Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 796/2014-T
Data da decisão: 2015-10-09   
Valor do pedido: € 114.350,26
Tema: IRC – Dedutibilidade de Custos
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Processo n.º 796/2014-T

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Luís Janeiro e Dr. André Festas da Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-03-2015, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A Group …, LDA. com sede na Avenida … nº …, … – fração … em …, NIPC …, (de ora em diante Requerente), veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” ou “RJAT”), e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral, para pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de Imposto sobre as Pessoas Coletivas (doravante IRC), e juros compensatórios nºs 2013 … e 2013 …, respetivamente, relativa ao período de tributação de 2009.

A Requerente pede que

(i) se declare a ilegalidade dos atos de liquidação de IRC e Juros compensatórios supra identificados, relativos ao ano de 2009, por violação do princípio da legalidade;

(ii) se proceda à anulação dos aludidos atos de liquidação de IRC e juros compensatórios;

(iii) se condene a Autoridade Tributária no reembolso das quantias de imposto pagas indevidamente;

(iv) e se condene a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legalmente prevista, nos termos do artigo 43.º da LGT.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-02-2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico:

I. Designou os árbitros do tribunal arbitral coletivo: Conselheiro Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (Presidente), Prof. Doutor Carlos Lobo e Dr. Luís janeiro, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável; e

II. Notificou as partes dessa designação em 10-02-2015.

 

Não tendo as Partes manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 05-03-2014, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

Por despacho de 05-02-2015, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa para substituir o Conselheiro Jorge Lino Alves de Sousa, em face da incapacidade que o afetou.

Por despacho de 23-06-2015, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o Dr. André Festas da Silva para substituir o Prof. Doutor Carlos Lobo, na sequência de pedido de escusa.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando, além do mais, as questões do valor da matéria coletável contestada e do reembolso dos montantes indevidamente pagos e juros indemnizatórios e valor da causa que, em face das correções contestadas, entende ser de € € 114.350,26, sendo € 104.769,67 de IRC e € 9.580,59 de juros compensatórios.

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou também a exceção da intempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, defendendo a sua absolvição da instância.

Quanto ao mérito da causa, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente com a sua absolvição de todos os pedidos.

Por despacho de 22-04-2015, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

O Tribunal é competente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a exceção da intempestividade que é necessário apreciar prioritariamente.

A questão do valor da causa será apreciada no final.

 

 

2. Questão da intempestividade

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a exceção da extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral, pelas seguintes razões, em suma:

 

– a Requerente indica como objeto do pedido de pronúncia arbitral o ato de liquidação de IRC e juros compensatórios;

– artigo 10º do RJAT estabelece, quanto a atos de liquidação/autoliquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado no artigo 102.º, nºs 1 e 2 do CPPT;

– o estipulado prazo de 90 dias teria como termo inicial o dia seguinte ao término do prazo de pagamento voluntário da prestação tributária, in casu em 05-09-2013;

– o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral – tal como configurado pela Requerente nos termos acima citados – foi apresentado em 01-12-2014;

– embora a Requerente arbitral tenha impugnado administrativamente o ato de liquidação em causa (por via de reclamação graciosa e, na sequência da respetiva decisão de indeferimento, por recurso hierárquico), e não obstante ter feito alusão e identificado essas circunstâncias, não formulou/concretizou a este Tribunal na sua petição inicial qualquer pedido tendente à anulação do indeferimento tácito que operou, decorrente do seu recurso hierárquico.

 

A Requerente respondeu a esta exceção nas suas alegações dizendo, em suma:

– que foi notificada da decisão da reclamação graciosa em 06-06-2014;

– em 04-07-2014 apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;

–em 02-09-2014 terminou o prazo legal de decisão do recurso hierárquico;

– nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT o prazo de 90 dias para apresentar pedido de pronúncia arbitral conta-se da decisão do recurso hierárquico.

 

Constata-se pela aplicação informática do CAAD, pelo processo administrativo e pelos documentos juntos que:

– a data limite de pagamento da quantia liquidada é 05-09-2013;

– em 29-08-2013, a Requerente pagou a quantia de € 104,769,67 respeitante à liquidação referida (documento n.º 4, junto pela AT em 20-04-2015);

– em 06-01-2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida;

– a reclamação graciosa foi indeferida, sendo a decisão notificada à Requerente por carta recebida em 05-06-2014;

– em 04-07-2014, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão da reclamação graciosa;

– 0 recurso hierárquico veio a ser decidido por despacho de 31-10-2014, proferido pelo Senhor Diretor de Finanças Adjunto em regime de substituição;

– o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 01-12-2014, como se constata pela aplicação informática do CAAD.

 

O prazo de decisão do recurso hierárquico é de 60 dias (artigo 66.º, n.º 5, do CPPT) e, para efeitos de presunção de indeferimento tácito, conta-se da data de entrada da petição do contribuinte no serviço competente da Administração Tributária (n.º 5 do artigo 57.º da LGT).

No caso em apreço, formou-se indeferimento tácito em 02-09-2014, sendo no dia seguinte que se inicia o prazo para deduzir pedido de constituição do tribunal arbitral.

Sendo de 90 dias, contados do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico, o prazo para impugnação de indeferimentos tácitos de recursos hierárquicos [artigos 10.º, n.º1, do RJAT e 76.º, n.º 1, 102.º, n.º 1, alínea e), do CPPT], é manifesto que o pedido de pronúncia arbitral, apresentado, em 01-12-2014, foi apresentado tempestivamente.

Uma vez que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD se restringe aos atos indicados no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, no caso atos de liquidação de tributos, não pode deixar de se entender que é no prazo de 90 dias contados do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico que os interessados têm de apresentar o pedido de pronúncia arbitral tendo por objeto os atos de liquidação (e não o indeferimento tácito do recurso hierárquico, cuja apreciação não constitui objeto autónomo possível e processo arbitral).

De resto, se hipoteticamente fosse necessário a impugnação explícita do indeferimento tácito, além do ato de liquidação, sempre seria caso de convidar o sujeito passivo a corrigir o pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Mas, isso nada tem a ver com a tempestividade, pois a impugnação do ato de liquidação foi pedida dentro do prazo previsto na parte final da alínea a) do n.º 1 do artigo 10-.º do RJAT.

Improcede, assim, a exceção da extemporaneidade suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.        

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)   A Requerente foi objeto de uma ação de fiscalização, de âmbito polivalente, por força da Ordem de Serviço OI2012    , referente ao exercício de 2009;

b)     Na sequência de ação inspetiva de âmbito polivalente ao exercício de 2009, efetuada em conformidade com a Ordem de Serviço nº 012012 …, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa elaboraram o respetivo Projeto de Relatório de Inspeção, com o projeto de correções num total de € 980.671,78, em sede de IRC, ao lucro tributável declarado pela Requerente, no montante de € 127.610,31, nos seguintes termos:

1) Perdas em mercadorias, não aceites como custo fiscal do exercício por não existir comprovativo do destino dado aos bens, designadamente a sua destruição, no montante de €10.806,92;

2) Custos associados a combustíveis consumidos e portagens, não aceites como custo fiscal por não conterem informação que permita validar que tais custos se referem a despesas relacionadas com a atividade da empresa, no montante de € 7.805,62;

3) Despesas de viagem, não aceites como custo fiscal no montante de € 267,07;

4) Custos não documentados e portante não aceites como custo fiscal no montante de        € 275.091,73;

5) Custos de exercícios anteriores não aceites como custo fiscal por o documento de suporte ser datado de 2008, no montante de € 6.988,46;

6) Custos de armazenagem de pilhas não aceites como custo fiscal no montante de               € 156.202,00;

7) Partilha de custos, não aceites como custo fiscal por não ser possível comprovar que existiu um custo efetivo e que a repartição do custo imputado respeita a proporção correspondente às vendas efetivas de ambas as sociedades, no montante de € 377.572,85;

8) Custos não imputáveis ao sujeito passivo e como tal não aceites como custo fiscal, no montante de € 95.118,01;

9) Amortizações não aceites na totalidade como custo fiscal, no montante de € 50.819,12.

c)     A Requerente, em sede de audição prévia e por não se conformar com várias dessas correções, exerceu o direito de audição;

d)      Em 19-06-2013, foi a Requerente notificada, nos termos do artigo 62º do RCPIT, do Relatório de Inspeção Tributária que desconsiderou algumas das correções evidenciadas no projeto de relatório, a saber:

1) Anulou a correção relativa a custos associados a combustíveis consumidos e portagens, não aceites como custo fiscal por não conterem informação que permitissem validar que tais custos se referiam a despesas relacionadas com a atividade da empresa, no montante de € 7.805,62;

2) Anulou a correção relativa a custos não documentados e, portanto, não aceites como custo fiscal, no montante de € 254.469,63, mantendo a correção no montante de € 20.622,10.

e)     Por ter a AT desconsiderado algumas das referidas correções projetadas, o valor da correção proposta foi reduzido para € 718.396,62;

f)      Posteriormente, foi a Requerente notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2013 …, da liquidação de juros compensatórios n.º 2013 - … e da demonstração de acerto de contas n.º 2013 …, relativas ao período de tributação de 2009, de que resultou um valor a pagar de € 104.769,67, sendo € 96.189,08 de imposto e € 8.580,59 de juros compensatórios (documentos 1, 2 e 4, juntos com a petição inicial, cujos teores se dão como reproduzidos);

g)     A data limite de pagamento da quantia liquidada é 05-09-2013;

h)     Em 29-08-2013, a Requerente pagou a quantia de € 104,769,67 respeitante à liquidação referida (documento n.º 4, junto pela AT em 20-04-2015);

i)      Em 06-01-2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida;

j)      A reclamação graciosa foi indeferida, sendo a decisão notificada à Requerente por carta recebida em 05-06-2014;

k)     Em 04-07-2014, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão da reclamação graciosa;

l)       O recurso hierárquico veio a ser decidido por despacho de 31-10-2014, proferido pelo Senhor Diretor de Finanças Adjunto em regime de substituição;

m)   Em 01-12-2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, em que a Requerente somente contestou uma parte das correções à matéria coletável, no valor de € 649.514,96, a saber:

1)     Custos não documentados e, portanto, não aceites como custo fiscal no montante de    € 20.622,10;  

2)      Custos de armazenagem de pilhas não aceites como custo fiscal no montante de            € 156.202,00;

3)      Partilha de custos, não aceites como custo fiscal por não ser possível comprovar que existiu um custo efetivo e que a repartição do custo imputado respeita a proporção correspondente às vendas efetivas de ambas as sociedades, no montante de          € 377.572,85;

4)      Custos não imputáveis ao sujeito passivo e como tal não aceites como custo fiscal, no montante de € 95.118,01.

 

n)      Relativamente aos valores referidos no primeiro ponto da alínea anterior, num total de €20.622,19, as justificações da Requerente são as seguintes:

 

Valor ( €)

Fornecedor

Explicação

50

B…

quota mensal de página WEB

50

B…

quota mensal de página WEB

11.182,66

I

regularização de desconto de pronto pagamento

6.516,79

I…

regularização de desconto de pronto pagamento

913,24

D

gastos com viagens de vendedores de Portugal

742,24

D…

gastos com viagens de vendedores de Portugal

585,19

D…

gastos com viagens de vendedores de Portugal

82,07

D…

verba para o mês de dezembro

500

C…

serviços de linguagem EDI

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

o)     Dá-se como provado que a Requerente apresentou os documentos que constam do processo administrativo e juntos com o pedido de pronúncia arbitral;

p)     Dá-se como reproduzido o Relatório da Inspeção Tributária que consta do processo administrativo.

 

3.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto provada e não provada

 

A Requerente referiu, no pedido de pronúncia arbitral, que todas as verbas referidas na alínea n) dos factos provados estavam documentadas através de faturas constantes dos documentos n.ºs 5 a 12, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos .

O Tribunal Arbitral só considera como devidamente documentada a verba de € 500 relativa aos serviços de linguagem EDI, para que foi apresentada uma fatura posterior da C…,SA, como o n.º 2010-…-… (documento n.º 12), que incluirá esse acréscimo de custo. Relativamente às outras, não foram fornecidas cópias de faturas ou documentos equivalentes (notas de débito, por exemplo) que comprovem estarem reunidas as condições legais para serem considerados documentos de suporte válidos.

Quanto à correção que a AT considerou como custos de armazenagem de pilhas no montante de    € 156.202,00, constata-se que se trata de uma comissão paga pela Requerente por serviços prestados no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado entre a E…,SL e a C…, SA e a F…, SAE.

No que respeita à correção descrita em terceiro lugar relativa à repartição de custos imputados à Requerente no montante de € 377.572,85, a Requerente apresentou um Relatório da  G…  sobre as contas da H… ..., SAL, que confirma uma alocação desses custos à Requerente num total de €328.518,00 que, acrescidos de uma percentagem de 5%, totalizariam uma faturação à Requerente de € 344.942,00. Sendo que a faturação foi de € 357.356,00, veio, na pronúncia arbitral, a Requerente solicitar uma correção de apenas € 12.414,00 (precisamente a diferença entre os dois valores constantes do Relatório da G…). Ora, no seguimento da argumentação apresentada e documentada, parece-nos que a comparação deveria ser entre a correção efetuada pela AT e os € 344.942,00, isto é, uma correção de €32.630,85.

Finalmente, sobre a correção da AT de € 95.118,01, a Requerente contabilizou como custos de merchandising um valor de €70.846,97 e custos de publicidade e transporte de mercadorias num total de €24.271,04 relativamente ao seu negócio de comissionista de pilhas.

Analisada a prova documental produzida pela Requerente, não se considera como provada a existência de documentos adequados para o valor de € 20.122,10 incluído no total de € 20.622,10 que representa a correção efetuada pela AT mencionada em primeiro lugar.

 

3. Matéria de direito

 

Face à factualidade em análise nos presentes autos e aos articulados das partes, as questões que se impõe conhecer são as seguintes:

 

3.1  Quanto à não aceitação como custos dedutíveis de custos não documentados no montante de € 20.622,10

 

Deparamo-nos, no presente processo, essencialmente, com a análise jurídica do que se dispõe no art.º 23.º, n.º1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, (adiante abreviadamente designado pelo sigla CIRC), o qual passamos a transcrever, com a redação em vigor à data dos factos:

 

Art. 23º

Gastos

1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança -reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta;

f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Depreciações e amortizações;

h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;

i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

j) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;

l) Menos-valias realizadas;

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

 

Dita o citado preceito que, para que um determinado gasto de uma pessoa coletiva, possa ser deduzido em sede de IRC, terão de verificar-se dois pressupostos:

a)     A comprovação desse gasto;

b)     A indispensabilidade do mesmo para o exercício da atividade da pessoa coletiva em questão.

 

Nesta primeira quaestio decidenda estamos perante gastos denominados de “quota mensal de página Web”, “regularização de desconto de pronto pagamento”, “gastos de viagens de vendedores de Portugal”, “verba para o mês de dezembro” e “serviços de linguagem de EDI”.

Quanto a estes gastos, a AT pronunciou-se no sentido da sua não aceitação como custo dedutível em sede de IRC. Conforme se retira da argumentação da AT, a contribuinte não apresentou as faturas inerentes a estes gastos.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega juntar as faturas correspondentes.

Sucede que, analisando a documentação, na verdade só foi junta uma fatura em que se encontra incluída a verba de €500 contabilizada em 2009 como custo para ser respeitado o regime contabilístico do acréscimo. De acordo com este princípio contabilístico, os custos de um exercício devem ser contabilizados no exercício a que respeitam independentemente do seu eventual pagamento. Ora existe uma fatura (documento externo) de 2010 que veio a incluir essa verba de €500 que, no entanto, por se referir aos meses de outubro a dezembro de 2009, já tinha sido estimada e contabilizada como custo neste ano, apesar de ainda não existir qualquer documento externo. Este é o procedimento contabilístico normal e correto (e também na ótica fiscal pois não existe qualquer exceção prevista no CIRC) que resulta no débito de um custo por contrapartida de um crédito de um passivo (acréscimo de custos). A cópia da fatura em causa (Invoice 2010-781, no valor global de €5.145,66) foi apresentada no processo (documento n.º 12, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), pelo que será tida em conta.

Não obstante, estando a mesma conforme os ditames impostos pelo art. 36º, n.º5 do CIVA, nada justifica, pelo menos nada foi alegado nesse sentido, a sua não aceitação

            Quanto aos demais documentos são documentos internos (extratos de contas e emails).

Os documentos acima mencionadas emitidos pela requerente não indicam os bens transmitidos ou os serviços prestados, nem as respetivas especificidades.

Ora, tendo nós presente que em sede de IRC, à data dos fatos em julgamento, as exigências formais para apresentação de justificativos de custos não são iguais àquelas que são exigidas para a emissão de faturas em sede de IVA (art. 36º, n.º do CIVA), a verdade é que é exigível um mínimo de formalismo, pelo menos passível de algum controlo por parte da AT.

Essa desnecessidade de um formalismo extremo deriva do facto de em IRC se estar perante uma questão de mera prova das despesas, ao contrário do IVA, pelo que qualquer elemento probatório serve para o efeito, inclusive a prova testemunhal.

Porém, essa abertura da lei terá de ser devidamente balizada e sopesada com outros princípios constitucionalmente garantidos, nomeadamente o interesse público de combate à fuga e evasão fiscal, ele mesmo subjacente às exigências de forma que a lei faz.

Acresce que, se a contribuinte opta – como optou - por utilizar como documento probatório documentos que não passariam o crivo do art.º 36.º do CIVA, ter-se-á de colmatar essa lacuna com recurso a algum outro elemento probatório.

No caso em apreço, o meio probatório utilizado pela contribuinte foram documentos elaborados pela própria contribuinte que não identificam de forma detalhada os serviços ou bens.

Ora, perante esta factualidade, é pertinente chamar à colação alguma da mais representativa jurisprudência acerca deste assunto:

 

I – Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de fatura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.

II – Se a recorrente, além de não ter apresentado documentos externos identificadores das principais características das transações, se limita a apresentar notas internas contabilizadas referindo-se a compras, carne, peixe, ovos, e a meros talões de compras, sem identificação das principais características das operações efetuadas, tais como, o objeto, o adquirente, o fornecedor e o preço, não podem relevar como documentos comprovativos dos respetivos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº 1, alínea a), e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, preceito segundo o qual para o efeito da determinação do lucro tributável só relevam os encargos devidamente documentados.

III – As exigências formais em sede de comprovação de custos visam propiciar à Administração Fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que, como ficou dito, à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro, e não se tratando de uma prática isolada, mas de uma prática reiterada e que envolve vários agentes económicos, com e sem contabilidade organizada, aceitar tais notas como documento idóneo a comprovar os respetivos custos, seria fazer tábua rasa da obrigação que impende sobre a recorrente quanto às exigências de contabilidade organizada e, ao mesmo tempo, convidar a ficarem fora do sistema fiscal, múltiplos agentes económicos.

IV – No caso concreto, considerando que os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, e que o princípio da justiça não cobre situações como as dos autos, numa ponderação global dos interesses em presença, mediada pelo princípio da proporcionalidade, deve dar-se prevalência à proteção do interesse público no combate à fuga e evasão fiscal, subjacente às exigências de natureza formal.

V – Se as amortizações são o processo contabilístico de distribuir, de forma racional e sistemática, o custo de um ativo que se deprecia pelos diferentes exercícios abrangidos pela sua vida útil, e se visam dar tradução à regra básica de que “aos proveitos de um exercício deduzem-se os custos que, nesse exercício, se tornou necessário suportar para obter aqueles”, elas só podem ser aceites quando contabilizadas como custos ou perdas do exercício a que respeitam, segundo o art.1º, nº 3, do Decreto-Regulamentar nº 2/90, e por exigência do princípio da especialização dos exercícios.

VI – Se a recorrente não elaborou um plano de amortizações de acordo com as partes do edifício que foram ficando aptas a utilizar pelo público, de forma a contabilizar em cada exercício a correspondente parcela de depreciação, antes contabilizou para efeitos de amortizações toda a empreitada em exercícios em que não era possível que toda a obra estivesse apta a entrar em funcionamento, tais amortizações não podem ser aceites como custos dos exercícios.

VII – No contexto do caso concreto, o interesse público da prevenção e combate da evasão fiscal, subjacente à prevenção da manipulação do princípio da especialização dos exercícios, deve prevalecer sobre os princípios da justiça e da tributação pelo rendimento real.”

In Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.07.2012, processo n.º 0658/11, disponível em www.dgsi.pt.

 

Também nesse sentido vide António Moura Portugal in “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, Coimbra Editora, respetivamente páginas 110, 195 e 204:

Porém, em casos excecionais, (…) os custos não documentados podem ser valorados no processo de apuramento do rendimento, desde que o contribuinte alegue e prove a existência e o montante gasto, o que poderá fazer por recurso a outros meios de prova ao seu dispor.”

 

“Numa palavra, a exigência de prova documental, nesta sede, não se confunde nem se esgota na existência de fatura”

 

“Resumindo, o entendimento presente nas decisões sumariamente transcritas leva-nos a reconhecer a evidente preponderância que assume a prova documental em sede de custos.

Porém, tal não significa que este meio de prova seja o único admissível, para justificar a realidade dos custos, o que bem se percebe se tivermos presente a essencialidade da exigência de documentação do custo e respetivas razões justificativas, para além, claro, das exigências decorrentes do princípio da capacidade contributiva neste domínio, pois caso se não pudesse provar a verificação do custo através dos meios de prova legalmente admitidos, estar-se-ia a sacrificar este valor em detrimento da conveniência da Administração Fiscal.” 

 

Pelo exposto, uma vez que o elemento probatório oferecido pela contribuinte – os tais documentos internos – não supre a lacuna identificativa dos bens transmitidos, ou serviços recebidos, na ausência de outros credíveis meios de prova, entendemos que não são de aceitar os valores destes documentos como custo por não estarem devidamente comprovados.

Em conclusão, o único valor aceite como gasto é de €500, verba essa incluída na fatura n.º 2010-…, cuja cópia consta do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

3.2  Quanto à não aceitação dos denominados custos de armazenagem de pilhas no montante de  € 156.202,00

 

Mais uma vez, e também quanto a esta segunda questão, trata-se aqui de averiguar acerca da verificação, ou não, dos pressupostos do art.º 23.º do CIRC conforme acima referido.

Ou seja, impõe-se averiguar por um lado se as despesas estão devidamente comprovadas e, num segundo momento, se as mesmas são indispensáveis, ou não, à atividade da contribuinte.

Versamos aqui sobre as faturas relacionadas com o pagamento de serviços prestados no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado entre a E…,SL e a C…, SA e a F…, SAE.

Em primeiro lugar, a AT nada aduz sobre a comprovação deste gasto, pondo, no entanto em causa a indispensabilidade deste gasto.

Cabe, ainda assim, apurar se se verifica o pressuposto da indispensabilidade exigido pelo art.º 23.º do CIRC e, assim, determinar se este custo pode ser deduzido pela contribuinte em sede de IRC.

Ora, a indispensabilidade de determinado custo, nos termos do art.º 23.º do CIRC, depende de uma tarefa de qualificação jurídica desses custos, correlacionando-os com o escopo social da contribuinte.

Trata-se, pois, de uma análise que cabe ao julgador e à qual a contribuinte deve colaborar procurando enquadrar esse custo com a sua atividade, explicando a motivação inerente à realização do custo e os objetivos que se propõe atingir com ele.

Nesse sentido, vide António Moura Portugal, In Op. Cit., página 275.

 

Começamos por deixar expresso o nosso entendimento: a invocação do ónus da prova em questões relacionadas com a necessidade do custo, não tem qualquer pertinência, dado que o que está em discussão é uma questão de qualificação de um gasto como indispensável. Trata-se de um juízo ou operação de qualificação (questão de direito) que os Tribunais têm de decidir, sem que para tal possam repousar apenas no papel mais ou menos ativo do contribuinte.

E o que se retira das decisões jurisprudenciais analisadas? Que não basta ao contribuinte provar a realidade do gasto e respetiva contabilização.”(…)

 

E,

 

Daí que manifestemos a nossa concordância com as palavras de Vítor Faveiro, quando refere a necessidade de comprovação não se reporta à indispensabilidade dos custos mas sim à efetividade da realização destes. A indispensabilidade não é, pois, suscetível de prova”

Por isso mesmo, na nossa opinião, faz mais sentido falar aqui num dever de motivação ou “explicação acerca da congruência económica da operação”, em vez de verdadeiro ónus da prova”

Vide Op. Cit, pg. 276

 

Ou seja, afigura-se-nos que o mero facto de um dado gasto estar alegado pelo contribuinte e existir um suporte documental, não pode determinar, por si só, a sua aceitação como custo dedutível.

É necessária uma subsequente tarefa, por parte do julgador, de apuramento sobre se esse custo é ou não indispensável à atividade prosseguida pelo contribuinte.

Também nesse sentido vide Rui Duarte Morais, In “Apontamentos ao IRC”, Editora Almedina, páginas 88 a 90:

 

Já vimos que a questão da “indispensabilidade” de um custo é um problema de qualificação (questão de direito), pelo que, rigorosamente, aqui não se coloca um qualquer problema de ónus da prova.(…)

(…) De seguida, salientaremos que a recusa, pela administração, da aceitação fiscal de um determinado custo pela invocação de ser desnecessário não põe em causa a verdade da escrita do sujeito passivo, mas apenas a qualificação por ele feita (em sede de apuramento do lucro) desse custo (que se aceita ter, realmente, existido). Daí que tal não aceitação não legitime o recurso a métodos de avaliação indireta, mas tão só aquilo que, normalmente, se chama de “correções técnicas” da matéria coletável declarada.(…)

(…) E aqui, segundo entendemos, cabe-lhe o ónus da alegação até porque, de outra forma, tais factos dificilmente serão conhecidos.”(…)

 

Também, em sentido concordante, vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10-02-2009, processo n.º 02469/08, disponível www.dgsi.pt, página 13:

 

“Sendo assim, a questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita corretamente organizada (arts. 78º do CPT e 75º da LGT) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível.”(…)

 

A AT alega que de acordo com o contrato celebrado entre a contribuinte e a C… S.A. aquela não é responsável por qualquer custo. Mais prossegue alegando que os produtos das pilhas não são propriedade do sujeito passivo por isso o custo da sua armazenagem não se revela indispensável.

A AT conclui que “(…) não se entendendo qual a necessidade de incorrer em custos quando o proveito será unicamente do Comissário (…)” Mais alega a AT que tem “reservas” quanto à consideração destes custos.

            Em primeiro lugar impõe-se analisar a natureza destes gastos. Quanto à sua denominação a própria AT reconhece que a sua denominação é “Comissão E…” (Cfr. pág. 21 do relatório inspetivo). A descrição dos serviços consta expressamente do contrato junto pela contribuinte sob doc. n.º13, anexo A e anexo B, o qual a vincula conforme resulta do contrato junto sob doc. n.º13 A.

Analisados os documentos citados, o gasto em causa diz respeito a uma comissão paga à E… e não a custos de armazenagem. Assim, a análise dos contratos relacionados com os custos de armazenagem ou a propriedade dos bens não nos auxiliará na solução a alcançar por estarem ambas as questões fora do objeto em análise.

            Face ao disposto no art. 75º, n.º1 da LGT, não basta a AT alegar que tem reservas ou que não entende tais gastos. Para que a AT pudesse não considerar estes gastos impunha-se que indicasse indícios acerca da não indispensabilidade destes gastos.

 

Os gastos em causa dizem respeito à gestão diária de clientes, aconselhamento sobre reclamações apresentadas pelos clientes, preparação de feiras, etc. (Cfr. doc. n.º13, anexo A e anexo B junto pela requerente)

            À AT está vedada a avaliação do mérito da despesa. Admiti-lo consistiria uma afronta à autonomia e liberdade de gestão da empresa, violando-se o disposto nos arts. art°s. 61º, 80º, al. c), e 86º da CRP

 

 

Neste sentido Cfr:

 

- Ac. do TCAS de 07/05/2015, proc. n.º 8534/15:

 

3. É entendimento da jurisprudência e doutrina que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa.

 

 - Ac. do STA de 24.09.2014, proc. n.º 779/12:

 

I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adotar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redação em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

 

Assim, as reservas ou a incompreensão, desprovidas de indícios, da AT relativa a gastos, não devem conduzir à sua não aceitação.

O controlo a efetuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria coletável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como ato de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601).

 

Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com o rendimento, explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.

 

Neste sentido Cfr. Ac. do STA de 24.09.2014, proc. n.º 779/12:

 

II - Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efetuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da atividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objetivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).

(No mesmo sentido cfr. Ac. do STA de 05/11/2014, proc. n.º 570/13.)

 

Cabe agora indagar se o referido gasto está no âmbito de atividade da contribuinte e é adequado à obtenção de rendimento. No caso em apreço os serviços relacionados com a gestão diária de clientes, aconselhamento sobre reclamações apresentadas pelos clientes, preparação de feiras ou a verificação de comercialização e limpeza dos produtos enquadram-se no escopo social da contribuinte.

Aqui chegados, os gastos em análise enquadram-se no âmbito da atividade da contribuinte devendo por isso ser aceites nos termos do art. 23º, n.º1 do CIRC.

 

3.3  Quanto à não aceitação como custos dedutíveis das faturas relacionadas com a partilha de custos no valor de €377.572,85

 

A questão agora em apreciação diz respeito aos chamados preços de transferência.

Revelador disto é o facto da AT no seu relatório inspetivo ter referido expressamente que se trata de um acordo de partilha de custos. Mais, a AT tenta fundamentar a sua decisão analisando um contrato de prestação de serviços (anexo 3 do relatório inspetivo), celebrado entre a contribuinte e a H… .... Neste documento consta expressamente que ambas as empresas são membros do mesmo grupo de empresas (Cfr. pág. 4 do anexo 3 do relatório inspetivo). No relatório inspetivo é referido que a contribuinte está integrada na estrutura ibérica, com diversas gestões efetuadas a partir da Sociedade Espanhola. Para este feito o relatório inspetivo junta como anexo 4 o relatório dos preços de transferência. Assim é manifesto que a AT reconhece que se trata de entidades relacionadas.

            Com a globalização da economia, para além da descentralização das estruturas internas, as empresas estabeleceram-se em diversos mercados surgindo, desta forma, as organizações multinacionais.

Os preços de transferência surgem precisamente da necessidade de valorizar as transações ocorridas no interior das organizações.

As prestações internas respeitantes aos serviços funcionais, como informática, contabilidade, expediente, serviço jurídico, etc., constituem um encargo que deve ser absorvido pelos diversos membros da multinacional utilizadores dos serviços.

O regime dos preços de transferências está previsto, essencialmente, nos artºs 63º e 138º do CIRC e nas portarias n.º 1446-C/2001 de 21.12 e n.º 620-A/2008 de 16.07.

A correção do lucro tributável relacionada com os preços de transferência só pode ser efetuada se verificados os requisitos cumulativos previstos no art. 63º do CIRC. Neste sentido Cfr. Ac. do STA  de 14.05.2015, proc. n.º 833/13

Para que a AT possa corrigir o lucro tributável ao abrigo do disposto no hoje art.º 63º do CIRC, em virtude de relações especiais entre o contribuinte e outra entidade, necessário se torna que tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes e que o lucro apurado na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações.

Tais pressupostos são de verificação cumulativa, cabendo primeiramente à Administração Fiscal fundamentar em que consistem tais relações especiais.

A fundamentação da existência de relações especiais relativas ao IRC é aferida pela norma do n.º3 do art.º 77.º da LGT. Cfr. Acórdão do TCAS, 05.07.2011, proc. 04384/10

A AT está, nesta matéria, vinculada a deveres especiais de fundamentação Art. 77º, n.º3 da LGT.

No caso em julgamento, a descrição das relações especiais impostos pelo art. 77º, n.º3, al a) da LGT não ocorreu. Impunha-se que a AT justificasse essas relações especiais enquadrando-a ao abrigo do art.63º, n.º4 do CIRC.

Acresce que, no caso em apreço a contribuinte alega ter cumprido as suas obrigações acessórias referentes à manutenção e organização de um processo de documentação fiscal, onde estão identificados as operações em causa e os preços de transferência praticados. A própria AT anexou o dossier dos preços de transferência ao relatório inspetivo. Impunha-se a análise da documentação fiscal. A sua eventual desconsideração exigiria uma justificação, que também não ocorreu no caso em apreço. 

            Destarte conclui-se que a decisão da AT, nesta parte, enferma de falta de fundamentação.

Importa referir que havendo correções, neste âmbito, deverá ser feito o ajustamento correlativo no lucro tributável do sujeito passivo com quem esteja numa relação especial. (Sobre correções nos preços de transferência Cfr. Jonatas Machado e Paulo Nogueira Costa, Curso de Direito Tributário, 2ª Ed., Coimbra Editora, pág. 295 e ss.). A não aplicação deste regime legal (preços de transferência) impede a consequente aplicação dos ajustamentos correlativos (art. 63º, n.º11 do CIRC).

            Muito embora a decisão em apreciação padeça de falta de fundamentação, importa referir que neste contencioso aplica-se o princípio do dispositivo, impondo-se às partes a delimitação do pedido (art. 10, n.º2, al. c) do RJAT).

Assim, existe uma limitação quantitativa e qualitativa do juiz pelo pedido. “(…) a limitação do juiz pelo pedido é uma regra de aplicação generalizada no nosso direito processual, em que se dá às partes o direito de disporem do objeto do processo, não se justificando que as exceções ao mesmo não estejam expressamente previstas» (In Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Jorge Lopes de Sousa, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 13 ao art. 125.º, pág. 367.).

            Porquanto, atendendo ao pedido formulado, o valor dos gastos, relacionados com a partilha de custos, deverá ser de €344.942,85. Tendo a contribuinte declarado a quantia de €377.572,85, o montante dos custos não aceites deverá ser de €32.630,85 (€377.572,85- €344.942,00 = €32.630,85).

 

3.4  Não aceitação pela AT de custos no montante de €95.118,01

 

Os custos em causa dizem respeito a merchandising, publicidade e transporte de mercadorias.

Novamente, estamos aqui perante a questão, já anteriormente abordada, da análise se estarão verificados os pressupostos previstos no art.º 23.º do CIRC para que estes custos possam ser deduzidos nos respetivos exercícios em sede de IRC.

No relatório inspetivo não é posta em causa materialidade das operações, é apenas referido que estas despesas não são da responsabilidade da contribuinte. Mais uma vez está em causa a indispensabilidade deste gasto.

 

Impõe-se, pois, determinar se os custos são indispensáveis à procura de obtenção de proveitos pela contribuinte, sem fazer juízos de mérito ou oportunidade.

Relativamente a estas despesas, face aos documentos juntos pela contribuinte aos autos, designadamente faturas e documentos denominados reposição (docs. 20 a 44 da p.i.), afigura-se-nos que estas despesas (merchandising, publicidade e transporte de mercadorias) estão efetivamente relacionadas com o objeto social, logo temos por demonstrada a indispensabilidade deste custo nos termos do art.º 23.º do CIRC.

Assim, é de rejeitar a correção proposta pela AT nesta sede no valor de €95.118,01. Por estar devidamente comprovada e ser indispensável para a realização dos rendimentos da requerente (art.23º, n.º1do CIRC), esta despesa deve ser aceite como gasto.

 

3.5  Da falta de fundamentação

 

A Requerente alega a falta de fundamentação da liquidação porque, supostamente:

 

“a) Dela não resulta que tenha havido qualquer correção aos prejuízos fiscais da Requerente, uma vez que nada se indica a esse respeito nas importâncias corrigidas;

b) Indica prejuízos fiscais de zero quando, mesmo após a correção, a Requerente continuaria a ter prejuízos fiscais reportáveis;

c) O prazo de pagamento é mencionado na “Demonstração de Acerto de Contas” e não no documento de liquidação;

d) As operações de acertos mencionadas naquele documento não são, ainda que de forma mínima, explicadas.”

 

Quanto a este argumento avançado pela Requerente, cumpre-nos referir que é patente do pedido de pronúncia arbitral que a mesma compreendeu, na íntegra, os diversos motivos fácticos que determinaram as correções aritméticas que constam da liquidação. Mais, esta resulta das conclusões propostas pela AT no relatório de inspeção, bem como do documento n.º7 junto com a resposta que foram previamente notificados à contribuinte.

N         a verdade, as divergências existentes entre a AT e a contribuinte são, como resulta do processo, questões de Direito.

Desta feita, não ocorre, quanto a liquidação, vício de falta de fundamentação, tendo a AT expresso, de forma clara, o percurso lógico, fáctico e jurídico, que determinou as correções que propôs.

Improcede, pois, este argumento aduzido pela contribuinte.

 

3.6  Juros compensatórios

 

Face aos fundamentos aduzidos supra, a liquidação em apreciação deverá ser parcialmente anulada, mantendo-se parcialmente.

Assim, na pare em que a liquidação é mantida, o imposto é devido, a sua liquidação foi retardada e existe culpa da contribuinte pelo seu retardamento.

Em conclusão, na parte mantida, serão devidos juros compensatórios, nos termos do art. 35º, n.º1 da LGT.

 

4.     Juros Indemnizatórios

 

Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

A revogação parcial do ato de liquidação é determinada, entre outros motivos, pela junção dos documentos n.º13 a 44 do pedido de pronúncia arbitral.

            Ora, estes documentos foram juntos pela contribuinte apenas em sede arbitral. Assim, o erro que afeta o ato de liquidação é imputável à Requerente, que não apresentou em devido tempo e local os referidos documentos.

            Por isso, está afastada a possibilidade do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43 n.º 1 da LGT e do artigo 61.º n.º 1 do CPPT.

 

5.     Decisão

 

Em face de tudo quanto se deixa exposto, decide-se:

1)      julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios nºs 2013 … e 2013 – …;

2)      anular parcialmente aquelas liquidações, na parte correspondente às quantias que devem ser admitidas como gastos a deduzir, que são:

 

a)     €500,00 incluídos na fatura n.º 2010-…-DN, cuja cópia consta do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral; 

b)     €156.202,00 relativa a comissões;

c)     €344.942, 00 relativa à partilha de custos;

d)     €95.118,01 relativa a merchandising, publicidade e transporte de mercadorias.

 

3)     Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios.

 

6. Valor do processo

 

    A Requerente indicou como valor da causa o de € 114.350,26.

    A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o valor da causa deve ser o correspondente à parte do valor da liquidação, que correções que a Requerente questiona, já que nem todas são objeto do pedido de pronúncia arbitral.

    Por força do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e do e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor atendível para efeito de custas, quando seja impugnada a liquidação, é o da importância cuja anulação se pretende.

  Foram efetuadas correções no valor total de € 718.396,62, que serviram de base a liquidação de IRC e juros compensatórios no valor de € 104.769,67, que é o da liquidação impugnada.

    No presente processo, a Requerente apenas impugna correções no valor de € 649.514,96, isto é, 90,41%.

    Por isso, o valor da liquidação que é impugnado é de 90,41% de € 104.769,67, isto é, € 94.722,25.

Assim, fixa-se ao processo o valor de € € 94.722,25

 

8. Custas

 

            Como se referiu, a Requerente impugnou correções no valor de € 649.514,96 e o pedido de pronúncia arbitral procede quanto a correções no valor de € 596.762,01, isto é, 91,88%.

            Assim, condena-se a Requerente a pagar 8,12% dos encargos do processo e condena-se a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar os restantes 91,88% desses encargos.

 

Lisboa, 09 de outubro de 2015  

 

Os Árbitros

 

Jorge Lopes de Sousa

Luís Janeiro

André Festas da Silva

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT