Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 729/2014-T
Data da decisão: 2015-04-27   
Valor do pedido: € 62.190,15
Tema: IMT/IS – Base de tributação; valor do acto
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Acórdão Arbitral[1]

 

 

  1. RELATÓRIO

 

 

1.1.                      A Requerente apresentou no dia 20.10.2014, um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, em matéria tributária (TAC), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), doravante apenas designado por RJAT.

1.2.          O pedido foi apresentado por advogado cuja procuração foi junta.

 

A – O PEDIDO

 

1.3.          A Requerente peticiona: (i) a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (de ora em diante “IMT”) de 2009 (documento de cobrança n.º ….) no valor de € 54.873,66 (cinquenta e quatro mil oitocentos e setenta e três euros e sessenta e seis cêntimos) e do acto de liquidação adicional de Imposto do Selo (de ora em diante “IS”), também de 2009 (documento de cobrança n.º …), no valor de € 7.316,49 (sete mil trezentos e dezasseis euros e quarenta e nove cêntimos), relativa à aquisição onerosa do direito de propriedade plena do prédio então identificado como “U-…-H – Concelho do … – Freguesia de … – Localização: Rua 1 nº …/…. 5º e 6º andares, com destino a Habitação” e (ii) o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de prestações tributárias.

1.4.          A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que os actos de liquidação contestados assentam na mesma base factual e porquanto o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral colectivo sufrague quanto à validade das liquidações posta em crise.

 

B – DO TRIBUNAL ARBITRAL COLECTIVO (TAC)

 

1.5.          O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e logo notificado à AT no dia 21.10.2014.

1.6.          Pelo Conselho Deontológico do CAAD foram designados árbitros os signatários desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 05.12.2014.

1.7.          O Tribunal Arbitral Colectivo (TAC) foi regularmente constituído em 23-12-2014.

1.8.          Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do TAC com data de 23.12.2014 que aqui se dá por reproduzida.

1.9.          No dia 26.12.2014 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, no prazo de 30 dias, juntar aos autos o processo administrativo e, querendo, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

1.10.       No dia 02.02.2015 a Requerida apresentou a sua resposta.

1.11.       No dia 06.03.2015 realizou-se a reunião de partes a que alude o artigo 18º do RJAT, precedida da audição das testemunhas arroladas pela Requerente na parte final do pedido de pronúncia e pela Requerida na parte final da resposta. Prestou depoimento a testemunha A…, tendo a Requerente prescindido da audição da testemunha B… e a Requerida prescindido da inquirição das testemunhas C… e D…. As partes produziram alegações orais mantendo as posições assumidas no pedido e na resposta, respectivamente.

1.12.       Os actos referidos no inciso anterior constam da respectiva acta que aqui se dá por reproduzida.

 

C – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

1.13.       Legitimidade, capacidade e representação - as partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas.

1.14.       Contraditório - a AT foi notificada nos termos do inciso 1.8. Todos os despachos produzidos no processo, bem assim o conteúdo de todos os documentos juntos foram notificados à respectiva contraparte.

1.15.       Excepções dilatórias - o processo não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

 

D – SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

 

1.16.       A Requerente alega que adquiriu a fracção autónoma designada pela letra …, no ...º e ….º andares do edifício sito na rua 1 do bairro …, nº … e …, no …, inscrita sob o artigo matricial …-H da freguesia de … (de ora em diante o “Prédio”), por € 1.225.000,00 (um milhão duzentos e vinte e cinco mil euros), correspondente ao preço da compra e venda realizada por transacção judicial homologada por sentença proferida no âmbito do procedimento cautelar nº …/… TVPRT-A, que correu termos na 3ª Vara do Tribunal Cível do Porto – 3ª Secção, transitada em julgado no dia 19.08.2009.

 

1.17.       Sucede que a Requerente entendeu realizar no Prédio diversas benfeitorias que totalizaram a importância de € 914.561,00 (novecentos e catorze mil quinhentos e sessenta e um euros), respeitantes a “trabalhos a mais”, tendo entendido a Requerida que esse montante, adicionado ao valor de aquisição declarado, traduz “o esforço financeiro suportado” pela Requerente, fazendo, portanto, “parte do preço de aquisição do prédio”.

 

1.18.       Em conformidade com este entendimento, a Requerida procedeu às contestadas liquidações adicionais de IMT e de IS.

 

1.19.       Advoga a Requerente que a decisão da Requerida “assenta num conjunto de equívocos, meras suposições e falta de apreensão da efectiva realidade”, fundamentando o seu pedido na errónea qualificação do facto tributário.

 

1.20.       O n.º 1 do art.º 12.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (de ora em diante “CIMT”) dispõe que o imposto municipal sobre as transacções onerosas de imóveis “(…) incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.”

 

1.21.       Por sua vez, o n.º 1 do art.º 1º do Código do Imposto do Selo (de ora em diante “CIS”), vigente ao tempo a que se reportam os factos, previa que o imposto do selo incidirá “(…) sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”  e no n.º 4 do art.º 9.º do CIS lê-se que “à tributação dos negócios jurídicos sobre bens imóveis, prevista na tabela geral, aplicam-se as regras de determinação da matéria tributável do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis”.

 

1.22.       Ora, o n.º 5 do art.º 12.º do CIMT esclarece o que deve entender-se por “valor constante do acto ou do contrato”: é “a importância em dinheiro paga a título de preço pelo adquirente”.

 

1.23.       Por conseguinte, a base tributável para efeitos de IMT e IS é constituída pelo maior dos seguintes valores: o constante do acto ou contrato ou o valor patrimonial tributário.

 

1.24.        No ano de 2009, a Requerente concluiu com a Sociedade de Investimentos Imobiliários E… S.A. (de ora em diante “E…, S.A.”) o contrato de compra e venda pelo qual lhe adquiriu o Prédio pelo preço de € 1.225.00,00, importância que pagou à dita sociedade alienante, tendo ainda sido ajustado que as fracções objecto do contrato seriam unificadas, passando a constituir uma única fracção, “sem que daí adviesse qualquer encargo para a adquirente” (cfr. cláusula 6º do contrato promessa de compra e venda).

 

1.25.       Concomitantemente, a Requerente celebrou com a sociedade F… – Construções, Lda. (de ora em diante “F…”) um contrato de empreitada para realização de obras no Prédio (sumariamente descritas no quadro que consta do art.º 49.º do requerimento de pronúncia arbitral), no valor global de € 914.561,00, tendo esta emitido as correspondentes facturas e aquela procedido ao seu pagamento, ao contrário do que conclui a Requerida, que afirma que a Requerente pagou essas obras à “empresa vendedora”.

 

1.26.       Assim, entende a Requerente que há duas relações contratuais distintas, autónomas e diversas, uma com a E…, S.A., a da compra e venda do Prédio, e outra com a F…, a da empreitada relativa às benfeitorias realizadas nele a mando da Requerente. 

 

1.27.       Aliás, a distinção, autonomia e diversidade de ambas as relações contratuais reflectem-se, a nível tributário, na circunstância de ter a Requerente suportado, relativamente ao preço de venda do prédio, IMT (à taxa de 6%) e, no que respeita à empreitada das benfeitorias, IVA (à taxa de 20%), sendo portanto, de um ponto de vista financeiro, muito mais vantajoso a Requerente ver o valor que pagou pelas benfeitorias tributado a uma taxa de 6%, o que aconteceria caso se considerasse a contraprestação da empreitada como parte integrante do preço de aquisição do Prédio.

 

1.28.       Acresce que, para a Requerente, não faz qualquer sentido considerar a susceptibilidade de o valor por ela suportado com o IVA relativo à empreitada das benfeitorias integrar o preço de venda do Prédio, já que esse montante – o do IVA – não ingressa no património do vendedor/prestador de serviços.

 

1.29.       Entende ainda a Requerente que o IMT visa tributar a capacidade contributiva revelada pela aquisição onerosa de imóveis e no momento em que essa aquisição tem lugar, sendo pois irrelevantes para estes efeitos quaisquer dispêndios ulteriores relativos à utilização ou fruições dos imóveis, nomeadamente os que se mostram devidos pela celebração de contratos de empreitada para a execução de benfeitorias, para mais adjudicados a entidades que não as respectivas alienantes. Assim, a conclusão da Requerida de que o valor pago pela Requerente à F… pelas benfeitorias realizadas no Prédio faz parte do preço por que adquiriu o Prédio, para além de constituir uma clara violação do princípio da capacidade contributiva, assenta num inadmissível “concurso de normas”, já que o mesmo facto tributário (a compra e venda de um imóvel) não pode integrar simultaneamente o âmbito de incidência de duas normas tributárias, tanto em IMT como em IVA, em vista do que estatui o n.º 30 do art.º 9.º do CIVA.

 

1.30.       Sustenta ainda a Requerente que a Requerida violou o art.º 58.º da Lei Geral Tributária, porquanto lhe era exigível a realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, sendo certo que a Requerida nenhuma diligência promoveu no sentido de apurar se a Requerente havia contratado a execução de obras no Prédio, qual a natureza dessas mesmas obras e que tipo de materiais nelas foram usados, comportamento que, por ilícito, inquina a validade dos actos tributários impugnados.

 

E – SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

 

1.31.       Entende a Requerida que o real esforço financeiro suportado pela Requerente na aquisição do Prédio foi de € 2.139.561,00 (dois milhões cento e trinta e nove mil quinhentos e sessenta e um euros), correspondente à soma, por um lado, do declarado valor de aquisição do Prédio, € 1.225.000,00 (um milhão duzentos e vinte e cinco mil euros), e, por outro, do custo suportado com os trabalhos a mais, € 914.561,00 (novecentos e catorze mil quinhentos e sessenta e um euros). 

 

1.32.       O montante de € 914.561,00 (novecentos e catorze mil quinhentos e sessenta e um euros) é o total das despesas, validado pelo tribunal, constante do “Auto Final de Trabalhos a Mais”, que é assinado pela Requerente, pela E…, S.A. e pela F…, o qual integra o real esforço financeiro suportado pela Requerente na aquisição do Prédio, “fazendo o mesmo parte do valor de aquisição do imóvel, nos termos do n.º 1 e 5 do artigo 12.º do CIMT”.

 

1.33.       No art.º 9.º do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado entre a Requerente e a E…, S.A. tendo por objecto o prédio (de ora em diante o “Contrato Promessa”), previu-se a possibilidade de a Requerente solicitar à E…, S.A. a aplicação de materiais e equipamentos diversos dos constantes do caderno de encargos, ficando esta de apresentar um orçamento, podendo a Requerente, ela própria, caso não aceitasse os valores apresentados, responsabilizar-se pelo fornecimento directo desses equipamentos e materiais, acordando-se depois os trabalhos referentes à sua aplicação a preços de mercado.

 

1.34.       No art.º 10.º do Contrato Promessa, as Partes acordaram um esquema de “encontro de contas”, tendo em consideração o saldo entre o valor dos materiais e equipamentos a menos e a mais.

 

1.35.       Assim, se é certo que as obras de unificação das duas fracções que deram origem à fracção H (que corresponde ao prédio), nos termos do art.º 6.º do Contrato Promessa nenhum custo acarretaria para a Requerente, quaisquer outros trabalhos realizados no prédio teriam de ser suportados pela Requerente, aceitando de resto a E…, S.A. realizá-los, apurando as parte, posteriormente, o saldo necessário ao “encontro de contas”.

 

1.36.       Acresce que na transacção judicial intervêm tanto a E…, S.A. como a F…, ficando ambas obrigadas a cumprir os seus termos, e nela se refere expressamente que “todas as quantias até à presente data entregues pela Requerente/Autora [a ora Requerente] à Requerida/Ré [a E…, S.A.] serão havidas como pagamentos de trabalhos a mais e serão repartidas entre a Requerida/Ré [a E…, S.A.] e a G… […] Construções, Lda. [a F…], nos termos em que a eles aprouverem, nada mais tendo qualquer uma dessas sociedades a exigir da Requerente/Autora [a ora Requerente] a esse ou a qualquer outro título”.

 

1.37.        Aliás, no entender da Requerida, não pode ser ignorada a existência de uma “relação/dependência entre as duas sociedades, evidenciada no facto de o Sr. Engº H... ser simultaneamente Administrador/Gerente da Sociedade Vendedora do imóvel (…) e a [sic] sociedade F… – Construções, Lda, bem como no facto de as obras para a construção do imóvel terem sido adjudicadas à segunda empresa pela sociedade vendedora”.

 

1.38.       A relação entre a E…, S.A. e a F… é tão mais óbvia quanto é certo que o Senhor Eng.º H… interveio na transacção judicial como representante de ambas as entidades. 

 

1.39.       Mesmo que a E…, S.A. e a F… sejam entidades distintas, como são, ainda que com administrador/gerente comum, o certo é que os trabalhos por esta última facturados à Requerente e por ela pagos “fazem parte da obra completa que a Requerente adquiriu, e são os mesmo identificados no contrato promessa de compra e venda, na transacção judicial e nos Autos de recepção definitiva”, fazendo pois parte integrante do negócio da compra e venda”.

 

1.40.       Rejeita igualmente a Requerida a questão levantada pela Requerente, de que, por ter sido pago IVA relativo aos trabalhos “a mais”, esses trabalhos não fazem parte do preço global do imóvel, uma vez que ao adquirir-se uma casa totalmente construída, em que também foi pago IVA, esse valor não é subtraído ao valor global do imóvel.

 

1.41.       O n.º 1 do art.º 12 do CIMT prescreve que “o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior”, esclarecendo o n.º 5 do mesmo preceito que se considera, “designadamente, valor constante do acto ou do contrato, isolada ou cumulativamente”, “a importância em dinheiro paga a título de preço pelo adquirente” [alínea a)] e, “em geral, quaisquer encargos a que o comprador ficar legal ou contratualmente obrigado” [alínea h)]. Ora, a Requerente pagou, através da transacção judicial, o valor de € 2.139.561,00 (dois milhões cento e trinta e nove mil quinhentos e sessenta e um euros), montante que, por isso, constitui o preço total do imóvel objecto da transacção judicial.

 

1.42.       Rejeita ainda a Requerida a sugestão de ter sido violado o princípio da verdade material, já que dos autos resulta precisamente conclusão contrária, sendo evidente que sempre os serviços da administração tributária e aduaneira agiram em estreita colaboração com a Requerente, ora solicitando-lhe elementos, ora convidando-a a exercer o direito de audição prévia.

 

1.43.       Por último, a Requerida recusa a alegada violação do princípio da capacidade contributiva, porquanto o seu entendimento implica a incidência do imposto sobre o valor que a Requerente efectivamente suportou com a aquisição do Prédio, nos termos da transacção judicial.               

 

2.     FUNDAMENTAÇÃO: MATÉRIA DE FACTO

2.1.          FACTOS PROVADOS

 

Indicam-se em cada inciso, como fundamentação, os documentos ou elementos que fundamentam a decisão do TAC.

 

2.1.1.     Por sentença homologatória de transacção judicial, transitada em julgado em 19 de agosto de 2009, a requerente adquiriu por compra a G… Construções, Lda.,  a fração autónoma designada pela letra “H” (habitação do tipo T5 duplex, no 5º e 6º andares, com entrada pelo nº 26 e 8 lugares de garagem e 2 arrumos) do prédio denominado “I…”, sito na Rua … do …, nºs … e …, freguesia de …, concelho do …, então inscrito provisoriamente na matriz sob o artigo …-P (embora constasse na Conservatória do Registo Predial respetiva como inscrito sob o artigo …-P);

2.1.2.     O preço fixado foi de 1.225.000 euros que a requerente se obrigou a pagar do seguinte modo: - 1.000.000 de euros no prazo de 60 dias (contado da data da transação) contra a entrega de prova de distrate de hipotecas incidentes sobre a aludida fração e de renúncia à reserva de propriedade a favor da vendedora até pagamento da mencionada importância de 1.000.000 de euros; os restantes 225.000 euros seriam pagos no prazo máximo de 180 dias (125.000 euros) e 360 dias (100.000 euros) a contar de 29-8-2009;

2.1.3.     Acordaram ainda a requerente, vendedora e a sociedade comercial G… Construções, Lda., que todas as quantias até à presente data (19-8-2009) entregues pela requerente/autora à vendedora “(...) serão havidas como pagamentos de trabalhos a mais e serão repartidas entre a requerida/ré (Sociedade de Investimentos Imobiliários E…, SA) e a G… Construções, Lda nos termos que elas aprouverem, nada mais tendo qualquer uma dessas sociedades a exigir da requerente/autora e esse ou qualquer outro título (...)” [Cfr Transacção judicial homologada por sentença proferida no Processo de procedimento cautelar nº …/08….TVPRT-A, que correu termos na 3ª Vara do Tribunal Cível do Porto – 3ª Secção, transitada em julgado no dia 19 de Agosto de 2009 - documentos das págs. 9 e seguintes e da pág. 27 – numerada manuscritamente como 32 – do processo administrativo junto aos autos com a Resposta da Requerida].

2.1.4.     O valor patrimonial tributário da sobredita fração era, na data da sobredita transacção judicial (2009) inferior a € 1.225.000,00 (um milhão duzentos e vinte e cinco mil euros) – posição global das partes.

2.1.5.     No dia 31.08.2009 a Requerente procedeu ao pagamento do IMT no montante de € 73.500,00 (setenta e três mil e quinhentos euros) pela aquisição da fração, declarando para o efeito o “valor global do acto ou contrato” de € 1.225.000,00 (um milhão duzentos e vinte e cinco mil euros) - Documento da pág. 53 – numerada manuscritamente como 58 – do processo administrativo - PA1 - junto aos autos com a Resposta da Requerida.

2.1.6.     Também no dia 31.08.2009 a Requerente procedeu ao pagamento do IS (Imposto de Selo) no montante de € 9.800,00 (nove mil e oitocentos euros) pela aquisição da sobredita fracção, declarando para esse efeito o “valor global do acto ou contrato” de € 1.225.000,00 (um milhão duzentos e vinte e cinco mil euros) – Documento da pág. 54 – numerada manuscritamente como 59 – do processo administrativo junto aos autos com a Resposta da Requerida.

2.1.7.     H… é administrador da E…, S.A. e gerente da F… - Documento das págs. 9 e seguintes do processo administrativo – PA1 - junto ao processo com a Resposta da Requerida.

2.1.8.     Na transacção judicial mencionada em 2.1.1., H… intervém na qualidade de representante da E…, S.A. e de representante da F… - Documento das págs. 9 e segs. do processo administrativo junto aos autos com a Resposta da Requerida.

2.1.9.       A Requerente foi objecto de uma acção de inspecção interna credenciada pela OI …, visando o IMT e o IS relativos ao ano de 2009 – Folhas 1 e 2 da parte do PA junto pela AT em anexo à Resposta com a designação de … com 45 folhas.

2.1.10.  Na sequência da acção inspectiva referida em 2.1.10., a Requerente mediante declaração de 13.12.2013 procedeu à liquidação adicional de IMT (doc. de cobrança n.º …) no valor de € 54.873,66 (cinquenta e quatro mil oitocentos e setenta e três euros e sessenta e seis cêntimos) e IS (doc. de cobrança n.º …), no valor de € 7.316,49 (sete mil trezentos e dezasseis euros e quarenta e nove cêntimos) – Documentos nºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia.

2.1.11.  A Requerente, no mesmo dia 13.12.2013, procedeu ao pagamento das liquidações atrás referidas - Documentos nºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia.

2.1.12.  A E… S.A., nos termos da cláusula 6.ª do Contrato Promessa de compra e venda celebrado com requerente tendo por objeto a sobredita fracção, havia assumido perante a Requerente a obrigação de “proceder a alterações no projecto de arquitectura tendentes à junção das duas fracções objecto da venda”, sem que dessas alterações pudesse resultar qualquer custo para a Requerente – Cfr contrato de folhas 79 a 85 do PA1 junto pela AT com a Resposta.

2.1.13.  O “Auto Final de Trabalhos a Mais”, datado de 19.10.2009, revela que o valor dos trabalhos com IVA é de € 914.561,00 (novecentos e catorze mil quinhentos e sessenta e um euros), sendo assinado pela Requerente sob a expressão “Aceito” e pela Gerência da F…, intervindo a Administração da E… sob a seguinte expressão: “tomei conhecimento”Cfr Documento da pág. 42 numerada manuscritamente como 47 – do PA1 junto pela AT com a Resposta e 17.ª folha de parte do PA junto pela AT com a Resposta sob a epígrafe … com 45 folhas.

2.1.14.  Também no dia 19.10.2009 foi assinado pela Requerente e pela F… um Auto de Recepção Definitiva dos trabalhos a mais por esta executados no prédio – Cfr Documento da página manuscritamente numerada como 52 do processo administrativo junto aos autos com a Resposta da Requerida – PA1 e 18.ª folha de parte do PA junto pela AT com a Resposta sob a epígrafe … com 45 folhas.

2.1.15.  No dia 19.10.2009 foi assinado pela Requerente e pela G…, S.A. um Auto de Recepção Definitiva dos trabalhos executados no prédio - Documento da página manuscritamente numerada como 53 do processo administrativo – PA 1 - junto aos autos com a Resposta da Requerida.

2.1.16.  A Requerente e a F… Construções Lda. celebraram um contrato de empreitada, em data não concretamente determinada, de cujo conteúdo apenas se conhece a realização das obras referidas em 2.1.14, obras estas que foram executadas por esta sociedade em período de tempo não concretamente apurado – acordo das partes conforme artigos 46º a 50º do pedido de pronúncia e E.2 do artigo 6º da Resposta da AT.

2.1.17.  A G…, S.A. é uma sociedade de promoção imobiliária (e não uma sociedade de construção) – posição global e concordante das partes.

2.1.18.  A F… foi a sociedade construtora do edifício em que se integra o prédio - posição global e concordante das partes.

2.1.19.  As obras realizadas pela F… no Prédio encontram-se tituladas pelas facturas n.º 39/2009, de 15/12/2009, n.º 40/2009, de 21/12/2009 e n.º 5/2010, de 17/02/2010, num total de € 914.561,00, com inclusão de IVA a 20% – Conforme documentos nºs 3 a 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e ainda pela factura n.º 13/2010, de 02/07/2010 – Conforme documento da pág. 51 – numerada manuscritamente como 56 – do processo administrativo junto aos autos com a Resposta da Requerida-. PA1, todas emitidas em nome da Requerente.  

 

2.1.20.  Todas as facturas emitidas pela F… em nome da Requerente têm data posterior à da transacção judicial referida em 2.1.1. –  Cfr documentos das págs. 9 e seguintes e da pág. 27 – numerada manuscritamente como 32 – do processo administrativo junto aos autos com a Resposta da Requerida; conforme documentos nºs 3 a 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e conforme documento da pág. 51 – numerada manuscritamente como 56 – do processo administrativo junto aos autos com a Resposta da Requerida- PA1.

2.1.21.  A Requerente pagou à F… as facturas referidas em 2.1.20..

 

2.2. Factos não provados

 

Não ficou provado:

- que a importância de € 914.561,00 paga pela requerente à F… integrasse o custo ou preço de venda da fracção identificada em 2.1.1., dos factos provados atrás mencionados.

 

2.3 FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Para além do que já ficou mencionado, o Tribunal considerou que inexistiam elementos probatórios demonstrativos de que o preço real e efectivo da fração adquirida tivesse sido superior ao que foi declarado pelas partes na sobredita transacção judicial e homologado por sentença, ou seja, € 1.225.000.

Certo que há referência a outros pagamentos da requerente.

 

Todavia, tais pagamentos tiveram como causa declarada e não impugnada pela AT, “trabalhos a mais” realizados na fração em causa (benfeitorias) a cargo da requerente, facturados e pagos a entidade terceira (empreiteira), a sociedade comercial F… – Construções, Lda., em data posterior à transmissão da propriedade daquela fracção para a requerente.

Aliás, não se compreenderia a integração no preço da compra e venda um valor pago a outra entidade emergente de um contrato de empreitada, sendo para o efeito irrelevante que ambas as entidades tivessem a integrar o seu órgão de Direcção a mesma pessoa.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO: MATÉRIA DE DIREITO – QUESTÕES QUE AO TAC CUMPRE SOLUCIONAR

 

3.1.1. QUESTÕES A DECIDIR

 

Resulta do que acima se deixou dito que as questões decidendas são, no fundo as seguintes:

a)     A de saber se o valor de € 914.561,00 (novecentos e catorze mil quinhentos e sessenta e um euros) pago pela Requerente à F… pelos trabalhos a mais realizados por esta no Prédio deve considerar-se como parte integrante do “valor constante do acto ou do contrato” para efeitos de tributação em sede de transmissão onerosa de imóveis; e

b)     A de esclarecer se, caso se julgue procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações contestadas, a Requerente, no âmbito do presente procedimento arbitral, poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente às quantias por si entregues para satisfação das prestações tributárias por esta exigidas.

 

Vejamos então.

O n.º 1 do art.º 12.º do CIMT dispõe que o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis “(…) incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.”

 

Por sua vez, o n.º 1 do art.º 1.º do CIS, vigente ao tempo a que se reportam os factos, previa que o imposto do selo incidirá “(…) sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”  e no n.º 4 do art.º 9.º do CIS lê-se que “à tributação dos negócios jurídicos sobre bens imóveis, prevista na tabela geral, aplicam-se as regras de determinação da matéria tributável do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis”.

 

Sobre o que deve entender-se por “valor constante do acto ou do contrato”, esclarece o artigo 12º- 5, do CIMT: é “a importância em dinheiro paga a título de preço pelo adquirente”.

 

Por outro lado, a base tributável para efeitos de IMT e IS é constituída pelo maior dos seguintes valores: o constante do acto ou contrato ou o valor patrimonial tributário (Cfr. ainda citado artigo 12.º, n.º 1, do CIMT).

 

A transacção é o contrato pelo qual as partes (...) terminam um litígio mediante recíprocas concessões que podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido (Cfr. artigo 1248.º, do Código Civil) .

 

A transacção exarada no processo que põe termo ao litígio entre as partes constitui um contrato processual, consubstanciando um negócio jurídico efectivamente celebrado entre os litigantes na acção (e pode incluir mesmo terceiros não partes no processo) correspondente àquilo que os intervenientes quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita (Cfr. artigo 290.º, CPC).

 

Efectuada e homologada judicialmente a transacção, esgotam-se ipso facto os efeitos de contratos anteriores das partes sobre o objecto do litígio e da transacção, designadamente o clausulado em contrato promessa.

 

Na verdade, o objecto do contrato promessa, entendendo-se como tal o «quid» sobre que vai recair a regulamentação contratual, isto é, o seu conteúdo, é o contrato definitivo, razão pela qual, celebrado este (ou, em caso de litígio, a transacção e/ou proferida sentença), aquele esgotou o seu objecto.[2]

 

Por outras palavras: o contrato promessa tem a sua vigência e efeitos relevantes até celebração do contrato prometido ou celebrado contrato (transacção) que o torne irrelevante ou inútil.

 

Tal como aconteceria se tivesse sido celebrado o contrato prometido, o clausulado em contrato promessa deixou de relevar quando os promitentes, compradora e vendedora, terminam, por transacção homologada por sentença, litígio judicial emergente de alegado incumprimento do contrato promessa, da qual decorre a transmissão da propriedade do objecto do contrato por determinado e declarado preço, com fixação das condições desse pagamento pela adquirente.

 

Esse preço foi, no caso sub juditio, literal e objectivamente declarado: € 1.225.000.

 

E está comprovado que o VPT da fracção objecto de venda e da tributação é inferior ao valor de venda declarado pelas partes na transacção.

 

Pese embora ter procurado demonstrar que a esse valor, digamos, alegadamente “formal” de preço deveria acrescer o valor das benfeitorias ou modificações contratuais da fracção, a verdade é que o que se comprova é a venda pelo sobredito valor fixado na transacção judicial (€1.225.000,00) [“(...) o preço da compra e venda aqui realizada e confessada fica, definitivamente fixado em 1.225.000 € (...)” – Cfr. factos provados 2.1.1, 2.1.2 e 2.1.3].

 

Certo que na sobredita transacção existem referências a pagamentos efetuados pela requerente à vendedora da fracção [“(...) todas as quantias até à presente data entregues pela Requerente/Autora à Requerida/Ré serão havidas como pagamentos de trabalhos a mais e serão repartidas entre Requerida/Ré e a F… (por manifesto lapso refere-se “G…”) Construções, Lda.,  nos termos em que elas aprouverem, nada mais tendo qualquer uma dessas sociedades a exigir da Requerente/Autora a esse ou a qualquer outro título (...)”].

 

A expressão “trabalhos a mais” tem necessariamente implícita a existência de um contrato de empreitada.

 

A etiologia de um contrato de empreitada está na obrigação assumida pelo empreiteiro de realizar – prestação de facere – uma obra, segundo um plano e com características previamente definidas no conteúdo contratual acordado com o dono da obra, em que este assume a obrigação do pagamento do respectivo preço (art.º 1207.º do CC).

 

 Sem prejuízo da possibilidade da variação da modalidade de cálculo do preço – global ou à forfait, por medida, por artigo ou mesmo por tempo –, o contrato de empreitada distingue-se de outros contratos de troca pela natureza da prestação não monetária a que uma das partes, o empreiteiro, está adstrita: a realização de uma obra.

 

O preço representa a retribuição devida ao empreiteiro pela realização da obra e tem de ser fixado em dinheiro (art.º 883.º, ex vi art.º 1211.º do CC), não se exigindo qualquer relação de proporcionalidade entre a remuneração do empreiteiro e a qualidade ou quantidade da sua prestação.

 

O contrato de empreitada caracteriza-se por ser bivinculante e sinalagmático, visto que dá lugar a obrigações recíprocas, ficando as partes, simultaneamente, na situação de devedores e de credores e coexistindo prestações e contraprestações. Num dos pratos do sinalagma está a realização e entrega da obra e no outro a contra-prestação respectiva, a saber, o pagamento do preço acordado.

 

Uma empreitada ajustada por “preço global” só tendencialmente assume uma feição rígida e fixa quanto a este elemento do contrato de empreitada.

 

Ainda que as partes sujeitem a um determinado regime de pagamento a realização de uma obra, é lícito que não queiram abdicar de proceder a ajustamentos, necessários e justificados, que uma execução continuada quase sempre coenvolve – estes são ou podem ser os chamados trabalhos a mais (sublinhado nosso)

 

Uma obra arranca de um projecto-concepção que, na sua concretização, exige, em regra, uma proposta de orçamento, na qual são especificadas e individualizadas, respectivamente, determinadas quantidades de trabalho e de materiais; no entanto, o desenvolvimento da execução pode desencadear propostas de alteração ao projecto inicial, que não figuravam no orçamento. Não seria garante de uma justiça comutativa e de boa fé contratual que as partes, porque aceitaram uma forma ou modalidade de pagamento do preço, fossem despojadas da criteriosa adaptação e conformação do conteúdo prestacional à realidade originada pelas alterações e modificações que a execução contratual ditou.

 

Descendo, com mais detalhe, ao caso sub juditio e tendo presente o sobredito quadro factual:

 

Além do pagamento do preço declarado - € 1.225.000,00 – a Requerente, à data da transacção e transmissão da propriedade da fracção, teria entregue outras importâncias (não especificadas no contrato/transacção) à vendedora (Sociedade de Investimentos Imobiliários G…, SA) para pagamento de trabalhos a mais e a repartir entre aquela vendedora e a sociedade empreiteira, F… Construções, Lda. (também outorgante na transacção) nos termos em que esta e a vendedora entendessem (cfr. cláusula 4ª da sobredita transacção).

 

Ulteriormente, em 15-12-2009 (posteriormente à sobredita transacção), a empreiteira F… emitiu a favor da compradora e ora requerente e que esta pagou, diversas facturas, num total, com IVA incluído, de €914.561,00 (€ 264.561,00, € 425.000,00,€ 125.000,00 e € 100.000,00 [Cfr factos provados (2.1.20 e 2.1.21) e docs. 3 a 5 com o pedido de pronúncia arbitral e não impugnados].

 

Competiria à AT demonstrar – e tal não foi conseguido – que estes pagamentos que as partes declararam no contrato/transacção relativos a trabalhos a mais, nada mais seriam que complementos do valor declarado como preço e a abranger para efeitos de tributação em IMT e IS.

 

Por outro lado, não pode deixar de ser ponderado que a transacção judicial decorre sempre de litígio e que, no caso, este teria como suporte as obrigações assumidas em contrato promessa de compra e venda outorgado pela requerente com a então promitente vendedora, Sociedade de Investimentos Imobiliários G…, S.A., em que esta assumiu perante a Requerente a obrigação de “proceder a alterações no projecto de arquitectura tendentes à junção das duas fracções objecto da venda”, sem que dessas alterações pudesse resultar qualquer custo para a Requerente – Cfr. elenco de factos provados e contrato de folhas 79 a 85 do PA1 junto pela AT com a Resposta.

 

Parece claro que a Requerente terá aproveitado as mencionadas obras contratuais para junção das duas fracções com custos incluídos já no preço, para contratar com a empreiteira a realização de outras obras ou benfeitorias no imóvel adquirido (daí, provavelmente, a designação na transacção de “trabalhos a mais”).

 

Deste modo, não estando demonstrada uma realidade diferente, ou seja que o preço pago foi superior ao declarado e sendo o VPT do imóvel adquirido inferior àquele valor, as liquidações adicionais de IMT e IS ora sindicadas revelam-se ilegais.

 

 

Juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o reembolso do IMT (€54.873,66) e do IS (€7.316,49) indevidamente pagos, no montante global de € 62.190,15, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos do art.º 43.º da LGT e do art.º 61.º do CPPT. A Requerente pagou as quantias liquidadas, como se refere em 2.11, dos factos provados (“A Requerente, no mesmo dia 13.12.2013, procedeu ao pagamento das liquidações atrás referidas - Documentos nºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia”).

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade parcial do acto de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correcção que foi considerada ilegal.

 

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do acto é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, por sua iniciativa o praticou sem suporte legal.

 

Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária e Aduaneira.

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente.

 

Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente e calcular os respectivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

 

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento (13-12-2013), até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

 

Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art.º 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 62.190,15.

 

 

Custas

 

Nos termos do art.º 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

            DECISÃO

 

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a) Julgar procedentes os pedidos de declaração da ilegalidade da liquidação adicional de IMT n.º …, no valor de €54.873,66 e da liquidação adicional de Imposto do Selo nº …, no valor de €7.316,49;

b) Anular as referidas liquidações;

c) Julgar procedente o pedido de reembolso daquelas quantias pagas correspondentes às referidas liquidações num total de €62.190,15 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituí-la;

d) Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, calculados sobre a quantia a restituir, desde a data do pagamento (13-12-2013), até à do processamento da nota de crédito, em que devem ser incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT), às taxas legais que vigorarem até ao pagamento, nos termos do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

e) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do presente processo.

 

Lisboa, 27-4-2015

O Tribunal Arbitral

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

Augusto Vieira

 

Nuno Pombo



[1] Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

[2] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1ª edição, 211; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª edição, reelaborada, 2006, 379 a 383; Galvão Telles, Direito das Obrigações 7ª edição, revista e actualizada, 101, 102 e 124; Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1986, reimpressão, I, 453 a 456, 464, 480 e 481,