Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 192/2015-T
Data da decisão: 2015-07-23  IUC  
Valor do pedido: € 12.426,62
Tema: IUC – incidência subjetiva
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 192/2015-T

 

 

            I – Relatório

 

            1.1. ... -, S.A., pessoa colectiva n.º ..., com sede …, Lisboa (doravante designada por «requerente»), tendo sido notificada de “várias notas de liquidação de Imposto Único de Circulação («IUC») sobre veículos relacionados com a actividade supra mencionada, das quais reclamou graciosamente, tendo o processo corrido os seus termos sob o número ...”, e cuja identificação remete para Tabela Anexa, apresentou, em 17/3/2015, pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a “anulação das liquidações de IUC identificadas na Tabela Anexa, por violação do disposto no art. 3.º do Código do IUC, quanto aos pressupostos de incidência subjectiva de imposto, e o consequente reembolso do montante de 12.426,62 Euros, correspondente a 11.309,80 Euros de imposto pago indevidamente e 1.116,82 Euros de juros compensatórios indevidos, bem como o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do referido montante, nos termos do artigo 43.º da LGT.”

 

            1.2. Em 8/6/2015 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

            1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta. A AT apresentou a sua resposta a 14/7/2015, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido da requerente.

 

            1.4. Por despacho de 17/7/2015, o Tribunal considerou, nos termos do art. 16.º, als. c) e e), do RJAT, ser dispensável a reunião do art. 18.º do RJAT e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 23/7/2015 para a prolação da decisão arbitral.

 

            1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

 

            II – Fundamentação: A Matéria de Facto

 

2.1. Vem a ora requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “discorda de todos os actos de liquidação objecto do presente requerimento [...], por não se preencherem os pressupostos subjectivos de incidência do imposto”; b) “não é o sujeito passivo de IUC relativo às matrículas em questão em nenhum dos anos sobre os quais incidiram as liquidações oficiosas agora objecto de pedido de pronúncia arbitral”; c) “em todos os casos abrangidos pelo presente pedido de pronúncia arbitral, o imposto liquidado respeita a veículos já vendidos pela Requerente, a veículos cujo contrato de leasing estava ainda vigente ou imposto que já tinha sido previamente pago”; d) “as primeiras 60 situações identificadas na tabela em anexo partilham a causa de pedir que se constitui no facto de o veículo associado à liquidação ter sido vendido pela Requerente anteriormente à data de vencimento do IUC”; e) “nos termos [do artigo 6.º, n.º 3, do CIUC], resulta que, na data de vencimento do imposto, a Requerente já não era proprietária dos veículos em questão, pelo que o sujeito passivo deverá ser o novo proprietário de cada veículo, ou outro detentor equiparável nos termos do art. 3.º, n.º 2, do Código do IUC”; f) “à luz do artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC, [...] [conclui-se que os] veículos em causa foram vendidos pela Requerente previamente à verificação do facto gerador e consequente exigibilidade do imposto pelo que deve incidir sobre os novos proprietários dos veículos”; g) “as 7 situações seguintes identificadas na tabela em anexo partilham a causa de pedir que se constitui no facto de o veículo associado à liquidação não estar na disposição da Requerente à data de vencimento do IUC [encontrando-se] cedidas em locação financeira a clientes da Requerente”; h) “à data de vencimento do IUC [...] a Requerente viu-se obrigada a pôr termo às relações contratuais de locação financeira, as quais foram resolvidas antecipadamente (face ao tempo contratualmente previsto) sem que, contudo, os locatários tenham procedido à restituição dos bens ao locador a que estavam obrigados”; i) “a Requerente recorreu ao expediente previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho [...], o qual pressupõe o cancelamento prévio do registo da locação financeira”; j) “nos casos em apreço, assiste-se à situação de o locatário manter na sua esfera todas as prerrogativas a que o habilitava a relação contratual de locação financeira, não obstante o registo do leasing ter sido cancelado [pelo que] entende [...] a Requerente que deve ser imputado aos detentores dos veículos/locatários [...] o imposto a liquidar”; l) “as 65 situações seguintes identificadas na tabela em anexo reconduzem-se à mesma causa de pedir, i.e., o facto de o veículo associado à liquidação ter sido objecto de um contrato de leasing que se encontrava em vigor à data em que se gerou o facto tributável e a correspondente exigibilidade”; m) “da aplicação conjugada [do n.º 1 e 2 do art. 3.º do CIUC] resulta [...] que o IUC se vence numa base anual, sendo que, embora por norma o respectivo sujeito passivo seja o proprietário, caso o veículo tenha sido objecto de leasing, o sujeito passivo deverá ser o locatário financeiro”; n) “tendo em conta a factualidade apresentada, bem como o conteúdo normativo dos referidos preceitos do Código do IUC, cumpre concluir que, estando em curso nas situações assinaladas um contrato de locação financeira durante o período de tributação do veículo e, em particular, no momento em que se despoletaram os factos geradores do imposto, o sujeito passivo de imposto era exclusivamente o locatário financeiro, e não a Requerente”; o) “a penúltima situação identificada na tabela em anexo refere-se a veículo que não estava em nome da Requerente no registo automóvel à data de vencimento do IUC”; p) “nunca a propriedade do veículo em questão [...] esteve registada em nome da Requerente, pelo que, em caso algum, se lhe poderá imputar a sujeição do IUC relativo ao mesmo veículo”; q) “resulta claro que na data de vencimento do imposto, a Requerente não era a proprietária do veículo, pelo que o sujeito passivo deverá ser o respectivo proprietário, para os efeitos do art. 3.º, n.º 1, do Código do IUC”; r) “a última situação identificada na tabela em anexo diz respeito à causa de pedir constituída com base na existência de duplicação de colecta, pelo que a liquidação referente ao veículo em apreço é manifestamente inválida, na medida em que o imposto em causa, à data da liquidação, já havia sido objecto de liquidação e pagamento pela Requerente no passado”; s) “verificado o facto extintivo da obrigação tributária, a liquidação operada pela Administração Tributária deveria ter sido considerada inexistente e, como tal, insusceptível de produzir qualquer efeito jurídico-tributário sobre a Requerente”.

 

            2.2. Conclui a requerente que: a) “as liquidações ora objecto de pedido de pronúncia arbitral não lhe devem ser imputadas, sendo, como tal, ilegais”; b) deve ser declarado procedente “o pedido de anulação das liquidações de IUC identificadas na Tabela Anexa, por violação do disposto no art. 3.º do Código do IUC, quanto aos pressupostos de incidência subjectiva de imposto, e o consequente reembolso do montante de 12.426,62 Euros, correspondente a 11.309,80 Euros de imposto pago indevidamente e 1.116,82 Euros de juros compensatórios indevidos, bem como o pagamento de juros indemnizatórios pela privação do referido montante, nos termos do artigo 43.º da LGT.”

  

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação: a) como primeira questão prévia, que “balizando o pedido formulado, [...] a Requerente [...] não [fez] qualquer prova da eventual data em que teria sido notificada do indeferimento da reclamação graciosa, pelo que a AT questiona o cumprimento do prazo legalmente fixado para o pedido de constituição do tribunal arbitral”; b) como segunda questão prévia, que “muitos documentos juntos pela Requerente suscitam as maiores perplexidades e outros encontram-se [...] em falta [e que,] após a dedução do pedido de pronúncia arbitral ficou precludida, por banda da Requerente, a apresentação ulterior de prova documental”; c) “como questão prévia 3, [...] que a Requerente apenas juntou prova da realização de um único pagamento de imposto, no caso, o IUC de 2010 da viatura com a matrícula ..., na importância de €131,90, e mesmo quanto a esta liquidação, encontra-se em falta o pagamento de juros compensatórios no valor de €15,42”; d) “finalmente e como questão prévia 4, o pedido formulado não se encontra sequer devidamente identificado, o que leva desde já a concluir pela evidente e manifesta ineptidão da petição inicial [por haver dúvida sobre] o verdadeiro âmbito e objecto do presente processo arbitral”; e) que “o entendimento propugnado pela Requerente incorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre, ainda, de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço e, bem assim, em todo o CIUC”; f) que, “em matéria de locação financeira e para efeitos da ilisão do artigo 3.º do CIUC, forçoso é que os locadores financeiros (como a Requerente) cumpram a obrigação ínsita no artigo 19.º daquele código para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto. Ora, nenhuma prova fez a Requerente quanto ao cumprimento desta obrigação no que respeita aos veículos automóveis ora em análise”; g) que “as facturas não constituem contratos de compra e venda” e que “a Requerente não juntou prova documental do recebimento do preço e devia tê-lo feito [...] no requerimento do pedido de pronúncia arbitral”; h) que, “no que tange ao valor ou força probatória das facturas corporizadas nos documentos (facturas) levantam-se dúvidas face às discrepâncias evidenciadas [porque] as facturas juntas pela Requerente no processo de reclamação graciosa apresentam no seu descritivo menções distintas [pelo que se mostram] desconformes [e, assim,] é forçoso concluir que tais documentos jamais podem beneficiar da presunção de verdade a que alude o artigo 75.º da LGT”; i) que, “[quanto às liquidações referentes a contratos de locação financeira], as cópias dos contratos juntos pela Requerente suscitam as maiores dúvidas e perplexidades [porque] não são acompanhados de qualquer documento que prove a realização de qualquer pagamento, [porque] não existe qualquer documento que prove a vigência dos contratos às datas das exigibilidades do imposto”; j) que, “[quanto aos veículos que alegadamente não estavam à disposição da Requerente e em que] considera a Requerente que [...] os locatários não tinham procedido à restituição dos veículos [...], a Requerente não faz qualquer prova do que alega visando contrariar o registo da propriedade dos veículos em seu nome [pelo que] é também evidente a falta de fundamento da pretensão da Requerente no que se refere à pretensa ilegalidade das liquidações de IUC nestas 7 situações”; l) que, “relativamente a uma das viaturas, com a matrícula ..., não [foi] junto qualquer documento, v.g., o eventual contrato de leasing que se alega existir”; m) que, “relativamente [ao veículo que, alegadamente, nunca foi propriedade da requerente], a Requerente não apresenta um único documento no sentido de contrariar o registo da propriedade do veículo em seu próprio nome”; n) que “[quanto à alegada situação de duplicação de colecta, a requerente] não prova a duplicação do pagamento do IUC relativamente à mesma liquidação, reportada ao mesmo período de tempo e mesmo veículo [pelo que] a sua pretensão é manifestamente infundada”; o) que “a interpretação veiculada pela Requerente [é] contrária à Constituição”; p) que “a transmissão da propriedade de veículos automóveis não é susceptível de ser controlada pela Requerida [ou] dito de outra forma, o IUC não é liquidado de acordo com informação gerada pela própria Requerida”; q) que “não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios”.

 

2.4. Conclui, por fim, a AT que “deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado no sentido de absolver a AT da instância, por ineptidão da petição inicial, ou, se assim não se entender, julgar o mesmo intempestivo ou, se outro for o entendimento, ser julgado improcedente por manifesta falta de prova da não propriedade dos veículos nas datas de exigibilidade do IUC, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.”

 

*

 

            2.5. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) A requerente é uma instituição financeira de crédito que prossegue a sua actividade no ramo do financiamento automóvel, designadamente sob a modalidade de concessão de empréstimos para a aquisição dos veículos ou celebração de contratos de locação financeira.

 

            ii) Na sua p.i., a requerente afirma que “recebeu várias notas de liquidação de [IUC] sobre veículos relacionados com a [sua] actividade [...], das quais reclamou graciosamente, tendo o processo corrido os seus termos sob o número ...” (v. ponto 2.º da p.i.), e diz, ainda, que “o presente requerimento versa sobre os actos de liquidação relativos a várias viaturas”. Não identifica, em detalhe, os concretos actos de liquidação em causa nestes autos, antes refere que, “por razões de facilidade de exposição, fruto da vasta quantidade de situações em apreço, [remete] para a Tabela Anexa [a identificação de] cada acto de liquidação (pelo número da nota de liquidação), o ano a que o mesmo se reporta, a matrícula da viatura bem como o montante de imposto associado a cada acto” (v. ponto 6.º).

 

            iii) Através do processo administrativo (PA), foi possível a identificação comprovada dos actos tributários em causa – com efeito, todas as liquidações indicadas na tabela anexa à p.i. foram objecto da mencionada reclamação graciosa (ainda que nem todas as aí decididas constem da referida tabela). A reclamação foi parcialmente deferida (3 liquidações anuladas relativas às seguintes viaturas e períodos: ...de 2011; ...de 2012; e … de 2012) por despacho de 11/12/2014 (v. PA apenso, RG 1).

            iv) Assim sendo, as liquidações de IUC em causa (132), no valor total de €12.426,62, dizem respeito às seguintes viaturas e períodos: … (Ano 2009); … (2010… (2010); … (2011); v (2010); … (2009); … (2012). Os valores das respectivas liquidações constam da tabela anexa à p.i. (para a qual aqui se remete), estão confirmados pelo PA apenso e foram pagos pela requerente. Quanto ao penúltimo veículo, a requerente alega que o veículo “nunca fez parte de um contrato nosso” e, quanto ao último veículo, a requerente alega que o “IUC já [foi] pago”.

 

            v) Nenhuma das (7) situações que a requerente identificou na sua tabela anexa como partilhando “a causa de pedir que se constitui no facto de o veículo associado à liquidação não estar na disposição da Requerente à data de vencimento do IUC” se encontra no âmbito das situações que foram objecto da reclamação graciosa para a qual a própria requerente remete.

 

            vi) Quanto às (88) situações indicadas no ponto iv) (não sublinhadas), constata-se que os referidos veículos foram objecto de venda a terceiros, não sendo, portanto, propriedade da ora requerente, como se pode observar pelas cópias de facturas que constam do PA apenso aos autos (v. RG2 a RG14).

 

            vii) Quanto às (44) situações que estão sublinhadas no referido ponto iv), verifica-se a existência dos contratos de locação alegados, confirmando-se, para todas estas situações, a vigência desses contratos à data em que se gerou o facto tributável e a respectiva exigibilidade (ver as colunas relativas às datas de vigência das locações financeiras, no quadro elaborado pela AT e que foi anexo à informação em que se propôs o deferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...). O mesmo se aplica, portanto, também à viatura de matrícula ..., que foi objecto de contestação específica por parte da AT.

            2.6. Consideram-se não provados, por falta de documento comprovativo: a alegação de que o veículo com a matrícula ...nunca foi propriedade da requerente; e o pagamento, em duplicado, da liquidação de IUC de 2011, relativa à matrícula ....

 

III – Questões Prévias

 

            Alega a AT, na sua resposta, 4 questões prévias: a) como primeira questão prévia, o facto da “Requerente [...] não [ter feito] qualquer prova da eventual data em que teria sido notificada do indeferimento da reclamação graciosa, pelo que a AT questiona o cumprimento do prazo legalmente fixado para o pedido de constituição do tribunal arbitral”; b) como segunda questão prévia, o facto de “muitos documentos juntos pela Requerente suscita[rem] as maiores perplexidades e outros encontram-se [...] em falta [e que,] após a dedução do pedido de pronúncia arbitral ficou precludida, por banda da Requerente, a apresentação ulterior de prova documental”; c) “como questão prévia 3, [...] [o facto de] que a Requerente apenas juntou prova da realização de um único pagamento de imposto, no caso, o IUC de 2010 da viatura com a matrícula ..., na importância de €131,90, e mesmo quanto a esta liquidação, encontra-se em falta o pagamento de juros compensatórios no valor de €15,42”; d) “finalmente e como questão prévia 4, o pedido formulado não se encontra sequer devidamente identificado, o que leva desde já a concluir pela evidente e manifesta ineptidão da petição inicial [por haver dúvida sobre] o verdadeiro âmbito e objecto do presente processo arbitral”.

 

Resumidamente:

 

a) Cabe notar que a petição inicial foi apresentada em 17/3/2015 e que não consta dos autos qualquer documento que permita sustentar a dúvida colocada pela AT quanto ao prazo para o pedido de constituição do tribunal arbitral. Com efeito, sabe-se que o Ofício ... tem a data de 11/12/2014 mas a AT não apresentou documento que permita afirmar que o referido prazo foi ultrapassado. Pelo exposto, verificando-se que a AT não apresentou elementos tendo em vista alicerçar a sua dúvida, tem-se por cumprido o mencionado prazo.

 

b) Cabe assinalar que o facto de existirem “muitos documentos juntos pela Requerente [que] suscitam as maiores perplexidades e outros [que se] encontram [...] em falta [e que,] após a dedução do pedido de pronúncia arbitral ficou precludida, por banda da Requerente, a apresentação ulterior de prova documental” não releva para efeitos de apreciação preliminar do pedido da ora requerente, dado que tais documentos (e alegada inconsistência dos mesmos) devem ser (e serão) apreciados para efeitos de produção da decisão de mérito.

 

c) Afirma a AT que a ora “Requerente apenas juntou prova da realização de um único pagamento de imposto”. Note-se, no entanto, que, ainda que a requerente afirme que procedeu ao pagamento de “todas as importâncias liquidadas pela Autoridade Tributária referentes aos actos agora em causa” sem ter juntado todos os elementos demonstrativos desse pagamento, a sua afirmação é suportada pela leitura do PA apenso, nomeadamente quando se verifica que o despacho do Chefe do SF, face ao deferimento parcial da reclamação, determinou a restituição de importâncias relativas às viaturas e liquidações que foram identificadas com o código 3. 

 

d) Embora a requerente tenha deduzido reclamação graciosa contra menos liquidações de IUC do que aquelas que constam da tabela anexa ao seu pedido de pronúncia arbitral, não se gera dúvida na delimitação do objecto, dado que, estando o pedido da requerente vinculado – como a própria afirma na p.i. (v. pontos 6.º e 7.º) –, às liquidações indicadas na sua tabela anexa, e conhecendo-se o conjunto de liquidações objecto do processo de reclamação graciosa n.º ..., tal possibilita (sem se incorrer em excesso ou omissão de pronúncia), e ao contrário do que foi alegado pela AT, a identificação das liquidações de que se queixa a requerente.

 

Assim, pelas razões expostas, serão apenas consideradas as liquidações que, constando da tabela anexa à p.i., tenham sido objecto da reclamação graciosa n.º ....

 

Nestes termos, serão aqui analisadas as seguintes liquidações (132), no valor total de €12.426,62, que respeitam às viaturas e períodos: ... (Ano 2009); ... (2010); 66-58-ZF (2010); ... (2011); ... (2012);.

 

(As matrículas que estão sublinhadas dizem respeito a liquidações em que a requerente alega “o facto de o veículo associado à liquidação ter sido objecto de um contrato de leasing que se encontrava em vigor à data em que se gerou o facto tributário e a correspondente exigibilidade”; para todos os restantes casos – à excepção dos dois últimos –, a ora requerente alega que “o veículo associado à liquidação [foi] vendido pela Requerente anteriormente à data de vencimento do IUC”. A penúltima matrícula diz respeito a situação em que a ora requerente alega que o veículo não estava inscrito em seu nome no registo automóvel à data de vencimento do IUC. Quanto à última matrícula, a requerente alega ter havido “duplicação de colecta”.)

 

Em face do acima exposto, constando todas as situações identificadas pela requerente (na tabela anexa à sua p.i.) do conjunto das situações objecto da reclamação graciosa (para a qual a mesma remeteu), conclui-se que não ocorre a alegada ineptidão da p.i. e que o valor da causa se mantém.

e) Uma nota extra para assinalar que nenhuma das (7) situações que a ora requerente identificou na sua tabela anexa como partilhando “a causa de pedir que se constitui no facto de o veículo associado à liquidação não estar na disposição da Requerente à data de vencimento do IUC” se encontra no âmbito das situações que foram objecto da reclamação graciosa n.º ... (e para a qual a requerente remete) – pelo que as alegações da requerente e da AT relativas a estas 7 situações não serão aqui objecto de apreciação.

           

IV – Fundamentação: A Matéria de Direito

 

            No presente caso, são seis as questões de direito controvertidas: 1) saber se o art. 3.º do CIUC contém uma presunção e se a ilisão da mesma foi feita; 2) saber se, como alega a AT, a interpretação da ora requerente não atende aos elementos sistemático e teleológico de interpretação da lei; 3) saber se, como também alega a AT, em matéria de locação financeira e para efeitos da ilisão do artigo 3.º do CIUC, forçoso é que os locadores financeiros (como a requerente) cumpram a obrigação ínsita no artigo 19.º daquele Código para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto; 4) saber se, como também alega a AT, “a interpretação veiculada pela Requerente [...] mostra-se contrária à Constituição”; 5) saber se, quanto à liquidação de IUC de 2010 (n.º 2010-...; €230,47), referente à matrícula ..., se trata de acto relativo “a veículo que nunca foi propriedade da Requerente”; 6) saber se, quanto à liquidação de IUC de 2011 (n.º 2011-...; €32,92), referente à matrícula ..., ocorre a duplicação de colecta que foi alegada pela requerente; 7) saber se são devidos juros indemnizatórios à requerente. 

 

            Vejamos, então.

 

            1) e 2) As duas primeiras questões de direito confluem na direcção da interpretação do art. 3.º do CIUC, pelo que se mostra necessário: A) saber se a norma de incidência subjectiva, constante do referido art. 3.º, estabelece ou não uma presunção; B) saber se, ao considerar-se que essa norma estabelece uma presunção, tal viola a “unidade do regime”, ou desconsidera o elemento sistemático e o elemento teleológico; C) saber – admitindo que a presunção existe (e que a mesma é iuris tantum) – se foi feita a ilisão da mesma.  

 

            A) O art. 3.º, n.os 1 e 2, do CIUC, tem a seguinte redacção, que aqui se reproduz:

 

            “Artigo 3.º – Incidência Subjectiva

 

1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.

             

            A interpretação do texto legal citado é, naturalmente, imprescindível para a resolução do caso em análise. Nessa medida, afigura-se necessário recorrer ao art. 11.º, n.º 1, da LGT, e, por remissão deste, ao art. 9.º do Código Civil (CC).

 

            Ora, nos termos do referido art. 9.º do CC, a interpretação parte da letra da lei e visa, através dela, reconstituir o “pensamento legislativo”. O mesmo é dizer (independentemente da querela objectivismo-subjectivismo) que a análise literal é a base da tarefa interpretativa e os elementos sistemático, histórico ou teleológico são guias de orientação da referida tarefa.

            A apreensão literal do texto legal em causa não gera - ainda que seja muito discutível a separação desta relativamente ao apuramento, mesmo que mínimo, do respectivo sentido - a noção de que a expressão “considerando-se como tais” significa algo diverso de “presumindo-se como tais”. De facto, muito dificilmente encontraríamos autores que, numa tarefa de pré-compreensão do referido texto legal, repelissem, “instintivamente”, a identidade entre as duas expressões.

 

            Confirmando a indistinção (tanto literal como de sentido) das palavras “considerando” e “presumindo” (presunção), vejam-se, por ex., os seguintes artigos do Código Civil: 314.º, 369.º, n.º 2, 374.º, n.º 1, 376.º, n.º 2, e 1629.º. E, com especial interesse, o caso da expressão “considera-se”, constante do art. 21.º, n.º 2, do CIRC. Como assinalam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, a respeito desse artigo do CIRC: “para além de esta norma evidenciar que o que está em causa em sede de tributação de mais valias é apurar o valor real (o de mercado), a limitação ao apuramento do valor real derivada das regras de determinação do valor tributável previstas no CIS não poder deixar de ser considerada como uma presunção em matéria de incidência, cuja ilisão é permitida pelo artigo 73.º da LGT” (Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª ed., 2012, pp. 651-2).

 

            B) Estes são apenas alguns exemplos que permitem concluir que é precisamente por razões relacionadas com a “unidade do sistema jurídico” (o elemento sistemático) que não se poderá afirmar que só quando se usa o verbo “presumir” é que se está perante uma presunção, dado que o uso de outros termos ou expressões (literalmente similares) também podem servir de base a presunções. E, de entre estas, as expressões “considera-se como” ou “considerando-se como” assumem, como se viu, destaque.

 

            Se a análise literal é apenas a base da tarefa, afigura-se, naturalmente, imprescindível a avaliação do texto à luz dos demais elementos (ou subelementos do denominado elemento lógico). Com efeito, a AT alega, também, que a interpretação da requerente não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal, e que à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o CIUC, a interpretação propugnada pela ora requerente é errada.

 

            Justifica-se, portanto, averiguar se a interpretação que considere a existência de uma presunção no art. 3.º do CIUC colide com o elemento teleológico, i.e., com as finalidades (ou com a relevância sociológica) do que se pretendia com a regra em causa. Ora, tais finalidades estão claramente identificadas no início do CIUC: “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária” (vd. art. 1.º do CIUC).

 

            O que se pode inferir deste artigo 1.º? Pode inferir-se que a estreita ligação do IUC ao princípio da equivalência (ou princípio do benefício) não permite a associação exclusiva dos “contribuintes” aí referidos à figura dos proprietários mas antes à figura dos utilizadores (ou dos proprietários económicos). Como bem se assinalou na DA proferida no proc. n.º 73/2013-T: “na verdade, a ratio legis do imposto [IUC] antes aponta no sentido de serem tributados os utilizadores dos veículos, o «proprietário económico» no dizer de Diogo Leite de Campos, os efectivos proprietários ou os locatários financeiros, pois são estes que têm o potencial poluidor causador dos custos ambientais à comunidade.”

 

            Com efeito, se a referida ratio legis fosse outra, como compreender, p. ex., a obrigação (por parte das entidades que procedam à locação de veículos) - e para efeitos do disposto no art. 3.º do CIUC e no art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 22-A/2007, de 29/6 - de fornecimento à DGI dos dados respeitantes à identificação fiscal dos utilizadores dos referidos veículos (vd. art. 19.º)? Será que onde se lê “utilizadores”, devia antes ler-se, desconsiderando o elemento sistemático, “proprietários com registo em seu nome”...?

 

            C) Do exposto retira-se a conclusão de que limitar os sujeitos passivos deste imposto apenas aos proprietários dos veículos em nome dos quais os mesmos se encontrem registados - ignorando as situações em que estes já não coincidam com os reais proprietários ou os reais utilizadores dos mesmos -, constitui restrição que, à luz dos fins do IUC, não encontra base de sustentação. E, ainda que se alegue a intenção do legislador foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários aqueles que, como tal, constem do registo automóvel, é necessário ter presente que tal registo, em face do que foi dito anteriormente, gera apenas uma presunção ilidível, i.e., uma presunção que pode ser afastada pela apresentação de prova em contrário. Neste sentido, vd., p. ex., o Acórdão do TCAS de 19/3/2015, processo 8300/14: “O [...] art. 3.º, n.º 1, do CIUC, consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível”.

 

            Seria, aliás, injustificada a imposição de uma espécie de presunção inilidível, uma vez que, sem uma razão aparente, estar-se-ia a impor uma (reconhecidamente discutível) verdade formal em detrimento do que realmente podia e teria ficado provado; e, por outro lado, a afastar o dever da AT de cumprimento do princípio do inquisitório estabelecido no art. 58.º da LGT, i.e., o dever de realização das diligências necessárias para uma correcta determinação da realidade factual sobre a qual deve assentar a sua decisão (o que significa, no presente caso, a determinação do proprietário actual e efectivo do veículo).

 

            Acresce que, se não se permitisse ao vendedor a ilisão da presunção constante do art. 3.º do CIUC, estar-se-ia a beneficiar, sem uma razão plausível, os adquirentes que, na posse de formulários de contratos de aquisição correctamente preenchidos e assinados, e usufruindo das vantagens associadas à sua condição de proprietários, se tentassem eximir, por via de um “formalismo registral”, ao pagamento de portagens ou coimas.

 

            A este propósito, convém notar, também, que o registo de veículos não tem eficácia constitutiva, funcionando, como antes se disse, como uma presunção ilidível de que o detentor do registo é, efectivamente, o proprietário do veículo. Neste sentido, vd., v.g., o Ac. do STJ de 19/2/2004, proc. 03B4639: “O registo não surte eficácia constitutiva, pois que se destina a dar publicidade ao acto registado, funcionando (apenas) como mera presunção, ilidível, (presunção «juris tantum») da existência do direito (art.s 1.º, n.º 1 e 7.º, do CRP84 e 350.º, n.º 2, do C.Civil) bem como da respectiva titularidade, tudo nos termos dele constantes.”

 

            No mesmo sentido, referiu, a este respeito, a DA proferida no proc. n.º 14/2013-T, em termos que aqui se acompanham: “a função essencial do registo automóvel é dar publicidade à situação jurídica dos veículos não surtindo o registo eficácia constitutiva, funcionando (apenas) como mera presunção ilidível da existência do direito, bem como da respectiva titularidade, tudo nos termos dele constante. A presunção de que o direito registado pertence à pessoa em cujo nome está inscrito pode ser ilidida por prova em contrário. Não preenchendo a AT os requisitos da noção de terceiro para efeitos de registo [circunstância que poderia impedir a eficácia plena dos contratos de compra e venda celebrados], não pode prevalecer-se da ausência de actualização do registo do direito de propriedade para pôr em causa a eficácia plena do contrato de compra e venda e para exigir ao vendedor (anterior proprietário) o pagamento do IUC devido pelo comprador (novo proprietário) desde que a presunção da respectiva titularidade seja ilidida através de prova bastante da venda.”

 

            Ora, no caso aqui em análise, verifica-se que a ilisão da presunção (por meio de “prova bastante” das vendas) foi realizada. Com efeito, apesar do que a AT alega nos pontos 106.º a 137.º da sua resposta, o Tribunal não vê razão para questionar as facturas apresentadas pela requerente, dado que se considera que as mesmas são claramente demonstrativas de que esta não era, à data do imposto, a proprietária dos veículos. Note-se, também, que a AT, apesar de levantar dúvidas em algumas das facturas (pontos 125.º a 129.º), não as impugnou, invocando, nomeadamente, a respectiva falsidade ou a simulação das vendas.

 

            Conclui-se, portanto – e como se referiu na matéria de facto provada [v. ponto vi)] –, que, em momento anterior ao ano e mês da tributação do imposto, as viaturas em causa foram objecto de venda a terceiros, não sendo, assim, propriedade da ora requerente, como se pode observar pelas cópias de facturas que constam do PA apenso (v. RG2 a RG14).

 

            Ainda a este respeito, justifica-se notar que, como bem salientou a DA proferida no proc. n.º 27/2013-T, de 10/9/2013, “os documentos apresentados, particularmente as cópias das facturas que suportam, desde logo, as vendas [...] [dos] veículos atrás referenciados, [...] corporizam meios de prova com força bastante e adequados para ilidir a presunção fundada no registo, tal como consagrada no n.º 1 do art. 3.º do CIUC, documentos, esses, que gozam, aliás, da presunção de veracidade prevista no n.º 1 do art. 75.º da LGT.”

 

            Por último, note-se que, como bem afirma a DA proferida no proc. n.º 230/2014-T, de 22/7/2014, “os elementos documentais, constituídos por cópias das respectivas facturas de venda – que não foram impugnados pela AT –, gozam da força probatória prevista no artigo 376.º, do Código Civil e da  presunção de veracidade que é conferida pelo art. 75.º, n.º 1, da LGT, tendo, assim, idoneidade e força bastante para ilidir a presunção que suportou as liquidações efetuadas. Estas operações de transmissão de propriedade são oponíveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, porquanto, embora os factos sujeitos a registo só produzam efeitos em relação a terceiros quando registados, face ao disposto no art. 5.º, n.º 1, do Código do Registo Predial [aplicável por remissão do Código do Registo Automóvel], a Autoridade Tributária não é terceiro para efeitos de registo, uma vez que não se encontra na situação prevista no n.º 2 do referido art. 5.º do Código do Registo Predial, aplicável por força do Código do Registo Automóvel, ou seja: não adquiriu de um autor comum direitos incompatíveis entre si. Quanto à prova de venda de veículos, ela pode ser feita por qualquer meio, uma vez que a Lei não exige forma específica, designadamente, escrita.”

 

            3) Alega, também, a requerida que, em matéria de locação financeira e para efeitos da ilisão do artigo 3.º do CIUC, forçoso é que os locadores financeiros (como a requerente) cumpram a obrigação ínsita no artigo 19.º daquele Código para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto.

 

            Não procede esta conclusão da AT, dado que, como bem se referiu na DA proferida no proc. n.º 14/2013-T, de 15/10/2013, “o locatário financeiro é equiparado a proprietário para efeitos do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, o mesmo é dizer para ser sujeito passivo do IUC (Cfr. n.º 2 do art. 3.º). [...] não dispondo o locador, por imposição legal e contratual, do potencial de utilização do veículo e tendo o locatário o gozo exclusivo do automóvel, [e reafirmando-se] a conclusão a que já tínhamos chegado de que [...] manda a ratio legis do CIUC que, nos termos do referido n.º 2 do artigo 3.º deste Código, seja o locatário o responsável pelo pagamento do imposto, uma vez que é ele que tem o potencial de utilização do veículo e provoca os custos viários e ambientais a ele inerentes. À mesma conclusão se chega quando se verifica a importância dada aos utilizadores dos veículos locados no artigo 19.º do CIUC. Com efeito, nos termos do disposto neste artigo, as entidades que procedam, designadamente, à locação financeira de veículos ficam obrigadas a fornecer à AT (ex-DGCI), a identidade fiscal dos utilizadores dos veículos locados para efeitos do disposto no artigo 3.º do CIUC (incidência subjectiva), bem como do n.º 1 do artigo 3.º da Lei da respectiva aprovação, uma vez que nos termos desta norma da Lei n.º 22-A/2007, se a receita gerada pelo IUC for incidente sobre veículos objecto de aluguer de longa duração ou de locação operacional, deve ser afecta ao município de residência do respectivo utilizador (sublinhados nossos). [...] [Mas, apesar dessa obrigação, tal não impede que,] na data da ocorrência do facto gerador do imposto, vigor[e] um contrato de locação financeira que tem por objecto um automóvel, para efeitos do disposto no artigo 3.º, nºs. 1 e 2, do CIUC, [sendo que o] sujeito passivo do IUC é o locatário mesmo que o registo do direito de propriedade do veículo se encontre feito em nome da entidade locadora, desde que esta faça prova da existência do referido contrato.” (Itálicos nossos).

 

            Pelo exposto, improcede a alegação da AT relativa ao art. 19.º do CIUC, dado que a mesma visa sobrepor uma obrigação de cariz formal a uma realidade substancial claramente demonstrativa da condição da requerente como entidade locadora nos contratos subjacentes.

 

            No entanto, a requerida alega, ainda, que a ora requerente “não fez qualquer prova da existência dos alegados contratos de leasing nas datas de verificação dos factos tributários” e que “não existe qualquer prova de que qualquer dos contratos tenha tido a duração nos mesmos inicialmente prevista”.

 

            Contudo, e como se disse no ponto vii) dos factos provados, verifica-se a existência dos contratos de locação alegados pela requerente, confirmando-se, para todas estas situações, a vigência dos contratos à data em que se gerou o facto tributável e a respectiva exigibilidade, como se pode observar pelo PA apenso aos autos – v. a tabela constante do RG 1, na qual a AT identifica, em todas as situações em causa, a vigência desses contratos à data em que se gerou o facto tributável e a respectiva exigibilidade (ver as colunas relativas às datas de vigência das locações financeiras, no quadro elaborado pela AT e que foi anexo à informação em que se propôs o deferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...). Quanto aos casos em que a AT não vislumbra data de término do contrato (v. ponto 145.º da sua resposta), caberia à própria AT apresentar elementos que permitissem duvidar da vigência dos contratos à data de verificação dos factos tributários; por último, quanto à alegação do ponto 146.º da resposta da AT, nada há a dizer, uma vez que a liquidação relativa à viatura com a matrícula ...não faz parte dos actos objecto do presente processo – v. ponto iv) dos factos provados.

 

            Conclui-se, portanto, que também são improcedentes estas alegações da requerida.

 

            4) Em face do supra exposto [v. 1) e 2)], conclui-se não existir interpretação “contrária à Constituição”, ao contrário do que alegou a requerida (v. pontos 164.º a 172.º da resposta).

 

            5) e 6) Quanto ao veículo que, alegadamente, nunca foi propriedade da ora requerente, concorda-se – porque os autos assim o confirmam – com o que diz a AT na sua resposta. Com efeito, “a Requerente não apresenta um único documento no sentido de contrariar o registo da propriedade do veículo [em causa, com matrícula ...] em seu próprio nome”, não tendo suscitado qualquer dúvida a este respeito em sede de reclamação graciosa. O mesmo se passa relativamente à situação de alegada duplicação de colecta (veículo com matrícula ...). Também nesta situação, a requerente não fez prova do pagamento em duplicado – prova que só a ela cabia –, não tendo, por outro lado, sido juntos aos presentes autos documentos que permitissem confirmar esta específica alegação da requerente.

 

            7) Uma nota final para apreciar, ao abrigo do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da requerente (art. 43.º da LGT e 61.º do CPPT).

 

            A este respeito, lembrou a DA proferida no processo n.º 26/2013-T, de 19/7/2013 (que tratou de situação semelhante à ora em apreciação): “O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT. [...] ainda que se reconheça não ser devido o imposto pago pela requerente, por não ser o sujeito passivo da obrigação tributária, determinando, em consequência, o respectivo reembolso, não se lobriga que, na sua origem, se encontre o erro imputável aos serviços, que determina tal direito [a juros indemnizatórios] a favor do contribuinte. Com efeito, ao promover a liquidação oficiosa do IUC considerando a requerente como sujeito passivo deste imposto, a AT limitou-se a dar cumprimento à norma do n.º 1 do art. 3.º do CIUC, que, como acima abundantemente se referiu, imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.”

           

Considerando esta justificação – com a qual se concorda inteiramente –, conclui-se, também quanto ao presente caso, pela improcedência do mencionado pedido de pagamento de juros indemnizatórios.  

 

***

 

            V – Decisão

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações impugnadas, com a consequente anulação dos citados actos de liquidação (excepto os actos de liquidação de IUC n.os 2010-... e 2011-...) e o respectivo reembolso das importâncias indevidamente pagas.

            - Julgar improcedente o pedido na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.

 

 

Fixa-se o valor do processo em €12.426,62 (doze mil quatrocentos e vinte seis euros e sessenta e dois cêntimos), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerida, no montante de €918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 23 de Julho de 2015.

 

 

O Árbitro

 

 

 

(Miguel Patrício)

 

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.