Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 3/2012-T
Data da decisão: 2012-06-04  IRC  
Valor do pedido: € 36.041,27
Tema: Benefícios fiscais
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ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA

(DL nº 10/2001, de 20/01)

 

Processo nº 03/2012-T

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. Em 10.01.2012, a “…”, com o NIPC … e sede em …, requereu, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 2º, e do artigo 10º, do DL nº 10/2011, de 20/1, pediu a constituição e decisão arbitral.

 

  1. Esse pedido foi apresentado ao abrigo do regime transitório previsto no artigo 30º nº 1 do DL nº 10/2011, de 20/1.

 

  1. O pedido teve por objecto principal a declaração de ilegalidade parcial, e consequente anulação parcial, de acto de liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 2003.

 

  1. Foi aqui Requerida a “Autoridade Tributária e Aduaneira”.

 

  1. Foi designado árbitro pelo CAAD, nos termos do nº 1 do artigo 6º do DL nº 10/2011, de 20/1.

 

  1. Em 31.01.2012, nos termos do nº 1 do artigo 13º do nº 10/2011, de 20/1, o Exmo. Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira proferiu despacho mantendo os actos tributários sindicados no pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Em 15.02.2012, teve lugar, na sede do CAAD, a reunião de constituição do tribunal arbitral, nos termos do nº 8 do artigo 11º do DL nº 10/2011, de 20/1.

 

  1. Foi junta cópia do processo administrativo que está subjacente à liquidação de imposto em causa.

 

  1. A Requerida apresentou Resposta em 09.03.2012, cujo teor, por brevidade de exposição, se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

 

  1. Em 30.04.2012, teve lugar, na sede do CAAD, a primeira reunião do Tribunal Arbitral, nos termos do artigo 18º do DL nº 10/2011, de 20/1.

 

  1. Foi aí designada a presente data para a prolação da decisão arbitral.

 

  1. Está em causa, a título principal, uma correcção à matéria colectável no montante de Euro 95.014,72, relativa à interpretação do limite máximo, consagrado no nº 2 do artigo 17º do EBF, na redacção aplicável aos anos de 2001 e 2002 (ou seja, na redacção anterior à da Lei nº 32-B/2002, de 30/12, entrada em vigor em 01.01.2003), respeitante à majoração dos encargos decorrentes da criação líquida de emprego para jovens.

 

  1. Segundo a Requerente, o limite de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado constitui o limite máximo dos encargos com a criação líquida de emprego para jovens, por posto de trabalho, para efeitos da posterior aplicação da majoração de 50% prevista no artigo 17º do EBF.

 

  1. Segundo a Requerente, se esses encargos, ainda sem majoração, ultrapassarem aquele limite de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado, serão reduzidos a esse mesmo limite, ao qual será depois aplicada a majoração de 50%.

 

  1. Por sua vez, segundo a Requerida, não há lugar a qualquer majoração de encargos com a criação líquida de emprego para jovens, se esses encargos, somados à sua majoração em 50%, ultrapassarem o valor de 14 vezes o salário mínimo mensal mais elevado, por posto de trabalho criado.

 

  1. Também segundo a Requerida, mesmo se os encargos, ainda sem a majoração de 50%, ultrapassarem desde logo aquele limite de 14 vezes o salário mínimo mensal mais elevado, não há lugar a qualquer majoração.

 

  1. Por outro lado, segundo a Requerente deverá ser anulada a derrama e os juros compensatórios decorrentes daquela correcção à matéria tributável, dado serem acessórios e dependentes da liquidação do imposto principal, o IRC.

 

  1. Acrescentando ainda a Requerente que, no que concerne à totalidade dos juros compensatórios liquidados e incorporados na liquidação aqui em causa, não foi concedido ao contribuinte a oportunidade de exercer o direito de audição prévia.

 

  1. E, por outro lado, que essa liquidação de juros compensatórios não foi devidamente fundamentada, ora por falta de explicitação da respectiva base de incidência, taxa e tempo de contagem, ora por falta de explicitação do pressuposto legal da culpa do contribuinte no atraso da liquidação.

 

  1. Por sua vez, e segundo a Requerida, a Requerente foi notificada para efeitos do direito de audição, e pronunciou-se no uso desse direito, sobre o projecto de conclusões do relatório inspectivo que determinou a liquidação em crise, sendo que “os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados” (artigo 35º nº 8 da LGT).

 

  1. Ou seja, e segundo a Requerida, «a liquidação de juros compensatórios é uma mera operação aritmética decorrente da lei, pelo que não constitui “facto novo” determinante de audição do contribuinte para esse fim expresso» (cfr. Acórdão do STA, de 28.09.2011, Proc. 0562/11).

 

  1. Alega ainda a Requerida que a liquidação de juros compensatórios está devidamente fundamentada, já que tem a sua fundamentação na própria lei, constituindo acto vinculado para a AT - para além de advir da ilegal majoração de custos efectuada pela Requerente, conducente ao retardamento da liquidação por motivos imputáveis ao contribuinte.

 

  1. Entende também a Requerida que a Requerente deveria ter feito uso da faculdade de solicitar a fundamentação da liquidação, prevista no artigo 37º do CPPT – não o tendo feito, deve ter-se por sanada a irregularidade decorrente da não notificação oportuna da demonstração do cálculo dos juros compensatórios.

 

  1. A Requerente solicitou o reembolso da quantia que, em consequência da correcção à matéria colectável aqui em crise, pagou no respeito processo de execução fiscal, a qual quantificou em Euro 24.315,21, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal (cfr. artigo 43º da LGT).

 

  1. Solicitou ainda o reconhecimento do direito de indemnização pelos encargos incorridos com a prestação e manutenção da garantia bancária que lhe foi exigida para suspender o processo de execução fiscal, na parte em que a execução e a garantia advieram da correcção à matéria colectável aqui em causa – encargos, esses, que computou em Euro 114,77.

 

  1. E solicitou ainda “juros legais”, contados desde a data do desembolso dos encargos com a garantia e até à data em que foi autorizado o levantamento da garantia, que a Requerente fixou em 08.04.2010.

 

  1. Nesta parte, a Requerida contra-argumentou que, devendo improceder o pedido principal, igual sorte devem merecer estes pedidos subsidiários.

 

  1. SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral é competente (artigo 2º nº 1 a) do DL nº 10/2011, de 20/1).

 

O processo não contém nulidades ou incidentes processuais.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do CPPT, “ex vi” do artigo 29º nº 1 a) do DL nº 10/2011, de 20/1).

 

  1. FACTOS

 

Com relevância para a decisão de mérito, foi provada a seguinte factualidade:

 

  1. Em 27.08.2007, foi emitida a liquidação adicional de IRC (e consequentes derrama e juros compensatórios) nº …, de 27.08.2007, relativa ao exercício de 2003, da qual decorreu o valor total de Euro 3.158.528,93 a pagar e cuja data limite de pagamento terminou em 08.10.2007 (cfr. doc. 3 junto ao requerimento inicial).

 

  1. Esta liquidação incorpora um total de Euro 419.578,32, de juros compensatórios (cfr. doc. 3 junto ao requerimento inicial).

 

  1. Em 2003, a Requerente era tributada, em IRC, segundo o regime especial da tributação dos grupos de sociedades, consagrado nos artigos 63º e ss. do CIRC, integrando esse grupo juntamente com outras sociedades, do qual era dominante (cfr. doc. 5 junto ao requerimento inicial)

 

  1. A sobredita liquidação reporta-se à tributação consolidada, em IRC, desse grupo de sociedades, com respeito ao exercício de 2003 (cfr. docs. 3 e 5 juntos ao requerimento inicial).

 

  1. Entre outras correcções, esta liquidação adicional tem por base o acréscimo, à matéria colectável do grupo, de Euro 95.014,72, respeitante à criação líquida de emprego para jovens ocorrida em 2001 e 2002 (valor, aquele, deduzido pela sociedade dominante, aqui Requerente) - por não ter observado o limite de majoração dos custos previsto no artigo 17º nº 2 do EBF (cfr. relatório inspectivo, junto ao requerimento inicial como doc. 5).

 

  1. Em 15.10.2007, foi apresentada reclamação graciosa contra parte da sobredita liquidação adicional de imposto (cfr. doc. 6 junto ao requerimento inicial).

 

  1. Em 14.05.2008, foi interposto recurso hierárquico do indeferimento tácito da reclamação graciosa (cfr. doc. 2 junto com o requerimento inicial).

 

  1. O recurso hierárquico foi parcialmente deferido por despacho de 14.09.2009, tendo sido expressamente indeferido no segmento em que respeita à referida correcção à matéria colectável de Euro 95.014,72, bem como no que concerne aos juros compensatórios incorporados na liquidação aqui em crise (cfr. doc. 2 junto com o requerimento inicial).

 

  1. Em 06.11.2009, a Requerente apresentou impugnação judicial contra o despacho proferido sobre o recurso hierárquico, no segmento em que este indeferiu o recurso hierárquico (cfr. doc. 1 junto ao requerimento inicial).

 

  1. No âmbito deste processo de Impugnação Judicial, o Ministério Público, em ...2011, emitiu Parecer sufragando a posição do contribuinte (cfr. doc. 10 junto com o requerimento inicial).

 

  1. Por referência à data da apresentação do pedido de decisão arbitral, aquela impugnação judicial estava pendente de decisão, há mais de dois anos, no Tribunal Administrativo e Fiscal de …, aí tramitando sob o processo de impugnação nº … (cfr. requerimento inicial e doc. 1 junto ao requerimento inicial).

 

  1. No exercício de 2003, o grupo de sociedades de que era dominante a Requerente, majorou em 50%, para efeitos do apuramento da matéria colectável desse grupo fiscal, os encargos relacionados com a criação líquida de emprego para jovens ocorrida em 2001 e 2002, na esfera da Requerente (cfr. doc. 5 junto ao requerimento inicial).

 

  1. Do objecto dessa majoração, o grupo exceptuou a medida em que esses encargos excederam, por referência a cada posto de trabalho, 14 vezes o salário mínimo mais elevado à data (cfr. doc. 5 junto ao requerimento inicial).

 

  1. A Requerente não foi notificada de qualquer projecto de liquidação de juros compensatórios, previamente à liquidação final de imposto, para efeitos do eventual exercício do direito de audição prévia.

 

  1. Os juros compensatórios incorporados na liquidação de imposto em causa não foram fundamentados, de direito e de facto, prévia ou contemporaneamente à liquidação de imposto, faltando a explicitação da taxa usada, da base de cálculo e do período de cálculo daqueles juros.

 

  1. A Requerente não fez uso da faculdade legal consagrada no artigo 37º do CPPT, de pedir os fundamentos da liquidação.

 

  1. A Requerente pagou, em 08.04.2010, no respectivo processo de execução fiscal nº …, a quantia de Euro 24.315,21, acrescida de custas da execução fiscal, de Euro 482,76, num total de Euro 24.797,97 (cfr. doc. 13 junto com o requerimento inicial).

 

  1. A Requerente apresentou garantia bancária, emitida pelo …, datada de 26.11.2007, no valor de Euro 1.032.317,31, destinada a assegurar o pagamento da liquidação aqui em causa (cfr. doc. 14 junto com o requerimento inicial).

 

  1. O total dos encargos incorridos com a prestação e manutenção dessa garantia bancária ascendeu a Euro 14.168,60 (cfr. doc. 14 junto com o requerimento inicial).

 

A factualidade provada teve por base os documentos juntos aos autos, acima discriminados, bem como o conteúdo do processo administrativo igualmente anexo, não se tendo provado outra factualidade com relevo para a decisão de mérito.

 

  1. DIREITO

 

Ainda que esteja em causa uma dedução à matéria colectável do exercício de 2003, essa dedução, conforme factualidade provada, tem por base a criação líquida de emprego para jovens ocorrida em 2001 e 2002 – matéria sobre a qual Requerente e Requerida estão de acordo.

 

Com efeito, o benefício fiscal em questão, no caso dos autos, constituiu-se em 2001 e 2002, por ter sido nestes anos que ocorreu a criação líquida de emprego para jovens legalmente relevante para efeitos do benefício fiscal em questão. Simplesmente, este benefício fiscal, traduzido numa majoração de encargos em 50%, materializava-se “…. durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho” (cfr. artigo 17º nº 3 do EBF, redacção em vigor em 2001 e 2002) – fazendo parte desse “período de cinco” anos, “in casu”, o ano de 2003.

 

Deste modo, a lei aplicável é aquela que vigorava à data da constituição do benefício fiscal, 2001 e 2002. Ou seja, é aquela que vigorava à data da factualidade fiscalmente relevante – que, no caso, foi a criação de emprego, por via da celebração dos respectivos contratos de trabalho, em 2001 e 2002, nas condições legalmente previstas no nº 1 do mesmo artigo 17º do EBF.

 

Aliás, e nos termos do artigo 11º do EBF, o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se e constitui-se na data da verificação dos respectivos pressupostos, salvo disposição legal em contrário.

 

Deste modo, deve ser levada em conta a redacção do artigo 17º nº 2 do EBF em vigor até 31.12.2002 - como, aliás, concordam Requerente e Requerida.

 

Posto isto, a redacção do artigo 17º (ex artigo 48º-A) do EBF, em 2001 e 2002, era a seguinte: “1 - Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%; 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado; 3 - A majoração referida no nº 1 tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.”.

 

Se bem que inaplicável ao caso, mas reveladora da “ratio legis” que estaria subjacente à redacção anterior, a Lei nº 32-B/2002, de 30/12, entrada em vigor em 01.01.2003, veio alterar o nº 2 do mesmo preceito, dele passando a constar que “2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.”.

 

Como se verifica, a redacção legislativa alterou-se significativamente, de forma inovadora: o limite máximo de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado deixou de ser imputado ao valor dos encargos mensais, para passar a ser imputado ao valor da majoração anual – com a consequente restrição do benefício fiscal em questão.

 

Sendo que aquele valor “dos encargos mensais”, inicialmente plasmado no nº 2, não pode deixar de se reportar, por comparação com o nº 1 do mesmo preceito, ao valor dos “encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho” elegível para efeitos do benefício fiscal em causa – benefício fiscal, este, materializado na subsequente majoração desses encargos em 50%, para efeitos fiscais.

 

Aliás, se a interpretação da lei antiga que deveria ser preconizada já deveria ser aquela que veio a ser expressamente consagrada na lei nova, não se percebe por que razões o legislador sentiu necessidade de alterar a lei – simplesmente, o legislador manteria a lei antiga.

 

Em suma, o valor limite previsto no nº 2 do artigo 17º do EBF, na redacção aplicável a 2001 e 2002, reporta-se aos encargos contabilizados com os postos de trabalho abrangidos pela “criação líquida” a que se reporta o nº 1 do mesmo preceito, sobre os quais incide depois a majoração em 50%. Simplesmente, se esses encargos contabilizados excederem, por posto de trabalho, aquele limite máximo de 14 vezes o salário mínimo nacional, serão então reduzidos a este mesmo limite, sobre o qual incidirá, depois, a majoração de 50%.

 

Estamos conscientes que, segundo o Acórdão do TCAS, de 09.11.2011, Proc. 03637/09, in www.dgsi.pt, a majoração dos encargos é ela própria um encargo fiscal, de modo que, não fazendo aquele nº 2 do artigo 17º do EBF (redacção anterior a 2003) distinção de “encargos”, o limite máximo aí previsto é aplicável aos encargos já majorados em 50%.

 

Salvo o devido respeito, não alinhamos, de todo, com esta interpretação da lei. Com efeito, reportando-se o º 2 do artigo 17º do EBF ao “montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho”, é evidente que o limite de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado reporta-se aos encargos mensais contabilizados por posto de trabalho criado. Simplesmente, nos termos do nº 1 do mesmo preceito, esses encargos serão considerados, para efeitos fiscais – e é aqui que reside o benefício fiscal - em 150%.

 

Efectivamente, o artigo 17º nº 2 do EBF, na redacção de 2001 e 2002, não se reporta aos “encargos fiscais”. Apenas o nº 1 do mesmo preceito considera que os encargos contabilizados serão considerados custo fiscal em 150% do seu valor.

 

Note-se que, nos termos do artigo 9º nº 3 do Código Civil, ex vi do artigo 11º nº 1 da LGT, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

 

E o texto da lei é claro: o limite máximo previsto no nº 2 do artigo 17º do EBF, na redacção de 2001 e 2002, deve ser comparado apenas com valor dos encargos “para efeitos do disposto no número anterior”; não com o valor dos encargos já acrescidos da majoração de 50% - como veio depois a suceder, com a nova redacção legal conferida a partir de 2003. De facto, se o nº 2 está previsto “para efeitos do disposto no número anterior”, é porque, logicamente, pressupõe a definição de um limite máximo prévio à majoração dos custos em 50%, para efeitos fiscais.

 

Em suma, no nº 2 do artigo 17º do EBF, redacção de 2001 e 2002, não está em causa um limite máximo reportado aos custos fiscais. Outrossim, um limite máximo reportado ao valor dos encargos contabilizados com os trabalhadores admitidos.

 

Aliás, assim subentendeu a própria AT, na Informação nº …, averbada de Despacho concordante do Exmo Subdirector Geral da DGI, de ...2004 (cfr. doc. 9 junto ao requerimento inicial): “A redacção do nº 2 do art. 17º do Estatuto dos Benefícios Fiscais que referia "Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado" foi alterada pelo nº 1 do art. 38º da Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro, passando a ser a seguinte: "Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado." Ora, porque a nova redacção deste normativo se apresenta menos favorável do que a anterior, conclui-se que, por força do disposto no nº 1 do art. 10º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a redacção agora em vigor só terá aplicabilidade relativamente aos encargos suportados com a criação líquida de emprego ocorrida a partir do exercício de 2003. Relativamente aos encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho ocorrida nos exercícios anteriores, mantém-se o direito ao benefício fiscal que era conferido pela anterior redacção.”.

 

De facto, e nos termos do artigo 10º nº 1 do EBF, as novas normas que alterem benefícios fiscais temporários não são aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício fiscal, em tudo o que os prejudique, salvo quando a lei dispuser o contrário.

 

Assim, a própria AT entendeu que a nova redacção do artigo 17º nº 2 do EBF, introduzida pela Lei 32-B/2002, de 30/12 (essa, sim, reportando o limite máximo ao valor dos encargos majorado, e não apenas ao valor dos encargos), veio inovar em relação ao regime precedente, estabelecendo um regime “menos favorável” ao contribuinte.

 

Escusado será repetir que, em decorrência do princípio geral da boa fé (artigo 6º-A do CPA), a AF está juridicamente vinculada às orientações genéricas que a própria emite, designadamente sobre a interpretação das normas tributárias (cfr. artigo 68º nº 4 b) da LGT e 55º nº 1 e 2 do CPPT).

 

Sendo certo que, tendo essa nova redacção entrado em vigor apenas em 2003, não é aplicável ao caso - já que a criação líquida dos postos de trabalho, como se referiu, ocorreu em 2001 e 2002.

 

Entender o contrário significa preconizar a aplicação retroactiva da nova lei, que se veio a revelar prejudicial para o contribuinte em matéria de benefícios fiscais, em violação, entre outros, dos artigos 12º nº 1 da LGT e 103º nº 3 da CRP.

 

Para além da letra da lei ser clara, os intentos do legislador residiram simplesmente no incentivo à criação líquida de emprego para jovens, não sendo crível ter sido intenção do legislador excluir do benefício fiscal os casos de criação líquida de emprego com a atribuição de salários mais elevados. Com efeito, semelhante interpretação constituiria, outrossim, um incentivo às empresas para contratarem jovens por baixos salários, de molde a fruírem do benefício fiscal em questão.

Com efeito, a lei em vigor em 2001 e 2002 visou apenas estabelecer um limite máximo ao montante dos encargos contabilizados sobre os quais incidiria a majoração, para efeitos fiscais, em 50%. Com a consagração do limite máximo, por posto de trabalho, de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado, o legislador não visou estabelecer uma conditio sine qua non para a fruição desse benefício fiscal.

 

Veja-se que, de acordo com o artigo 9º do EBF, as normas sobre benefícios fiscais, enquanto normas excepcionais (na medida em que obviam à regra geral da tributação), não são susceptíveis de integração analógica, tão pouco de interpretação restritiva, admitindo, apenas, interpretação extensiva (cfr. artigo 11º do CC).

 

Ou seja, as normas sobre benefícios fiscais não devem ser interpretadas e aplicadas com um conteúdo que não tenha o mínimo de correspondência com a letra da lei (artigos 11º da LGT e 9º nº 2 do CC). E a letra da lei, no caso, é clara, ao reportar-se ao valor dos encargos, tão só; não ao valor dos encargos acrescidos da respectiva majoração, meramente fiscal, de 50%.

 

Sendo que o artigo 17º do EBF é norma tributária abrangida pela reserva de lei da Assembleia da República - princípio da legalidade, cfr. artigo 103º nº 2 e 3 da CRP.

 

Com efeito, e conforme afirma o Tribunal Constitucional, por Acórdão nº 267/87, in BMJ, 369-240, “O artigo 168º, nº 1, alínea i), da Constituição estabelece uma reserva parlamentar em matéria de criação de impostos e sistema fiscal, e o artigo 103º nº 2, consagrando o princípio da tipicidade dos impostos, estabelece uma reserva de lei formal no domínio dos seus elementos essenciais, isto é, no que respeita à incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes”.

 

De facto, estabelece o artigo 8º nº 1 da LGT que “Estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime geral das contra-ordenações fiscais”,

 

Sendo que “Este artigo enuncia, explicitando o seu conteúdo, matérias sujeitas ao princípio constitucional da legalidade tributária” (cfr. cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in LGT Coment. e Anot., 2002, pág. 57).

 

Como se afirma no Acórdão do TC nº 183/96, Proc. 438/92, “O princípio da legalidade tributária acha-se garantido no artigo 106º, nº 2, da Constituição, segundo o qual "os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes". Este princípio, como é consabido, traduz-se desde logo na regra da reserva de lei para a criação e determinação dos elementos essenciais dos impostos, não podendo deixar de constar de diploma legislativo e implicando a tipicidade legal, isto é, o imposto há-de ser desenhado na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para qualquer discricionariedade administrativa quanto àqueles elementos essenciais.”.

 

Mais afirma Manuel Henrique Freitas Pereira, in “Fiscalidade”, págs. 132 e ss., que “A doutrina tem assinalado que o princípio da legalidade em matéria fiscal comporta três aspectos: i) A preeminência da lei; ii) A reserva absoluta da lei formal; e iii) A tipicidade fechada. De acordo com a preeminência da lei – que não é exclusiva do Direito Fiscal – só a lei é fundamento da actividade da administração, sendo em face dela que se pode aferir da validade dos actos praticados pela administração fiscal – só a lei pode legitimar qualquer atividade tributária e esta tem de ser conforme à lei. A propósito costuma sublinhar-se que a preeminência da lei comporta uma dimensão positiva (exigência de observância da lei) e uma dimensão negativa (proibição de desrespeito ou de violação da lei). E importa ter em conta, quanto a esta prevalência da lei, que ela existe não só quanto à criação de impostos e definição dos seus elementos essenciais (nº 2 do artº 103º da Constituição) mas também quanto à liquidação e cobrança dos impostos (nº 3 do mesmo artº 103º). No entanto, a outra consequência – reserva de lei formal – reflete a conceção de que só uma lei formal – lei da Assembleia da República – pode criar impostos, cabendo-lhe determinar a incidência, as taxas, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Ou seja só a Assembleia da República directamente ou mediante autorização legislativa ao Governo – que tem de definir o objeto, o sentido, a extensão das normas a editar em sua execução – pode criar impostos e definir os seus elementos essenciais. Esta reserva da lei formal é, além disso, uma reserva absoluta, na medida em que, relativamente aos elementos essenciais dos impostos, se está perante uma lex stricta pois a lei formal não deve conter apenas o fundamento da conduta da administração mas todos os elementos que permitam tomar ume decisão no caso concreto. Não há, em consequência, qualquer margem para “discricionariedade ou disponibilidade do tipo tributário pela administração fiscal” – ao órgão encarregado de aplicar a norma está vedada qualquer valoração pessoal já que a decisão obtém-se por dedução da própria lei, “subsumindo o facto na norma”. Daí que, como se verá, esteja vedada a analogia nos domínios em que existe reserva absoluta de lei formal. A reserva de lei tem, porém, de ser visualizada quanto à sua razão de ser, que é a da segurança jurídica, cujo conteúdo material se relaciona com a proteção da confiança dos particulares. Como salienta ALBERTO XAVIER, esta traduz-se mais concretamente na susceptibilidade de previsão objetiva, por parte dos particulares, das suas situações jurídicas, de tal modo que estes possam ter uma expectativa precisa dos seus direitos e deveres, dos benefícios que lhes serão concedidos ou dos encargos que hajam de suportar” (1).”.

 

Isto, para afirmar que os princípios da legalidade e tipicidade, porque aplicáveis no domínio dos benefícios fiscais, constituem, eles próprios, uma restrição na tarefa interpretativa das respectivas normas legais – impedindo que, nessa tarefa, o intérprete lhes confira uma dimensão ou conteúdo normativo dissonante do respectivo texto legal.

 

Por outro lado, aquela admitida “interpretação extensiva”, no caso das normas sobre benefícios fiscais, vai, naturalmente, no sentido de “estender” os benefícios fiscais. Ou seja, vai no sentido de abranger mais situações de benefício fiscal para além daquelas que de imediato decorrem da “literalidade” da norma - por estarem igualmente abrangidas pela intenção do legislador ou “ratio” do preceito. E, não, no sentido de “restringir” o número de situações de benefício fiscal susceptíveis de serem abrangidas pelo artigo 17º do EBF.

 

No mesmo sentido (extensão dos benefícios fiscais) vai, aliás, o disposto no artigo 10º do EBF, segundo o qual as normas que alterem benefícios fiscais temporários não são aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício fiscal, “em tudo o que os prejudique”, salvo quando a lei dispuser o contrário – como atrás já se referiu.

 

Em suma, e atenta a “unidade do sistema jurídico”, as normas sobre benefícios fiscais devem ser interpretadas no sentido de “estender” o seu âmbito de aplicação ao maior número de situações possível (sempre com o limite da letra da lei, como é óbvio), em benefício dos contribuintes.

 

E, não, como sucede “in casu”, de restringir o seu âmbito de aplicação, inviabilizando a aplicação do benefício fiscal a situações compreendidas na letra da lei (artigo 17º do EBF, na redacção até 2002, inclusive).

 

Com efeito, o legislador, no artigo 9º do EBF, não admite uma interpretação das normas sobre benefícios fiscais que não tenha um mínimo de correspondência com a letra da lei.

 

Conforme, aliás, exige o artigo 9º nº 2 do CC, por remissão do artigo 11º da LGT: “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.

 

Conforme trabalhos preparatórios da Lei 72/98, de 3/11, que aditou ao EBF o artigo 48º-A do EBF (depois artigo 17º do EBF), o respectivo Projecto de Lei 281/VIII teve por “I – Objecto: Pretende o Grupo Parlamentar do PSD, com a presente iniciativa legislativa, aditar um novo artigo ao Capítulo III do Estatuto dos Benefícios Fiscais, sob o n.º 48.º-A e intitulado "Criação de empregos para jovens". Visa este novo artigo, composto por três números, o seguinte: 1 - Permitir às empresas, que contratem sem termo jovens com idade não superior a 30 anos, a dedução anual no IRC dos encargos correspondentes à criação líquida dos postos de trabalho elevados a custo em valor correspondente a 150%. (…) Este projecto de lei vem, assim, alargar a aplicação do regime dos benefícios fiscais a todas as empresas que decidirem contratar sem termo jovens com idade não superior a 30 anos.” (in www3.parlamento.pt).

 

No que diz respeito ao benefício fiscal previsto no artigo 17º do EBF, a finalidade do legislador foi, assim, a seguinte: (i) estimular a criação de postos de trabalho para jovens; neste sentido o legislador estabeleceu, como condicionalismo da aplicação do referido benefício fiscal, a admissão de trabalhadores com idade não superior a 30 anos; (ii) por outro lado, que essa criação, em termos líquidos, fosse positiva; (iii) por último, promover a estabilidade e segurança do vínculo laboral, tendo, nesse sentido, condicionado a aplicação do referido benefício fiscal apenas aos jovens trabalhadores admitidos por contrato sem termo.

 

Na verdade, e em suma, este benefício fiscal tem uma natureza de incentivo à criação de postos de trabalho estáveis e duradouros para jovens, isto é, uma natureza social.

 

Com efeito, a interpretação do artigo 17º do EBF deve passar necessariamente por considerar se a criação de emprego estável para jovens pode constituir um interesse público extra fiscal relevante, superior ao da tributação que impede.

Ora, de todo o exposto parece-nos inequívoco que não terá passado pela mens legis a intenção de excluir do benefício fiscal todas as situações em que os encargos mensais contabilizados, por posto de trabalho, excedessem desde logo (ainda sem majoração, portanto), o limite máximo de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.

 

Mais: conforme recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 2ª Secção, de 16.05.2012, Proc. 0283/12, in www.dgsi.pt: «Na decisão recorrida, após a transcrição do artº 48º-A do EBF e o artº 17º do mesmo diploma na redacção dada pela Lei nº 32-B/2002, escreveu-se o seguinte: “… dos dois dispositivos resulta que foi alterado o critério delimitativo do valor máximo dos encargos mensais para um novo critério delimitativo do valor máximo da majoração anual. Até 2002 são os encargos a beneficiar da majoração que não podem exceder um determinado limite, eram os encargos a majorar que não podiam exceder 14 vezes o salário mínimo nacional. Depois de 2002 é a própria majoração sobre os encargos que não pode ultrapassar esse limite de 14 vezes o salário mínimo nacional. Do exposto resulta que tem razão a impugnante quando considerou que a expressão “encargos mensais” a que alude o nº 2 do artº 48º-A do EBF não abrange a majoração prevista no nº 1 deste normativo.” Ora, com o devido respeito, também a decisão recorrida merece o nosso acordo nesta parte. A redacção da norma à data dos factos (nº 1), conforme a recorrida também refere nas suas alegações, é muito clara ao referir que “os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho … são levados a custo em valor correspondente a 150%”, acrescentando o nº 2 que “o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional”. Quer isto dizer que, este benefício fiscal atribuído aos empregadores corresponde no máximo a 14 vezes o salário mínimo nacional, acrescido de 50% desse valor, isto é, acima desses valores já não haverá tal benefício e abaixo deles, haverá uma majoração de 50%. A interpretação da recorrente só tem fundamento com a nova redacção em vigor a partir de 2002, já que, aí sim, se estabelece um montante máximo da majoração anual e não um montante máximo de encargos mensais. Neste caso, o montante máximo a deduzir como custo fiscal tem como limite o montante equivalente a 14 vezes o salário mínimo nacional. Daqui resulta então uma clara intenção legislativa de reduzir aquele benefício fiscal, não sendo, no entanto, esta última redacção da norma aplicável ao caso dos autos.».

 

Com o devido respeito por entendimentos diversos, concorda-se inteiramente com este entendimento e linha argumentativa.

 

É esta, de facto, a interpretação que melhor se coaduna com as regras legais de interpretação das normas legais, consagradas no artigo 9º do CC, ex vi do artigo 11º nº 1 da LGT, ou seja, atentos os elementos literal, teleológico, sistemático, circunstancial e histórico da lei objecto de interpretação.

 

Assim, a correcção em crise, de Euro 95.014,72, padece de errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 17º nº 2 do EBF, na redacção em vigor até 2002, inclusive, pelo que deve ser anulada.

 

Logo, e para além do imposto (IRC e derrama) que advêm daquela correcção, devem igualmente ser anulados os juros compensatórios que decorrem dessa mesma correcção, dado que tais juros são tributos acessórios e dependentes do imposto principal (cfr. artigo 35º nºs. 1 e 8 da LGT).

 

Por outro lado,

 

Da matéria de facto provada decorre que a liquidação de juros compensatórios, num total de 419.578,32, incorporada na liquidação ora em crise, padece de falta de fundamentação.

 

Com efeito, em violação do disposto nos artigos 268º nº 3 da CRP, 35º nº 9 e 77º da LGT, a liquidação de juros compensatórios não foi fundamentada de direito, prévia ou contemporaneamente ao acto de liquidação, tão pouco foram então explicitadas as respectivas operações de cálculo e apuramento, designadamente quando à taxa aplicada, ao período de cálculo e ao valor sobre o qual incidira.

 

É certo que, também conforme factualidade provada, o contribuinte não exerceu a faculdade de solicitar fundamentos, ao abrigo do artigo 37º do CPPT.

Contudo, este preceito legal, como resulta do seu teor, para além de conceder ao contribuinte uma mera faculdade, e não um ónus jurídico, visa tão só sanar irregularidades do acto de notificação, e não sanar vícios do próprio acto tributário notificado. Ora, o que se vislumbra dos sinais dos autos é que a referida liquidação de juros compensatórios não foi oportunamente fundamentada, prévia ou contemporaneamente ao acto de liquidação em que foi incorporada.

 

Com efeito, e conforme se afirma no sumário do douto Acórdão do STA, 2ª Secção, de 30.11.2011, Proc. 0619/11, in www.dgsi.pt, “I – O art. 22.º do CPT (a que hoje corresponde o art. 37.º do CPPT) concede ao contribuinte uma faculdade para os casos em que a comunicação do acto enferme de algumas deficiências; não lhe impõe um comportamento com vista a permitir à AT fundamentar a posteriori um acto que não esteja devidamente fundamentado.
II – A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual,
o montante de imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.
III – Se a declaração fundamentadora da liquidação de juros compensatórios não refere esses elementos, esse acto enferma do
vício de forma por falta de fundamentação, a determinar a sua anulabilidade.”.

 

É legalmente inadmissível a possibilidade de fundamentação a posteriori, ou seja, a possibilidade de fundamentação depois de efectivada a liquidação, designadamente já em sede de sequente reclamação graciosa ou recurso hierárquico: “É de todo irrelevante (…) a fundamentação a posteriori, incluindo-se, manifestamente, nesse tipo de fundamentação, a fundamentação invocada na resposta da autoridade fiscal no processo de impugnação” (cfr. Acórdão do TCA, 2º Secção, de 13.05.2003, Proc. 07439/02, in www.dgsi.pt).

 

No mesmo sentido, “A fundamentação não pode ser feita a posteriori, após a efectivação do acto de liquidação” (cfr. Acórdão do STA, 2ª Secção, de 04.04.2001, Proc. 25611, in www.dgsi.pt).

 

Assim, e padecendo a liquidação de juros compensatórios, incorporada na liquidação aqui em crise, de vício de forma por falta de fundamentação, deve esta liquidação ser anulada igualmente no que concerne aos juros compensatórios.

 

Devendo ser anulada a liquidação de juros compensatórios, com esta motivação, fica, por isso, prejudicada, por desnecessária, a apreciação dos demais vícios imputados aos juros compensatórios, designadamente a violação do direito de audição prévia.

 

Acresce que,

 

Dado que a sobredita correcção de Euro 95.014,72 à matéria tributável deve ser anulada, devem os tributos decorrentes dessa correcção, indevidamente pagos, ser restituídos ao contribuinte.

O mesmo sucede, mutatis mutandis, com os juros compensatórios incorporados na liquidação aqui em questão e que terão sido pagos pelo contribuinte.

 

No que especificamente concerne aos tributos decorrentes da sobredita correcção de 95.014,72, dado que esta foi anulada por vício de violação de lei, e não por mero vício formal, tem ainda a Requerente direito a juros indemnizatórios, a liquidar nos termos legais (cfr. artigo 43º da LGT).

 

Finalmente,

 

Tem o contribuinte direito de ser indemnizado pelos encargos incorridos com a prestação e manutenção da garantia que foi forçado a prestar em consequência da liquidação aqui em crise, na parte correspondente ao segmento da liquidação que se mostra influenciado pela referida correcção de Euro 95.014,72 à matéria colectável.

 

Dado que, nesse segmento, a liquidação deve ser anulada por vício de violação de lei, ou seja, por “erro imputável aos serviços na liquidação do tributo” (cfr. artigo 53º nº 2 da LGT).

 

Não nos parece, contudo, que seja de reconhecer ao contribuinte, nesta sede, o direito a juros de mora legais contados da data do desembolso desses encargos e até ao levantamento da garantia.

Quando muito, só teria direito a esses juros a partir do momento em que, comprovadamente, liquidou esses mesmos encargos e os solicitou à AF. Ainda assim, parece-nos que só os poderia solicitar em sede de acção por responsabilidade civil extracontratual instaurada contra o Estado.

 

De todo o modo, poderá advir para o contribuinte o direito a juros de mora, por atraso no ressarcimento dos encargos com a garantia, acaso a AT ultrapasse o prazo leal de execução espontânea do decidido.

 

Assim, e para além de prematuro, parece-nos que não é este o meio processual adequado ao reconhecimento do direito àqueles juros de mora - por atraso no ressarcimento dos encargos com a garantia.

 

  1. DECISÃO

 

  1. A liquidação adicional de IRC (e consequentes derrama e juros compensatórios), de 27.08.2007, relativa ao exercício de 2003, é ilegal, na parte em que se mostra influenciada pela sobredita correcção à matéria tributável de Euro 95.014,72, pelo que deve ser anulada nesta parte.

 

  1. Em consequência da ilegalidade da liquidação, na parte em que esta decorre daquela correcção:

 

  1. Deve a Requerente ser reembolsada da totalidade dos tributos que pagou em consequência daquela correcção à matéria tributável, acrescidos dos juros indemnizatórios legalmente devidos;

 

  1. E tem o direito de ser indemnizada dos encargos incorridos com a prestação e manutenção da sobredita garantia bancária, na parte em que esta garantia e aqueles encargos foram influenciados pela referida correcção à matéria tributável de Euro 95.014,72.

 

  1. A liquidação adicional de IRC (e consequentes derrama e juros compensatórios), aqui em causa, padece de vício de forma, por falta de fundamentação, na parte em que respeita a juros compensatórios, de Euro 419.578,32, pelo que deve igualmente ser anulada nesta parte.

 

  1. Consequentemente, deve a Requerente ser reembolsada da parte dos valores que indevidamente pagou, respeitantes aos juros compensatórios incorporados na liquidação aqui em questão.

 

  1. Não é este o meio processual, nem o momento adequado, para o reconhecimento à Requerente do eventual direito a juros de mora legais sobre os encargos com a prestação e manutenção da sobredita garantia bancária, pelo que, nesta parte, vai a Requerida absolvida da instância, nos termos do artigo 288º nº 1 e) do CPC, ex vi da alínea e) do nº 1 do artigo 29º do DL nº 10/2011, de 20/1.

  2. Atento valor económico do processo, Euro 36.041,27, fixo as custas no montante de Euro 1.836,00, a cargo da Requerida em 99% e a cargo da Requerente em 1%, nos termos dos artigos 12º nº 2 e 22º nº 4 do DL nº 10/2011, de 20/1, e do artigo 4º do RCPAT e da Tabela I a este anexa.

 

Registe e Notifique.

 

Lisboa, 4 de Junho de 2012.

 

O Árbitro,

 

 

Lino França

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138º nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1 e) do DL nº 10/2011, de 20/1, com versos em branco e por mim revisto.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

1 Xavier, Alberto, Manual de Direito Fiscal, págs. 117 e 118. Na bibliografia portuguesa veja-se igualmente SALDANHA SANCHES, J. L., A Segurança Jurídica no Estado Social de Direito – conceitos indeterminados, analogia e retroatividade no direito tributário, Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, 1985 e SÁ GOMES, Nuno, Estudos sobre a Segurança Jurídica na Tributação e as garantias dos Contribuintes, Lisboa, centro de Estudos Fiscais, 1993.