Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 48/2015-T
Data da decisão: 2015-10-03  IVA  
Valor do pedido: € 1.614.862,03
Tema: IVA - Caducidade do direito à liquidação; restituição de imposto indevidamente pago; pedido de reembolso; incompetência absoluta
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Clotilde Palma e Emanuel Augusto Vidal Lima, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13/4/2015, acordam o seguinte:

 

I.                   Relatório

 

1. A Sociedade Banco A…, S. A., NIPC …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

2. A pretensão objecto do pedido arbitral consiste na apreciação da legalidade das liquidações do Imposto sobre o Valor Acrescentado e juros compensatórios, relativas ao período de tributação de 2010.01, no total de €1.892.175, 87.

2.1. A Requerente termina pugnando pela “ilegalidade das correções efetuadas pela AT às declarações de IVA apresentadas pela B…” e pede:

A. A título principal:

 (i) A anulação das demonstrações de liquidação de IVA n.º ... no montante de €1.614.862,03 e respectivos juros compensatórios, por ilegais;

 (ii) O consequente reembolso à Peticionante do valor de €839, 947,39, e

(iii) Uma indemnização por garantia indevidamente prestada, nos termos do artigo 53.º da LGT e artigo 171.º do CPPT.  

B. A título subsidiário:

Reenvio prejudicial quanto à interpretação da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º e artigo 90.º, ambos do CIVA.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30/01/2015.

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

3.2. Em 25-03-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

3.3.Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o tribunal arbitral colectivo encontra-se regularmente constituído em 13-04-2015.

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

a)       Em 2009-05-29, a Requerente (então ainda sob a denominação de Banco C…, SA) adquiriu a sociedade D… (Portugal), SGPS, SA, entidade que detinha 100% do capital social e dos direitos de voto da B… e da E…, Lda., dando início a um processo de fusão por incorporação através do qual os activos e passivos das entidades D…, B… e E… passaram a ser integralmente detidos pela Requerente (sociedade incorporante);

b)      Entre 1990-11-01 e 2010-01-28, a B… foi uma instituição financeira que se dedicou essencialmente à actividade de concessão de crédito especializado, regulada pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e sujeita à supervisão do Banco de Portugal;

c)      No elenco dos serviços financeiros prestados pela B... aos seus clientes assumiam especial destaque os seguintes: crédito automóvel, leasing automóvel, aluguer financeiro, crédito no ponto de venda, crédito pessoal revolving e cartão privativo e fidelização, cobrando um conjunto diversificado de comissões bancárias relacionadas designadamente com: despesas de recuperação de crédito, despesas de devolução, despesas de emissão de livrança, comissão de rescisão antecipada, comissões administrativas e comissão bancária de dossier (artigos 3.º e 4.º da Petição);

d)     Durante os anos de 2006 a 2009, a B... considerou essas comissões como sendo prestações de serviços autónomas relativamente ao processo de concessão de crédito e, nessa medida, considerou que se tratava de operações sujeitas a IVA e dele não isentas, resultando, com base nesse entendimento, a entrega de IVA ao Estado, em relação aos anos referidos, no montante de € 1.614.862,03;

e)      Os seus sistemas informáticos (designados “N… “ e “M…”), onde eram geridas todas as operações de crédito, estavam parametrizados para liquidar IVA internamente, à taxa normal, calculado “por dentro” do valor da comissão indicado nas tabelas de preço divulgadas pelos clientes (artigo 9.º);

f)       Com este procedimento, a B... suportava inteiramente o efectivo encargo do IVA calculado nas aludidas operações, visto que na generalidade dos documentos emitidos aos clientes para titular a cobrança das comissões (sob a forma de extractos, cartas, recibos ou outros) apenas fazia referência ao valor total da comissão, sem mencionar o valor do IVA (artigo 14.º); 

g)      Do referido montante de € 1.614.862,03, apenas € 117.794,22 correspondem a comissões cobradas a sujeitos passivos de IVA, sendo o total de € 1.497.067,81 respeitante a comissões cobradas a particulares (artigo 17.º);

h)      No âmbito do já referido processo de fusão foi solicitada à consultora “F...”, pela Requerente e pela B..., a realização de uma auditoria, tendo sido elaborado um relatório onde se concluiu que as referidas comissões deviam, ao abrigo do disposto no artigo 16.º, n.º 5, alínea b), do CIVA, e também em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, seguir o mesmo regime de IVA aplicável às operações de concessão de crédito, isto é, a isenção em IVA e a sua tributação em sede de Imposto do Selo (artigos 26.º a 27.º);

i)        Em conformidade com as recomendações da “F...” a B... procedeu às seguintes regularizações a seu favor, “inserindo no campo 40 das declarações periódicas de IVA de outubro, novembro e dezembro de 2009, os seguintes valores, totalizando o montante já referido de € 1.614.826,03” (artigos 29.º e 30.º):

‒     “outubro de 2009: € 480.646,47;

‒     novembro de 2009: € 1.106.201,30; e

‒     dezembro de 2009: € 28.014,26”;

j)        Adicionalmente, a B... procedeu a uma regularização voluntária do Imposto do Selo que considerou em falta, pagando ainda, também de forma voluntária, os respectivos juros compensatórios e coimas pelo atraso, no montante de € 517.854,06 (artigo 32.º);

k)      Em 2010-07-30, a Requerente, na qualidade de sucessora legal da B... solicitou à AT autorização para utilizar o crédito de IVA, no valor de € 846.657,93, declarado pela B... na última declaração periódica de IVA que esta entregou (correspondente a Janeiro de 2010, isto é, 1001) (artigos 36.º a 38.º);

l)        O pedido foi indeferido pela AT com base no facto de não ter sido exibida a documentação oportunamente solicitada pelos serviços competentes da AT. Porém, na informação que sustentava o despacho de indeferimento referia-se também que, em virtude de a sociedade incorporada (B...) já se encontrar cessada, assistia à Requerente o direito de pedir o respetivo reembolso oficioso (artigos 39.º a 43.º);

m)    Em 2012-12-27, a Requerente apresentou um pedido nesse sentido, que desencadeou uma acção inspectiva da AT com o objectivo de verificar a legitimidade do pedido de reembolso oficioso do IVA;

n) Através do ofício n.º …, de 2014-07-14, a Requerente foi notificada do relatório de inspeção tributária que justificava uma correcção a favor do Estado, em sede de IVA, no montante total de € 1.614.826,03;

o)  “(…) recentemente,” (…), foi a Requerente  “notificada das demonstrações de liquidação de IVA n.º … e de juros compensatórios n.º …, nos montantes de € 1.614.862,03 (e não de € 768.204,10, como esperava) e € 277.313,84, respetivamente, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 31.10.2014 (cfr. documento n.º 18, que se junta)”;

p)      No artigo 64.º do Pedido arbitral a Requerente resume os argumentos de direito segundo os quais tais liquidações de imposto e juros compensatórios são ilegais em resultado de:

a.       “terem sido emitidas após o decurso do prazo de caducidade consagrado no artigo 45.º n.º 4 da Lei Geral Tributária (doravante “LGT”) e no artigo 94.º n.º 1 do Código do IVA;

b.      serem manifestamente excessivas, por erro grosseiro, face ao que resulta do próprio Relatório de Inspeção emitido pelos serviços da AT;

c.       violarem o direito que assistia à Peticionante de, em conformidade com o disposto no atual artigo 98.º n.º 2 do Código do IVA, proceder à correção do IVA liquidado em excesso nos períodos compreendidos entre os anos de 2006 e 2009;

d.      violarem o direito que assistia à Peticionante de ser reembolsada do montante de € 839.947,39.”

q)       Em especial, no que concerne à caducidade do direito à liquidação de impostos, argumenta a Requerente, entre o mais:

-       “Não restam assim quaisquer dúvidas de o IVA considerado em falta resultou das correções às regularizações efetuadas pela B... em outubro, novembro e dezembro de 2009” (artigo 73.º do Pedido);

-       “A própria conclusão (a pág. 21/23) do Relatório de Inspeção sublinha que, da correção no montante de € 1.614.862,03 efetuada às regularizações inscritas pela B... nas declarações de outubro, novembro e dezembro de 2009, resultou imposto a favor do Estado, no montante de € 768.204,10” (artigo74.º do Pedido)”;

-       “De acordo com o disposto no artigo 45.º n.º 1 da LGT, “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”” (artigo 76.º do Pedido);

-       “Acrescenta o n.º 4 deste artigo que o “prazo de caducidade contase (…) no imposto sobre o valor acrescentado (…) a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou (…) a exigibilidade do imposto (…)”” (artigo 77.º do Pedido);

-       “Ora, contando-se o prazo de caducidade “a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou (…) a exigibilidade do imposto”, é forçoso concluir, perante regularizações que operaram, em 2009, por dedução ao IVA exigível neste mesmo período, que, no caso concreto, o prazo de caducidade do direito de liquidar imposto conta-se a partir de 01.01.2010, tendo terminado em 31.12.2013 (quatro anos)” (artigo 90.º do Pedido);

-       “De onde resulta, sem margem para dúvidas, que a liquidação sub judice violou o prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT” ( artigo 91.º do Pedido);

r)       A AT argumentará que a exigibilidade do IVA liquidado ocorreu em Janeiro de 2010, já que “decidiu que “a correção neste imposto no valor total de € 1.614.862,03, (…) será repercutida no campo 41 da declaração periódica do mês de janeiro 2010” (cfr. pág. 21/23 do Relatório de Inspeção)” (artigos 92.º e 93.º do Pedido);

s)       Trata-se, porém, segundo a Requerente de “uma tentativa (coxa) de dissimular que o IVA considerado em falta diz respeito os períodos de outubro, novembro e dezembro de 2009” (artigo 94.º do Pedido);

t)       Invocando a doutrina do Acórdão do STA, de 12.07.2007, no processo n.º 0303/07, a Requerente conclui: “tendo já decorrido o referido prazo de caducidade de quatro anos referente ao IVA deduzido pela B... em outubro, novembro e dezembro de 2009, no valor global de € 1.614.862,03, conforme se fez menção supra, a AT apenas poderia, no limite, rejeitar o reembolso de imposto solicitado por aquela entidade, no valor de € 846.657,93, mas não poderia – nunca – liquidar o IVA (alegadamente) em falta, por caducidade do respetivo direito à liquidação” (artigo 116.º do Pedido).

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentou resposta e juntou processo instrutor, invocando, em síntese, o seguinte:

5.1. Por impugnação:

As regularizações efectuadas pela B... foram manifestamente indevidas, por ilegais, com os seguintes argumentos:

a)      Os factos controvertidos nos autos configuram situações de emissão de facturas inexactas, previstas no artigo 78.º, n.º 3, do CIVA, pelo que, nos casos em que tiver sido liquidado imposto a mais, a rectificação do IVA só pode ser efectuada no prazo de dois anos (artigo 60.º da Resposta);

b)      Refere ainda que, por assim ser, resulta que a correcção da inexactidão das facturas emitidas pela Requerente, quanto à sujeição e montante de IVA liquidado, efectua-se mediante a emissão de notas de crédito e de novas facturas, nos termos dos artigos 29.º, nºs 1 e 7, 36.º, 44.º, 45.º e 78.º do CIVA (artigo 63.º);

c)      Só na posse de tais elementos é que poderiam ser inscritas no campo 40 da declaração periódica referente ao período em que foram efectuadas as competentes regularizações, o que não aconteceu. A este propósito recorda a jurisprudência que resulta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo sul, proferido no âmbito do Processo n.º 05275/12, de 2012-03-12, e também do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 01006/04, de 2005/16/02 (artigos 64.º a 66.º);

d)     Com efeito, os serviços inspectivos puderam extrair duas ilações (artigo 53.º):

a.       Em relação aos documentos externos emitidos com menção de IVA, os clientes deveriam ter tomado conhecimento da rectificação de IVA e terem sido reembolsados deste pela B..., conforme dispõe o n.º 5 do artigo 78.º do CIVA;

b.      Em relação aos documentos externos sem menção de IVA, os clientes deveriam ter sido objecto de reembolso do respetivo IVA por parte da B..., ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 78.º do CIVA.

e)      Em suma, alega a AT que, “a correcção da inexactidão das facturas emitidas pelo Requerente ao longo dos anos de 2006 a 2009 quanto à sujeição e montante de IVA liquidado efectua-se mediante a emissão de notas de crédito e de novas facturas, nos termos dos artigos 29.º, n.º1 e 7, 36.º, 44.º, 45.º e 78.º do Código do IVA”, sendo que “só na posse de tais elementos é que poderiam ser relevantes no campo 40 da declaração periódica referente ao período em que foram efectuadas as competentes regularizações, o que não aconteceu” (artigos 63.º e 64.º da Reposta);   

f)       Na Resposta a AT refere ainda que permitir a regularização do IVA a seu favor, de um montante que liquidou e recebeu dos seus clientes (sujeitos passivos e consumidores finais), traduzir-se-ia num enriquecimento sem causa, que a lei nacional e o direito comunitário não consentem;

g)      No que se refere à caducidade da liquidação, invocada pelo Requerente, a AT argumenta com o “Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferido no âmbito do processo 0303/07, de 12 de Julho de 2007, «Para apreciar se se verificam os pressupostos do direito ao reembolso, a Administração Tributária não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação, podendo efectuar correcções às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é pedido o reembolso, mesmo que anteriores àquele prazo de caducidade»” (artigo 83.º da Resposta ); 

h)      Como de diz no citado aresto “como decorre do preceituado no n.º 8 do mesmo artigo [22.º], os reembolsos são efectuados «quando devidos», isto é, após a confirmação de que no período a que se refere o pedido de reembolso a dedução total de imposto a que haja lugar supera o montante devido pela totalidade das operações tributáveis. Para efectuar esta confirmação, a Administração Tributária pode efectuar correcções às declarações dos contribuintes, relativas ao período de tempo a que se reporta o reembolso, podendo também exigir-lhes documentos e informações adicionais, como decorre do preceituado no n.º 10 do mesmo artigo” (artigo 84.º da Resposta);

i)        Sendo que, nos termos do artigo 45.º, n.º 3, da LGT, «em caso de ter sido efectuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito»” (artigo 86.º da Resposta).

5.2. Para além destas alegações, relativas ao mérito da causa, a Requerida, na sua resposta, defendeu-se previamente por excepção, tendo invocado:

a)      A incompetência material da jurisdição arbitral em razão da matéria;

b)      A litispendência.

5.2.1. Quanto à excepção da incompetência material, alega a Requerida, entre o mais:

a)      Que as “demonstrações de liquidação” não traduzem actos de liquidação dos tributos para efeitos de se avaliar se os mesmos estão feridos de qualquer ilegalidade;

b)      Verifica-se que o que a Requerente pretende, conforme consta a final da sua Petição inicial, é a anulação da demonstração de liquidação de IVA e não de uma liquidação adicional de imposto. Senão vejam-se os artigos 117.º a 120.º da Petição da Requerente, por elucidativos a este propósito (artigos 1.º a 4.º);

c)      Sucede que a referida “demonstração de liquidação” mais não traduz do que o resultado do acerto de contas entre o reembolso solicitado pela B... e as regularizações de imposto que operou a seu favor, ao abrigo do disposto no artigo 78.º do CIVA, que não foram aceites por indevidas (artigo 5.º);

d)     Assim, a par do que se decidiu no Acórdão Arbitral de 24 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 468/2014-T, não cabe na competência desta jurisdição aferir da legalidade ou ilegalidade das regularizações de imposto a favor dos sujeitos passivos (artigo 6.º);

e)      Por outro lado, quando a Requerente pede que lhe seja deferido o pedido de reembolso resultante do crédito que a B... apresentou na última declaração que entregou no valor de € 846.657,93, formula um pedido que não pode ser apreciado no âmbito da jurisdição arbitral, porquanto está fora do âmbito da sua competência material.

5.2.2. Quanto à litispendência, alega, a Requerida, entre o mais:

a)      Verifica-se a excepção de litispendência face à acção para reconhecimento de um direito em matéria tributária que corre no Tribunal Tributário de Lisboa, e a que corresponde o processo n.º 2830/14.7BELRS, na qual a ora Requerente peticiona «o reconhecimento do direito de Autora (enquanto sucessora legal da B...), conferido pelo artigo 98.º, n.º 2, do CIVA ao reembolso do montante de € 839.947,39 que, em seu entender, corresponde a imposto pago em excesso a favor do Estado» (artigo 21.º);

b)      Segundo a AT, a Requerente, no “âmbito da presente acção arbitral, pede, a final, que lhe seja concedido o reembolso no valor de € 839.947,39”, fundamentando o pedido, em ambos os casos, nos mesmos factos e nos mesmos argumentos jurídicos”, pelo que é manifesta a identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir, nos termos do artigo 581.º do CPC (artigos 22.º a 24º da Reposta).  

6. No dia 24 de Junho de 2015 teve lugar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, nos termos e com o conteúdo que constam da respetiva Acta.

Em resposta ao convite dirigido pelo Tribunal para a Requerente esclarecer o pedido, uma vez ser manifesta a incongruência entre o pedido (no qual se fala em  impugnação das correcções) e a causa de pedir (donde de vários artigos do pedido arbitral  se retira que a Requerente quer impugnar as liquidações adicionais de IVA), esta aceitou o convite “declarando que se pugna pela ilegalidade pedindo-se a anulação da liquidação de IVA junta aos autos, pedido este que já constava da P.I. embora não com a clareza necessária”.

Por sua vez, em exercício do contraditório, no uso da palavra, o representante da Requerida declarou não se opor a tal correcção.

Relativamente à matéria de excepção deduzida pela AT quanto à incompetência do Tribunal Arbitral e à litispendência em relação ao pedido de reembolso, o Tribunal convidou também o sujeito passivo a pronunciar-se sobre as excepções invocadas e a corrigir o pedido. Neste caso, a Requerente preferiu manter o pedido e deixar a decisão da questão ao critério do Tribunal.

Exercido o contraditório pela representante da Requerida, foi por esta declarado, nada ter a opor.

Não tendo nenhuma das partes requerido que fossem de imediato conhecidas e decididas as excepções invocadas, foi decidido não conhecer logo das mesmas. Mais foi deliberado, com a concordância das partes, que as mesmas poderiam apresentar alegações escritas sucessivas, no prazo de quinze dias, tendo ficado consignado que “o prazo para o sujeito passivo começará a contar com a junção aos autos do alegado entendimento da AT que fundamentava a não emissão de fatura nas operações controvertidas, ou com o término do prazo concedido para o efeito e o prazo para a AT começará a contar a partir da notificação das alegações escritas do sujeito passivo”. Finalmente, foi designado o dia 12 de Outubro para a prolação da decisão arbitral.

Por despacho, de 23 de Setembro de 2015, foi deferido o requerimento, apresentado pela Requerente, na sequência do convite feito pelo Tribunal na reunião do artigo 18.º do TJAT, de junção aos autos de documentos de prova.

7. A Requerente e a Requerida apresentaram alegações escritas, mantendo, no essencial, a sua argumentação. Às suas alegações juntou a Requerente dois pareceres, de cujo teor a Requerida revelou discordar. 

 

II.                Saneamento

8. 1. Competência do tribunal

Suscita a Requerida, na sua resposta, a incompetência da jurisdição arbitral em razão da matéria e a litispendência.

8.1.a. Excepção da incompetência do Tribunal em razão da matéria

No final do requerimento arbitral, a Requerente formula o pedido da seguinte forma:

“Termos em que (…) se pugna pela ilegalidade das correções efetuadas pela AT às declarações de IVA apresentadas pela B..., requerendo-se: (i) a consequente anulação das demonstrações de liquidação de IVA nº…. no montante de €1.614.862,03 e respetivos juros compensatórios, por ilegais, (ii) o consequente reembolso à Peticionante do valor de €839, 947,39, e (iii) uma indemnização por garantia indevidamente prestada, nos termos do artigo 53.º da LGT e artigo 171.º do CPPT”.  

Na contestação a Requerida suscita a incompetência material do tribunal com base em dois fundamentos:

a)                 As demonstrações de liquidação não traduzem actos de liquidação dos tributos e o que a Requerente pretende é a anulação das demonstrações de liquidação e não de uma liquidação adicional;

b)                 Ao solicitar que lhe seja deferido o pedido de reembolso, a Requerente formula um pedido que não pode ser apreciado no âmbito da jurisdição arbitral.

Aquando da notificação do agendamento da audiência prevista no artigo 18.º do RJAT, o Tribunal incluiu, entre a ordem de trabalhos o “convite à correção de peça processual” e audição das partes para pronúncia quanto “à matéria de exceções” e “exercício do contraditório”.

Na referida audiência, o Tribunal comunicou às partes, em cumprimento da ordem de trabalhos atrás mencionada, a existência de irregularidade, suprível, no pedido formulado pela Requerente, convidando esta a reformular, querendo, tal pretensão, de modo a torná-la mais perceptível e coerente com o teor do requerimento inicial. Perante tal convite, a Requerente reformulou o pedido “declarando que se pugna pela ilegalidade pedindo-se a anulação da liquidação de IVA junta aos autos (…)”.

Em exercício do contraditório, a representante da Requerida declarou não se opor a tal correcção, consistindo assim o objecto do pedido arbitral na anulação da liquidação adicional de IVA n.º … e respectivos de juros compensatórios.

Julga-se, desta forma, deferida a correcção do pedido arbitral, o que esvazia de utilidade a alegada excepção com base neste argumento.

 

8.1.b. Excepção da incompetência do Tribunal em razão da matéria quanto ao pedido de reembolso

Quanto à incompetência do Tribunal Arbitral em relação ao pedido de reembolso, o Tribunal convidou o sujeito passivo a pronunciar-se sobre as excepções invocadas e convidou-o a corrigir o pedido.

Contudo, o sujeito passivo preferiu deixar a decisão da questão ao critério do Tribunal.

Exercido o contraditório pela representante da Requerida, foi por esta declarado, nada ter a opor.

Assim sendo, cumpre decidir.

Como se viu, alega a Administração Tributária e Aduaneira que o segundo pedido formulado pela Requente “(ii) o consequente reembolso à Peticionante do valor de € 839 947, 39”, do que se trata é do indeferimento de um pedido de reembolso, não havendo a menor dúvida de que não se está perante um acto tributário de liquidação susceptível de estar ferido de qualquer ilegalidade”  (artigo 12.º da Resposta).

Nos termos do previsto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, os tribunais arbitrais são, em matéria tributária, competentes para conhecer: “a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

Por sua vez, segundo o artigo 2.º alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, pela qual a Administração Tributária se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD, excluem-se expressamente do âmbito de vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais, as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário”. 

O que significa que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD se limita à declaração de ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT, estando-se, assim, perante um mero contencioso de anulação de actos, estruturado segundo o modelo processual anterior à reforma do contencioso administrativo de 2002-2004, que continua a vigorar no contencioso tributário.

Por outro lado, entende-se que a competência dos tribunais arbitrais se restringe “à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT”[1].

  Atento o quadro legal acima mencionado, para apurar a competência do Tribunal Arbitral cabe averiguar o conteúdo do acto impugnado, de modo a verificar em que medida comporta ou não a apreciação de um acto de liquidação.

Segundo alguma doutrina, o conceito de reembolso de IVA utilizado para os efeitos dos números 4 e seguintes do artigo 22.º do Código de IVA corresponde uma situação em que, do saldo apurado no período, resulta um crédito de IVA a favor do sujeito passivo que será utilizado em períodos seguintes (numa lógica de conta- corrente), a menos que use a faculdade de solicitar o reembolso do mesmo, obviando ao seu reporte e aplicação nos períodos seguintes. De tal modo que “o pedido de reembolso, assim como a sua apreciação pela Autoridade Tributária não constituem factos jurídicos, uma vez que não constituem per si qualquer facto que determine uma alteração jurídica da situação de qualquer uma das partes”[2].     

Doutrina esta que acompanha a jurisprudência do STA, consignada no Acórdão de 12/7/2007, processo n.º 0303/07, onde se pode ler, entre o mais, que apenas “os actos de liquidação, em sentido estrito”, provocam “uma modificação na situação tributária do contribuinte, definindo a existência de uma obrigação (que através desse acto se torna certa, líquida e exigível, inclusivamente por via coerciva no caso de não cumprimento voluntário)”, o que não é o caso dos actos que recusam o reembolso de IVA, pois deles não resulta para os contribuintes qualquer obrigação que não tivessem anteriormente.” No mesmo sentido, cfr., entre outros, o Acórdão Arbitral, de 4 de Abril de 2014, processo n.º 238/2013-T, onde se pode ler que no que concerne ao pedido de reembolso, não se prevê expressamente a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciação da legalidade de actos de indeferimento de pedidos de reembolso de quantias pagas, em cumprimento de anteriores actos de liquidação.

No caso dos autos, o pedido de reembolso vem configurado como acto consequente da anulação da liquidação. Acontece que, como ficou atrás referido, pressupondo o pedido da Requerente a apreciação da legalidade de actos de reembolso, que são independentes do acto de liquidação, assim sendo, não se pode falar sequer de um acto consequente da anulação da liquidação.

Termos em que, assistindo razão à Requerida quanto à incompetência absoluta deste Tribunal para conhecer da matéria a que se reporta, nos presentes autos, o segundo pedido da Requerente, se julga procedente a excepção dilatória por aquela alegada.    

8.1.c. Quanto à excepção da litispendência

Alega a Administração Tributária e Aduaneira que, caso o Tribunal arbitral entenda ser competente para apreciar o pedido de reembolso, “sempre haveria uma situação de litispendência face à acção de reconhecimento de um direito em matéria tributária que corre no Tribunal Tributário de Lisboa, a que corresponde o processo n.º 2830/14.BELRS, na qual a ora Requerente peticiona «o reconhecimento do direito da autora (enquanto sucessora legal da B...), conferido pelo artigo 98.º, n. º2, do Código do IVA, ao reembolso do montante de € 839,947,39 que, em seu entender, corresponde a imposto pago em excesso a favor do Estado»”.

Acontece que, concluindo-se, no ponto anterior, pela incompetência absoluta deste Tribunal em razão da matéria para conhecer o pedido relativo ao reembolso de IVA, fica precludido o interesse no conhecimento da invocada excepção de litispendência.

8.2. Em conformidade com o exposto, declara-se, o tribunal, regularmente constituído e materialmente competente para conhecer da presente acção, no que tange à apreciação dos demais pedidos.

8.3. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

8.4. O processo não enferma de nulidades.

8.5. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

III.             Mérito

    III.1. Matéria de facto

9. Factos provados

9.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

-       A Requerente é uma sociedade anónima, constituída em 27 de Janeiro de 2010, e resulta da alteração da denominação social do Banco C… que incorporou por fusão as sociedades D…, a B... e E, que se extinguiram por essa via (artigo 29.º da Resposta);

-       “A B... foi uma instituição financeira que, entre 05.11.1990 e 28.01.2010, se dedicou, essencialmente, à atividade de concessão de crédito especializado a particulares e profissionais independentes, para a aquisição de bens de consumo duradouros e de serviços” (artigo 1.º do Requerimento);

-       No âmbito das relações comerciais com os clientes a B... cobrava um conjunto diversificado de comissões bancárias liquidando IVA por considerar que as mesmas estavam sujeitas a IVA e dele não isentas (artigo 9.º do Requerimento e artigo 38.º da Contestação);

-        Um estudo da F..., SROC, concluiu que as comissões cobradas, junto dos seus clientes, estavam sujeitas a Imposto do Selo e, como tal, incorretamente enquadradas em sede de IVA (artigos 39.º e 40.º da Contestação e artigos 23.º e 24.ºdo Requerimento);

-       O referido estudo concluiu que as referidas comissões estavam isentas de IVA (artigo 41.º da Contestação e artigos 25.º a 28.º do Requerimento);

-       Tendo em conta o referido estudo, a B... procedeu a regularizações a seu favor, inserindo no campo 40 das declarações periódicas de IVA de Outubro, Novembro e Dezembro de 2009 os seguintes montantes: a) Outubro de 2009: € 480.646,47; Novembro de 2009: € 1.115.350,98 “(…)”; e Dezembro de 2009: € 28.014,26. (conforme documento n.º 5, que se junta) – artigo 30.º do Requerimento e Relatório de Inspeção;

-       “Em resultado das regularizações de IVA acima referidas realizadas nas declarações periódicas de outubro a dezembro de 2009, a B..., aquando da entrega da declaração periódica de janeiro de 2010 (a qual foi a última entregue por esta entidade) encontrava-se numa situação de crédito de imposto no montante de € 846.657,93, valor que registou a seu favor (cfr. documento n.º 9, que se junta)”- artigo 36.º do Requerimento;

-       Em 30/07/2010, o Requerente, solicitou autorização para utilização de um crédito de IVA no valor de € 846.657,93, da sociedade incorporada (B...) declarado por esta na sua última declaração (cfr. documento n.º 10, que se junta) - artigo 38.º do Requerimento e Relatório de Inspeção;

-       Em 17.05.2011, foi a Requerente notificada para apresentar, no prazo de 10 dias, à Direção de Serviços de Inspeção Tributária elementos comprovativos do crédito de imposto detido pela B..., para que os serviços procedessem à respectiva validação, ao qual não deu resposta (cfr. documento n.º 11, que se junta) - artigos 39.º e 40.º. do Requerimento e Relatório de Inspecção;

-       Em 05.01.2012, foi a Requerente notificada “do despacho datado de 30.12.2011 de indeferimento do pedido de utilizar o crédito de IVA no montante de € 846.657,93,” (cfr. documento n.º 12, que se junta )- artigo 41.º do Requerimento e Relatório de Inspecção;

-       No ponto 13 da informação que serviu de suporte ao referido despacho dispunha-se: “(…) uma vez que a sociedade incorporada está cessada, assiste-lhe “o direito a pedir o respectivo reembolso oficioso à Direção de Serviços de Cobrança, Divisão de Cobrança Voluntária – IVA” (Relatório de Inspecção);

-       A Requerente apresentou, em 27.12.2012, um pedido nesse exato sentido junto daquela Direção de Serviços (cfr. documento n.º 13, que se junta) – artigo 44.º do Requerimento e Relatório de Inspecção);

-       Na sequência do pedido formulado foi efectuada uma acção inspectiva interna que tinha por objetivo “verificar a legitimidade do pedido de reembolso oficioso de IVA” ( Relatório de Inspecção);

-       A B... procedeu à reclassificação dos impostos aplicáveis a cada uma das prestações de serviços decorrentes, exclusivamente, de contratos de crédito ao consumo, mediante regularização do imposto efetuado no campo 40 das declarações periódicas de IVA, nos termos descritos no quadro seguinte (artigo 42.º da Contestação e Relatório de Inspecção):

 

 

-       Sendo que, os saldos acumulados do IVA deduzido (regularizado) em cada um dos meses, decompõem-se do seguinte modo (artigo 43.º do Requerimento):

No âmbito do procedimento inspetivo, foi ainda possível estratificar, por sujeitos passivos de IVA e por particulares, o IVA deduzido nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2009, sintetizando-se da seguinte forma:

 

 

 

 

Através do ofício n.º …, de 14.07.2014, foi a Requerente notificada do relatório de inspeção tributária (“Relatório de Inspeção”), o qual conclui:

Atendendo às conclusões tecidas anteriormente, mais concretamente quanto ao facto do sujeito passivo não ter dado cumprimento ao disposto quer no n.º 3, quer no n.º 5, ambos do art.º 78.º do Código do IVA, resulta correcção neste imposto no valor total de € 1.614.862,03, que será repercutida no campo 41 da declaração periódica do mês de janeiro de 2010;

-   Em 12/08/2014 foram emitidas as demonstrações de liquidação de IVA n.º … e de juros compensatórios n.º …, nos montantes de
€ 1.614.862,03 (e não de € 768.204,10, como esperava) e € 277.313,84, respetivamente, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 31.10.2014 (cfr. o documento n.º 18, junto pela Requerente e artigo 58.º do Requerimento);

-   Não tendo a Peticionante pago os montantes atrás enunciados, foi a mesma citada da instauração de um processo de execução fiscal (n.º … 2014 …) movido contra si por parte dos serviços da AT (cfr. o documento n.º 19, junto pela Requerente e artigo 59.º do Requerimento);

-   Para evitar o prosseguimento do aludido processo de execução fiscal e da consequente realização de penhoras de bens e direitos existentes no seu património, a Peticionante apresentou, no dia 02.01.2015, junto dos serviços da AT, a competente garantia bancária, no montante de € 2.399.902, 33, bem como requerimento no qual requeria a suspensão de tal processo (cfr. o documento n.º 20, junto pela Requerente e artigo 60.º do Requerimento);

-   Em 29 de Janeiro de 2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

9.2. Fundamentação da matéria de facto

A factualidade provada teve por base, a posição assumida pelas Partes e não contestada, a análise crítica dos documentos juntos aos autos pela Requerente, que não foram impugnados, bem como o conteúdo do Relatório de Inspecção.

9.3. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

III.2. Matéria de Direito

A-    Da caducidade do direito à liquidação

Impõe-se, em primeiro lugar, decidir a questão da caducidade da liquidação objecto do processo, porquanto o seu provimento preclude a análise das demais.

Vejamos.

1. O IVA, enquanto imposto sobre o consumo, caracteriza-se essencialmente como um típico imposto indireto, que incide sobre cada uma das transacções ou prestações de serviços e permite “aos sujeitos passivos desonerarem-se do encargo do imposto suportado a montante e assegurando que a tributação incida, em cada etapa do circuito económico, sobre o valor acrescentado, sendo suportada, principalmente, pelo consumidor final”[3]. Cada sujeito passivo liquida imposto, à taxa legal aplicável, sobre as suas vendas ou prestações de serviços, fazendo-o acrescer ao valor tributável constante das facturas ou documentos equivalentes que passa aos seus clientes. No final de cada período (o mês, ou o trimestre) o sujeito passivo entrega nos cofres públicos apenas a diferença entre o imposto assim repercutido nas suas operações activas e o imposto suportado nas suas aquisições e constante das facturas de que foi destinatário.

          O apuramento de IVA a pagar ou de IVA a recuperar constitui o resultado da operação de liquidação de imposto, que é, em regra, realizada pelos próprios sujeitos passivos (autoliquidação). Como ponderam (no parecer junto aos autos) G……/H… “resultando do conceito de liquidação, como apuramento do IVA relativo a cada período de tributação efectuado pelo sujeito passivo, quer um valor positivo – IVA devido aos cofres públicos – quer um valor negativo – crédito de imposto sobre os cofres públicos, então deverá concluir-se que ambas as situações devem ser vistas, só e simplesmente, como valores do apuramento periódico do IVA integrando pois, e em ambos os casos, o conceito de liquidação[4].”    

          Sob outra perspectiva, tende a distinguir-se entre IVA liquidado pelo sujeito passivo nas operações activas que este realiza e IVA deduzido em virtude de operações passivas associadas à sua actividade, considerando-se que “só quanto ao imposto liquidado pelo sujeito passivo nos seus outputs são aplicáveis as noções de facto gerador e exigibilidade”, designadamente, para efeitos de aplicação das regras de caducidade (artigo 45.º da LGT). Já quanto ao IVA em que o sujeito passivo incorra nos seus inputs não é gerado na sua esfera jurídica nem a ele lhe é exigível, constituindo (…) um crédito que este pode ou não mobilizar contra o Estado, exercendo o direito à dedução[5].

          A doutrina converge, porém, que é através do direito à dedução que se garante um princípio estrutural do imposto (o da neutralidade), porquanto é através do exercício deste direito “que se garante ao sujeito passivo a desoneração do imposto pago na aquisição dos inputs essenciais e necessários à prossecução de uma actividade económica (…)”[6].

          No entanto, o legislador, em homenagem a outros princípios essenciais da ordem jurídica, como os da certeza e segurança jurídicas, e com fundamento no princípio da proporcionalidade, estabelece, no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA que o “direito à dedução do imposto”, ou ao “reembolso do imposto pago em excesso”, apenas pode ser exercido pelo sujeito passivo até 4 anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto[7].

            Como quer que se entenda, verifica-se que o legislador português, embora com regras diferentes para o exercício do respectivo direito, optou por fixar prazo igual, quer para a caducidade do direito à dedução, quer para o direito à liquidação, que, como veremos, é também de quatro anos.

          Destes conceitos deve distinguir-se a situação de reembolso de IVA, a que se referem os n.ºs 4 e seguintes do artigo 22.º do Código do IVA, onde se estabelece que “sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes”, explicitando-se as condições necessárias para que o sujeito passivo possa solicitar o reembolso desse crédito.

           Ao conceito de reembolso aqui utilizado não é aplicável o prazo de caducidade do artigo 98.º do CIVA, porquanto o âmbito de aplicação do artigo 22.º do CIVA abrange tão só as situações em que a liquidação e a dedução do imposto foram efectuadas de forma correcta resultando do seu saldo um crédito de IVA a favor do sujeito passivo, que será utilizado em períodos seguintes (numa lógica de conta corrente) conferindo-se ao sujeito passivo a faculdade de solicitar o reembolso do mesmo e assim obviar ao seu reporte e aplicação nos períodos seguintes.

          Assim se compreende que a este reembolso não se aplique, aliás, um qualquer prazo de caducidade, assistindo ao sujeito passivo o direito de obter o reembolso de um crédito de IVA gerado sem limitação temporal, isto é, originado pela dedução de imposto em períodos que se encontram para lá do prazo de caducidade geral (de 4 anos)[8].

          De igual modo, também do lado da Administração Tributária, esta não está aqui limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação[9], porque ao apreciar a existência dos pressupostos de um pedido de reembolso se limita a efectivar correcções ao crédito de IVA, indeferindo total ou parcialmente o reembolso e corrigindo, desta forma, a conta corrente do sujeito passivo. O que significa que do indeferimento total ou parcial (expresso ou silente) de um pedido de reembolso não resulte para os sujeitos passivos quaisquer obrigações que não tivessem anteriormente.

           Como ficou consignado no Acórdão do STA, de 12/7/2007, processo n.º 303/07, “reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir”.  

          O artigo 45.º da LGT regula a caducidade do direito à liquidação, tendo por objecto actos de “liquidação de tributos, que são actos que declaram uma obrigação tributária, ou seja, provocam uma modificação na situação tributária do contribuinte, definindo a existência de uma obrigação (que através desse acto se torna certa, líquida e exigível, inclusivamente por via coerciva no caso de não cumprimento voluntário)”, sendo apenas em relação a estes actos “que se justifica, por evidentes razões de segurança jurídica, que se limite o período de tempo em que tais actos podem ser praticados” (cfr. o citado Acórdão do STA).

          Na verdade, “A caducidade da liquidação vista como período durante o qual a liquidação pode ser objecto de alterações, quer pelo sujeito passivo (auto-liquidação), quer por parte dos serviços fiscais, os quais sempre poderão introduzir correcções que se mostrem devidas e não consideradas pelo sujeito passivo”, consta do artigo 94.º do CIVA, o qual remete para os artigos 45.º e 46.º da LGT.

          O artigo 45.º, nº1, da LGT, determina que o “direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”, acrescentando-se no n.º 4 do mesmo preceito que o prazo de caducidade conta-se (…) no imposto sobre o valor acrescentado (…) a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verifica (…) a exigibilidade do imposto (…)”.

          De acordo com os referidos preceitos, a Administração Tributária e Aduaneira dispõe, assim, de quatro anos, para determinar a dívida tributária através da oportuna liquidação, e para aceitar ou corrigir as autoliquidações.

          Como vimos, consubstanciando-se a liquidação num apuramento do IVA relativo a cada período de tributação, quando esse apuramento se traduza num valor positivo, que acarreta IVA a entregar nos cofres públicos, isso significa que o valor do IVA que incidiu sobre as vendas ou prestações de serviços realizadas pelo sujeito passivo (o IVA a que o sujeito passivo está obrigado a repercutir nas operações activas realizadas), supera o valor do imposto suportado a montante nas operações empresariais associadas à sua actividade (operações passivas) e que é dedutível.

          Por sua vez, quando o saldo da equação é negativo significa que, ao contrário, o IVA suportado pelo sujeito passivo nas operações passivas, a montante e dedutível, superou o valor do imposto facturado nas operações a jusante.

          Como ponderam (no Parecer junto aos autos) G…/ H…, embora esta seja a explicação mais comum, a verdade é que nem sempre o “(…) valor negativo para o resultado da liquidação é devido à existência de um imposto dedutível superior ao liquidado nas operações activas”, podendo antes resultar de “rectificações ao IVA facturado aos clientes, por devoluções, rescisões motivadas por erros materiais, por actuações comerciais diversas, ou ainda por erro sobre os pressupostos relativos ao enquadramento jurídico –tributário de operações realizadas, quer a montante quer a jusante.”

          Nesta sequência, o Código do IVA prevê um regime de regularizações, a favor do Estado e dos sujeitos passivos, que consta do artigo 78.º do Código do IVA, o qual estabelece, de forma imperativa, um conjunto de regras a que os sujeitos passivos estão obrigados a seguir na regularização a posteriori do IVA liquidado e deduzido[10], a efectivar através da declaração periódica.

          Constitui ponto assente que, tratando-se de regularizações a favor do Estado, as regras enunciadas no referido preceito devem ser conformadas com o prazo geral de caducidade de quatro anos consagrado no n.º 4 do artigo 45.º da LGT, contado, como vimos, do início do ano civil seguinte aquele em que se deu a exigibilidade do imposto, “findo o qual os respectivos ajustamentos deixarão de ser exigíveis” [11].  

Aqui chegados, vejamos o caso dos autos.

2. Na situação sub judice, como resulta da matéria de facto dada como provada, o sujeito passivo (inicialmente a B...) considerou (incorrectamente) que as operações que realizava eram tributadas em IVA, quando, segundo apurou, posteriormente (através de um estudo elaborado para o efeito pela F...), as comissões cobradas por si deviam considerar-se isentas de IVA, por representarem ainda contrapartida de serviços financeiros. Em vez de sujeitas a IVA, aquelas operações estavam sujeitas a imposto de selo, tendo a B... procedido à regulatização do imposto de selo sobre as comissões cobradas aos seus clientes no valor de € 517.854. Simultaneamente o sujeito passivo procedeu a regularizações de IVA, relativamente a um horizonte temporalmente alargado que vai desde 2001 a 2009, que apresentou nas suas declarações periódicas de Outubro, Novembro e Dezembro de 2009, no valor de € 1.614.862.

O volume de regularizações de IVA feitas nas referidas declarações gerou um crédito de imposto a favor da B... que no final desse ano se traduzia no montante de  € 846 657,93.

 Tendo em vista a cessação da sua actividade por força da sua incorporação no grupo AA…, ocorrida no início de 2010, a B... solicitou à Administração Tributária e Aduaneira o reembolso de imposto em crédito, apurado na declaração periódica de Janeiro de 2010.

Este pedido inicial veio a ser expressamente indeferido, por despacho de 30/12/2011, notificado em 5/1/2012, que reconheceu à ora Requerente o direito a pedir o respectivo reembolso, o que veio a fazer em 27/12/2012.

Foi na sequência deste último pedido que a Administração Tributária e Aduaneira iniciou o procedimento inspectivo, no qual a Administração Tributária e Aduaneira procedeu a correcções a favor do Estado no valor de € 1.614.862,03, fundamentando essa correcção na circunstância de as regularizações efetuadas pelo sujeito passivo, no valor de € 1 615 075,5, não terem respeitado o disposto nos números 3 e 5 do artigo 78.º do CIVA.

Este procedimento veio a culminar com a notificação à Requerente de uma liquidação adicional de IVA no valor € 1.614.862,03, fazendo-o por correcção à declaração periódica apresentada pela B... em Janeiro de 2010, e notificada à Requerente em Setembro de 2014.

 Qualquer que seja o entendimento que se tenha sobre o enquadramento jurídico das regularizações de IVA levadas a cabo pela B..., a verdade é que estamos na presença de regularizações ao imposto liquidado por erro sobre os pressupostos do enquadramento jurídico-tributário das operações financeiras, que terá originado, por errónea aplicação do direito, e na óptica do sujeito passivo, imposto pago em excesso. Neste sentido vai, aliás, um mail datado de 21/03/2014, transcrito no “Relatório de Inspecção”, em que a ora Requerente esclarece o seguinte “(…) o Banco A…, SA., considera que a disposição em referência (n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA) não é aplicável à situação vertente. Com efeito, o IVA regularizado pelo Banco a seu favor, inscrito no campo 40 do quadro 06 das declarações periódicas de IVA em referência, consiste em imposto que foi entregue em excesso ao Estado, em virtude de uma incorrecta qualificação das operações por si realizadas no âmbito das quais liquidou tal IVA.”

            Não obstante o sentido equívoco da expressão “pedido de reembolso”, a verdade é que como ponderam G…/H…, tratou-se, em substância, só de exercer, através do mecanismo da autoliquidação, o direito à restituição de um imposto que havia sido indevidamente pago.

“As regularizações efectuadas, que se destinavam apenas a obter a restituição de impostos indevidos, foram devidamente explicitadas nas declarações periódicas do IVA, relativas aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2009, pelo que os serviços fiscais tiveram delas conhecimento. Ou seja, estavam em condições de questionar a sua natureza, analisar e corrigir, se assim o entendessem. Mas sempre dentro do período de caducidade, o mesmo é dizer, até ao fim do ano civil de 2013. Notificando o sujeito passivo de correcções às liquidações daqueles meses em Setembro de 2014, por liquidação adicional datada de 12 de Agosto de 2014, as mesmas não produzem efeitos por caducidade do direito de liquidação”, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT.   

            Mesmo que se viesse a apurar estar em causa um efectivo pedido de reembolso, questão que está fora, como vimos, do objecto da presente acção, a verdade é que não podia a Administração Tributária e Aduaneira, na sequência da apreciação desse pedido, fazer uma liquidação adicional para além dos quatro anos referidos no artigo 45.º, nº 4, da LGT.

E contrariamente ao que defende a AT, não se pode aqui fazer valer o regime do artigo 45.º, nº 3, da LGT, protelando-se o termo inicial do exercício do direito à liquidação para a data do pedido de reembolso.

Para além de outras razões estritamente fiscais e que se prendem com o sentido e alcance dos conceitos utilizados, as razões de certeza e segurança jurídicas subjacentes à relação jurídica fiscal, que presidem à consagração dos prazos de caducidade da liquidação, exigem que o termo inicial desse prazo esteja previamente fixado e seja igual para todos, não podendo ter natureza casuística e depender da disponibilidade do sujeito passivo para apresentar os pedidos de reembolso.

Mais uma vez, com G… / H…, “O facto de, só em declaração subsequente se optar pelo pedido de reembolso, não implica que se abra, por esse facto, um novo período de caducidade (nem para a Administração fiscal nem para o contribuinte, (…).”

Como ficou consignado no Acórdão do STA atrás mencionado (de 12/7/2007, processo n.º 303/07), a Administração Tributária e Aduaneira pode efetuar correcções às declarações dos contribuintes, relativas ao período a que se reporta o reembolso, mas, ao apreciar a existência dos pressupostos do reembolso de IVA, está limitada pelo prazo de caducidade do direito de liquidação.

Finalmente, importa considerar que a circunstância de as regularizações de IVA praticadas pela B... terem gerado, segundo a sua óptica, um crédito que transitou para a sua declaração de Janeiro de 2010, é irrelevante para o cômputo do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º, nº 4, da LGT, porquanto o imposto se reporta às declarações periódicas de Outubro, Novembro e Dezembro de 2009.  

Em suma, a liquidação adicional praticada pela Administração Tributária e Aduaneira em Setembro de 2014, mostra-se manifestamente extemporânea, uma vez que o prazo de caducidade para a correção de cada uma das operações em causa havia terminado em Outubro, Novembro e Dezembro de 2013, respectivamente.

  Termos em que se julga procedente a alegada caducidade da liquidação adicional de IVA (n.º 14018440) e respectivos juros compensatórios, objecto do presente pedido arbitral.

B-    Questões prejudicadas

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de caducidade do direito de liquidação, que assegura efectiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que são imputados ao acto tributário em causa.        

Na verdade, decorre do estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no artigo 124º do CPPT, que julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados. Se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse. 

C- Quanto ao pagamento de uma indemnização por prestação indevida de garantia, nos termos do artigo 53.º da LGT.

  A segunda questão jurídica substantiva decidenda é a de saber se a Requerente tem, como peticiona, direito à indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação caução para suspender o processo de execução fiscal.

 Com relevância para a decisão, resulta da matéria de facto dada como provada que:

-       “Não tendo a Peticionante pago os montantes atrás enunciados, foi a mesma citada da instauração de um processo de execução fiscal (n.º … 2014 …) movido contra si por parte dos serviços da AT” (cfr. o documento n.º 19, junto pela Requerente e o artigo 59.º do Requerimento);

-       Para evitar o prosseguimento do aludido processo de execução fiscal e da consequente realização de penhoras de bens e direitos existentes no seu património, a Peticionante apresentou no dia 02.01.2015, junto dos serviços da AT, a competente garantia bancária”, no montante de € 2.399.902, 33, “bem como requerimento no qual requeria a suspensão de tal processo” (cfr. o documento n.º 20, junto pela Requerente e o artigo 60º do Requerimento).

Vejamos.

O artigo 53.º da LGT, que, sob a epígrafe, “Garantia em caso de prestação indevida”, dispõe o seguinte:

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2-O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3.A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista n apresente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4.A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”

 

Da conjugação dos n.ºs 1 e 2 extrai-se que, em caso de erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, o devedor é indemnizado pelos prejuízos resultantes da prestação da garantia independentemente do tempo por que tenha tido que a manter.

No caso dos autos, o erro de que padece a liquidação cuja legalidade se discute resulta de erro dos serviços sobre os pressupostos de direito. Por outro lado, a liquidação adicional objecto de impugnação foi da exclusiva iniciativa da Administração Tributária e a Requerente em nada contribuiu para que ela fosse efetuada, nos termos em que ocorreu, pelo que o erro é imputável exclusivamente à própria Administração.

A Requerente refere ter pago garantia bancária, no valor de € 2.399.902,33, pelo que tem direito a ser indemnizada dessa despesa e ainda de outras posteriores, que vierem a ser comprovadas.

Não dispondo de elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada tendo por referência a quantia que se provou ter sido expendida acrescida do que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (cfr. o artigo 609.º do Código do Processo Civil e o artigo 565.º do Código Civil).

IV.             Decisão

Termos em que acorda este Tribunal em:

-       Julgar procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, para conhecer do pedido de reembolso;

-       Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação adicional de IVA (n.º …) e respectivos juros compensatórios, objecto do presente pedido arbitral;

-       Julgar procedente o pedido da Requerente quanto ao direito ao pagamento de uma indemnização por prestação de garantia para suspender o processo de execução fiscal n.º … 2014 … e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão.

V.                Valor do Processo

De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.614.862,03. 

VI.             Custas 

Custas, no valor de €21.420, a cargo da Administração Tributária e Aduaneira nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária.  

 

Lisboa, 3 de Outubro de 2015.

 

Os árbitros,

 

Fernanda Maçãs

 

Clotilde Palma

 

Emanuel Augusto Vidal Lima

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105.

[2] Cfr. AFONSO ARNALDO/TIAGO ALBUQUERQUE DIAS, “Afinal qual o prazo para Deduzir IVA? Regras de Caducidade e (In) segurança Jurídica”, Cadernos IVA 2014, Almedina, p. 33.

[3] JOÃO CANELHAS DURO, “Dedução de IVA, Regularizações e Revisão da Autoliquidação”, Cadernos IVA2015, p. 327.

[4] Conceito que se afigura obter acolhimento no artigo 22.º, n.º1, do CIVA quando se refere que o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, “efectuando-se mediante subtração ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante de imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.”

[5] Cfr. SÉRGIO VASQUES, Parecer junto aos autos.

[6] Cfr. AFONSO ARNALDO e Outros, “Afinal qual o prazo para deduzir IVA? Regras de caducidade e (In)segurança Jurídica”, Cadernos IVA 2014, p. 20.

[7] Não existe, porém, uniformidade desde logo na doutrina sobre o sentido e o alcance das expressões “direito à dedução” ou “reembolso do imposto entregue em excesso”. Alguns autores, distinguindo entre um direito à dedução proprio sensu, como direito à dedução originário, e dedução em sentido amplo, que compreende as correções à dedução inicialmente efetuada, defendem que o prazo de caducidade do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA abrange ambas as situações (cfr. AFONSO ARNALDO e Outros, ob. cit., p. 32). Para outros, a dedução de imposto considera-se exercida com a apresentação da declaração do período, tendo por base o registo contabilístico em que os documentos de suporte estão refletidos, independentemente do encargo ter sido considerado na íntegra, parcialmente ou mesmo desconsiderado n autoliquidação. Após esse momento, qualquer correção à dedução assim exercida constitui uma regularização (JOÃO CANELHAS DURO, ob. cit., p. 330).

[8] Cfr. AFONSO ARNALDO e Outros, ob. cit., pp. 34/35.

[9] No sentido de que ao reembolso a que se refere o artigo 22.º do CIVA não se aplica um qualquer prazo de caducidade, estando esta matéria fora do campo de aplicação, quer do disposto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, quer do disposto no número 3 do artigo 45.º (cfr. AFONSO ARNALDO e Outros, ob. cit., p. 34).

[10] Cfr. ALEXANDRA MARTINS e OUTRO, “Regularizações de IVA”, Cadernos IVA 2014, pp.59 ss. 

[11] Cfr. ALEXANDRA MARTINS e OUTRO, ob. cit., p. 60.