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DECISÃO ARBITRAL
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Relatório
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…, sociedade comercial anónima titular do número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de … e de identificação de pessoa colectiva …, com sede no …, freguesia de …, concelho de …, com o capital social de € …, doravante abreviadamente designada por Requerente, apresentou, em 17.02.2012, um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), com vista à declaração da ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e derrama n.º …, de 12.10.2011, referente ao exercício de 2007, e, bem assim, do acto de liquidação dos juros compensatórios correspondentes, com a consequente anulação destas liquidações e reembolso à Requerente do montante indevidamente pago de € 38.223,47, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde 22.11.2011 até integral reembolso desta quantia.
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É requerida a Direcção-Geral dos Impostos (actual Autoridade Tributária e Aduaneira, abreviadamente designada por Requerida ou AT).
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No pedido de constituição de tribunal arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro (vide artigo 242.º do referido pedido), pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, por decisão do seu Presidente, designou como árbitro singular o signatário, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado, tendo esta designação de árbitro sido notificada às partes nos termos e prazos aplicáveis.
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A reunião prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT teve lugar no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD – Avenida Duque de Loulé, n.º 72.º-A, Lisboa), no dia 26.04.2012 (vide Acta de Constituição do Tribunal Arbitral Singular), que corresponde, pois, à data a partir da qual o Tribunal Arbitral se considera constituído (vide artigo 11.º, n.º 8, do RJAT) e na qual tem início o processo arbitral (vide artigo 15.º do RJAT).
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Em 15.05.2012, a Requerida apresentou a resposta ao pedido de pronúncia arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do RJAT e, bem assim, juntou aos autos deste processo arbitral o processo administrativo que lhe precedeu, ao abrigo do n.º 2 daquele preceito.
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Em 24.05.2012, teve lugar, novamente na sede do CAAD, a primeira reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18.º do RJAT.
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Nesta reunião, as partes acordaram quanto à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente relativamente a duas das correcções infra melhor identificadas (adiantamentos a fornecedores/juros de suprimentos e seguros de saúde de familiares de trabalhadores), subjacentes à liquidação adicional de imposto cuja anulação se solicitou neste processo, tendo ficado designado o dia 20.06.2012 para esse efeito.
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A 20.06.2012, procedeu-se à inquirição das referidas testemunhas (… e …). Para além disso, o Tribunal Arbitral admitiu o pedido apresentado pela Requerente de junção de quatro documentos adicionais e fixou o dia 16.07.2012 para apresentação de alegações finais escritas.
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Em 06.07.2012, a Requerente apresentou os quatro documentos adicionais que protestara juntar.
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Em 10.07.2012, a Requerente apresentou as suas alegações finais.
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Em 16.07.2012, a Requerida apresentou as suas alegações finais.
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No total, a Requerente juntou vinte e três documentos (dezanove com o pedido de pronúncia arbitral e quatro mediante requerimento de 06.07.2012) e arrolou quatro testemunhas, tendo posteriormente vindo a prescindir da inquirição de duas; por sua vez, a Requerida juntou o processo administrativo, que compreende cópia do (segundo) projecto de relatório de inspecção tributária da Requerente, audição prévia e relatório final, e cópia do relatório de inspecção tributária da … e dos seus anexos.
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, em face do preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e ainda artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), estando devidamente representadas.
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O processo não enferma de nulidades, ou de questões incidentais ou prévias que cumpra conhecer.
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Thema Decidendum
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As questões a decidir no âmbito do presente processo arbitral reconduzem-se à procedência ou improcedência dos vícios imputados pela Requerente ao procedimento de inspecção tributária, de forma geral, e a cada uma das correcções efectuadas pela Requerida na esfera da sociedade …, impondo-se ainda uma decisão quanto à derrama calculada pela Requerida, à anulação dos juros compensatórios pagos pela Requerente e à atribuição a esta última do direito a auferir juros indemnizatórios, caso estejam preenchidos os respectivos pressupostos.
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À liquidação adicional acima identificada – cuja anulação a Requerente solicita neste processo arbitral – subjazem as seguintes correcções, efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária da AT:
Correcção
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Valor
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Fundamento Jurídico
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Desconsideração da relevância fiscal de gastos relativos a Deslocações e Estadas
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€ 617,40
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Artigo 23.º, n.º 1, do
Código do IRC
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Desconsideração da relevância fiscal dos gastos associados a prémios de seguros de doença a favor de familiares de trabalhadores da Requerente
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€ 90.650,401
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Artigo 40.º [actual artigo 43.º], n.os 2 e 4, e Artigo 23.º do Código do IRC
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Desconsideração do gasto relativo a indemnização por danos ocorridos na obra “…”
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€ 12.036,24
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Artigo 23.º do Código do IRC
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Desconsideração da relevância fiscal dos juros de suprimentos suportados pela Requerente
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€ 26.958,01
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Artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC
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No seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente, depois de invocar a ilegalidade do procedimento de inspecção tributária in toto, decorrente da violação do princípio da sua irrepetibilidade, solicitou a anulação das correcções fiscais acima elencadas (com a consequente anulação da liquidação adicional de imposto a que aquelas deram origem) com fundamento na sua ilegalidade; para além disso, contestou o método de cálculo da derrama em virtude da utilização de taxa que entendeu incorrecta; requereu a anulação dos juros compensatórios que foram por si suportados e, por fim, reclamou o pagamento de juros indemnizatórios.
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Por uma questão de organização, seguiremos nesta decisão arbitral a ordem de exposição sistemática utilizada quer pela Requerente (no seu pedido de pronúncia arbitral), quer pela Requerida (no Relatório de Inspecção Tributária que lhe subjaz e, bem assim, na resposta ao pedido de pronúncia arbitral), apreciando cada um dos pontos referidos de forma individualizada.
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Nessa medida, procuraremos dar resposta à(s) seguintes questão(ões) essenciais:
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Quanto ao vício de irrepetibilidade do procedimento de inspecção tributária: o princípio de irrepetibilidade do procedimento de inspecção tributária, consagrado no artigo 63.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (LGT), opõe-se à realização de um procedimento de inspecção tributária externo na esfera da sociedade …, integrada no perímetro fiscal do Grupo …, depois de este último ter sido objecto de um procedimento externo de inspecção tributária, sendo certo que ambos implicaram correcções à matéria tributável e, como tal, alterações no lucro tributável consolidado do Grupo …?
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Quanto à correcção referente a deslocações e estadas: têm relevância fiscal, ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, os gastos assumidos pela … com jantares e estadas de indivíduos com os quais não tem vínculo laboral – sendo antes colaboradores de outras empresas do Grupo … ou terceiros – em virtude da realização de uma reunião dos seus quadros?
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Quanto à correcção relativa aos gastos incorridos com prémios de seguros de doença de que são beneficiários familiares dos trabalhadores da …: os contratos de seguros de doença que abranjam, para além dos trabalhadores da …, os familiares destes, podem ser considerados custos ou perdas nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC ou, se tal não for admissível, uma realização de utilidade social e, dessa forma, serem os correspondentes prémios dedutíveis nos termos do preceituado no n.º 2 do artigo 40.º [actual 43.º] do referido diploma?
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Quanto à correcção respeitante à indemnização por danos ocorridos na obra “…”: os gastos suportados pela … com a indemnização por danos ocorridos na obra “…” dizem respeito a eventos seguráveis, ou a eventos que, independentemente de serem seguráveis (e estarem segurados) ou não, devem ter relevância fiscal ao abrigo do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, atento o seu cariz empresarial?
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Quanto à correcção atinente a juros de suprimentos: tendo a … suportado juros com empréstimos realizados pelos seus accionistas (suprimentos) e concedido financiamentos ou adiantamentos do pagamento de prestações de serviços aos seus fornecedores (de serviços de transporte), devem os referidos custos merecer relevância fiscal, ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC?
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Quanto ao cálculo da derrama (assumindo que o conhecimento desta questão não fica prejudicado em virtude da anulação de todas as correcções realizadas pela Requerida): a derrama municipal da sociedade …, pertencente ao Grupo fiscal …, deve ser calculada utilizando a taxa (individual) aplicável àquela sociedade (e, nesse caso, será admissível uma taxa de 1,5176%), ou a taxa média utilizada no cômputo da derrama municipal do Grupo …?
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Dos juros compensatórios;
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Dos juros indemnizatórios.
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Relativamente aos pontos a) a f) supra, iremos (i) elencar os factos relevantes tidos por provados; (ii) sintetizar os argumentos invocados pela Requerente e (iii) pela Requerida, e, por fim, (iv) proferir a respectiva decisão, oferecendo as razões de facto e de direito que a fundamentam.
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Razões de facto e de direito que sustentam a decisão
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Do vício da violação do princípio de irrepetibilidade do procedimento de inspecção tributária
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Matéria de facto relevante
A matéria de facto relevante para apreciar esta questão, e que se considera ter ficado demonstrada, é a seguinte:
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A Requerente é a sociedade dominante do Grupo …, tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (doravante, RETGS), assumindo já essa qualidade no ano dos factos em causa (2007).
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Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2009…, de ….05.2009 – a qual se encontrava dirigida à Requerente e identificava-a como sujeito passivo a inspecionar –, o Grupo … foi objecto de uma primeira acção de inspecção tributária externa relativamente ao exercício de 2007.
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De acordo com a referida Ordem de Serviço, tratava-se de uma acção inspectiva de âmbito “parcial”, que incidia sobre o IRC e, em particular, sobre o “RETGS” do sujeito passivo em questão.
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No seguimento da acção inspectiva acima mencionada, a Requerente foi notificada do Relatório (final) de Inspecção Tributária correspondente, do qual resultava uma correcção ao nível do lucro tributável do Grupo no montante total de € 2.409.503,41, e ao nível do cálculo do imposto do Grupo no valor de € 2.528,95 (favorável ao sujeito passivo).
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De acordo com o mencionado Relatório de Inspecção Tributária, estas correcções derivaram (i) da necessidade de reflectir, ao nível do Grupo, as correcções efectuadas na esfera individual da Requerente ao abrigo de um procedimento de inspecção externa anterior (motivado pela Ordem de Serviço n.º OI2009…, de ….02.2009); (ii) da necessidade de incluir o resultado fiscal apurado pela sociedade «…», em 2007, na soma algébrica através da qual se determinou o lucro tributável agregado, atendendo a que a referida sociedade havia sido indevidamente excluída do perímetro fiscal do Grupo … naquele exercício; (iii) da necessidade de repercutir no cálculo do imposto do Grupo o valor inscrito em declarações de substituição da sociedade «…» (pertencente ao Grupo …) e da Requerente relativamente a benefícios fiscais (SIFIDE).
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No capítulo dedicado ao “Motivo, Âmbito e Incidência Temporal”, o referido Relatório de Inspecção Tributária descreveu a acção inspectiva que lhe esteve subjacente como uma “inspecção de âmbito parcial […] efectuada com o objectivo de verificar o cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades”, no seguimento da qual se reflectiram “no resultado tributável e no imposto a pagar pelo grupo … as correcções resultantes da análise efectuada à declaração de rendimentos mod. 22/IRC individual da própria sociedade, relativa ao exercício de 2007, bem como as decorrentes da análise do perímetro do grupo” (cfr. página 4 do Relatório da Inspecção Tributária ao Grupo …).
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No seguimento desta (primeira) inspecção, a Requerente foi notificada das correspondentes liquidação adicional (n.º …, de 07.06.2010) e demonstração de acerto de contas (n.º …), onde se apurou um valor de imposto a pagar de € 682.297,87.
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Em 03.03.2010, já depois de concluído aquele primeiro procedimento de inspecção, foi a Requerente notificada da realização de nova acção inspectiva externa ao exercício de 2007, inicialmente de âmbito parcial (IVA e IRC) e posteriormente ampliada para âmbito geral, desta feita relativamente à sociedade «…» (doravante, …), também pertencente ao Grupo ….
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Na sequência deste segundo procedimento de inspecção, realizado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2010…, foram promovidas correcções na esfera individual da …, em IRC, no valor de € 149.694,53,
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as quais foram posteriormente reflectidas no lucro tributável consolidado do Grupo … através da análise interna promovida nos termos da Ordem de Serviço n.º OI2011…, que se materializou na liquidação adicional n.º …, aqui em crise.
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Breve síntese dos argumentos da Requerente no pedido de pronúncia arbitral e nas alegações finais
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No seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente argumentou que esta sucessão de procedimentos de inspecção externos e subsequente correcção do lucro tributável agregado do Grupo … consubstancia uma violação frontal do princípio da irrepetibilidade do procedimento de inspecção tributária, consagrado no artigo 63.º, n.º 4, da LGT.
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Este princípio – que, no entendimento da Requerente, decorre dos princípios da proporcionalidade e imparcialidade, aliados ao princípio da legalidade da actuação administrativa (cfr. artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa – CRP) – contém uma clara limitação dos poderes dos Serviços de Inspecção Tributária, procurando assegurar a certeza e segurança jurídicas e evitar incómodos desnecessários aos contribuintes fiscalizados.
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No caso em apreço, os dois procedimentos inspectivos coincidem quanto ao imposto a que respeitam (IRC), período de tributação (2007) e sujeito passivo ou obrigado tributário – cuja identidade decorre da aplicabilidade do RETGS e da circunstância de o apuramento do respectivo lucro tributável consolidado pertencer à sociedade dominante (Requerente), “entidade fiscalmente relevante” e “única adstrita ao cumprimento da obrigação tributária principal (o pagamento do imposto”.
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Acresce que, de acordo com o que foi invocado pela Requerente, o Grupo mais não é do que o conjunto das sociedades que o integram, pelo que uma inspecção externa realizada ao Grupo, nessa qualidade, abrange necessariamente as sociedades que o compreendem (se não de facto, pelo menos de jure), sendo certo que a falta de inspecção de facto de uma das referidas sociedades pelos Serviços de Inspecção Tributária – a quem cabe o poder, livremente exercitável, de decidir quais as sociedades inspeccionadas – não é imputável à Requerente ou à ….
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A … está inserida no perímetro fiscal do Grupo …, pelo que quaisquer diligências inspectivas realizadas na esfera individual daquela sociedade deveriam ter sido promovidas no âmbito da (ou previamente à) acção inspectiva efectuada ao próprio Grupo; não o tendo sido, deu-se a preclusão dos poderes inspectivos da AT quanto às sociedades nele integradas.
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Admitir o oposto implica admitir a realização de uma segunda inspecção ao Grupo …, na medida em que quaisquer correcções efectuadas ao nível das sociedades dominadas se repercutem necessariamente no Grupo; o apuramento de um lucro tributável agregado gera, pois, esta identidade do sujeito passivo inspeccionado.
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Por outro lado, alegou a Requerente que o RCPIT não se compadece com conclusões provisórias de inspecções; pelo contrário, o artigo 36.º deste diploma visa assegurar um certo grau de definitividade do procedimento, que impeça que os seus resultados sejam materialmente alterados.
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Neste caso, não se encontram reunidos os pressupostos (desde logo, formais, por ausência de decisão fundamentada do dirigente máximo do serviço) que permitem uma segunda inspecção ao mesmo sujeito passivo, com fundamento em factos novos – mormente, porquanto a noção de factos novos não abrange aqueles de que a AT pudesse (e devesse) ter conhecido aquando da primeira inspecção; o que, neste caso, compreende as matérias que consubstanciam as correcções ao lucro tributável da ….
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Pelo exposto, a segunda inspecção enferma dos vícios de violação do princípio da irrepetibilidade do procedimento de inspecção tributária (que não pode deixar de ter aplicação no âmbito de sociedades sujeitas a RETGS) e da regra da definitividade do procedimento de inspecção, assim como do princípio da proporcionalidade, sendo certo que a ilegalidade do procedimento acarreta necessariamente a ilegalidade da liquidação adicional que dele resultou.
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Nas alegações finais que apresentou, a Requerente reiterou os argumentos invocados em sede de pedido de pronúncia arbitral.
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Breve síntese dos argumentos da Requerida na resposta ao pedido de pronúncia arbitral e nas alegações finais
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Na sua resposta, a Requerida rejeitou que o referido vício da irrepetibilidade do procedimento de inspecção tivesse sido violado no caso em apreço, sustentando que o requisito atinente à identidade do sujeito passivo ou obrigado tributário não se deve ter por verificado.
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Com efeito, pese embora tenha reconhecido a relevância atribuída pelo direito fiscal aos grupos de sociedades, a Recorrida alegou que aquela não afasta a autonomia jurídica e tributária de cada uma das sociedades compreendidas no respectivo perímetro fiscal, motivo pelo qual um procedimento de inspecção tributária realizado ao grupo não se confunde nem equivale a acções inspectivas realizadas às sociedades dominadas.
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Nessa medida, sustentou a Requerida que “todas as sociedades que fazem parte do grupo económico sujeito ao RETGS” podem ser objecto de procedimentos inspectivos externos, desde que respeitado o prazo de caducidade, “independentemente de “o Grupo” já ter sido sujeito a um procedimento externo nesse exercício”.
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Para além disso, invocou a Requerida que o procedimento por via do qual se reflectiram na esfera do Grupo as correcções efectuadas à … foi de natureza interna, sendo certo que o aludido princípio da irrepetibilidade apenas se aplica a inspecções externas.
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Por fim, a Requerida invocou ainda argumentos de ordem prática, relacionados com a incapacidade (de tempo e de recursos) da AT para inspeccionar todas as sociedades de determinado Grupo fiscal num único procedimento de inspecção, em virtude de se tratarem de situações de alguma complexidade e que envolvem uma grande quantidade de documentação.
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Nas suas alegações finais, a Requerida manteve e reiterou a posição assumida na resposta ao pedido de pronúncia arbitral.
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Do Direito
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A questão essencial a decidir, quanto ao vício ora em apreciação, reconduz-se a saber se a AT, depois de concluído um procedimento de inspecção tributária externo dirigido a um grupo de sociedades tributado de acordo com o RETGS, pode proceder a nova acção inspectiva externa, referente ao mesmo imposto (IRC) e período de tributação (2007), embora dirigida especificamente a uma sociedade integrada no perímetro fiscal do referido grupo económico.
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No n.º 3 do artigo 63.º da LGT (na redacção vigente à data dos factos, que seguiremos nesta decisão), estabelecem-se limitações genéricas relativas ao procedimento de inspecção tributária, designadamente proibindo-se a realização de “mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação», salvo no caso de «decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço», ou se a (nova) fiscalização «visar apenas a confirmação dos pressupostos de direito que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas”.
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Assiste razão à Requerente quando qualifica este preceito como uma norma delimitadora dos poderes de fiscalização da AT. O seu propósito é justamente, de acordo com Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, evitar “que um mesmo contribuinte ou obrigado tributário seja sobrecarregado com os incómodos que as acções de fiscalização externas são susceptíveis de lhe provocar”2, nomeadamente no que respeita à natural perturbação que a própria execução prática de actos de inspecção externa é susceptível de criar na actividade diária da empresa. Submeter o sujeito passivo a acções de inspecção tributária implica, por si só, sujeitá-lo necessariamente à ingerência da AT na sua esfera privada, com o fito de obter informações respeitantes, por exemplo, à sua situação económica, financeira, pessoal e profissional (em suma, aos “aspectos menos visíveis das acções dos contribuintes”, recorrendo à expressão de Joaquim Freitas da Rocha3). Se, por um lado, aquela ingerência se justifica e admite constitucionalmente, em prol da necessidade de assegurar o cumprimento das normais fiscais, por outro, não deixa de ser absolutamente crucial que, num Estado de Direito democrático, ela se norteie por princípios de proporcionalidade e legalidade, por forma a não ferir os interesses legítimos dos contribuintes inspeccionados em mais do que o estritamente necessário. Esta preocupação vai ao encontro, de resto, do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 7.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), o qual exige que as acções integradas nos procedimentos inspectivos sejam “adequadas e proporcionais aos objectos de inspecção tributária”.
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Por outro lado, entendemos que o citado artigo 63.º, n.º 3, da LGT tem também por escopo conceder segurança e certeza jurídicas à situação fiscal do indivíduo inspeccionado. Sabendo-se que o procedimento de inspecção tributária visa “a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias” (artigo 2.º do RCPIT), existe uma forte probabilidade que o mesmo termine com a notificação ao sujeito passivo de um acto de liquidação adicional de imposto. A experiência prática diz-nos, aliás, que raras são as vezes em que uma acção inspectiva não dá origem à liquidação oficiosa e subsequente de impostos. Nessa medida, o sujeito passivo não desconhece que, quando é submetido a um procedimento de inspecção, pode ver (e verá, a maioria das vezes) a sua situação jurídico-tributária alterada. Ora, se o legislador não tivesse consagrado um limite quantitativo à realização de inspecções – ou seja, se fosse permitido à AT reinspeccionar, tantas vezes quantas as pretendidas, o mesmo sujeito passivo –, podia a respectiva situação fiscal ser consistentemente redefinida até ao termo do prazo de caducidade do direito à liquidação, o que dificilmente se compaginaria com os imperativos de segurança jurídica e certeza que perpassam o ordenamento jurídico nacional, sobretudo em sede de direito fiscal.
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É legítimo à AT optar por realizar um procedimento inspectivo que abranja a totalidade das sociedades integradas no perímetro fiscal de um grupo sujeito ao RETGS. Afinal, uma das prerrogativas de que goza a Administração é justamente a de identificar e seleccionar os sujeitos passivos a inspeccionar, o que pode fazer em função de critérios objectivos previamente definidos, atendendo a critérios fixados pelo director-geral dos Impostos “de acordo com necessidades conjunturais de prevenção e eficácia da inspecção tributária ou a aplicação justificada de métodos aleatórios”, ou até mesmo em função da verificação de “desvios significativos no comportamento fiscal dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários perante os parâmetros de normalidade que caracterizam a actividade ou situação patrimonial” (cfr. artigo 27.º do RCPIT).
Todavia, se a AT, ao invés de seleccionar um conjunto pré-determinado de sociedades individualizadas, optar por dirigir o procedimento inspectivo “ao Grupo”, enquanto tal, torna-se necessário definir o alcance desta expressão, designadamente para efeitos de coaduná-la com o princípio da irrepetibilidade do procedimento tributário. Isto porque, como acima se referiu, o n.º 3 do artigo 63.º da LGT pressupõe e exige uma tripla identidade entre acções inspectivas para vedar a sua repetição: ambas terão que respeitar ao mesmo imposto, período de tributação e sujeito passivo ou obrigado tributário.
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O conceito de “grupo de sociedades” foi definido por José Engrácia Antunes como “o conjunto mais ou menos vasto de sociedades comerciais que, conservando embora as respectivas personalidades jurídicas próprias e distintas, se encontram subordinadas a uma direcção económica unitária e comum”. Este conceito comporta, pois, uma dupla especificidade: do ponto de vista económico, trata-se de uma forma de organização da actividade económica nova e revolucionária, que se caracteriza por assumir contornos de uma unidade económica plurissocietária; do ponto de vista jurídico, por sua vez, a especificidade do grupo societário reside na tensão ou oposição latente entre a diversidade contida na personalidade jurídica de cada sociedade dominada e a unidade resultante da sua sujeição a uma direcção comum4. O grupo societário é assim, por definição, um conjunto articulado e heterogéneo de diferentes sociedades que mantêm a sua personalidade jurídica, autonomia organizativa e patrimonial, apesar da sua sujeição a uma direcção económica mais vasta e unitária e da sua subordinação a uma estratégia e interesse económicos exteriores. “Quando se fala de grupo”, pois, “está[-se] a identificar uma realidade em que existem várias sociedades ou outras entidades (dotadas de personalidade jurídica ou não), mas que têm património, fins e organização próprias, apesar de se subordinarem a uma direcção económica comum e unitária”5.
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O Direito Fiscal desde cedo concedeu uma atenção particular ao fenómeno dos grupos de sociedade. Mais preocupado com a substância económico-material desta forma moderna de organização da empresa do que com a sua organização jurídico-formal, o legislador fiscal reconheceu o grupo como unidade tributária, elevando-o a ponto de referência no que respeita ao cômputo da matéria tributável e ao cumprimento de um conjunto de obrigações e direitos tributários. O RETGS, consagrado nos artigos 63.º e seguintes do Código do IRC, demonstra isso mesmo.
Pese embora a sua relevância fiscal unitária, o grupo de sociedades não detém, per si, personalidade tributária. Nem poderia, aliás, na medida em que não lhe foi conferida sequer personalidade jurídica própria. Nessa medida, o grupo em si mesmo considerado não é um sujeito passivo no âmbito do direito fiscal, mas antes um conjunto fiscalmente relevante de sujeitos passivos autónomos, que obedece a um regime tributário particular. Nesse sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 14.02.2001 nos autos do processo n.º 025380 (relator: Jorge Lopes de Sousa): “[m]antendo as sociedades dominante e dominada a sua autonomia jurídica, patrimonial e tributária, elas não são uma única entidade, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”.
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Não obstante, entendemos que, quando o procedimento de inspecção tributária se dirige ao Grupo enquanto tal, deve considerar-se que abrange o universo das sociedades (dos sujeitos passivos) que o compreendem. Consideramos, assim, que deverá ser efectuada uma interpretação do n.º 3 do artigo 63.º da LGT à luz das particularidades que oferece o RETGS. Não apenas é a solução que, a nosso ver, melhor se coaduna com os princípios de legalidade, proporcionalidade, segurança e certeza jurídicas que acima se referiram – a determinação do lucro tributável consolidado merece tanta definitividade quanto a determinação do lucro tributável individual –, como é aquela que encontra fundamento nas regras próprias que regulam as acções inspectivas fiscais.
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Com efeito, parece-nos que ao encetar um procedimento que se dirija ao Grupo, como um todo – e de que é notificada a sociedade dominante, enquanto entidade dirigente do Grupo –, a AT está (ainda que tacitamente) a incluir no seu âmbito as sociedades dominadas. Esta possibilidade encontra-se prevista, aliás, no n.º 3 do artigo 2.º do RCPIT, o qual dispõe que “o procedimento de inspecção pode abranger, em simultâneo com os sujeitos passivos e demais obrigados tributários cuja situação tributária se pretenda averiguar, os substitutos e responsáveis solidários ou subsidiários, as sociedades dominadas e integradas no regime especial de tributação dos grupos de sociedades (…)” (sublinhado nosso). Nesse caso, determina o n.º 4 do mesmo preceito que “as entidades gozam dos mesmos direitos e estão sujeitas aos mesmos deveres dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários”.
Ora, a nosso ver, um desses direitos não poderá deixar de ser aquele que se encontra consagrado no n.º 3 do artigo 63.º da LGT: o direito a não ver a sua situação tributária sujeita a dupla fiscalização, sempre que estiverem em causa o mesmo período e imposto. Assim, se o Grupo, enquanto tal, é sujeito a inspecção – ou seja, se as sociedades que o compõem são abrangidas pelo âmbito material da acção inspectiva –, entendemos que cada uma das sociedades dominadas gozará do mesmo direito que assiste à dominante de se opor a nova inspecção, sendo‑lhe inoponíveis argumentos relativos à falta de meios da AT para, na primeira inspecção, levar a cabo todos os actos tidos por necessários para o apuramento da sua concreta situação fiscal.
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Concordamos com a Requerente, portanto, quando estende o âmbito de aplicação do n.º 3 do artigo 63.º da LGT ao caso particular de grupos de sociedades tributados de acordo com o RETGS.
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Sucede porém que, no caso em apreço, não nos parece que o (primeiro) procedimento inspectivo realizado pela Requerida tenha abrangido o Grupo … como um todo. É certo que o Relatório de Inspecção Tributária correspondente se refere ao “procedimento de inspecção efectuado ao exercício de 2007 ao grupo …” (pág. 2). É igualmente certo, porém, que o mesmo Relatório, no Capítulo dedicado aos “Motivo, Âmbito e Incidência Temporal” do procedimento inspectivo subjacente, esclarece que o mesmo foi efectuado “com o objectivo de verificar o cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedade”, por um lado, e, por outro, que as únicas correcções promovidas tiveram que ver com a repercussão, ao nível do Grupo, das correcções efectuadas na esfera individual da Requerente (em acção inspectiva anterior) e com o reajustamento do respectivo perímetro fiscal.
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Quanto às primeiras correcções, não restam dúvidas que respeitam apenas à sociedade dominante – responsável pelo apuramento do lucro tributável consolidado, nos termos do artigo 64.º do Código do IRC – e não às sociedades dominadas.
Quanto às segundas, por sua vez, torna-se evidente que, no plano material, foi também a sociedade dominante a única inspeccionada. Com efeito, é a esta sociedade que cabe, por um lado, a comunicação à AT dos termos e limites do perímetro fiscal do Grupo que encabeça (cfr. artigo 63.º do Código do IRC, em particular o seu n.º 7), e, por outro, o apuramento do respectivo lucro tributável, através da soma algébrica dos resultados individuais das sociedades dominadas. Ora, a segunda categoria de correcções promovidas pela AT, no seguimento da acção inspectiva em referência, prendeu-se justamente com a inclusão nesta soma algébrica do resultado de uma sociedade que havia ficado incorrectamente excluída do perímetro fiscal do Grupo … (a «…») e com a consideração de declarações de substituição apresentadas por sociedades integradas no Grupo relativamente a benefícios fiscais. Num caso como no outro, a AT não se deteve – nem de facto, nem de iure – com a fiscalização dos resultados individuais das sociedades dominadas; nem o poderia fazer, de resto, ao abrigo do objectivo que guiou este procedimento de inspecção. Ele dirigiu-se, tão-somente, à verificação do cumprimento pela sociedade dominante das obrigações que, ao abrigo do RETGS, lhe cabem, e à correcção dos desvios consequentemente detectados.
Pese embora a escolha pouco rigorosa de palavras da AT no Relatório de Inspecção Tributária, quando se referiu ao “procedimento (…) efectuado (…) ao grupo …”, entendemos que este procedimento se dirigiu, pois, à sociedade dominante “enquanto sujeito passivo dos vários deveres relacionados com as obrigações do grupo no âmbito do [RETGS]”, tendente designadamente a comprovar “a veracidade dos elementos declarados tendentes ao apuramento do resultado do grupo para efeitos do IRC”6. Nessa medida, concluímos que o mesmo não abrangeu as sociedades dominadas per si, motivo pelo qual o (segundo) procedimento de inspecção, realizado especificamente à sociedade …, não nos merece censura, do mesmo modo que não é ilegal o procedimento (interno) subsequente, por via do qual as referidas correcções foram reflectidas a nível do Grupo ….
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Atendendo ao exposto, improcede, nesta parte, o pedido da Requerente.
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Quanto à correcção referente a Deslocações e Estadas:
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Matéria de facto relevante
A factualidade relevante (e considerada provada) para apreciação da legalidade da presente correcção é a seguinte:
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Nos dias 12 e 13 de Dezembro de 2007, a … promoveu uma reunião de quadros em …, que implicou um dispêndio com a alimentação e estada dos seus quarenta e dois participantes no valor global de € 1.515,00 e € 6.148,01, respectivamente.
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Sucede, porém, que alguns dos referidos participantes não apresentavam um vínculo laboral com a …, não pertencendo, pois, aos respectivos quadros, motivo pelo qual a AT concluiu que as despesas correspondentes (com a sua alimentação e alojamento) não preenchiam o requisito da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora da ….
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Nessa medida, e ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, a Requerida procedeu à desconsideração do montante global de € 617,40, do qual € 292,76 corresponde à importância suportada com o alojamento de … e …, e € 324,64 corresponde a despesas de alimentação de …, …, três funcionários da sociedade «…» e quatro funcionários da sociedade «…», ambas integradas no Grupo fiscal encabeçado pela aqui Requerente.
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Breve síntese dos argumentos da Requerente no pedido de pronúncia arbitral e nas alegações finais
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No entender da Requerente, as correcções promovidas pela AT não detêm utilidade prática, motivo pelo qual não deveriam sequer ter sido praticadas (cfr. artigo 55.º da LGT) ou, tendo-o sido, deveriam ter sido acompanhadas de correcção de sinal contrário junto das sociedades a cujos quadros pertenciam os trabalhadores em causa.
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No que respeita aos custos incorridos com trabalhadores da «…» e da «…», a ausência de utilidade prática advém da circunstância de estas se tratarem de duas sociedades integradas no Grupo …, motivo pelo qual as correcções efectuadas na sua esfera não deveriam ter impacto ao nível do apuramento do lucro tributável agregado do mencionado Grupo.
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No que se refere ao Sr. …, esclareceu a Requerente que se trata de um quadro da «…», sociedade que, pese embora esteja excluída do perímetro fiscal do Grupo …, é detida a 73% pela «…». Ora, esta última não apenas pertence ao referido Grupo como, de acordo com o alegado, é responsável pela coordenação dos investimentos da Requerente na área dos betões, motivo pelo qual os custos suportados com o alojamento e alimentação de … deveriam ter-lhe sido imputados, redundando na ausência de sentido prático da correcção praticada pelos motivos acima descritos. Para além disso, foi ainda dito pela Requerente que aquele trabalhador (…) se encontrava na dita reunião por ser o responsável pela área comercial da sociedade onde desenvolve a sua actividade.
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Por fim, no que respeita ao Eng. …, alegou a Requerente tratar-se de um funcionário da …. Em Alegações finais, porém, e depois de confrontada pela Requerida, a Requerente esclareceu que o Eng. … não era trabalhador da … à data da realização da reunião de quadros, tendo-o sido antes (até Março de 2007) e tendo reingressado na empresa mais tarde. Não obstante, referiu a Requerente que se trata de um indivíduo profundamente ligado ao Grupo …, o qual tinha interesse na sua participação na mencionada reunião.
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Em Alegações finais, a Requerente invocou ainda que a presente correcção não assenta na suspeição da falta de indispensabilidade das referidas despesas, uma vez que os custos suportados com os demais participantes da reunião não foram questionados; assentando, ao invés, numa questão de preços de transferência, cujo regime legal impunha que a recusa da aceitação de um custo numa sociedade do Grupo fosse acompanhada da consideração simétrica do custo noutra sociedade dominada.
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Breve síntese dos argumentos da Requerida na resposta ao pedido de pronúncia arbitral e nas alegações finais
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Em resposta ao pedido de pronúncia arbitral e, bem assim, em sede de alegações escritas finais, a Requerida manteve a posição assumida pela AT no Relatório de Inspecção Tributária, defendendo que os custos em questão – decorrentes de todas as situações acima elencadas – não cumprem o requisito de indispensabilidade exigido pelo artigo 23.º.
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Alegando que aquela indispensabilidade deve ser aferida casuisticamente, mais referiu a Requerida que a existência de um vínculo laboral entre as pessoas indicadas e sociedades pertencentes ao Grupo … não impõe como consequência lógica e necessária a consideração fiscal desses custos na esfera individual das mencionadas sociedades.
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Para além disso, invocou ainda a Requerida que a consideração de determinado custo numa ou noutra sociedade não é indiferente, dado que o que se comunica a nível do Grupo são os resultados fiscais de cada sociedade, e não os respectivos ganhos ou custos.
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Do Direito
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Conforme acima se referiu, a questão essencial que cumpre decidir, no que respeita à presente correcção, reconduz-se a saber se têm relevância fiscal, ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, os gastos assumidos pela … com jantares e estadas de indivíduos com os quais não tem vínculo laboral – sendo antes colaboradores de outras empresas do Grupo … ou terceiros à … – em virtude da realização de uma reunião dos seus quadros.
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Ora, de acordo com o estipulado no citado artigo 23.º do Código do IRC, a dedutibilidade fiscal de um encargo não está, entre nós, dependente da existência de um vínculo laboral entre o indivíduo que motivou esse encargo e a empresa que o assumiu, mas antes da sua indispensabilidade para a realização dos respectivos proveitos e/ou para a manutenção da fonte produtora.
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Este conceito indeterminado – a indispensabilidade do custo – deve ser interpretado como abarcando todos os custos suportados pelas empresas no âmbito da prossecução do seu objecto social, ou seja, todos os encargos a cuja assunção, pela empresa, tenha presidido um intuito empresarial. Assim, a relevância fiscal do custo não se afere nem em função da sua aptidão para gerar, de imediato, a realização de um ganho, nem em função da sua importância para a capacidade de subsistência da empresa. Não pressupõe sequer que ele seja necessário, ou adequado, ou usual, ou conforme ao fim prosseguido: estamos aqui num espaço de liberdade empresarial irrestrita – quando muito, a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é de facto meramente empresarial ou se se pretende por alguma via beneficiar certo sócio. Na verdade, o corpo do n.º 1 daquele artigo 23.º apenas permite a desconsideração fiscal dos custos extra-empresariais, isto é, daqueles que não apresentam qualquer afinidade com a actividade da sociedade, tais como os encargos com despesas privadas dos sócios ou com terceiros, estranhos à empresa. A sua aplicação para desconsiderar fiscalmente um custo efectivamente suportado está, portanto, circunscrita às situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiros. O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, pois, com o intuito de impedir a consideração fiscal de gastos que, embora contabilizados como custos, não são susceptíveis de se subsumirem ao âmbito da actividade da empresa.
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Neste sentido vai o entendimento de António Moura Portugal, muitas vezes citado pela nossa jurisprudência, em A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa, quando sustenta que “a solução acolhida entre nós (…) tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário (…). Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal dos custos deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se sempre que – por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas – as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção do lucro ainda que de forma indirecta ou mediata”.
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O que se expôs tem sido também reconhecido pela jurisprudência portuguesa – veja-se, por todos, o recentíssimo aresto proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 27.03.2012, nos autos do processo n.º 5312/12 (relator: Aníbal Ferraz): “1. Só não são indispensáveis «os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa», isto é, a indispensabilidade, dos gastos fiscais, tem de entender-se «como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte»”. De igual modo, o Acórdão nº 06350/2003, de 24/06/2003, proferido pelo mesmo Tribunal Central Administrativo Sul, refere que “só se as operações económicas deixarem de radicar em razões empresariais, mas na ilícita concessão de vantagens a um terceiro ou de benefícios em favor do património pessoal do empresário em nome individual é que serão havidos como custos fiscais”.
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É certo que, quando os custos forem suportados com trabalhadores da empresa, a sua empresarialidade será, à partida, mais evidente; todavia, como bem referiu a Requerida na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral, este não é – nem deve ser – o elemento decisivo para aferir da dedutibilidade de determinado encargo. É perfeitamente possível que um jantar entre colaboradores de uma mesma empresa não seja norteado por intuitos empresariais, e por isso mesmo não deva merecer relevo ao abrigo das regras do direito fiscal, do mesmo modo que é natural (e até habitual) que jantares com terceiros sejam relevantes para os propósitos prosseguidos pelo sujeito passivo – bastará pensar no caso de jantares com potenciais investidores ou clientes, cuja dedutibilidade é manifesta. Também no que a estes custos diz respeito, pois, a sua indispensabilidade afere-se em função do motivo (empresarial ou não) que presidiu a sua realização, e não em função do vínculo laboral que existiu entre os seus eventuais participantes. A circunstância de se tratar de um jantar de quadros não é suficiente para afastar esta regra, na medida em que se podem conceber situações nas quais a presença de terceiros à empresa se justifique neste tipo de jantares.
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Por outro lado, a indispensabilidade deste custo em particular, suportado pela …, não pode deixar de aferir-se de modo unitário. Estamos perante um custo que não é segregável: foi uma única reunião de quadros, na qual participaram colaboradores da referida empresa e, bem assim, terceiros. Uns e outros, frequentaram o mesmo jantar, debateram os mesmos temas e participaram nas mesmas discussões. Assim – e tendo em conta que, como vimos acima, o factor determinante não é, em face do artigo 23.º, o vínculo laboral dos participantes, mas a empresarialidade do gasto –, não vemos como pode a AT considerar dedutível parte do custo assumido pela … com esta reunião de quadros, por aceitar a sua intrínseca empresarialidade, e corrigir uma outra parcela, em função da sua dispensabilidade para a realização de proveitos. Na prática, significa isto admitir que o mesmo jantar foi motivado por propósitos empresariais no que se refere a 33 dos seus participantes, e motivados por propósitos pessoais (no sentido de extra-empresariais) para os restantes 9. Ora, se se aceita que esta reunião de quadros foi realizada no interesse da empresa – porque se discutiram estratégias relevantes para a …, porque se planearam orçamentos e operações, porque se definiram negócios, etc. –, foi-o para a totalidade dos seus participantes, independentemente de se tratarem de trabalhadores da … ou de outra empresa. Poder-se-ia questionar, é certo, qual o contributo dos terceiros acima identificados para esta reunião; todavia, se a … entendeu a sua presença necessária, essa decisão não é sindicável nem pela AT, nem pelo Tribunal Arbitral, por se situar no âmago da liberdade de gestão empresarial que cabe à referida empresa.
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Concordamos com a Requerente, portanto, quando conclui que a suspeição da AT perante esta despesa não se reconduz a uma questão de indispensabilidade; pelo contrário, parece estar aqui em causa o regime dos preços de transferência.
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Na verdade, uma vez que, na sua larga maioria, os indivíduos cuja participação na reunião foi questionada – do ponto de vista da assunção pela … dos respectivos custos – pertenciam a sociedades relacionadas com a … (integrando o mesmo Grupo fiscal ou não, todas elas preenchiam os pressupostos do n.º 4 do actual artigo 63.º do Código do IRC), a correcção da AT aparenta ter sido motivada pela necessidade de alocar (ou re-debitar) o gasto em questão, imputando-o à sociedade com o qual cada indivíduo detinha um vínculo laboral. Ao não aceitar a sua dedutibilidade na esfera da …, a AT pareceu partir do pressuposto, pois, que houve uma prestação de serviços não remunerada entre esta e as restantes sociedades, materializada na cedência temporária dos respectivos quadros; ou, porventura, uma estratégia fiscal assumida com o propósito de alocar custos onde eles teriam maior utilidade. Ainda que fosse esta a suspeição da AT, todavia, o esforço argumentativo que carreou para o processo ficou manifestamente aquém do necessário: a AT não chegou sequer a invocar o regime dos preços de transferência, preferindo atacar a dedutibilidade dos custos assumidos pela … com fundamento na sua alegada dispensabilidade.
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Acresce ainda que, mesmo que tivesse mobilizado para o caso em apreço o regime dos preços de transferência, teria sido forçada a, nos termos do artigo 58.º, n.º 11, do Código do IRC, promover o competente ajustamento na esfera da entidade relacionada – no caso, a aceitar como custo fiscal, na esfera das sociedades com os quais os indivíduos supra mencionados tinham contrato de trabalho, as despesas corrigidas na esfera da …. Não o tendo feito, ficou também prejudicada a sua correcção na esfera desta última empresa.
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Em face do que antecede, e à luz do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, reconhece‑se razão à Requerente, considerando procedente o seu pedido de pronúncia arbitral no que respeita à presente correcção.
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Quanto à correcção referente a seguros de doença de que são beneficiários familiares dos trabalhadores
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Matéria de facto relevante
A factualidade relevante (e considerada provada) para apreciação da legalidade da presente correcção é a seguinte:
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Em 2007, a … contabilizou custos com seguros de doença, contratados para a generalidade dos trabalhadores da empresa, seus cônjuges e descendentes, no valor global de € 169.367,00.
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A AT não aceitou como custo fiscal a parcela referente a encargos suportados com familiares dos trabalhadores, no montante de € 90.650,40, ao abrigo dos n.os 2 e 4 do artigo 40.º [actual artigo 43.º] do Código do IRC, conjugado com o artigo 23.º do mesmo diploma.
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O Manual de Acolhimento aos Trabalhadores da … elaborado em 07.02.2007 menciona, na página 22, que a “… proporciona aos seus trabalhadores e respectivo agregado familiar (cônjuge e filhos) a adesão a um seguro de saúde (…)”.
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Esta é uma prática seguida pela … desde, sensivelmente, 1990/1991.
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Breve síntese dos argumentos da Requerente no pedido de pronúncia arbitral e nas alegações finais
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No entender da Requerente, os custos suportados pela … com prémios de seguros de saúde contratados em benefício dos familiares dos seus trabalhadores têm relevância fiscal ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC, na medida em que correspondem a um custo legal e obrigatório para a referida sociedade.
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Trata-se, de acordo com a Requerente, de uma componente da retribuição dos aludidos trabalhadores que passou a ser obrigatória por resultar de uma prática reiterada da empresa (cfr. artigo 249.º do Código do Trabalho), e que é seguida por esta desde 1990/1991, de acordo com o depoimento da testemunha …, sendo até uma das condições oferecidas no processo de contratação de trabalhadores (cfr. Manual de Acolhimento).
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Ora, sendo parte do pacote remuneratório dos trabalhadores, estes custos têm necessariamente uma causa empresarial, sendo abrangidos, pois, pelo proémio do artigo 23.º do Código do IRC.
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Acresce que, de acordo com o alegado pela Requerente, são custos indispensáveis dado que são parte do equilíbrio económico-financeiro da empresa e das suas relações com trabalhadores; a sua assunção pela … resulta de decisões de gestão que pretendem acautelar não apenas aspectos humanos como, também, o equilíbrio negocial entre a empresa e os seus trabalhadores. Nessa medida, são custos tao indispensáveis quanto os custos com a sua remuneração base.
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O disposto no n.º 4 do artigo 23.º aplica-se apenas a realizações de utilidade social não obrigatórias (porque as obrigatórias são naturalmente vistas como custos produtivos), sujeitando-as aos termos do artigo 40.º ou a incidência em sede de IRS como requisito para a sua consideração fiscal.
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Ainda que os custos em apreço não fossem obrigatórios – e, como tal, estivessem sujeitos ao preenchimento dos pressupostos (mais apertados) do artigo 40.º –, deve entender-se que se encontram abrangidos pelo disposto no n.º 2 deste preceito, uma vez que a expressão “a favor dos trabalhadores”, constante do trecho final desta norma, se aplica apenas à sua segunda parte (que se refere a contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social), separada da primeira pela colocação da locução “bem como”.
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Em favor deste entendimento, a Requerente invoca ainda o elemento sistemático de interpretação, alegando que o artigo 2.º, n.º 3, alínea c), 3), do Código do IRC também distingue entre seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis e similares – que sujeita a incidência em sede daquele imposto – e seguros se saúde e acidentes pessoais – que não encontram previsão no Código de IRS.
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Em suma, alegou a Requerente que os referidos custos devem ser relevados, se não ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC, então nos termos do n.º 2 do artigo 40.º do mesmo diploma.
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Breve síntese dos argumentos da Requerida na resposta ao pedido de pronúncia arbitral e nas alegações finais
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A Requerida invocou que a interpretação integrada dos artigos 23.º e 40.º [actual artigo 43.º] do Código do IRC permite apenas atribuir relevância fiscal aos custos suportados pelas empresas com seguros de doença constituídos a favor dos seus trabalhadores, como se retira da utilização do advérbio “exclusivamente” na parte final do n.º 2 do (então) artigo 40.º.
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No que respeita ao artigo 23.º, a Requerida alegou que os custos assumidos com os familiares dos referidos trabalhadores não se revelam indispensáveis para a … na medida em que não se esgotam nos seus interesses empresariais – não apresentando qualquer ligação com a actividade produtiva da empresa –, mas sim no interesse de terceiros (os seus beneficiários).
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Para fundamentar a sua posição, a Requerida invocou o Acórdão proferido pelo TCAS no recurso n.º 3220/09, o qual apreciou a dedutibilidade dos gastos assumidos com despesas médicas e medicamentosas de ex-empregados e concluiu que os mesmos não deveriam ter relevância fiscal por corresponderem a um acto estranho ao objecto social, que apenas beneficiou os respectivos destinatários.
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Por sua vez, no que se refere ao enquadramento dos mencionados custos no artigo 40.º, a Requerida manteve a posição assumida no Relatório de Inspecção Tributária quanto à restrição daquele preceito a custos assumidos “exclusivamente (…) a favor de trabalhadores”; para tanto, rejeitou a tese proposta pela Requerente que divide o n.º 2 do artigo 40.º em segmentos, e limita aquela restrição à sua segunda parte (que engloba contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social).
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Para a Requerida, todas as realizações de utilidade social mencionadas no n.º 2 do artigo 40.º devem ter sido constituídas exclusivamente em benefício dos trabalhadores, e não apenas aquelas que são mencionadas depois da locução “bem como”: é o que se retira, de acordo com a Requerida, da interpretação correcta daquela norma, da exclusão daqueles custos do âmbito do artigo 23.º – exclusão essa que não teria ficado prevista no respectivo n.º 4 se o legislador pretendesse sujeitar este tipo de custos a uma dedutibilidade abrangente –, e da sua não inclusão no n.º 1 do artigo 43.º (que se refere expressamente a familiares dos trabalhadores), mas antes nos n.os 2 e 4 do mesmo preceito, os quais apenas mencionam “trabalhadores” e nunca os seus familiares.
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Em suma, a Requerida rejeita a consideração destes encargos como custos fiscais ao abrigo do artigo 23.º e, bem assim, do artigo 40.º [actual artigo 43.º] do Código do IRC.
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Do Direito
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A questão relativa à dedutibilidade fiscal dos prémios de seguros de saúde contratados a favor de familiares de trabalhadores já foi objecto de apreciação em duas decisões arbitrais proferidas ao abrigo do RJAT: no âmbito do processo arbitral n.º 4/2012-T, em que foram Árbitros José Poças Falcão, Marcolino Pisão Pedreiro e João Marques Pinto, e do processo arbitral n.º 22/2012-T, no qual o Tribunal Arbitral foi composto por José Poças Falcão, Maria da Graça Martins e Manuel Vaz.
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Em ambas, os Tribunais Arbitrais respectivos, depois de analisar devidamente os preceitos legais invocáveis, concluíram pela dedutibilidade fiscal dos referidos encargos, com fundamento na sua subsunção à primeira parte do n.º 2 do artigo 40.º do Código do IRC.
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Por ter relevância para a presente causa, passamos a transcrever parte da decisão proferida no âmbito do processo arbitral n.º 4/2012-T:
“O CIRC enuncia o princípio/regra de que os custos ou perdas, para efeitos de IRC, são os comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora, nomeadamente e entre outros, as remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma (…), material de consumo corrente (…) seguros, incluindo os de vida e operações do ramo “Vida”, contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social (…)” – Cfr art 23º-1, CIRC/2008.
Exclui, no entanto, desta regra, os custos com os prémios de seguros de doença e acidentes pessoais, bem como as importâncias despendidas com seguros e operações do ramo ”Vida”, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social que não sejam considerados rendimentos do trabalho dependente nos termos da primeira parte do nº 3) da alínea b) do nº 3 do artigo 2º do Código do IRS (Cfr art. 23º- 4 e 40º, do CIRC/2008).
Compreende-se: se estes últimos custos têm regime próprio de dedução ao lucro tributável ou se [no caso de constituírem rendimentos do trabalho dependente, têm um regime de dedução específico – artigo 23º-1/a), do CIRC/2008], não podem beneficiar da regra geral.
Regressando ao caso subjuditio:
A impugnante defende que, enquanto parte integrante da remuneração dos trabalhadores e uma vez que constituem encargos atinentes à obtenção de um recurso produtivo (mão de obra), os prémios de seguro pagos devem ser considerados custos indispensáveis no entendimento ou concepção previstos no artigo 23º-1/CIRC.
Ou seja: seriam encargos obrigatórios na medida em que se reconduzem a remunerações e esta constituem obrigações legais obrigatórias.
Vejamos:
O pagamento de prémios com seguros de doença e acidentes pessoais dos trabalhadores e seus familiares é efectuado pela … desde há décadas.
Admitindo que tal fosse originariamente procedimento facultativo a verdade é que a prática reiterada ao longo de anos sucessivos transformou essa prática em obrigação contratual no âmbito laboral – Cfr artigos 258º, 259º e 260º (a contrario) do Código do Trabalho e, v. g., Ac do TCAS – Proc 2899/00-, de 31-10-2000.
Todavia tendo tais custos, em certa medida, uma natureza retributiva do trabalho prestado, não podem ser abrangidos pelo artigo 23º do CIRC, mas antes pelo artigo 40º-2, do mesmo diploma (seguros de doença e acidentes pessoais).
Na verdade, à luz do conceito de realizações de utilidade social13 que se extrai da leitura e de toda a economia do artigo 40º-2, do CIRC/2008, torna-se assim plausível e mais consentânea com o espírito e fins, designadamente, sociais, dessa norma e os ideais de Justiça – fim último e primeiro das normas jurídicas - a interpretação de que os contratos de seguro de doença e acidentes pessoais, desde que abranjam – como é o caso - todos os trabalhadores da … e constituam, pela consagração em instrumento de negociação colectiva de trabalho ou pela prática reiterada ao longo de vários anos, um direito laboral adquirido, podem incluir no seu âmbito os familiares dos trabalhadores desde que reunidos os demais pressupostos, para efeitos do citado normativo.
Na verdade, não estando expressamente prevista na lei a inclusão dos familiares, o que é facto é que também tal não é excluído se atentarmos no primeiro segmento do artigo 40º-2, CIRC/2008: “(…)2 — São igualmente considerados gastos do período de tributação, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais,(…)”
(grifado nosso).
13 – Já anteriormente ficou expresso esse conceito, resultante da análise e interpretação do citado artigo 40.º, do CIRC.
Pelo contrário, no segundo segmento da norma em causa, a exclusão dos familiares parece já evidenciada ou, pelo menos, muito mais discutível: “(…) 2.(…)bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa (…)” (grifado nosso).
Ou seja: haverá que distinguir entre seguros de doença e acidentes pessoais, por um lado, e seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente (grifado nosso), o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência, por outro, sendo que só nestes últimos casos existe ou subsiste a limitação desses benefícios apenas aos trabalhadores [atente-se no elemento literal: “(…) a favor dos trabalhadores da empresa (…)”] para efeito do cálculo da dedução ao lucro tributável.
Aliás, do próprio elemento literal ou gramatical, é o entendimento mais lógico e consequente na medida em que, relativamente aos contratos de seguro de doença e acidentes pessoais faz escasso sentido a condição imposta (a favor dos trabalhadores da empresa) no citado segundo segmento da norma: “(…)que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez14 ou sobrevivência, a favor dos trabalhadores da empresa (…)” (grifado nosso).
14 – Embora no seguro de acidentes pessoais, o segurador possa cobrir o risco de invalidez, temporária ou permanente (Cfr artigo 210º, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro citado nas notas infra).
Este âmbito de garantias é, pelo contrário, apanágio dos seguros de vida15, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para regimes complementares de segurança social.
15 – No seguro de vida, o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura (artigo 183º, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo DL 72/2008, de 16 de Abril)).
Os seguros de doença e acidentes pessoais têm, pelo contrário, como âmbito, os riscos relacionados com a prestação de cuidados de saúde16 de harmonia com o plano de coberturas previsto nas condições do contrato.
16 – Cfr artigos 213º e ss., do citado Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
Acresce que, no citado segundo segmento da norma em causa, impõe-se que as garantias – benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência -, estão sujeitas à regra da exclusividade.
Por outro lado ainda, a Lei (art. 42º-2, CIRC/2008) impõe apenas que sejam beneficiários, nestes últimos casos, os trabalhadores mas nada dispõe ou impõe quanto à pessoa segura (o segurado).17
17 – No caso e atendendo ao léxico jurídico dos contratos de seguros (contratos a favor de terceiro – arts 443º e ss., do C. Civil e DL nº 72/2008, de 16 de Abril)), o tomador do seguro é a …l; o segurado poderá ser o trabalhador ou familiar e o beneficiário será, no caso de doença e acidentes pessoais, o trabalhador ou os seus familiares e, no caso dos seguros de vida e invalidez, sempre os trabalhadores.
Por isso é que, não repugnando embora, em absoluto, a dúvida sobre o entendimento ou a interpretação restritiva da norma (apenas os contratos de seguros de doença e acidentes pessoais dos trabalhadores), a verdade é que, de todo o texto e contexto da norma subjuditio, resulta (menslegis) a vontade de não excluir do seu âmbito, no contexto dos factos dos autos, os familiares dos trabalhadores no que concerne a seguros de doença e acidentes pessoais, reunidos que sejam naturalmente os demais pressupostos.18
18 – Naturalmente que os contratos de seguro tendo como beneficiários não familiares dos trabalhadores estarão fora da letra e espírito da norma em causa. Por razões claras e óbvias, designadamente por, ressalvadas eventualmente certas situações (por exemplo, nas uniões de facto estáveis, o companheiro ou companheira do trabalhador), não ser descortinável a necessária “utilidade social”, fundamento do benefício fiscal em causa.
Assinale-se ainda, que a norma em causa com a epígrafe “realizações de utilidade social” não tem em vista a finalidade principal ou essencial duma norma tributária - a obtenção de receitas – mas visa antes objectivos económicos e, sobretudo, sociais, reconduzindo-se, nesta perspectiva a um verdadeiro benefício fiscal concedido à empresa para a “incentivar” à prossecução e/ou manutenção de finalidades sociais, como são a protecção na doença e acidentes pessoais dos trabalhadores e seu familiares.
A dedução, obviamente com limites, desses custos, são perfeitamente justificáveis ou aceitáveis nessa óptica.
Esta é, assim uma interpretação que está na linha dos deveres sociais e constitucionais do Estado, de segurança social e protecção à família, considerando que a dedução ao lucro tributável de despesas com seguros de saúde e acidentes pessoais de familiares dos trabalhadores é uma forma de o Estado, indirectamente ou, no caso, por interposta empresa, cumprir ou complementar o cumprimento desse desiderato constitucional – Cf., designadamente, artigos 63º e 67º, da Constituição.
E se o texto da Lei, na interpretação que dele fazemos, não exclui os familiares mediante o uso de qualquer expressão linguística restritiva como a utilizada no segundo segmento da norma [“(…) bem como com contratos de seguro de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis, ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa (…)], essa omissão e o texto e contexto da norma, só pode ter o significado razoável e lógico apontado à luz dos princípios gerais de interpretação das normas jurídicas, sem necessidade de trazer à colação o princípio contra fiscum em caso de dúvida interpretativa de norma tributária (princípio para alguns hoje, no mínimo discutível), cumprindo-se assim, por outro lado, o princípio geral de interpretação condensado no velho brocardo interpretativo aequioret benigna summenda19.
19 – Deve tomar-se a interpretação mais justa e benigna.
Concluindo nesta parte:
Especialmente quando revistam carácter obrigatório em função, designadamente, do regime jurídico do contrato de trabalho, os contratos de seguro de doença e acidentes pessoais a que alude o artigo 40º-2, do CIRC/2008 abrangem, para além dos trabalhadores, os familiares destes.”
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Acompanhamos o sentido desta decisão, que foi também seguido na decisão adoptada no âmbito do processo arbitral n.º 22/2012-T. Com efeito, concordamos com os doutos Árbitros que a proferiram no que respeita à subsunção do caso em apreço à norma contida na primeira parte do n.º 2 do artigo 40.º do Código do IRC, e à aplicação deste preceito não apenas aos prémios de seguros referentes aos trabalhadores da empresa (contrariamente, pois, à segunda parte do n.º 2 do artigo 40.º) mas também aos respectivos familiares. Tal como referido na decisão que se transcreveu, é a interpretação que nos parece mais consentânea com a letra da lei e, bem assim, com a respectiva ratio.
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Àquela fundamentação – que subscrevemos na íntegra – acrescentamos ainda o seguinte: também o artigo 23.º, n.º 4, do Código do IRC conduz necessariamente à conclusão de que os “prémios de seguros de doença e de acidentes pessoais” e as “importâncias despendidas com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares de segurança social” são duas situações perfeitamente autonomizáveis.
Para melhor apreciação desta questão, passamos a transcrever a referida norma:
“Excepto quando estejam abrangidos pelo disposto no artigo 40º, não são aceites como custos os prémios de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como as importâncias despendidas com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares de segurança social que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2 º do Código do IRS.”.
Resulta deste preceito que as duas situações nele contempladas são realidades distintas, estanques, separadas pela locução “bem como”. Tanto assim é, aliás, que é apenas à segunda realidade nele prevista que se aplica o requisito relativo à não consideração como “rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2 º do Código do IRS”, o qual surge acoplado à expressão “importâncias despendidas com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares de segurança social” sem qualquer separação por vírgula. Se dúvidas houvesse quanto a esta conclusão, elas dissipar-se-iam em face do disposto na norma do Código do IRS invocada, a qual menciona apenas “as importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social (…)”, nada dispondo, pois, quanto a seguros de doença e de acidentes pessoais.
Retira-se da análise integrada destes preceitos, assim, que, no n.º 4 do artigo 23.º, o legislador quis tratar separadamente:
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dos “prémios de seguros de doença e de acidentes pessoais”, cuja dedutibilidade fiscal é aferida em função do disposto no artigo 40.º do Código do IRC (“Excepto quando estejam abrangidos pelo disposto no artigo 40.º (…)”);
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das “importâncias despendidas com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares de segurança social”, que serão dedutíveis se preencherem os termos do artigo 40.º, salvo se forem consideradas rendimentos de trabalho dependente ao abrigo do artigo 2.º do Código do IRS, que se refere apenas a este segundo conjunto de situações.
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Como se refere na decisão arbitral acima transcrita, a separação entre estas duas realidades manteve-se no n.º 2 do artigo 40.º do Código do IRC. Neste preceito, o legislador recorreu novamente à locução “bem como” para distinguir entre “contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais” e “contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social”, e sujeitou a dedutibilidade fiscal deste segundo conjunto de encargos ao requisito adicional de que “garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa”.
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Em face da formulação adoptada pelo legislador fiscal, não pode deixar de se concluir que este requisito adicional, referente ao benefício exclusivo dos trabalhadores, não se aplica às situações previstas na primeira parte daquele preceito (“contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais”). É o que se infere, repita-se, da circunstância de a primeira e a segunda parte do n.º 2 do artigo 40.º se encontrarem divididas pela locução “bem como”, e da evidência de que os benefícios mencionados no final do n.º 2 do artigo 40.º (“reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência”) nada têm que ver com seguros de doença e de acidentes pessoais.
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Nessa medida, não vislumbramos quaisquer impedimentos legais à consideração fiscal dos prémios dos seguros de saúde contratados em benefício de familiares dos trabalhadores. Pelo contrário: a sua relevância para o direito fiscal insere-se na ratio prosseguida pelo artigo 40.º do Código do IRC, que, como acima se afirmou, prossegue objectivos eminentemente extrafiscais.
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Esta conclusão não é abalada pela circunstância de o n.º 4 do artigo 40.º – que consagra requisitos adicionais para a aplicação do disposto no n.º 2 do mesmo preceito, de que temos vindo a tratar – se referir, nalgumas das suas alíneas, aos “trabalhadores”, e não aos seus familiares. Com efeito, as exigências consagradas naquela norma, no sentido de que os seguros contratados pela empresa devem beneficiar os trabalhadores de forma geral, e cada um de acordo com um critério objectivo e idêntico, não afastam o que supra se expôs. Por um lado, porque de nenhuma destas exigências se retiram indícios que sustentem que o legislador fiscal pretendeu restringir a relevância fiscal dos encargos em questão àqueles que se reconduzissem exclusivamente aos trabalhadores – fê-lo no n.º 2 do artigo 40.º, mas apenas relativamente às demais realizações de utilidade social nele mencionadas, e não aos seguros de doença e de acidentes pessoais. Por outro lado, não surpreende que, mesmo quando estejam em causa seguros a favor de familiares dos trabalhadores, o legislador tenha pretendido assegurar um certo grau de igualdade dentro da empresa. Afinal, como bem refere a Requerente, os seguros de saúde que beneficiam cônjuges e descendentes encontram a sua causa genética nos trabalhadores: é em função da ligação destes últimos à empresa que esta aceita arcar com a despesa adicional decorrente da contratação de seguros a favor dos seus familiares. Mal se compreenderia, aliás, que a aceitação fiscal dos prémios dos seguros contratados a favor de trabalhadores estivesse dependente da sua consagração para a “generalidade dos trabalhadores”, em termos definidos de acordo com um critério “objectivo e idêntico”, e os seguros de saúde a favor dos respectivos familiares não fossem norteados pelas mesmas preocupações de igualdade.
Assim, as diversas alíneas do n.º 4 do artigo 40.º do Código do IRC que se referem a trabalhadores devem ser interpretadas como abrangendo, também, e em virtude da sua conexão justamente com os trabalhadores, os contratos de seguros a favor dos seus familiares.
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Tudo sopesado, entendemos, juntamente com as decisões arbitrais acima mencionadas, que não existem impedimentos à dedutibilidade fiscal dos prémios de seguros de saúde estabelecidos a favor de familiares de trabalhadores, à luz do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 40.º do Código do IRC.
Por esse motivo, procede, quanto a esta correcção, o pedido de pronúncia arbitral.
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Quanto à correcção referente à desconsideração fiscal da indemnização suportada pela … com danos ocorridos na obra “…”
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Matéria de facto relevante
A factualidade relevante (e considerada provada) para apreciação da legalidade da presente correcção é a seguinte:
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Na sequência de um fornecimento de betão que se veio a apurar ser defeituoso, a … emitiu uma nota de crédito, no valor de € 12.036,24, a favor do seu cliente «…». Este valor correspondeu à anulação do preço pago pela «…» e, bem assim, à assunção pela … dos custos suportados pelo seu cliente com a demolição das estruturas edificadas com recurso ao betão defeituoso.
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A AT desconsiderou a relevância fiscal daquele encargo ao abrigo do disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, ou seja, por se tratar de um gasto suportado em virtude da materialização de um evento cujo risco era segurável.
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Procurando apurar responsabilidades pela ocorrência do defeito acima mencionado, a … instaurou um procedimento disciplinar ao trabalhador …, Expedidor Controlador, na sequência do qual concluiu que havia sido por culpa deste trabalhador (que “não tomou as devidas cautelas ao carregar o betão”) que se deu “a entrega do betão não conforme o solicitado pelo cliente”.
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A … contratou um seguro de responsabilidade civil geral com a seguradora «…» (apólice n.º …), o qual garante “o pagamento das indemnizações, pelas quais [a …] possa ser civilmente responsável, em sede de responsabilidade civil extracontratual” e, bem assim, “danos provocados a terceiros devidos a erros ou omissões havidos com a concepção, produção, fabrico, embalagem, etiquetagem ou instruções de uso dos produtos objecto de entrega ou fornecimento pel[a …]” e “danos causados às obras constituídas, no todo ou em parte, com produtos fornecidos pelo Tomador de Seguro, incluindo os danos causados às infra-estruturas da obra”.
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De acordo com as respectivas Condições Particulares, estão excluídos do âmbito do referido seguro “danos causados ao objecto directo dos trabalhos”, “qualquer responsabilidade de natureza contratual que o Tomador do Seguro tenha assumido”, “danos causados intencionalmente pelo Tomador de Seguro, seus empregados ou mandatários” e “quaisquer reclamações que tenham por origem inadequação dos produtos à função ou ao propósito enunciados pelo Tomador de Seguro […]”.
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O referido seguro tem como franquia mínima o valor de € 3.500,00.
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Breve síntese dos argumentos da Requerente no pedido de pronúncia arbitral e nas alegações finais
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No seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou que, tendo a seguradora «…» declinado suportar a indemnização devida à «…», foi a … forçada a suportá-la, sob pena de se arriscar ver irremediavelmente comprometida a sua relação com este cliente.
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Tratou-se, assim, de um custo vulgar e indispensável, relacionado com a concretização de riscos próprios do negócio, cuja assunção pela … se ficou a dever a motivos estritamente empresariais, tendentes à obtenção de proveitos e à manutenção da fonte produtora da …, razão pela qual o referido encargo merece relevância fiscal ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC.
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A ratio prosseguida pela alínea m) do n.º 1 daquele preceito – incentivar a contratação de seguros que abranjam os riscos próprios da actividade – foi cumprida no caso em apreço, motivo pelo qual não assiste razão à violenta penalização fiscal que a mesma consagra.
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Em todo o caso, alegou a Requerente que os factos acima descritos não consubstanciam um evento coberto pelo seguro contratado pela …, atendendo ao elemento de dolo existente na conduta do pessoal da empresa.
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Breve síntese dos argumentos da Requerida na resposta ao pedido de pronúncia arbitral e nas alegações finais
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Na sua resposta, a Requerida alegou que o gasto ocorrido no caso em consideração decorreu de um evento que era susceptível de ser objecto de contrato de seguro nos termos da lei vigente, o que determina a não relevância fiscal do referido encargo ao abrigo da alínea j) [actual alínea m)] do n.º 1 do artigo 23.º.
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Mais alegou a Requerida, aliás, que os argumentos apresentados pela Requerente não apenas comprovaram o cariz segurável do referido evento como a circunstância de o mesmo se encontrar segurado, na medida em que se confirmou que o incidente que gerou o custo em análise seria, em princípio, objecto do seguro contratado pela ….
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Por outro lado, a Requerida chamou atenção para o facto de a Requerente ter invocado, na participação do evento à seguradora e, bem assim, em sede de procedimento inspectivo e na audição prévia, que a responsabilidade por aquele incidente se devia à fornecedora do equipamento informático «…», motivo pelo qual o custo em questão devia ter-lhe sido imputado.
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Do Direito
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A questão essencial a decidir, no que respeita à presente correcção, reconduz-se a saber se os gastos suportados pela … com a indemnização por danos ocorridos na obra “…” provêm de um evento segurável, caso em que estará afastada a sua dedutibilidade fiscal ao abrigo da alínea j) [actual alínea m)] do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.
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Com efeito, na medida em que a referida alínea limita a dedutibilidade fiscal das indemnizações pagas pelos sujeitos passivos àquelas que resultem de eventos cujo risco não seja segurável, o gasto assumido pela … só merecerá relevância fiscal se se concluir que teve origem em danos cuja ocorrência não se inseria nos parâmetros habituais e razoáveis da abrangência dos seguros contratados pelas empresas do sector.
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Na verdade, como tem vindo a ser afirmado pela nossa doutrina, o conceito de evento “segurável” terá que ser interpretado à luz destes parâmetros de razoabilidade e normalidade, porquanto se, em teoria, todos os riscos são tecnicamente seguráveis, a verdade é que, na prática, há riscos cuja transferência as seguradoras não aceitam, ou aceitam apenas mediante o pagamento de contrapartidas extremamente onerosas. Quando a lei fala em “eventos cujo risco seja segurável” (artigo 23.º, alínea j) do Código do IRC), está evidentemente a reportar-se a riscos seguráveis no comércio normal de seguros (p.e., incêndio, acidente de viação, acidente de trabalho, etc.).
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Assim, não basta aferir, em abstracto, se a contratação de seguro é legalmente admissível, mas também demonstrar que, na prática, o evento pode ser objecto de seguro, face a natureza dos factos em questão, sem que daí decorram obrigações para o tomador de seguro – mormente no que respeita aos prémios devidos – excessivamente onerosas e desproporcionais face à sua actividade.
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No caso em apreço, ficou demonstrado que, pese embora a responsabilidade pela ocorrência do defeito no betão tivesse sido inicialmente atribuída à empresa de software informático …, ela deveu-se, afinal, à conduta “infractora dos seus deveres de trabalhador” de um trabalhador da ….
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Foi também alegado pela Requerente, e não contestado pela Requerida, que alguns dos seus (restantes) funcionários, tendo tomado conhecimento do lapso praticado pelo referido trabalhador – e, consequentemente, do defeito do betão produzido – optaram por nada dizer ou fazer, não tendo impedido, consequentemente, o fornecimento de betão (defeituoso) à empresa «…».
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Resultou, assim, da factualidade carreada para o processo que a responsabilidade pela ocorrência dos danos cuja indemnização a … foi forçada a suportar coube aos respectivos funcionários, a quem é imputável, nessa medida, uma conduta dolosa: não porque tenham pretendido que o dano ocorresse, mas porque, não desconhecendo a sua existência – nem as consequências que daí poderiam advir, o que conheciam por inerência à sua profissão –, conformaram-se, ainda assim, com a possibilidade da sua materialização, o que configura dolo eventual.
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Isto porque, a nosso ver, os referidos danos resultaram não tanto do defeito praticado pelo funcionário que foi objecto de procedimento disciplinar, quanto da circunstância de, depois de aquele defeito ter sido detectado, não ter sido impedido o fornecimento do referido betão. Naturalmente que, se este fornecimento não tivesse sido praticado, os danos em apreço não teriam sequer ocorrido, motivo pelo qual não haveria necessidade de suportar a indemnização cuja dedutibilidade fiscal se debate no processo em apreço.
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A apólice de seguro contratada pela … exclui, como acima se referiu, a responsabilidade por danos causados “intencionalmente” pelo Tomador de Seguro (…), seus empregados ou mandatários, ou seja, danos causados em virtude de actos dolosos da empresa ou seus colaboradores.
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Nessa medida, e pese embora a recusa da Seguradora em suportar a indemnização em questão tenha tido por pressuposto fáctico a ideia de que os danos correspondentes se deviam à «…», pode concluir-se com um razoável grau de certeza que a sua recusa se manteria caso tivesse tido conhecimento que a responsabilidade pela ocorrência dos referidos danos se devia, afinal, a conduta dolosa dos funcionários da ….
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Assim, o evento que originou o pagamento da indemnização não é, em face da apólice contratada pela …, um evento segurado. Mas será segurável? É na resposta a esta questão que reside a sua dedutibilidade (ou indedutibilidade) fiscal.
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Ora, tendo por referência os parâmetros de normalidade e razoabilidade mencionados supra, estamos convictos que não. Não porque, em abstracto, não seja possível encontrar uma seguradora predisposta a assumir o risco de eventos causados dolosamente pela empresa e pelos seus funcionários, mas porque este risco não está normalmente ou habitualmente incluído no âmbito da cobertura típica dos seguros de responsabilidade civil destinados a garantir danos resultantes da exploração de actividades empresariais.
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Isto mesmo resulta, aliás, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL n.º 72/2008, de 16 de Abril), cujo artigo 46.º – inserido no capítulo referente ao “Conteúdo do contrato [de seguro]” – dispõe que “1 – Salvo disposição legal ou regulamentar em sentido diverso, assim como convenção em contrário não ofensiva da ordem pública quando a natureza da cobertura o permita, o segurador não é obrigado a efectuar a prestação convencionada em caso de sinistro causado dolosamente pelo tomador do seguro ou pelo segurado. 2 – O beneficiário que tenha causado dolosamente o dano não tem direito à prestação” (realce nosso).
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Deste preceito, pode retirar-se que tipicamente – i.e., salvo no caso de existir uma disposição legal ou regulamentar em sentido contrário, ou uma convenção não ofensiva da ordem pública – os actos dolosos estão afastados da cobertura do contrato de seguro, não estando o segurador obrigado a ressarci-los.
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Antes da entrada em vigor do referido DL n.º 72/2008, já era esta a regra vigente em Portugal: o artigo 437.º do Código Comercial (que aquele diploma veio revogar) previa que “O seguro fica sem effeito: (…) 2.º - Se o sinistro resultar de vício próprio conhecido do segurado e por elle não denunciado ao segurador; 3.º - Se o sinistro tiver sido causado pelo segurado ou por pessoa por quem elle seja civilmente responsável”.
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Por outro lado, também o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, introduzido no ordenamento jurídico nacional pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, estabelece, no seu artigo 14.º, que “1 – O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que: a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado; (…) 2 – Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera -se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la. 3 – Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.” (realce nosso).
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Em face do exposto, entendemos que, no ordenamento jurídico nacional, os danos causados por actos dolosos dos funcionários de determinada empresa não são, típica e razoavelmente, seguráveis.
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Nessa medida, a dedutibilidade do custo suportado pela … não está afastada, à partida, pela alínea j) [actual alínea m)] do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.
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Pelo contrário: a sua dedutibilidade resulta do proémio do referido preceito, atendendo a que se tratou de um custo indispensável para a …, porquanto foi assumido com o intuito de salvaguardar a sua relação profissional com um cliente e, por essa via, a realização futura de proveitos.
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Por esse motivo, é ilegal a correcção praticada pela AT, procedendo, pois, quanto à mesma, o pedido de pronúncia arbitral da Requerente.
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Quanto à correcção atinente a juros de suprimentos:
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Matéria de facto relevante
A factualidade relevante (e considerada provada) para apreciação da legalidade da presente correcção é a seguinte:
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Em 2007, a … contabilizou custos e perdas financeiras relativos a juros suportados com empréstimos obtidos junto de empresas do Grupo … (suprimentos) no valor de € 1.462.098,03.
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No mesmo ano, a … concedeu auxílio financeiro a alguns dos fornecedores a que recorria para a realização de serviços de transporte de betão.
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A AT desconsiderou uma parcela dos custos suportados pela … com juros de suprimentos, no montante de € 26.958,01, por considerar que os referidos suprimentos foram parcialmente utilizados para financiar gratuitamente os fornecedores daquela empresa.
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Ficou demonstrado, em sede de prova testemunhal, que a … recorre a uma diversidade de pequenos fornecedores de serviço de transporte de betão pronto, e que esta sua prática se tornou especialmente relevante a partir de 2007, ano em que um grande fornecedor, que representava 60% das necessidades da …, foi declarado insolvente (cfr. depoimento da testemunha …).
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Breve síntese dos argumentos da Requerente no pedido de pronúncia arbitral e nas alegações finais
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No seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente negou que a … tivesse concedido financiamentos gratuitos aos seus fornecedores, qualificando antes o auxílio prestado como adiantamentos por conta dos serviços de transportes realizados.
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Mais alegou que a decisão de proceder aos referidos adiantamentos foi de natureza empresarial, dado que tinha por escopo assegurar a viabilidade económica dos seus fornecedores e, dessa forma, assegurar a realização dos serviços de transporte de betão.
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Em 2007, a … não dispunha de frota que lhe permitisse substituir estes fornecedores, motivo pelo qual o serviço prestado pelos mesmos era absolutamente crítico para o sucesso da sua actividade.
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Assim sendo, os custos suportados pela … foram incorridos com um intuito comercial/empresarial, e destinaram-se a obter proveitos e manter a fonte produtora da ….
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A Requerente invocou ainda que, em todo o caso, a AT não alegou nem demonstrou a conexão dos suprimentos concedidos à … com os adiantamentos concedidos por esta aos seus fornecedores,
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e que, por fim, a correcção em apreço configurou uma interferência desproporcionada e arbitrária da AT na liberdade de gestão empresarial da …, motivo pelo qual deverá ser anulada.
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Nas suas Alegações finais, a Requerente invocou ainda que, em resultado da sua política de auxiliar financeiramente – por via de adiantamentos – os seus fornecedores de serviço de transporte, beneficiou de um preço mais baixo em € 1,5 por m3 do que a sua concorrência, e que pôde contar com maior disponibilidade dos seus fornecedores para colmatar falhas e imprevistos diversos nos transportes planeados.
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Breve síntese dos argumentos da Requerida na resposta ao pedido de pronúncia arbitral e nas alegações finais
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Na sua resposta, a Requerida manteve a qualificação dos auxílios financeiros concedidos pela … aos seus fornecedores como financiamentos, e não adiantamentos por conta de serviços.
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Alegou ainda que os referidos fornecedores não se encontravam na situação de dificuldades económicas descrita pela Requerente, antes concluindo que, em 2007, “terão tido condições para suportar os custos inerentes à sua actividade”, dado que a … lhes pagou atempadamente os serviços prestados e os mencionados fornecedores mantiveram a capacidade de prestar os seus serviços e de amortizar os financiamentos obtidos junto da ….
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No entender da Requerida, os referidos custos não foram indispensáveis para a …, desde logo porquanto não se trataram de verdadeiros custos da empresa; em reforço desta constatação, invocou a Requerida que o objecto social da … não passa pela concessão de financiamento, muito menos gratuito, aos seus fornecedores.
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Assim, concluiu a Requerida que, com os gastos sob apreciação, a … beneficiou o património pessoal dos fornecedores em detrimento do empresarial, não tendo sido cumpridos, pois, os requisitos exigidos pelo artigo 23.º do Código do IRC para a sua relevância fiscal.
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Do Direito
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Como acima se referiu, a questão essencial a decidir, no que respeita a esta correcção, tem que ver com a dedutibilidade fiscal dos juros suportados pela … como contrapartida de empréstimos realizados pelos seus accionistas (suprimentos), na parte que corresponde aos montantes utilizados para conceder financiamentos aos seus fornecedores de serviços de transporte, ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.
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Já tivemos supra oportunidade de nos pronunciarmos acerca do critério utilizado pelo artigo 23.º do Código do IRC para aferir da dedutibilidade dos gastos suportados pelas empresas. Nos termos daquele preceito, serão considerados gastos fiscais todos aqueles encargos que sejam assumidos de acordo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respectivo objecto social. Desse modo, a utilização daquele preceito para desconsiderar fiscalmente um custo efectivamente suportado está circunscrita às situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiros.
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Os juros suportados por força de suprimentos são encargos cuja dedutibilidade fiscal está, à partida, assente, desde que não ultrapassem o montante definido na alínea j) do n.º 1 do artigo 42.º (actual artigo 45.º) do Código do IRC. Uma vez que este limiar não foi ultrapassado no caso dos juros suportados pela …, a sua dedutibilidade fiscal estaria, à partida, assegurada.
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Sucede que, de acordo com a AT, a … suportou os referidos encargos motivada não por propósitos empresariais, mas sim pelo intuito de beneficiar o património de terceiros, estranhos à empresa: os transportadores. Como é bom de ver, a correcção promovida pela AT parte, portanto, do pressuposto de que os montantes recebidos pela … a título de suprimentos – que a mesma remunerou pagando juros à taxa contratualmente acordada com os seus accionistas – foram posteriormente alocados à satisfação de necessidades patrimoniais dos referidos transportadores, consistindo esta utilização (que não gerou quaisquer proveitos na esfera da …, porquanto foi gratuita, mas antes os custos acima identificados) numa operação alheia aos interesses da empresa e, por isso mesmo, dispensável para a formação dos respectivos proveitos ou manutenção da sua fonte produtora.
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Para que esta linha de argumentação procedesse, contudo, seria necessário que houvesse ficado demonstrada a conexão entre os fundos recebidos pela … a título de suprimentos e aqueles que foram utilizados para financiar (ou adiantar fundos a, de acordo com a Requerente) os seus fornecedores. Apenas assim seria possível imputar os gastos suportados pela … com os mencionados juros a estas últimas operações de financiamento, para, então, e à luz do seu circunstancialismo concreto, aferir da sua eventual dedutibilidade fiscal.
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Contudo, no seu Relatório de Inspecção Tributária, a AT não foi capaz de estabelecer esta ligação; aliás, não procurou sequer demonstrar que os suprimentos recebidos pela … haviam sido “canalizados” para beneficiar o património dos seus transportadores. Limitou-se, simplesmente, a assumi-lo, o que lhe estava vedado pelo dever de fundamentação que, nos termos legais, lhe assistia.
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Com efeito, a fundamentação expressa e acessível de todos os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos é uma garantia inalienável dos administrados (e, por maioria de razão, de todos os contribuintes). É o que resulta do nº 3 do artigo 268º da CRP e, reflexamente, do artigo 77º da LGT. No entanto, e salvo o devido respeito, a Requerida actuou, no caso concreto, em plena contravenção destes dois preceitos, na medida em que se limitou a tecer alguns juízos puramente conclusivos e assumir um facto que lhe competia demonstrar – a conexão entre os suprimentos e os financiamentos concedidos a posteriori – como pressuposto da correcção. A motivação do acto está, deste modo, ferida de obscuridade e insuficiência. Ora, de acordo com o n.º 2 do artigo 125.º do Código de Procedimento Administrativo, se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado, e, se o acto se considera não fundamentado, deve o mesmo ser anulado por vício de forma.
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E ainda que assim não fosse – ou seja, mesmo que houvesse ficado demonstrada a utilização dos suprimentos para efeitos de financiar os transportadores da …, e por essa via fosse possível alocar os juros pagos por esta empresa às operações de financiamento subsequentes –, certo é que a Requerente demonstrou, em termos que consideramos decisivos, o intuito empresarial que motivou a concessão dos referidos financiamentos pela ….
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Em 2007, a … não dispunha de uma frota capaz de suprir as suas necessidades em termos de transporte de betão, portanto dependia de transportadores externos para o efeito. A prestação da sua actividade e, consequentemente, a realização de proveitos estavam assim dependentes da capacidade de assegurar o transporte do betão produzido para os seus clientes, com as particularidades impostas por este tipo de material – o qual não se compadece com demoras, tendo que ser transportado quase de imediato, depois de produzido, para não se inutilizar. Nessa medida, a solvabilidade dos seus transportadores interessava-lhe de sobremaneira, uma vez que, se estes se tornassem incapazes de prestar os seus serviços (em função, por exemplo, da sua insolvência), a … (também) não seria capaz de desempenhar a sua actividade e, concomitantemente, realizar proveitos.
Acresce que, conforme referido em sede de prova testemunhal, o auxílio financeiro concedido pela … aos seus transportadores traduziu-se na obtenção de preços mais favoráveis do que aqueles de que beneficiavam os seus concorrentes nas prestações de serviços de transportes, assim como de uma maior colaboração e disponibilidade.
Por um e outro motivo, ficou demonstrado o intuito empresarial que presidiu à decisão da … de conceder financiamentos gratuitos aos seus fornecedores. Tratou-se, inquestionavelmente, de uma decisão motivada por propósitos estritamente empresariais: o de assegurar a capacidade da … de realizar a sua actividade, para o que dependia dos seus fornecedores de serviços de transporte. Se esta medida foi efectivamente necessária, se teve um verdadeiro impacto na actividade da referida empresa, ou se podia ter sido posta em prática noutros termos, são considerações que não cabem nem à AT, nem ao Tribunal Arbitral, por se situarem no espaço de livre e irrestrita liberdade de gestão da …. À AT e, consequentemente, ao Tribunal Arbitral, importa apenas estabelecer a indispensabilidade do custo correspondente (assumindo, claro está, que a ligação entre a concessão de financiamentos aos transportadores e os juros suportados pela … tinha ficado demonstrada, o que, como se viu supra, não ocorreu no caso em apreço), à luz do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC. Ora, neste caso, essa indispensabilidade ficou plenamente demonstrada. Também por esta razão, pois, a correcção promovida pela Requerente é ilegal, devendo ser consequentemente anulada.
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Quanto à Derrama:
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Na medida em que se concluiu, nos termos expostos, pela anulação da liquidação adicional de IRC promovida pela Requerida, em virtude da ilegalidade das correcções que lhe subjazem, não há lugar ao apuramento e pagamento (adicional) de derrama, pelo que fica prejudicado o conhecimento esta questão.
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Dos Juros Compensatórios:
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Nos termos do n.º 1 do artigo 35.º da LGT, “[s]ão devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.”.
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Tendo-se concluído, nos termos expostos supra, pela anulação na íntegra da liquidação adicional de imposto promovida pela Requerida, com fundamento na ilegalidade das correcções que lhe subjazem, deve igualmente ser eliminada da ordem jurídica a liquidação dos correspondentes juros compensatórios, por ausência de um dos seus pressupostos essenciais: a existência de imposto “devido”. De tal modo que, inexistindo obrigação de pagar imposto (adicionalmente liquidado), inexiste também a obrigação de suportar juros compensatórios.
Procede, por isso, e quanto a esta questão, o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente.
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Dos Juros Indemnizatórios:
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Conforme se dispôs na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 14/2012-T (de que foram Árbitros Jorge Lopes de Sousa, Paula Rosado Pereira e o ora signatário), de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».”.
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Na referida decisão arbitral, foi também determinado que, pese embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes para condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios. É a única solução que se compagina com o propósito de utilizar o processo arbitral como um “meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (vide Autorização Legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, ao abrigo da qual foi posteriormente aprovado o RJAT) e, bem assim, com o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o qual dispõe que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
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No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do acto é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa o praticou sem suporte legal.
Mesmo quando lhe foram assacados vícios de natureza formal (tal como o vício da falta de fundamentação), as correcções que estiveram na base do acto de liquidação considerado ilegal foram praticadas em desrespeito das normas legais vigentes à data dos factos, nos termos que melhor se expuseram acima.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia de € 38.223,47 (trinta e oito mil, duzentos e vinte e três euros e quarenta e sete cêntimos), à taxa legal em vigor, e contados desde 22.11.2011 até ao integral reembolso do referido montante.
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Decisão
Em face do exposto, decide-se:
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Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC e derrama, e, bem assim, da liquidação dos correspondentes juros compensatórios;
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Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente ao reembolso dos montantes pagos, num total de € 38.223,47 (trinta e oito mil, duzentos e vinte e três euros e quarenta e sete cêntimos);
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Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a juros indemnizatórios calculados, à taxa legal em vigor, sobre o montante identificado na alínea anterior, desde a data do seu pagamento – 22 de Novembro de 2011 – até à data do seu integral reembolso;
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Fixar as custas em € 1.836,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e condenar a Requerida no seu pagamento.
Notifique-se.
Porto, 24 de Setembro de 2012.
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 138.º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
O Árbitro,
(António Lobo Xavier)
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