio deslocam-se a … ou … consoante aquele que esteja mais próximo do seu domicilio, a fim de efetuar o registo no POS das aquisições respetivas.

 

f.       Em 2.04.2013 foi iniciada uma ação de controlo de natureza fiscalizadora pela Requerida à Requerente no sentido de averiguar o cumprimento das obrigações fiscais no que respeita à comercialização de gasóleo colorido e marcado, no posto de abastecimento da Requerente situado na Zona Industrial de …, referente ao período compreendido entre 1.01.2013 e 2.04.2013.

 

g.      Nesta ação de controlo foi apurado que, em tal período, foram vendidos 90.545,35 € litros de gasóleo colorido e marcado e que o POS posto de abastecimento da Requerente situado na Zona Industrial de … apenas registava 63.255,00 € nesse mesmo período, resultando uma diferença de 27.300,16 litros não registados neste posto.

 

h.      E que em outros clientes foram detetados registos no POS de 9,81 litros de gasóleo colorido e marcado sem a emissão da correspondente fatura ou documento equivalente em nome do titular do cartão através do qual foi registada.

 

i.        No exercício do direito de audição prévia ao relatório final da ação fiscalizadora, a requerente alegou, relativamente aos 27.300,16 litros de gasóleo colorido e marcado, que tais descontos foram efetuados no posto e POS de … e que os registos no POS de 9,81 litros não faturados aos clientes se deviam aos pré-pagamentos dos clientes que após terem abastecido criavam estes pequenos desfasamentos.

 

j.        Estas alegações foram indeferidas pela Requerida com fundamento no disposto no art. 6º da Portaria nº 361-A/2008, de 12 de Maio, relativamente aos 27.300,16 litros e no demais com fundamento em falta de comunicação à DGADR dos erros de digitação, nos termos da mesma Portaria.

 

k.      Os 27.300,16 litros que a Requerida afirma estarem em falta no Registo em POS foram registados no POS da Requerente do posto de … no momento das vendas.

 

l.        A venda de gasóleo colorido e marcado está sujeita, por força do benefício fiscal associado ao produto, a um sistema de controlo assente num registo informático e a regras específicas de comercialização, nos termos do disposto no nº 5 do art. 93º do CIEC, conjugado com a Portaria nº 361-A/2008, de 12/5.

 

m.    Não existe norma legal que obrigue as empresas com distribuição de gasóleo colorido e marcado ao domicílio a usar dispositivo móvel.

 

n.      No caso concreto, as vendas encontram-se devidamente registadas em POS devidamente licenciado e gerido pela SIBS para o efeito e por cartões emitidos pela DGADR de clientes beneficiários de uma isenção ou redução de taxa de ISP, pelo que, as liquidações em causa são ilegais.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

POR EXCEÇÃO,

 

a.       O pedido de pronúncia arbitral vem deduzido na sequência da notificação à

Requerente para pagamento de dívida de ISP, CSR e juros compensatórios no montante total de 8.201,38 € apurado no Processo de Cobrança a posteriori n.º 2013/…, na sequência de uma Ação de Natureza Fiscalizadora (ANF) efetuada pela Alfândega de ....

 

b.      E, embora do teor do pedido apresentado pela Requerente não resulte expressamente qual o (s) tributo (s) cuja legalidade pretende ver sindicada na instância arbitral, porquanto apenas se refere, a final, de forma genérica, ao “ato tributário”, tendo em conta que nos artigos 9.º e 12.º do pedido arbitral faz igualmente referência ao montante de IVA apurado no relatório da ANF parecerá estar, também, em causa a impugnação deste imposto.

 

c.       Assim, e apesar de, do texto do pedido não se extrair qualquer fundamentação legal que sustente a impugnação da “liquidação” em sede de IVA, à cautela, importa clarificar que, caso assim não se entenda, sempre será de suscitar a questão da inimpugnabilidade do IVA.

 

d.      De facto, conforme resulta do teor da notificação que consta de fls. 56 do Processo

Administrativo (PA) da Alfândega de ..., que ora se junta e se considera reproduzido para todos os efeitos legais, a  A... foi apenas notificada para pagar o montante de dívida apurado no âmbito do processo de cobrança a posteriori n.º 2013/… relativo a ISP, CSR, juros compensatórios e do valor do impresso de liquidação.

 

e.       Nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), a competência dos tribunais arbitrais compreende, entre outras, a apreciação de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” – cf. n.º 1, alínea a).

 

f.       A ora Requerente em momento algum identifica o ato de liquidação de IVA, e a notificação para pagamento do imposto até porque, este imposto, não chegou a ser objeto de liquidação.

 

g.      O que, aliás, é corroborado pelo valor que a Requerente indicou para a presente causa que corresponde ao montante total de ISP, CSR e juros compensatórios, de cuja liquidação foi notificada para pagamento, no valor de 8.201,38 €.

 

h.      Assim, caso se entenda que o presente pedido também inclui a declaração de ilegalidade de IVA, o mesmo não pode, contudo, face à lei, ser submetido à presente instância arbitral pois o processo arbitral apenas abrange os atos suscetíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.

 

i.        Verifica-se, quanto ao IVA, que, inexistindo ato de liquidação, inexiste, consequentemente, o ato impugnável, ocorrendo a exceção, dilatória de inimpugnabilidade do ato, por total falta de objeto.

 

j.        E, atentas as normas supra invocadas relativas à competência do tribunal arbitral, verifica-se, assim, também, a existência de exceção (dilatória) consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, que obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve, nesta parte, determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

POR IMPUGNAÇÃO

 

k.      O gasóleo colorido e marcado é um produto de utilização condicionada, que se concretiza num benefício fiscal com taxa reduzida de ISP, tratando-se, assim, por força do regime atualmente em vigor, de um produto condicionado:

- aos equipamentos previstos no n.º 3 do artigo 93.º do CIEC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho;

- à titularidade do cartão eletrónico para a sua aquisição – cfr. n.º 5 do artigo 93.º do CIEC, conjugado com o n.º 5 da Portaria n.º 117-A/2008, de 8 de Fevereiro e o n.º 11 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de Maio;

- ao reconhecimento prévio das autoridades competentes – por força do n.º 11 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de Maio, de acordo com o qual, o gasóleo colorido e marcado, só pode ser abastecido aos equipamentos previstos no n.º 3 do artigo 93.º do CIEC após verificação pela entidade competente dos pressupostos e das condições exigíveis nos termos da legislação aplicável, determinando o n.º 7 da Portaria n.º 117-A/2008, de 8 de Fevereiro, que os beneficiários ficam sujeitos, sob pena de incorrerem em infração tributária, à obrigação de comunicar às autoridades competentes qualquer alteração dos pressupostos do benefício fiscal e outras alterações relevantes, designadamente as relativas aos equipamentos autorizados;

- à manutenção dos pressupostos e condições verificados à data do reconhecimento do benefício.

 

l.        Verifica-se, assim, que a utilização de gasóleo colorido e marcado para o fim a que alude o n.º 3 do artigo 93.º do Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, com a última redação dada pela Lei 51/2013, de 24 de Julho não é condição suficiente para que alguém possa beneficiar da taxa reduzida de ISP, devendo a empresa cumprir os pressupostos e condições inerentes à utilização e venda do gasóleo colorido e marcado, de acordo com as regras estabelecidas na legislação aplicável.

 

m.    Conforme decorre da alínea h), do n.º 2, do artigo 4.º (Incidência Subjectiva) do CIEC, a empresa A… é também sujeito passivo, sendo responsável pelo pagamento do ISP, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado em relação às quantidades que vendeu e que não foram objeto de correta movimentação, nos terminais POS.

 

n.      No que concerne à contribuição de serviço rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que, de acordo com o disposto no artigo 1.º, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da C…., e determina igualmente as condições da sua aplicação, esta contribuição constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis (n.º 1 do artigo 3.º).

 

o.      E, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 55/2007, a CSR ”incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos”, e o seu valor varia em função do produto petrolífero utilizado (gasolina ou gasóleo rodoviário).

 

p.      Conforme dispõe o n.º 1 do artigo 5.º do mesmo diploma, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e, não obstante constitua receita da C… (artigo 6.º), a sua liquidação e cobrança incumbe à Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (hoje à AT), aplicando-se à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

 

q.      A CSR constitui, pois, um tributo devido pelos sujeitos passivos de ISP que incide sobre o gasóleo rodoviário sujeito a ISP não isento.

 

r.        Afirma a Requerente no art.º 13.º do pedido arbitral que apresentou audição prévia alegando que os 27.300,16 litros foram registados não no POS da Zona Industrial de … mas no seu POS de … ….

 

s.       Ora, sempre se dirá que o total apurado pela Alfândega resulta da diferença entre as quantidades inscritas no totalizador e as quantidades movimentadas no POS … (…), que foi objeto da ANF, de acordo com os mapas que constam do Relatório final notificado à Requerente.

 

t.        Não tem razão a Requerente quando defende, conforme se depreende das suas afirmações, que, sendo detentora de dois POS, as vendas/fornecimentos e respetivos registos do GCM podem ser registados em qualquer deles, o que, a ser assim, inviabilizaria o sistema de controlo legalmente instituído para a comercialização deste produto e isto porque, a lei exige que as vendas sejam obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram, conforme decorre expressamente do n.º 6.º da Portaria n.º 361-A/2008.

 

u.      De facto, no que concerne à justificação da empresa para as vendas de gasóleo colorido e marcado com registos efetuados em terminal e momento diferentes aos da venda, além de não poder ser aceite por se mostrar contrária ao disposto na legislação em vigor, demonstra ainda uma utilização abusiva das comunicações efetuadas à DGADR para regularização manual dos registos nos terminais pois, vender gasóleo colorido e marcado sem proceder ao correspondente registo no terminal TPA/POS, e efetuar registos no terminal em momento e quantidade diferentes aos da venda, configura um incumprimento claro do disposto no n.º 6 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de Maio, que não pode, de forma alguma, ser regularizado a posteriori através de comunicação por escrito à DGADR.

 

v.      Relativamente a esta matéria, o n.º 12 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de Maio, estabelece que “Em caso de erros de digitação ou outras anomalias verificadas na utilização dos terminais POS, devem os mesmos ser imediatamente comunicados, por escrito, preferencialmente por correio eletrónico, à DGADR, a fim de serem efetuadas as respetivas correções.”

 

w.    E, as situações detetadas não se enquadram no supra referido, pois não configuram erros de digitação, nem de outras anomalias atinentes à utilização do terminal POS.

 

x.      Acresce que, cada posto de abastecimento de gasóleo colorido e marcado, assim como cada empresa distribuidora, estão dotados de um terminal informático para registo de todas as transações daquele produto, só podendo aqueles (postos de abastecimento e empresas distribuidoras) vender o gasóleo colorido e marcado aos detentores de cartão eletrónico, efetuando neste, devidamente, o registo da quantidade abastecida.

 

y.      Assentando, portanto, o controlo das quantidades de gasóleo colorido e marcado, vendidas nos postos de abastecimento, na obrigatoriedade do registo informático de todas as transações do produto no momento em que estas ocorram e, por isso, relativamente às situações em que não seja possível efetuar os abastecimentos no local do posto, a lei prevê a utilização de terminais POS móveis, para cumprimento da obrigação de registo no ato e local do respetivo abastecimento, como estabelece o n.º 7.º da mesma Portaria n.º 361-A/2008 pois, só através dos registos efetuados com o cartão no momento da venda do referido produto é possível saber se o adquirente é titular de um cartão emitido para o efeito, válido, conforme exige o n.º 5 do artigo 93.º do CIEC.

 

z.       De facto, conforme determina o n.º 5 do artigo 93.º do CIEC, este produto só pode ser adquirido pelos titulares do cartão eletrónico instituído para efeitos de controlo da sua afetação aos destinos referidos no n.º 3 do mesmo artigo exigindo ainda, complementarmente, como se referiu, o n.º 6 da Portaria n.º 361-A/2008, que as vendas de gasóleo colorido e marcado sejam obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram, obrigação que a  A... não cumpriu.

 

aa.   Entende, pois, a Requerente que, não obstante ter efetuado registos no POS de ... as vendas se encontram devidamente registadas por terem sido registadas em POS licenciado, gerido pela SIBS e por cartões emitidos pela DGADR.

 

bb.  Mas, quanto a este argumento reitera-se que a obrigatoriedade de o registo da quantidade vendida ser simultânea ao momento da venda decorre da lei, sendo que o não cumprimento deste preceito legal torna exigível o imposto de acordo com as disposições conjugadas da alínea h), do n.º 2, do artigo 4.º e n.º 5 do artigo 93.º ambos do CIEC.

 

cc.   A responsabilização prevista no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC ocorre sempre que essa venda não fique “devidamente” registada, como dispõe o artigo 93.º, sendo que, como também dispõe a já citada Portaria n.º 361-A/2008 (que estabelece as regras de comercialização do gasóleo colorido e marcado e os respetivos mecanismos de controlo) no seu n.º 6.º “As vendas a que se refere o número anterior são obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram.”

 

dd. Pelo que os fundamentos da Requerente para atacar o acto de liquidação em crise no presente pedido de pronúncia arbitral não procedem e que o mesmo, sendo legal, deve, por isso, manter-se na ordem jurídica.

 

5. Por despacho de 13.05.2015, ao abrigo do art. 16º, al. c), do RJAT, foi determinado a notificação da Requerente para, no prazo de dez dias, se pronunciar, querendo, sobre a exceção suscitada pela Requerida, dispensando-se a realização da reunião arbitral prevista no art. 18º do RJAT.

Determinou-se, ainda, a realização de reunião arbitral, no dia 9 de Junho pelas 14.30 horas, para inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente.

 

6. A reunião arbitral para inquirição de testemunhas realizou-se na data agendada, tendo as partes produzido alegações orais.

 

7. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

8. Cumpre solucionar as seguintes questões:

a) Se ocorrem as exceções dilatórias suscitadas pela Requerida.

b) Se são ilegais, por vício de violação de lei, as liquidações em causa.

 

 

II – A matéria de facto relevante

 

9. O Tribunal considera provados os seguintes factos:

 

1. A Requerente é uma empresa que se dedica à comercialização de produtos petrolíferos sendo detentora de vários postos de abastecimento de combustíveis entre os quais dois na localidade de … e um em ….

 

2.É distribuidora oficial da marca B… nos distritos de …, … e … de gasóleos ao domicílio, nomeadamente de gasóleo colorido e marcado, rodoviário e de aquecimento.

 

3.Os depósitos fixos que abastecem as cisternas da distribuição estão instalados no posto de abastecimento de … na Zona …, nomeadamente o do gasóleo colorido e marcado.

 

4.À data dos factos, a Requerente era detentora de 2 terminais informatizados para controlo das quantidades vendidas de gasóleo colorido e marcado (POS) para registos dos litros vendidos de gasóleo colorido e marcado, encontrando-se um na Zona Industrial de … e outro no Posto de Abastecimento de ….

 

5.Em regra, os clientes que requisitam o gasóleo colorido e marcado ao domicílio deslocam-se a … ou … consoante aquele que esteja mais próximo do seu domicilio, a fim de efetuar o registo no POS das aquisições respetivas.

 

6.Em 2.04.2013 foi iniciada uma ação de controlo de natureza fiscalizadora pela Requerida à Requerente no sentido de averiguar o cumprimento das obrigações fiscais no que respeita à comercialização de gasóleo colorido e marcado, no posto de abastecimento da Requerente situado na Zona Industrial de …, referente ao período compreendido entre 1.01.2013 e 2.04.2013.

 

7.Nesta ação de controlo foi apurado que em tal período foram vendidos 90.545,35 litros de gasóleo colorido e marcado e que o POS do posto de abastecimento da Requerente situado na Zona Industrial de Estremoz apenas registava 63.255,00 litros nesse mesmo período, resultando uma diferença de 27.300,16 litros não registados neste posto.

 

8. E que em outros clientes foram detetados registos no POS de 9,81 litros de gasóleo colorido e marcado, sem a emissão da correspondente fatura ou documento equivalente em nome do titular do cartão através do qual foi registada.

 

9.No exercício do direito de audição prévia ao relatório final da ação fiscalizadora, a requerente alegou o seguinte:

1. Em relação ao ponto 4.3 do projeto de conclusões no qual é referida a venda de mais 27.300,16 litros de gasóleo colorido e marcado do que os que foram registados no POS, vimos informar que tais descontos foram efetuados no nosso posto e POS de ... por se tratarem de clientes que laboram naquela zona e assim evitar que os mesmos se desloquem a …. POS … – ….Em anexo juntamos cópias das transações.

2.Em relação ao ponto nº 4.4 do projeto de conclusões no qual é referido que foram detectados registos no POS de 9,81 litros e não foram facturados aos clientes tudo tem a ver com o descontar inicialmente os litros no POS e depois abastecer que pode criar estes desfasamentos mínimos entre o facturados e o descontados já que por vezes para evitar que os clientes possam abastecer e depois não terem litros para descontar”.

 

10.No relatório final da ação fiscalizadora consta o seguinte:

 

 

 

 

 

11. Em consequência, a Requerente foi notificada pela Alfândega de ... para proceder ao pagamento de dívida liquidada de ISP, CSR e juros compensatórios no montante total de 8.201,38 €.

 

12.Os 27.300,16 litros que a Requerida afirma estarem em falta no Registo em POS, foram registados no POS da Requerente do posto de ..., tendo sido vendidos a clientes com cartões eletrónico/microcircuito válidos.

 

 

10. Factos não provados

 

Que os registos correspondentes aos fornecimentos identificados no ponto 12 do probatório tenham sido efetuados no momento das vendas.

 

11. Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto

 

A decisão sobre a matéria de facto assentou, essencialmente, na prova documental junta pela Requerente e constante do processo administrativo, que não mereceu impugnação das partes e, ainda, nos depoimentos das testemunhas arroladas pela Requerente, D… e E…, que revelaram conhecimento direto dos factos sobre que depuseram.

Os depoimentos prestados não foram merecedores de qualquer reparo quanto à sua verosimilhança e credibilidade, não obstante a relação laboral existente entre os mesmos e a Requerente, acrescendo que os mesmos se revelaram coerentes com os documentos constantes dos autos.

Por outro lado, é de referir que a matéria de facto dado como provada não foi objeto de discordância entre as partes, dado que o desacordo se cinge, essencialmente, à matéria de direito.

Relativamente ao facto dado como não provado, tal decisão resulta da ausência de prova relativamente ao mesmo, de ilações dos factos dados como provados e, ainda, do conjunto da prova produzida, designadamente, do depoimento das testemunhas acima indicados.

 

-III- O Direito aplicável

 

12. A Requerida vem suscitar a questão da inimpugnabilidade da tributação em sede de Imposto sobre o valor acrescentado, invocando ainda a incompetência do Tribunal arbitral, por não haver, em sede daquele imposto, ato abrangido pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.

Fá-lo à cautela, considerando que “e apesar de, do texto do pedido não se extrair qualquer fundamentação legal que sustente a impugnação da “liquidação” em sede de IVA, à cautela, importa clarificar que, caso assim não se entenda, sempre será de suscitar a questão da inimpugnabilidade do IVA.” E alega que “conforme resulta do teor da notificação que consta de fls. 56 do Processo Administrativo (PA) da Alfândega de ..., que ora se junta e se considera reproduzido para todos os efeitos legais, a  A... foi apenas notificada para pagar o montante de dívida apurado no âmbito do processo de cobrança a posteriori n.º 2013/113 relativo a ISP, CSR, juros compensatórios e do valor do impresso de liquidação.”

 

13. Embora a identificação dos atos tributários sub judice não tenha sido feita de modo particularmente feliz, ainda assim, analisando o texto do pedido de pronúncia arbitral, em conjugação com a notificação da liquidação que lhe foi feita, constante dos autos, não parecem resultar duvidas de que os atos tributários impugnados são apenas e tão só o ISP e o CSR, únicos atos tributários de liquidação que lhe foram notificados, acrescendo que é precisamente a soma do valor das liquidações destes tributos que constitui o valor do processo indicado pela Requerente.

Tal é, aliás, observado, pertinentemente pela Requerida quando afirma que “Pois, na verdade, a ora Requerente em momento algum identifica o acto de liquidação de IVA, e a notificação para pagamento do imposto até porque, este imposto, não chegou a ser objecto de liquidação.” E ainda que “O que, aliás, é corroborado pelo valor que a Requerente indicou para a presente causa que corresponde ao montante total de ISP, CSR e juros compensatórios, de cuja liquidação foi notificada para pagamento, no valor de 8.201,38 €.”.

 

Assim sendo, entende-se que os atos impugnados são as liquidações de ISP e de CRS, improcedendo as suscitadas exceções dilatórias respeitantes à tributação em sede de IVA, porquanto não foi deduzida impugnação em sede deste imposto.

 

14. Cumpre então apreciar a questão de fundo da legalidade das liquidações em sede de ISP, CSR e juros compensatórios, de cuja liquidação foi a Requerente notificada para pagamento, no valor de 8.201,38 €.

 

O artigo 93.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, dispõe como se segue:

 

“Artigo 93.º

Taxas reduzidas

(Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

1 — São tributados com taxas reduzidas o gasóleo, o gasóleo de aquecimento e o petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

2 — O petróleo colorido e marcado só pode ser utilizado no aquecimento, iluminação e nos usos previstos no n.º 3.

3 — O gasóleo colorido e marcado só pode ser consumido por:

a) Motores estacionários utilizados na rega;

b) Embarcações referidas nas alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 89.º;

c) (Redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro) Tratores agrícolas, ceifeiras-

debulhadoras, motocultivadores, motoenxadas, motoceifeiras, colhedores de batata automotrizes, colhedores de ervilha, colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate, gadanheiras -condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos, incluindo os utilizado para a atividade aquícola, aprovados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e do mar;

d) Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos-de-ferro;

e) Motores fixos;

f) Motores frigoríficos autónomos, instalados em veículos pesados de transporte de bens perecíveis, alimentados por depósitos de combustíveis separados, e que possuam certificação ATP (Acordo de Transportes Perecíveis), nos termos a definir em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e dos transportes.

4 — O gasóleo de aquecimento só pode ser utilizado como combustível de aquecimento industrial, comercial ou doméstico.

5 — O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão electrónico instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos destinos referidos no n.º 3, sendo responsável pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema electrónico de controlo.

6 — A venda, a aquisição ou o consumo dos produtos referidos no n.º 1 com violação do disposto nos n.os 2 a 5 estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral das Infracções Tributárias e em legislação especial.

7 — Para efeitos deste artigo, entendem-se por motores fixos os motores que se destinem à produção de energia e que, cumulativamente, se encontrem instalados em plataformas inamovíveis.

8 — Enquanto não existirem condições técnicas para a implementação do gasóleo de aquecimento com as características previstas no anexo VI do Decreto-Lei n.º 89/2008, de 30 de Maio, pode ser utilizado na Região Autónoma da Madeira, colorido e marcado, o gasóleo classificado pelos códigos NC 2710 19 41, 2710 19 45 e 2710 19 49.

9 — Na aquisição do gasóleo colorido e marcado na Região Autónoma da Madeira é dispensada a utilização do cartão electrónico, enquanto não existirem as condições técnicas descritas no número anterior. “

 

Estas normas são complementadas por normas de natureza regulamentar, designadamente as constantes das Portarias n.ºs 117-A/2008, de 8 de Fevereiro, e 361-A/2008, de 12 de Maio, ambas aprovadas ainda na vigência do anterior Código dos Impostos Especiais de Consumo, e tendo por referência habilitante o seu artigo 74.º, mas mantidas em vigor aquando da aprovação do novo CIEC, por força do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 73/2010, que aprovou este último Código.

 

Dispõe a Portaria n.º 117-A/2008,, o seguinte:

“1.º A presente portaria regulamenta as formalidades e os procedimentos aplicáveis ao reconhecimento e controlo das isenções e das taxas reduzidas do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) previstas, respectivamente, no n.º 1 do artigo 71.º e no artigo 74.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro, abreviadamente designado por CIEC.

2.º Podem beneficiar de isenção ou da aplicação de uma taxa reduzida do imposto as pessoas singulares ou colectivas que, comprovadamente, utilizem produtos petrolíferos e energéticos sujeitos a ISP nas actividades ou nos equipamentos previstos nas disposições legais referidas no número anterior, desde que cumpram as seguintes condições:

a) Essa actividade esteja devidamente declarada, nos termos da legislação tributária aplicável, excepto quando dispensada por lei ou pela natureza da isenção;

b) Tenham a sua situação tributária e contributiva regularizada;

c) Tenham cumprido as suas obrigações declarativas em sede de impostos sobre o rendimento e do imposto sobre o valor acrescentado.

3.º A competência para o acto de reconhecimento e subsequente controlo e reavaliação dos pressupostos e condições dos benefícios fiscais encontra -se definida nos n.os 17.º, 32.º, 36.º, 38.º,39.º, 41.º, 46.º, 50.º, 56.º, 60.º, 61.º e 64.º da presente portaria.

4.º Os pedidos de isenção ou de redução de taxa do imposto devem ser acompanhados de fotocópia dos seguintes três documentos, sem prejuízo de outra documentação considerada necessária:

a) Cartão de identificação fiscal;

b) Documento de licenciamento da actividade exercida, quando exigível.

5.º Os benefícios fiscais concretizados através da utilização de gasóleo colorido e marcado são efectuados obrigatoriamente através da utilização de um cartão de microcircuito, previsto no n.º 5 do artigo 74.º do CIEC, o qual é emitido pela Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) e remetido aos requerentes pela entidade competente para o reconhecimento do benefício fiscal em causa.

6.º Os cartões referidos no número anterior são pessoais e intransmissíveis, sendo os respectivos titulares responsáveis pela sua regular utilização.

7.º Os beneficiários ficam sujeitos, sob pena de incorrerem em infracção tributária, às seguintes obrigações:

a) Comunicar às autoridades competentes qualquer alteração dos pressupostos do benefício fiscal;

b) Comunicar outras alterações relevantes, designadamente alteração de localização das instalações ou dos equipamentos autorizados, transferência de propriedade dos equipamentos bem como a cedência ou substituição destes;

c) Colaborar com as autoridades competentes na realização dos controlos que vierem a ser determinados, com vista a comprovar a efectiva afectação dos produtos aos destinos ou utilizações com benefício fiscal e fornecer todos os elementos de informação solicitados.

8.º Os beneficiários que sejam titulares de um cartão de microcircuito, para abastecimento de gasóleo colorido marcado, estão ainda obrigados a:

a) Devolver o cartão de microcircuito no caso de cessação dos pressupostos do benefício, no prazo máximo de cinco dias úteis;

b) Comunicar qualquer situação de extravio ou de anomalia no cartão de microcircuito atribuído.

9.º As comunicações referidas na presente portaria devem ser efectuadas por escrito, preferencialmente por correio electrónico, no prazo máximo de cinco dias úteis.

10.º Os benefícios fiscais referidos na presente portaria estão sujeitos a reavaliação periódica pelas autoridades competentes, tendo em vista aferir da manutenção dos respectivos pressupostos e do cumprimento das demais condições exigíveis nos termos da legislação aplicável.

11.º Constituem fundamento para a revogação da autorização do benefício fiscal, sem prejuízo de instauração de processo por infracção tributária nos termos previstos no Regime Geral das Infracções Tributárias, a violação dos pressupostos do benefício bem como a inobservância imputável ao beneficiário das condições exigidas no n.º 2.º

12.º Em caso de violação dos pressupostos do benefício fiscal, é ainda liquidado o imposto que se mostre devido.

13.º Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se que há violação dos pressupostos do benefício fiscal, designadamente, em caso de:

a) Utilização de produtos, sem reconhecimento prévio do benefício fiscal;

b) Utilização dos produtos autorizados em fim diferente do declarado;

c) Utilização de produtos em equipamentos não autorizados.

(…)”

 

A Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de Maio, estabelece as regras de comercialização de GCM e respetivos mecanismos de controlo, relevando, para o caso aqui em apreço, as seguintes normas:

“(…)5.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser vendido nos postos de abastecimento aos beneficiários de uma isenção ou redução de taxa de ISP que sejam titulares de cartões de microcircuito emitidos para o efeito pela DGADR, através dos quais são registadas todas as transacções de gasóleo colorido e marcado no sistema informático gerido pela Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS).

6.º As vendas a que se refere o número anterior são obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram.

7.º Os abastecimentos aos equipamentos autorizados a consumir gasóleo colorido e marcado que não possam ser efectuados no local do posto de abastecimento, nomeadamente alguns equipamentos agrícolas e florestais e os motores fixos, podem ser registados em terminal POS móvel, no acto e no local do respectivo abastecimento.

8.º O registo no sistema informático, através dos terminais POS, de cada abastecimento efectuado, não dispensa a emissão da respectiva factura ou documento equivalente, emitida em nome do titular do respectivo cartão de microcircuito.

9.º Os registos das transacções referidas no n.º 5.º são enviados em suporte informático pela SIBS à DGADR, a qual, para além das funções de coordenação nacional que lhe incumbem, gere a base de dados relativa ao gasóleo colorido e marcado e é responsável pela emissão, suspensão ou cancelamento dos cartões.

(…)

11.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser abastecido aos equipamentos

previstos no n.º 3 do artigo 74.º do CIEC, após a verificação, pela entidade competente, dos pressupostos e das condições exigíveis nos termos da legislação aplicável e a atribuição aos respectivos beneficiários do cartão referido no n.º 5.º.

(…)”

 

 

Por sua vez o Regime Jurídico das Infrações Fiscais prevê no artigo 109.º (Introdução irregular no consumo) o seguinte:

1 - Os factos descritos no artigo 96.º, que não constituam crime em razão do valor da prestação tributária ou da mercadoria objeto da infração, ou, independentemente destes valores, sempre que forem praticados a título de negligência, são puníveis com coima de € 150 a € 150 000. (Redacção dada pelo artigo 224.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro)

2 – A mesma coima é aplicável a quem:

 

p) Introduzir no consumo, detiver ou comercializar produtos com violação das regras de selagem, embalagem, detenção ou comercialização, designadamente os limites quantitativos, estabelecidas pelo Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo e em legislação complementar;

q) Adquirir ou consumir gasóleo colorido e marcado sem ser titular de cartão com microcircuito.

 

6- O montante máximo da coima é agravado para o dobro nos casos previstos

na alínea p) do n.º 2”.

 

No que concerne à contribuição de serviço rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que, de acordo com o disposto no artigo 1.º, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da C…., e determina igualmente as condições da sua aplicação, esta contribuição constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis (n.º 1 do artigo 3.º).

E, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 55/2007, a CSR ”incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos”, e o seu valor varia em função do produto petrolífero utilizado (gasolina ou gasóleo rodoviário).

 

Conforme dispõe o n.º 1 do artigo 5.º do mesmo diploma, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e, não obstante constitua receita da C… (artigo 6.º), a sua liquidação e cobrança incumbe à Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (hoje à AT), aplicando-se à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

 

A CSR constitui, pois, um tributo devido pelos sujeitos passivos de ISP que incide sobre o gasóleo rodoviário sujeito a ISP não isento.

 

15. Entende a Requerente que inexiste “qualquer preceito legal que obrigue as empresas de distribuição de gasóleo colorido e marcado ao domicílio a ter que usar um dispositivo móvel”.

Por sua vez, a Requerida sustenta que, dispondo a Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de Maio, que as vendas são obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram e que tal implica que, se tal não se verificar, há lugar à responsabilização prevista no art. 93º, nº 5, do CIEC, ainda os registos sejam feitos em terminal POS da empresa, em momento diverso do da venda.

 

16. A Portaria em causa, ao determinar no seu nº 6.º que “ As vendas a que se refere o número anterior são obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram” e no seu nº 7 que “ Os abastecimentos aos equipamentos autorizados a consumir gasóleo colorido e marcado que não possam ser efectuados no local do posto de abastecimento, nomeadamente alguns equipamentos agrícolas e florestais e os motores fixos, podem ser registados em terminal POS móvel, no acto e no local do respectivo abastecimento.” estabelece, implicitamente, para este tipo de abastecimentos, a obrigatoriedade de utilização de terminal POS móvel.

A não observância da Portaria poderá, desde logo, fazer incorrer o seu autor em responsabilidade contra-ordenacional, nos termos do art. 109º, nº 2, al. p) do Regime Geral das Infrações Tributárias, por violação das regras de comercialização.

 

17. Questão diversa, todavia, é a de saber se a aludida violação das regras da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de Maio, faz ainda incorrer o seu autor na Responsabilidade prevista no art. 93º, nº 5 do CIEC, no caso do registo da venda em causa ter sido efetuado em momento diferente do da venda.

A Requerida entende que sim, considerando que a situação se subsume na expressão “quantidade que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões eletrónico atribuídos”.

 

No entender da Requerida, um fornecimento efetuado a um titular de cartão que fique registado no sistema informático subjacente ao cartão eletrónico atribuído, mas em que o registo não seja feito no momento do fornecimento, não fica devidamente registada no sistema informático.

 

18. No caso em apreço, provou-se que todos os fornecimentos em causa foram feitos a titulares de cartão e que os mesmos foram todos registados no sistema informático subjacente ao cartão eletrónico atribuído. Esta factualidade não é sequer posta em causa pela Requerida.

Não resulta da matéria de facto provada que os registos tenham sido feitos no momento do fornecimento. Tal, aliás, só poderia ser feito se a Requerente dispusesse dum dispositivo móvel, o que não se verificava.

Cumpre decidir se a situação em causa se subsume no art. 93º, nº 5 do CIEC.

 

19. Antes de mais, a titulo prévio, é de salientar que a eventual responsabilidade tributária em causa carece de base legal, de acordo com o princípio da legalidade tributária, nos termos dos artigos 165º, nº 1, al. i) e e 103º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa e, portanto, não poderá ter a sua fonte na Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de Maio.

O “nó górdio” da questão, está na interpretação do art. 93º, nº 5 do CIEC. Trata-se de saber se a expressão “fiquem devidamente registadas no sistema informático” exige que tal registo seja efetuado no momento do abastecimento, tal como vem expresso no nº 6 da Portaria.

A resposta a esta questão não nos parece resultar inequívoca da expressão “devidamente”, manifestamente um conceito indeterminado.

Tratando dos critérios jurídicos de determinação semântica e referindo-se ao critério da hierarquia diz-nos David Duarte que “(…) 0 significado do símbolo que contém a incerteza, quando conste de um nível hierárquico inferior, deve ser o que mais próximo esteja de dar à norma inferior um conteúdo compatível com o conteúdo da norma e nível superior[1]

 

Assim, a interpretação da norma não pode deixar de ser feita de acordo com os critérios do art. 9º do Código Civil e à luz dos princípios constitucionais aplicáveis, tendo presente o princípio da interpretação conforme à constituição dado que, como escreve Jorge Miranda “(…) cada norma não tem somente de ser captada no conjunto das normas da mesma lei e no conjunto da ordem legislativa; tem outrossim de se considerar no contexto da ordem constitucional; e isso tanto mais quanto mais se tem dilatado a esfera de ação desta como centro de energias dinamizadoras das demais normas da ordem jurídica positiva”.[2]

O elemento teleológico aponta para se ter pretendido evitar situações de abastecimento de gasóleo colorido e marcado por pessoas não titulares do cartão eletrónico instituído para efeitos de controlo da afetação do produto aos destinos previstos no art. 93º, nº 3 do CIEC.[3]

No caso dos autos, bem como em todos os casos em que os fornecimentos tenham sido registados no sistema informático de acordo com a realidade dos factos, embora não no momento do fornecimento, a finalidade do art. 93º, nº 5 do CIEC encontra-se conseguida.

De acordo com o supra exposto, afigura-se-nos que a interpretação da norma deve ser, também, efetuada à luz da constituição sendo que, desde logo, há que observar que a capacidade contributiva, pressuposto da tributação (art. 4º, nº 1, da Lei Geral Tributária) não se manifesta no vendedor do combustível mas sim no adquirente do mesmo.

Por outro lado, tendo em conta os onerosos deveres de cooperação impostos aos proprietários ou responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado, que visa desonerar o Estado da sua gestão[4] e às gravosas consequências previstas para o seu incumprimento impõe a necessidade de convocar o princípio da proporcionalidade, entre nós consagrado nos arts. 18º, nº 2, e 266º, nº 2 da Constituição.

Conforme escreve Jorge Bacelar Gouveia, a configuração deste princípio “assenta numa limitação material interna à actuação jurídico-pública de carácter discricionário, contendo os efeitos excessivos que eventualmente se apresentem na edição das providências de poder público de cariz ablatório para os respetivos destinatários” ((Manual de Direito Constitucional, Almedina, 4ª Ed., Vol. II, pags 839-840).

Diz-nos ainda o mesmo autor que “se bem que a ideia de proporcionalidade imediatamente induza o sentido da proibição de uma actuação jurídico-pública excessiva, ele desdobra-se em três vertentes fundamentais por que se decompõe aquele conceito geral:

            - a adequação (Geeignetheit);

            - a necessidade (Erforderlichkeit); e

            - a racionalidade ou proporcionalidade em sentido estrito (Proportionalität)

(…)

“A vertente da necessidade mostra como, perante uma providência que já se considere adequada, se impõe fazer um juízo a respeito da sua indispensabilidade no leque de providências que, do mesmo modo, sejam equivalentemente consideradas aptas à obtenção do resultado pretendido: a providência é necessária se outra não houver que seja, do ponto de vista da respectiva lesividade, menos gravosa”. (ob. Cit. Pag. 842).

 

Nas palavras de Diogo Freitas do Amaral “O centro das preocupações desloca-se para a ideia de comparação: a operação central a efetuar é a comparação entre uma medida idónea e outras medidas também idóneas. O objectivo de tal comparação será a escolha da medida idónea que seja menos lesiva” (Curso de Direito Administrativo, Almedina, Vol. II, 2011, 2ª Edição, pag. 143).

No caso em apreço, para atingir as finalidades subjacentes ao art. 93º, nº 5 do CIEC, é suficiente a demonstração de que o gasóleo colorido e marcado foi vendido a titulares de cartão eletrónico instituído para efeitos de controlo da sua atuação, o que é inequivocamente o caso quando o fornecimento fica registado no sistema informático subjacente, mesmo que tal registo não ocorra no momento do fornecimento.

Ainda que a interpretação sustentada pela Requerida passasse o “teste” da necessidade, não se vê como poderia deixar de violar a vertente do equilíbrio, da racionalidade ou da proporcionalidade em sentido estrito considerando o facto de, em casos como o dos autos, não ocorrer qualquer “dano” para a receita fiscal, tendo em conta a materialidade subjacente.

Não é aceitável que, reconhecendo a Autoridade Tributária que as vendas foram feitas a titulares de cartão e que ficaram registadas no sistema informático subjacente aos cartões atribuídos, estando afastada, portanto, a hipótese de fraude, ainda assim se aplicasse a estatuição da norma em causa, apenas e tão só, porque o registo não foi feito “no momento”[5] do fornecimento, exigência que não consta do art. 93º, nº 5, mas sim da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de Maio.

Considera-se, assim, que para além dos critérios gerais de interpretação já apontarem em tal sentido, o princípio da proporcionalidade impõe que, numa interpretação conforme à constituição, o segmento da norma em causa seja entendida como bastando-se com o registo no sistema informático subjacente aos cartões eletrónicos atribuídos dos fornecimentos efetuados. Tal interpretação é, ainda, reforçada, pela consideração do princípio da capacidade contributiva, ainda com aplicabilidade na tributação do consumo, de acordo com o nº 1, do art. 4º da Lei Geral Tributária.

20. Ainda que assim não fosse, outra ordem de considerações levariam à procedência da pretensão da impugnante.

Na estatuição do nº 5, do art. 93º, do CIEC, o legislador utiliza a expressão “responsável”( pelo pagamento), como consequência da verificação dos factos constantes da previsão normativa.

Como se pode ler no acórdão do Tribunal constitucional nº 176/2010[6] sobre a natureza jurídica da responsabilidade em causa[7]a responsabilidade dos proprietários dos postos de abastecimento pelo pagamento dessa diferença, é uma responsabilidade subsequente, derivada do incumprimento das regras estabelecidas para a venda de gasóleo colorido e marcado”.

 

Sobre esta expressão, diz-nos Inocêncio Galvão Telles que “Se o devedor fica obrigado a indemnizar o credor, diz-se que é responsável.

Sabemos que esta responsabilidade, segundo a terminologia mais adequada, se deve chamar obrigacional, porque provém da violação de uma obrigação, nascida de um contrato ou de outra fonte; e que se distingue da responsabilidade extraobrigacional, em que se incorre perante uma pessoa de que se não é devedor, e cujo âmbito se determina por exclusão de partes[8].

 

O mesmo autor diz-nos, ainda, que “A responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar os danos sofridos por alguém. Trata-se de indemnizar os prejuízos de que alguém foi vítima. Fala-se de indemnizar porque se procura tornar o lesado indemne dos prejuízos ou danos, reconstituindo a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento causador destes (art. 562º)[9].

 

Também em direito fiscal, os casos de responsabilidade tributária de pessoa diferente daquela que manifestou a capacidade contributiva pressuposto do imposto[10], visam o ressarcimento de dano consistente na receita tributária que deixou de ser arrecadada (Cfr. Os artigos 24º a 28º da Lei Geral Tributária).

 

O art. 93º, nº 5 do CIEC ao concretizar a medida da responsabilidade na “diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado” confirma esta ideia de indemnização que está em linha com o art. 566º, nº 2, que dispõe “(…) a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.” Esta norma constitui concretização do art. 562º do Código civil “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.[11]

 

No caso em apreço, verifica-se a inexistência de qualquer dano para a receita tributária, na medida em que todas as vendas de gasóleo colorido e marca foram efetuadas a sujeitos passivos com direito à sua aquisição (e registadas no sistema informático subjacente aos cartões eletrónicos atribuídos).

Não houve qualquer dano para a receita fiscal, embora se possa ter verificado, face à Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de Maio, um ilícito, sancionável como contraordenação.

Não tendo ocorrido dano, não se verifica o correspetivo dever indemnizatório.

 

Nesta medida e também com este fundamento, se verifica a inexistência dos pressupostos de que depende a responsabilidade tributária em causa.[12]

21. Relativamente aos 9,81 litros de gasóleo colorido e marcado sem a emissão da correspondente fatura ou documento equivalente em nome do titular do cartão através do qual foi registada, alega a Requerente que tal facto se deveu aos pré-pagamentos dos clientes que após terem abastecido criavam estes pequenos desfasamentos.

 

Relativamente a esta matéria, alegou a Requerida que o n.º 12 da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de Maio, estabelece que “Em caso de erros de digitação ou outras anomalias verificadas na utilização dos terminais POS, devem os mesmos ser imediatamente comunicados, por escrito, preferencialmente por correio eletrónico, à DGADR, a fim de serem efetuadas as respetivas correções” e que as situações detetadas não se enquadram no supra referido, pois não configuram erros de digitação, nem de outras anomalias atinentes à utilização do terminal POS.

 

Acontece que, do art. 93º, nº 5, do CIEC, não resulta a responsabilização em sede de IEC pela falta de emissão de fatura ou documento equivalente mas, como se viu, pela ausência de registo no sistema eletrónico de controlo. Não estando em causa gasóleo colorido e marcado que não tenha sido registado no sistema informático referido no art. 93º, nº 5, do Código, a responsabilidade tributária prevista neste artigo não se verifica.

Assim, sem embargo da possível verificação de consequências jurídica noutra sede, também nesta parte não pode a impugnação deixar de proceder.

 

 

-IV- Decisão

 

 

Assim, decide o Tribunal arbitral:

a)      Julgar improcedentes as exceções dilatórias suscitadas pela Requerida.

b)      Julgar totalmente procedente a impugnação declarando-se a ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários impugnados.

 

 

Valor da ação: 8.201,38 € (oito mil duzentos e um euros e trinta e oito cêntimos), nos termos do disposto no art. art. 306º n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida no valor de 918 € (novecentos e dezoito mil euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 14 de Julho de 2015

 

                O Árbitro

                Marcolino Pisão Pedreiro

 

           

 



[1] A norma de legalidade Procedimental Administrativa, Almedina, Coleção Teses, 2006, pag. 226.

[2] Manual de Direito Constitucional, Coimbra Editora, 6ª edição, 2007, Tomo II, pag. 312.

[3] Escrevem A. Brigas Afonso-M. Teixeira Fernandes em anotação ao artigo 93.º do código dos IEC,que a “nova redacção dada ao n.º 5 vem criar especiais responsabilidades para os proprietários ou responsáveis legais pela exploração de postos de abastecimento, relativamente ao cumprimento das disposições regulamentares previstas para o abastecimento de gasóleo colorido e marcado, ficando directamente responsáveis pelo pagamento da diferença de ISP nos casos em que efectuem abastecimentos sem darem cumprimento às disposições regulamentares que obrigam à utilização obrigatória de cartões electrónicos em todos os abastecimento efectuados. Pretende-se com esta medida evitar situações de abastecimento de gasóleo colorido e marcado por pessoas que legalmente não podiam efectuar esses abastecimentos, através da utilização abusiva dos referidos cartões de microcircuito.”

 

[4] Escrevem António Brigas Afonso-Sérgio Brigas Afonso: “Sendo os IEC impostos monofásicos sobre o consumo, seria lógico que os sujeitos passivos fossem os consumidores, que estariam obrigados a apresentar as declarações tributárias dos consumos efetuados. Porém, a gestão de um imposto com esta estrutura seria praticamente impossível e muito onerosa para o Estado” (Impostos Especiais de Consumo, in lições de Fiscalidade, Cood. João Ricardo Catarino – Vasco Branco Guimarães, 4ª Ed., Vol. I, 2015, pag. 453).

[5] De observar que, em rigor, o registo na melhor das hipótese é feito imediatamente antes do fornecimento ou imediatamente após, nunca “no momento”. É evidente que a expressão “no momento” não pode deixar de ser interpretada “cum grano salis”.

[6] www.tribunal constitucional.pt.

[7] Ainda à face no n.º 7, da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril.

[8] Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 7ª Edição, 1997, pag. 329, negrito nosso.

[9] Ob. Cit. Pag. 208.

[10] Revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património, nos termos do art. 4º, nº 1, da Lei Geral Tributária.

 No caso concreto, é inequívoco que o pressuposto da tributação se verifica no comprador do gasóleo colorido e marcado e não na empresa vendedora do mesmo.

[11] Para além do que fica exposto, entendemos que sempre seria constitucionalmente problemática uma eventual tese que sustente a natureza sancionatória da norma, caso estaria ainda em causa o princípio do ne bis in idem, uma vez que o contribuinte é expressamente sancionado pela norma constante do art. 109º, nº 2, al. p) e nº 6 do RGIT).

Como se escreve no acórdão do Tribunal Arbitral de 20.09.2012, processo n.º 7/2011-T (Relatora: Professora Doutora Ana Paula Dourado), a propósito do regime das despesas não documentadas no CIRC “Pode admitir-se também, com a jurisprudência do Tribunal Constitucional e do STA, que a tributação autónoma tem finalidades sancionatórias (e daí que se afaste das características do imposto). Como resulta do exposto anteriormente, este regime não se assemelha ao italiano, pois este prevê sanções aplicáveis à tentativa de dedução de custos relacionados com atividades ilícitas e dolosas. Mas para estarmos perante uma sanção, a consequência legal resulta da violação de um dever (um ilícito) e deve ter finalidades de repreensão (a sanção). Admitindo que a nossa tributação autónoma é a consequência de uma violação de um dever (o dever de que as despesas estejam documentadas segundo as regras exigidas no CIRC), e tem uma finalidade de repreensão (e não exclusivamente de arrecadação de receita), estaremos também perante uma sanção. Se chegarmos a esta conclusão, levantamos um outro problema complexo, que é o de saber se não resulta da tributação autónoma de despesas não documentadas uma violação do princípio ne bis in idem. Na verdade, o art.º 117.ºdo RGIT já contém uma contraordenação que versa sobre o incumprimento do dever de entrega, exibição ou apresentação de despesas documentadas (ie., falta ou atraso na apresentação ou exibição de documentos ou de declarações)” (negrito nosso). 

[12] O Tribunal Central Administrativo-Sul, em acórdão de 22-09-2009, proferido no processo 02977/09, considerou que:

por conseguinte, cabe à impugnante a prova de que os 58.026,70 litros de diferença apurados foram vendidos a beneficiários de titulares do cartão microcircuito. E, não basta a mera identificação de titulares do cartão micorcircuito, é ainda necessário provar que esses titulares eram efectivamente em 2003 clientes da impugnante e que adquiriram a esta, aquelas quantidades apuradas pela administração tributária que estão em falta, e não outras, que quantidades cada um dos titulares adquiriu, e em que datas.

Como se antevê, tal prova não é fácil de ser feita mediante prova testemunhal, considerando que a própria impugnante admite que não estão registadas nos POS, e, de facto, entendemos que tal ónus probatório não foi cumprido pela impugnante.

 

Com efeito, dos documentos juntos pela impugnante, apenas resulta que esses são titulares de cartão microcircuito. Por outro lado, dos depoimentos das testemunhas não resulta prova suficiente para que a impugnante, cumpra o seu ónus probatório, e por conseguinte, relativamente aos 58.026,70 litros de gasóleo colorido, posa beneficiar da taxa reduzida prevista no art. 74º do CIEC”.