Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 693/2014-T
Data da decisão: 2015-04-01   
Valor do pedido: € 146.389,83
Tema: IRC - Benefícios fiscais, RFAI, Competência do tribunal arbitral
Versão em PDF

       Decisão Arbitral

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 693/2014-T

Tema: IRC, benefícios fiscais, RFAI, competência do tribunal arbitral

 

 

            Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Henrique Nogueira Nunes e Dr. Nuno Pombo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12-12-2014, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A… – …, S.A., sociedade comercial anónima com sede na Avenida …, …, …, … Vila Nova de Gaia, NIPC …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pretende a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o acto tributário consubstanciado na liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2014 …, na demonstração de acerto de contas n.º 2014 … e na demonstração de compensação n.º 2014 …, todas relativas ao exercício de 2011 e o reconhecimento e utilização efectiva de um crédito fiscal a título de RFAI (criado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de Março) que deverá ascender ao montante de € 993.623,83, transitando para eventual dedução em períodos de tributação subsequentes o montante de € 223.167,61.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 26-09-2014 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-10-2014.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 26-11-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 12-12-2014.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência da presente acção arbitral.

Por despacho de 12-02-2015, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)     A Requerente é a sociedade dominante do grupo fiscal A…, o qual é tributado, em sede de IRC, de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), previsto no art. 69.º do Código do IRC (cfr. fls. 5 do Relatório de Inspecção Tributária, adiante RIT);

b)     Por referência ao período de tributação de 2011, o perímetro de consolidação fiscal era composto pela Requerente, sociedade dominante, e pelas sociedades dominadas, entre outras, B…, S.A., titular do Número Único de Identificação de Pessoa Colectiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial de Vila Nova de Gaia … (adiante simplesmente designada “B…”);

c)     Relativamente ao período de tributação de 2011, a Requerente, sociedade dominante, apresentou, em 30-05-2013, uma declaração de substituição modelo 22, determinando o lucro tributável do Grupo A (declaração constante da 2.ª parte do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

d)     Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2013…, de 10 de Outubro de 2013, foi a Requerente sujeita a uma acção inspectiva de âmbito parcial, ao IRC do exercício de 2011, com o objectivo de verificar o cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, e de fazer reflectir no lucro tributável do grupo as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, associadas à utilização de benefícios fiscais (cfr. fls. 5 do RIT);

e)     No âmbito da acção inspectiva, foi analisada a declaração modelo 22 n.º …-…-… datada de 30 de Maio de 2013, na qual a Requerente apurou um lucro tributável do grupo de € 38.075.994,22 e uma colecta de € 9.517.436,06 (cfr. fls. 5 e 9 do RIT);

f)      A Requerente inscreveu no anexo D da declaração modelo 22, respeitante ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), o montante € 1.216.791,14 no campo designado de “dotação do período”, o montante de € 900.714,52 como “dedução do período” e o montante de € 316.076,62 no campo relativo ao “saldo que transita” (cfr. fls. 8 do Relatório de Inspecção, adiante RIT e declaração junta ao processo administrativo);

g)     A Requerente efectuou, no campo 357 da declaração modelo 22, deduções à colecta no montante global de € 1.075.002,59, tendo apurado um IRC liquidado (campo 358) no montante de € 8.442.433,47;

h)     No que concerne ao benefício fiscal relativo ao SIFIDE II (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II), a Requerente considerou como dotação do período o montante de € 172.569,11, tendo declarado a totalidade desse montante como dedução à colecta do período e nulo o saldo a transitar (quadro de fls. 9 do RIT e declaração modelo 22, junta ao PA);

i)      No que concerne aos benefícios fiscais respeitantes ao RFAI, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que o montante susceptível de ser deduzido à colecta ascendia a € 1.216.791,14, pelo que, tendo a Requerente considerado como dedução à colecta o montante de € 900.714,52, procedeu a um ajustamento a favor da Requerente, aumentando a dedução à colecta do período de 2011 em € 316.076,62, invocando o artigo 3.º do RFAI e a alínea b) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC (cfr. fls. 11 do RIT);

j)      Na sequência da correcção efectuada, a Autoridade Tributária e Aduaneira, invocando o artigo 92.º do Código do IRC, corrigiu o cálculo do resultado da liquidação no montante de € 223.167,30 (RIT, página 14);

k)      A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2014 …, a demonstração de acerto de contas n.º 2014 … e a demonstração de compensação n.º 2014 …, todas relativas ao exercício de 2011, apurando o montante de imposto a receber de € 146.389,83;

l)      A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida na alínea anterior;

m)   Relativamente à reclamação graciosa, foi elaborada na Unidade dos Grandes Contribuintes o projecto de decisão n.º …/2014, cuja cópia consta do documento n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido;

n)     Na sequência do exercício do direito de audição pela Requerente, foi elaborada na Unidade dos Grandes Contribuintes a Decisão n.º …/2014, cuja cópia foi junta com a petição inicial, como documento n.º 1, cujo teor se dá como reproduzido;

o)     Por despacho de 20-08-2014, proferido pela Senhora Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes foi indeferida a reclamação graciosa;

p)     A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Requerente por ofício expedido em 21-08-2014 (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido);

q)     Em 24-09-2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto baseia-se no processo administrativo e nos documentos juntos com a petição inicial, não havendo controvérsia sobre os factos provados.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Poderes de cognição dos tribunais arbitrais

 

A Requerente termina o seu pedido de pronúncia arbitral pedindo que seja anulado acto tributário «e admitido o reconhecimento e utilização efectiva de um crédito fiscal a título de RFAI que deverá ascender ao montante de € 993.623,83, transitando para eventual dedução em períodos de tributação subsequentes o montante de € 223.167,61».

A autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT foi concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, prevendo-se no seu n.º 2 e na alínea a) do n.º 4 a possibilidade de a arbitragem tributária abranger o que no processo judicial tributário é campo de aplicação da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

No entanto, o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) apenas incluiu no âmbito da arbitragem tributária competências para a apreciação da legalidade de actos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, n.º 1, próprias dos processos de impugnação judicial.

Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm poderes de cognição limitados aos que os tribunais tributários podem exercer no processo de impugnação judicial (que se tem entendido que abrangem a declaração de ilegalidade de actos e fixação de juros indemnizatórios e indemnizações por garantia indevida), mas não se incluem as que nos tribunais tributários podem ser exercidas em processos de execução de julgados e em acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo.

Assim, é manifesto que este Tribunal Arbitral não tem poderes de cognição para se pronunciar sobre o pedido de «reconhecimento e utilização efectiva de um crédito fiscal a título de RFAI que deverá ascender ao montante de € 993.623,83, transitando para eventual dedução em períodos de tributação subsequentes o montante de € 223.167,61».

Por isso, não se toma conhecimento desse pedido.

 

3.2. Questão da legalidade da correcção subjacente ao acto de liquidação

 

A Requerente considerou, no exercício de 2011, como dedução efectiva à colecta, a título de benefícios fiscais respeitantes a RFAI, o valor de 900.714,52 euros.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que o montante susceptível de ser deduzido à colecta nesse período é 1.216.791,14 euros, pelo que procedeu a um ajustamento a favor da Requerente ao montante deduzido no período de 316.076,62 euros, invocando o artigo 3.° do RFAI e a alínea b) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC (CIRC).

No presente processo, a Requerente defende que «apurou um montante crédito fiscal relativo a RFAI correspondente a € 1.216.791,14, tendo reconhecido como dedução à coleta a importância de € 900.714,52» e que «transita para eventual dedução em períodos de tributação subsequentes o montante de € 316.076,62, solução que se afigura ser a única que se compagina com o regime legal em vigor bem como com o espírito das normas que o regulamentam».

A Administração Tributária e Aduaneira entende que a dedução do RFAI deverá concretizar-se logo no primeiro período em que seja apurada colecta suficiente e respeitando o limite temporal definido legalmente, não podendo o sujeito passivo escolher o período em que se efectua essa dedução (…) pelo que se procede a um ajustamento a favor do sujeito passivo ao montante deduzido no período de 316.076,62 euros.

O artigo 92.º do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, vigente em 2011, estabelece o seguinte:

 

Artigo 92.º

Resultado da liquidação

1 - Para as entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º.

2 - Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:

a) Os que revistam carácter contratual;

b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II);

c) Os benefícios fiscais às zonas francas previstos nos artigos 33.º e seguintes do Estatuto dos Benefícios Fiscais e os que operem por redução de taxa;

d) Os previstos nos artigos 19.º, 32.º, 32.º-A e 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

A Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, criou o programa orçamental designado por Iniciativa para o Investimento e o Emprego e, no seu âmbito, criou o regime fiscal de apoio ao investimento realizado em 2009 (RFAI 2009). ( [1] )

Este regime foi mantido em vigor no ano de 2010 pelo artigo 116.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, no ano de 2011 pelo artigo 134.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e no ano de 2012 pelo artigo 162.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

No seu artigo 3.º, o RFAI 2009 estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 3.º

Incentivos fiscais

 

1 - Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efectuem, em 2009, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:

a) Dedução à colecta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:

i) 20 % do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de (euro) 5 000 000;

ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a (euro) 5 000 000;

(...)

2 - A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efectuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se inicie em 2009.

3 - Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.

 

Resulta destes n.ºs 2 e 3 que a dedução à colecta de IRC de investimentos que satisfaçam as condições exigidas pela alínea a) do n.º 1 deve ser efectuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se inicie em 2009 (n.º 2) e só quando não possa ser efectuada integralmente nesse exercício, por insuficiência de colecta, pode sê-lo dentro dos quatro exercícios seguintes, nas mesmas condições (n.º 3).

A limitação da relevância dos benefícios fiscais a 10% do montante do que seria apurado se estes não existissem, que resulta do n.º 1 do artigo 92.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, é aplicável ao benefício fiscal em IRC previsto no RFAI, já que não consta da lista de benefícios fiscais excluídos que consta do n.º 2 do mesmo artigo.

Na verdade, esta lista de benefícios fiscais excluídos da limitação do n.º 1 foi reformulada nesta mesma Lei, deixando de se fazer referência aos «benefícios na modalidade de dedução à colecta» que dela faziam parte na redacção anterior do n.º 2 e que abrangiam o benefício fiscal previsto no RFAI relativo a IRC.

Por outro lado, não se pode duvidar que o artigo 92.º, n.º 1, do CIRC visa limitar o relevo a benefícios fiscais concedidos por outras normas, pois é precisamente essa uma das suas funções, como resulta evidente do seu texto.

Para além disso, constata-se que no n.º 1 do artigo 92.º do CIRC, ocorreu uma evolução legislativa no sentido de acentuar a limitação da relevância de benefícios fiscais e outros regimes aí previstos que afectam a colecta de IRC, pois, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, assegurava-se apenas 60% da colecta, percentagem que passou para 75% com a Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, e para 90% com a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, com consequentes reduções dos limites máximos dos benefícios fiscais. O que se sintoniza com as notórias preocupações que então existiam em reduzir o défice das finanças públicas, garantindo um determinado nível de receita fiscal.

De qualquer modo, como se disse, a eliminação que a mesma Lei n.º 55-A/2010 efectuou da referência aos «benefícios na modalidade de dedução à colecta» que constava da lista de benefícios fiscais excluídos do regime do n.º 1, que constava do n.º 2 da redacção anterior, não pode deixar de ser interpretada como não sujeitando todos os benefícios fiscais à nova limitação feita no n.º 1, sendo esta a única interpretação que tem na letra na lei o mínimo de correspondência verbal exigido pelo artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.

Neste contexto, em que, simultaneamente, na mesma Lei n.º 55-A/2010, o legislador mantém o RFAI (artigo 134.º) e altera o artigo 92.º do CIRC diminuindo a relevância geral dos benefícios fiscais em matéria de IRC (através de um novo limite mínimo mais elevado para a colecta de IRC) e reformula a lista de benefícios fiscais excluídos de tal limitação de forma a excluir o benefício fiscal do RFAI, que aí se enquadrava anteriormente, a intenção legislativa que se detecta é a de manter em geral a aplicação do regime do RFAI, mas, no que concerne ao IRC, com a limitação prevista no n.º 1 do artigo 92.º.

Na verdade, a interpretação defendida pela Requerente, reconduz-se, na prática, a incluir o benefício fiscal em causa na lista de benefícios fiscais excluídos pelo n.º 2 do artigo 91.º, o que está ao arrepio da intenção legislativa de suprimir desta os «benefícios na modalidade de dedução à colecta» que na redacção anterior desta constavam. 

Aliás, o facto, referido pela Requerente, de o Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho, ter vindo aditar ao n.º 2 do artigo 92.º uma referência expressa ao «regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI), previsto no Código Fiscal do Investimento», voltando a excluir os benefícios fiscais deste tipo da limitação prevista no n.º 1 do artigo 92.º, confirma que a redacção anterior não permitia considerar este benefício fiscal incluído na lista de benefícios fiscais excluídos da limitação do n.º 1. Na verdade, para além de nada haver no texto nem no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 82/2013 que permita entrever que a alteração ao n.º 2 do artigo 92.º do CIRC tenha natureza interpretativa, o Preâmbulo daquele Decreto-Lei n.º 82/2013 anuncia uma alteração da política económica e financeira, passando o Governo a assumir o compromisso de promoção do crescimento da economia, em paralelo com a anterior preocupação primordial de consolidação das finanças públicas, como se pode ver pelos seguintes excertos:

 

«Durante o ano de 2013, o Governo está empenhado numa reforma das funções do Estado, que permita reduzir estruturalmente o peso da despesa pública, tornando-a mais sustentável, mais equitativa e mais eficiente.

Em paralelo, contribuindo para o sucesso do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro para Portugal, e com o objectivo de promover a competitividade, o emprego e a internacionalização das empresas portuguesas, o Governo compromete-se com uma estratégia dirigida a estimular fortemente o investimento directo em Portugal, seja nacional, seja estrangeiro, quer o investimento português no estrangeiro.

Assim, ao mesmo tempo que prossegue o esforço de consolidação das finanças públicas nacionais, o Governo assume o imperativo de promover o crescimento da economia portuguesa, através da criação de condições fiscais atractivas para estimular o investimento produtivo e a criação de emprego, já em 2013.»

 

 É em sintonia com este novo compromisso governamental de adoptar «uma estratégia dirigida a estimular fortemente o investimento directo em Portugal» que se amplia o benefício fiscal do RFAI em matéria de IRC.

A autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o Decreto-Lei n.º 82/2013, que foi concedida pelo artigo 244.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, confirma que, na perspectiva da Assembleia da República, a dedução à colecta de IRC permitida relativamente ao RFAI estava limitada pelo artigo 92.º, n.º 1, do CIRC, pois se prevê que seja revisto «o actual limite da dedução anual à colecta do IRC, tendo em vista uma percentagem de dedução situada entre os 25 % e os 50 %», o que tem ínsito que se entendia que anteriormente a percentagem era inferior.

Assim, tem de se concluir que o benefício fiscal em matéria de IRC previsto no RFAI estava subordinado, em 2011, ao limite global de deduções à colecta previsto no n.º 1 do artigo 92.º do CIRC.

Mas, esta conclusão não basta para resolver a questão, pois, como defende a Requerente, a possibilidade de reporte do benefício fiscal do RFAI não afecta aquele limite do artigo 92.º, n.º 1, no ano de 2011, o que é inquestionavelmente verdade, já que só é deduzido naquele ano o montante do benefício fiscal que, aditado aos restantes benefícios fiscais e regimes aí previstos, não ultrapasse o limite de 10% da colecta, de forma a permitir que o imposto liquidado não seja inferior a 90% do que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º.

Isto é, se para atingir os objectivos de consolidação das finanças públicas basta que a dedução à colecta não exceda em cada ano 10% da colecta, não advém do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC qualquer obstáculo ao reporte de montantes dedutíveis, desde que, em cada ano, não se exceda o limite mínimo de imposto liquidado que se pretende.

Por isso, o obstáculo ao reporte não advém do regime do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC, só podendo assentar na referência que no n.º 3 do artigo 3.º do RFAI se faz a que «quando a dedução referida no número anterior não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes».

É manifesto que esta norma tem subjacente uma intenção legislativa de que os benefícios fiscais de apoio ao investimento sejam aproveitados pelos contribuintes, numa medida razoável, que serão os quatro anos subsequentes àquele em que ocorre o investimento, período idêntico ao que se prevê no artigo 45.º da LGT para a consolidação das situações jurídicas tributárias.

Também é certo que esta possibilidade de dedução nos quatro períodos subsequentes constitui uma importante garantia para o contribuinte, por aumentar as possibilidades de este usufruir integralmente do benefício fiscal e, nessa medida, libertando-o da contingência de não haver colecta suficiente para a dedução integral no ano do investimento, a possibilidade de reporte deve ser considerada como um factor importante ou mesmo decisivo para motivar decisões de investimento.

Desta perspectiva, sendo de presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) para atingir o objectivo visado de incentivar o investimento, a referência à possibilidade de reporte em caso de insuficiência de colecta não deverá ser interpretada com o alcance de dificultar aos contribuintes usufruírem do benefício fiscal, pois o objectivo da norma é precisamente o contrário, aumentar as possibilidades de os contribuintes poderem vir efectivamente a usufruir do benefício, que legislativamente se entende ser uma contrapartida justa do investimento.

Sendo assim, numa interpretação teleológica, que permita encontrar na lei forma de assegurar os objectivos visados legislativamente e não prejudicá-los, a possibilidade de dedução deverá existir na generalidade das situações em que a colecta de IRC disponível para usufruir do benefício fiscal não seja suficiente para o seu aproveitamento integral, o que não deixa de ser uma interpretação com correspondência na letra da lei, pois do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC resulta uma diminuição da colecta disponível para usufruir de benefícios fiscais em IRC. E, por isso, quando esta colecta disponível for insuficiência para deduzir a totalidade do benefício fiscal resultante do investimento, estar-se-á perante uma situação de «insuficiência de colecta» para efeitos do artigo 3.º, n.º 3, do RFAI.

Assim, conclui-se que a posição defendida pela Requerente encontra na letra da lei, mesmo por interpretação meramente declarativa, correspondência verbal na letra do artigo 3.º, n.º 3, do RFAI, mesmo mais do que o mínimo insuficientemente expresso exigido pelo artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil. Para além disso, mesmo que fosse necessária uma interpretação extensiva, ela seria permitida pelo artigo 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, pois é claro que a intenção legislativa subjacente ao n.º 3 do artigo 3.º do RFAI é permitir ao contribuinte utilizar o benefício fiscal a que tem direito em anos subsequentes, até ao limite de quatro, quando não puder utilizá-lo em anos anteriores.

Por outro lado, esta interpretação é a que assegura congruência valorativa do sistema jurídico, pois não seria coerente admitir no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do RFAI uma dedução à colecta de IRC até 25% e, ao mesmo tempo, restringir definitivamente o benefício a 10% ou menos, por via do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC.

Por isso, se é certo que as preocupações de consolidação das finanças públicas podem justificar que, em cada ano, se sobreponha a obtenção da receita mínima de IRC ao benefício fiscal, aquelas preocupações já não podem explicar que não haja a possibilidade de utilização do benefício fiscal num dos quatro anos subsequentes, se tal utilização em algum deles não afectar aquela consolidação.

Conclui-se, assim, que o benefício fiscal resultante do RFAI em matéria de IRC apenas pode ser utilizado na medida em que não ponha em causa o limite previsto no artigo 92.º, n.º 1, do CIRC, mas não se vislumbra obstáculo legal a que a parte que não seja utilizada no ano do investimento possa ser utilizada para dedução à colecta de IRC nos anos subsequentes, até ao limite previsto no n.º 3 do artigo 3.º do RFAI.

Por isso, no caso em apreço, não permitindo o limite de 90% previsto no artigo 92.º, n.º 1, do CIRC a dedução à colecta do montante total do investimento efectuado em 2011 pela Requerente que beneficia do regime do RFAI, esta não tinha de imputar todo esse investimento a esse ano, ficando sem direito a dedução na parte em que se ultrapassaria esse limite, podendo usar da faculdade prevista n n.º 3 do artigo 3.º do RFAI.

Pelo exposto, a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira enferma de vício de violação de lei, por errada interpretação do artigo 3.º, n.º 3, do RFAI.

 

4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral por vício de violação de lei, que impede a prática de novo acto com o mesmo sentido, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões suscitadas pela Requerente

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)Não tomar conhecimento do pedido de admissão do «reconhecimento e utilização efectiva de um crédito fiscal a título de RFAI que deverá ascender ao montante de € 993.623,83, transitando para eventual dedução em períodos de tributação subsequentes o montante de € 223.167,61»;

b)     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte relativa à anulação do acto de liquidação de IRC n.º 2014 …, da demonstração de acerto de contas n.º 2014 … e da demonstração de compensação n.º 2014 …, todas relativas ao exercício de 2011.

 

6. Valor do processo

 

 De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 146.389,83.

 

7. Custas

 

 Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 01-04- 2015

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes e Sousa)

 

 

(Henrique Nogueira Nunes)

 

 

(Nuno Pombo)



[1]             O RFAI 2009 veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho, tendo estado em vigor em 2011.