Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 593/2014-T
Data da decisão: 2015-03-31   
Valor do pedido: € 10.434,50
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS – Terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

RELATÓRIO

 

1.               Em 30 de julho de 2014, A…, Lda, contribuinte n.º …, com sede em Ponta Delgada, na Avenida …, doravante designada por Requerente, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).

2.               A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, Dr.ª …, e a Requerida é representada pelos juristas, Dr.ª … e Dr. ….

3.               O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 1 de agosto de 2014.

4.               Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo, efetuado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, relativo ao ano de 2013, no valor de € 10.434,50 (dez mil, quatrocentos e trinta e quatro euros e cinquenta cêntimos), sobre o prédio urbano constituído por terreno destinado à construção urbana inscrito sob o artigo ..., freguesia de ... (...), de que é proprietária.

5.               Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Dr. Jorge Carita.

6.               O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 1 de outubro de 2014, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme ata da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.

7.               Não tendo sido invocadas quaisquer exceções, não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, face à posição manifestada pelas partes, expressa por parte da Requerente, através do requerimento de 17 de dezembro de2014, e tacitamente (face ao silêncio da Requerida), o Tribunal entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

8.               No dia 17 de dezembro de 2014, a Requerente apresentou um requerimento juntando ao processo a notificação para pagamento da 3.ª prestação do Imposto do Selo impugnada, e respetivo pagamento, o qual foi admitido pelo presente Tribunal.

9.               O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 31 de março de 2015 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

A Requerente sustenta o pedido de anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo a que foi sujeita, relativamente ao terreno para construção de que é proprietária, sito na Região Autónoma dos Açores, inscrito sob o artigo ..., freguesia de ... (...), Açores, por ilegal, por enfermar no vício de erro sobre os pressupostos de aplicação da verba 28.1 da TGIS, porquanto,

a)   Entende que “o CIMI define “prédios urbanos habitacionais” como “(…)” os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal um destes fins (n.º 2 do artigo 6º). Assim, faz o legislador depender esta classificação de um requisito de natureza formal – o licenciamento- ou na falta dele, do critério subsidiário do destino normal afecto ao imóvel. Ou seja, no caso concreto, que este seja tipicamente destinado à habitação”, pelo que, “terá de se tratar de uma construção para a qual já tenha sido emitida licença de utilização para habitação ou, na falta dela, que tenha como destino normal a habitação.”

b)   Aduz, ainda, que: “Nos terrenos para construção não existe mais do que a expectativa ou a potencialidade de um prédio urbano, após a edificação, poder vir a ter uma “afectação habitacional”, mas apenas quando esta se concretizar é que o prédio poderá enquadrar-se no âmbito de incidência objectiva da verba 28.1 do TGIS, conforme escrita antes da alteração vertida na Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro,”

c)   Concluindo, a Requerente, no sentido de que:” sendo o prédio urbano em questão um terreno para construção, e considerando que nele não há nenhuma edificação construída (documentos 8, 9 e 10) este não pode ter destino normal “habitação”, pelo que não cai no âmbito da norma de incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS, o que fere de ilegalidade a liquidação objecto do presente processo arbitral.”

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

Por seu lado, a AT vem alegar, na sua resposta: 

a) Quanto ao alegado erro sobre os pressupostos das liquidações, entende a Requerida que: “a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação. Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do art. 45º, nº 2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41º do CIMI.”

b) Defende a Requerida que: “para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada.”

c) Nesta sequência, entende, a AT, que “o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma,” uma vez que “o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6º, nº1 alínea a) do CIMI.”

d) Mais, refere que: “a mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art. 45º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno. (…) Quanto ao valor do terreno adjacente à área de implantação, este é apurado nos mesmos termos em que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano.”

e) Arrematando, no sentido de que: “(…) muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar, pelo regime jurídico da urbanização e edificação e pelos Planos Directores Municipais a afectação do terreno para construção”, pelo que,  falece a tese da Requerente quanto à ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo impugnado.

f)  Invoca, ainda que “a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade do art. 13.º da CRP.

g) Concluindo, assim, no sentido de que “as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS”.

 

 IV. Saneamento

 

A Requerente invoca uma questão prévia, na sua petição inicial, relativamente à competência territorial do tribunal arbitral. Entende, a Requerente, que os serviços fiscais da Região Autónoma dos Açores, onde se localiza o prédio - terreno para construção sobre o qual incide o imposto aqui em causa – e a sede da Requerente, não regionalizaram os seus serviços fiscais, ao contrário do que sucede na Região Autónoma da Madeira, pelo que a competência fiscal é –tal como no continente português – do Governo da República através da Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerida quanto a este aspeto não se pronunciou, pelo que cumpre ao tribunal arbitral determinar se estamos ou não perante uma exceção de conhecimento oficiosos – incompetência territorial -.

Vejamos,

A orientação geral do RJAT, tal como consta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, é a de promover a arbitragem tributária como um meio alternativo de resolução de conflitos na fiscalidade. Esta máxima é corroborada, pelo artigo 1º do RJAT, mencionando que: "O presente decreto-lei disciplina a arbitragem como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária".

No seguimento do raciocínio postulado pelo diploma, encontramos o artigo 2.º do RJAT, na redação dada pela Lei 64-A/2011, de 30 de dezembro, o qual especifica, no plano objectivo, a competência dos tribunais arbitrais tributários, no sentido de que:” 1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”

Contudo, e conforme refere o processo n.º 178/2013-T, quanto à matéria da competência territorial do tribunal arbitral relativamente à questão que aqui nos prende, “a efectividade dos tribunais arbitrais tributários, a estar inovatoriamente consagrados no Direito Português através do RJAT, não se apresenta auto-suficiente, uma vez que a mesma fica a depender da aprovação de uma portaria de vinculação”, a saber: a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março a qual prevê, no seu artigo 1.º, que: “Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD — Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:

a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e

b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).”

Na verdade, a DGCI e a DGAIEC, foram, entretanto, fundidas numa única entidade, a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira. 

Ora, considerando que o que está em causa é o ato de liquidação de IS, efetuado ao abrigo da verba 28, introduzido pela Lei nº 55-A/2012, de 29.10 que veio, por um lado, sujeitar a Imposto de Selo os prédios nas condições nela previstas, e por outro, estabelece um conjunto de exceções à regra geral de sujeição a IS, exceções estas que são relevantes e remetem para um imposto que está sob a alçada da competência da Autoridade Tributária e Aduaneira, e, que o artigo 4º do CIS, sob a epígrafe “Territorialidade”, considera que, nas situações previstas na verba 28 da Tabela Geral, o IS é devido sempre que os prédios estejam localizados em território português.

Ora, atendendo que o prédio sobre o qual incide o ato de liquidação aqui impugnado, se localiza na Região Autónoma dos Açores, bem como a sede do sujeito passivo, temos que, da conjugação entre o CIS e a Lei das Finanças Regionais, “Constitui receita de cada região autónoma o imposto do selo devido pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo que: a), que dispuserem de sede, direcção efectiva, estabelecimento estável ou domicílio nas Regiões Autónomas”. (artigo 31.º, n.º 1 da LFR). No entanto, o n.º 2 do artigo 31.º desta Lei das Finanças Regionais clarifica a regra de competência territorial prevista no nº 1, dispondo que : “ Nas situações referidas no número anterior as receitas de cada região autónoma são necessárias adaptações, nos termos das regras de territorialidade previstas nos nºs 1 e 2 do artigo 4º do Código do Imposto de Selo, relativamente aos factos tributários ocorridos nessas regiões”.

Significa isto que, considerando: (i) a vinculação da Direção Geral dos Impostos (atual Autoridade Tributária), pela citada Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, à jurisdição dos tribunais arbitrais que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes pertença, (ii) o disposto no n.º 3 do artigo 27.º do CIS no sentido de que:  “Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e (iii) o artigo 113.º do CIMI, segundo o qual este imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direção Geral dos Impostos (hoje integrada na Autoridade Tributária e Aduaneira), concluímos, de acordo com a jurisprudência arbitral firmada nas decisões arbitrais n.º 8/2011-T, n.º 19/2011-T, n.º 2/2012-T, n.º 24/2011-T, n.º 10/2011-T, n.º 4/2012-T, n.º 5/2012-T, n.º 23/2012- T, n.º 54/2012-T, n.º 54/2012-T, n.º 39/2012-T, n.º 82/2012-T, n.º 98/2012-T, n.º 87/2012-T, n.º 88/2012-T, e n.º 94/2012-T1, que a administração do imposto é cometida à entidade legalmente competente para (apreciar graciosamente o ato e) proceder à liquidação do imposto, ou seja, a AT.

Ademais, o artigo 18º da Lei Geral Tributária, relativo aos sujeitos da relação tributária, dispõe que o sujeito ativo da relação tributária é a entidade de direito público titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, quer diretamente quer através de representante, e o n.º 2 desta norma estabelece que, quando o sujeito ativo da relação tributária não for o Estado, todos os documentos emitidos pela administração tributária mencionarão a denominação do sujeito ativo – que no caso sub judice é a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Posto isto, e atendendo a que o prédio - terreno para construção sobre o qual incide o imposto aqui em causa – e a sede da Requerente se localizam nos Açores, e que o ato de liquidação aqui em causa, foi liquidado pelo Serviço de Finanças de Ponta Delgada, o qual faz parte integrante da AT –Autoridade Tributária e Aduaneira, conclui-se pela competência do presente tribunal, na medida em que se discute a legalidade de um imposto cuja administração se encontra no domínio da Autoridade Tributária e Aduaneira, a qual se vinculou à jurisdição dos Tribunais Arbitrais, e  encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

Não se verificam nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito do pedido.

 

 

V. Matéria de Facto

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

- A Requerente é uma sociedade que se dedica ao “comércio de artes decorativas, mobiliário diverso, decoração e flores, brinquedos, artesanato, perfumaria e bijuteria, alimentos para peixes e animais domésticos e comércio dos mesmos, pronto-a-vestir, chocolates e seus derivados; actividades turísticas e hoteleiras, exploração de estabelecimentos de alojamento e restauração, turismo no espaço rural, agro turismo. Actividades de operadores marítimo-turísticos; actividades imobiliárias por conta própria ou de outrem, incluindo o arrendamento de bens imobiliários e a compra de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim; prestação de serviços técnicos de administração e gestão.” (cfr. Doc. n.º 1 junto com a petição inicial)

 - A Requerente é proprietária, desde 2011, do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., freguesia de ... (…), Ponta Delgada, descrito na conservatória do registo predial de ... com o número … ( cfr. Docs n.º 3 e 4 juntos com a petição inicial);

- O terreno para construção foi avaliado como tal, em 2013, tendo sido determinado um valor patrimonial tributário (VPT) de € 1.043.450,00 (um milhão, quarenta e três mil, quatrocentos e cinquenta euros) (Doc. n.º 3 junto com a petição inicial);

 - Na realização dessa avaliação patrimonial, entendeu a AT aplicar um coeficiente de afectação, o qual foi, neste caso, o da “habitação”. (Doc. n.º 3 junto com a petição inicial);

 - No terreno não existem quaisquer edificações, seja de que carácter for, nem foram realizadas quaisquer infraestruturas de loteamento, não existindo qualquer licenciamento emitido ou requerido na respetiva Câmara Municipal (cfr. Docs. n.º 8 e 9 junto com a petição inicial).

 - Em abril, e, depois, em julho de 2014, a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento da 1.ª e 2.ª prestação, respetivamente, do ato de liquidação de Imposto do Selo respeitante ao ano de 2013, efetuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no montante de € 6.956,32 (seis mil novecentos e cinquenta e seis euros e trinta e dois cêntimos) (cfr. Docs. n.º 5 e 6 juntos com a petição inicial).

 - Em novembro de 2014 foi notificada para proceder ao pagamento da 3.ª prestação do Imposto do Selo respeitante ao ano de 2013, efetuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no montante de € 3.478,16 (três mi, quatrocentos e setenta e oito euros e dezasseis cêntimos). (cfr. Documento junto com requerimento apresentado pela Requerente a 17.12.2014);

 - A Requerente procedeu ao pagamento das 3 prestações de Imposto do Selo relativo ao ano de 2013 aqui impugnadas, a 30.04.2014, 30.07.2014 e 27.11.2014, respetivamente, num montante global de € 10.434,50 (dez mil, quatrocentos e trinta e quatro euros e cinquenta cêntimos); (cfr. Doc. n.º 5 e 7 juntos com a petição inicial e documento junto com o requerimento apresentado pela Requerente a 17.12.2014)

 

VI. Motivação da matéria de facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral.

 

 

VII. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

VIII. Fundamentos de direito

 

No presente caso, coloca-se a questão de saber se, no ano de 2013, os terrenos para construção estão sujeitos a imposto do selo, nos termos do que dispõe a verba n.º 28 da TGIS;

 

Vejamos,

 

I – Enquadramento dos terrenos para construção no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS

 

1.       A Lei nº. 55-A/2012, de 29 de Outubro (que adiante designaremos por Lei nº. 55-A/2012, de 29.10 ou apenas Lei), procedeu à alteração, entre outros, de diversos artigos, do Código do Imposto do Selo, mais propriamente 12 dos seus artigos. Não nos pronunciaremos sobre todos, mas apenas sobre os que consideramos com maior relevância para a análise do caso sub judice.

2.       Assim, na norma de incidência prevista no artigo 1.º do CIS, o legislador, determinou que, para além dos atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens, o imposto do selo passaria também a incidir sobre “situações jurídicas”, agora, igualmente previstas na TGIS.

3.       A nova redação do nº. 4 do artigo 2º., passou a determinar que para essas “situações jurídicas”, são sujeitos passivos do imposto, os referidos no artigo 8º. do CIMI, ou seja, na maior parte dos casos, o imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o imposto respeita.

4.       Nestas “situações jurídicas”, o imposto constitui encargo do sujeito passivo previsto no nº. 4 do artigo 2º. do CIS, ou seja, o acima identificado proprietário do imóvel (regra geral), por remissão para aplicação da regra do artigo 8º. do CIMI.

5.       Nestas “situações jurídicas”, a aplicação do princípio da territorialidade, faz com que o imposto seja devido sempre que os prédios estejam situados em território nacional, de acordo com o aditamento ao artigo 4º. do CIS do seu nº. 6, pela Lei nº. 55-A/2012.

6.       Quanto ao nascimento da obrigação tributária, para estas novas “situações jurídicas” ela considera-se constituída “… no momento e de acordo com as regras previstas no CIMI, com as devidas adaptações” (Vd. alínea u) do artigo 5 do CIS, aditada pela Lei nº. 55-A/2012, de 29 de Outubro), o que nos remete para as regras previstas nos artigos 9º. e 10º. do CIMI.

7.       Ora, a alteração fundamental, que condiciona todas as outras, consta do artigo 4.º da Lei nº. 55–A/2012, que adita à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), uma nova verba, a nº. 28, com a seguinte redação:

“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional ------------------------------------- 1%

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ----------------------------------------------------------------- 7,5%”

 

8.       Deste modo, de acordo com a referida verba, e naquilo que aqui nos importa, somente está sujeita a Imposto do Selo a propriedade, usufruto, direito de superfície de:

a)      “prédios urbanos,

b)      com afectação habitacional,

c)     E cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000;” (sublinhado nosso)

 

9.       Na verdade, a maior dificuldade com que o contribuinte se tem deparado, face às alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2012, de 29.10, com expressão no caso sub judice, tem-se manifestado na interpretação da expressão “prédio com afetação habitacional”.

10.    Conceito este que determina, ou não, a incidência, dos terrenos para construção, na verba 28.1 da TGIS, cuja liquidação aqui se impugna.

11.    Ora, o obstáculo surge da inexistência da definição do conceito “prédio com afetação habitacional” na legislação tributária, designadamente no Código do IMI, para o qual o CIS remete, como direito subsidiário, em conformidade com o seu artigo 67.º, introduzido pela Lei n.º 55-A/2012, 29.10.

12.    Na verdade, o CIMI dispõe, nos seus artigos 2.º a 6.º quanto: ao conceito de prédio (artigo 2.º), define o que se deve entender por prédios rústicos (artigo 3.º), o que se deve entender por prédio urbanos (artigo 4.º); o que se deve entender por prédios mistos (artigo 5.º) e enumera as espécies de prédios urbanos (artigo 6.º), para cuja redação remetemos.

13.    No entanto, nenhuma das normas legais acima identificadas admite o conceito de “prédio com afetação habitacional”, pelo que, e de acordo com as regras essenciais de hermenêutica jurídica e de interpretação das leis tributárias, teremos que recorrer em primeiro lugar, à letra da lei, presumindo-se que o legislador se exprimiu convenientemente, e depois à sua integração sistemática com as normas constantes do CIMI, sem, contudo descorar a intenção ou espírito do legislador.

14.    Assim, surge a questão de saber: o que é que o legislador terá pretendido quando redigiu a verba 28.1 da TGIS, ao indicar como pressuposto da sua incidência “prédio com afetação habitacional”. Terá o legislador querido abranger neste conceito os terrenos para construção – matéria que aqui nos ocupa -?

15.    Será que pretendeu interpretar a expressão “prédio com afetação habitacional” no sentido, que a Requerida faz, de que “o conceito de prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma. Note-se que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção de “afectação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrada na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1 alínea a) do CIMI.”?

16.    Ou, antes e, como refere a Requerente que “prédios com afectação habitacional” são aqueles que “tenham uma efectiva utilização habitacional, por via do licenciamento ou do seu destino normal.”?

Vejamos,

17.    Pela clareza na exposição, e quanto à matéria do conceito de “prédios com afetação habitacional” recordamos o sufragado na decisão arbitral proferida no processo n.º 53/2013 T, com a qual aderimos, segundo a qual:”  O conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais. (…) No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.”

18.    Acresce ainda, e nesta sequência lógica, a posição assumida no Acórdão do STA proferido no rec. nº 317/14,  que acompanhamos, no sentido de que: “a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI)”.

19.    Assim sendo, seguindo este caminho, com o qual aquiescemos na sua plenitude, parece ser de falecer a tese da Requerida, quanto à possível conexão do conceito de “afetação a habitação” a um terreno para construção, sem qualquer edificação passível de ser habitada.

20.    De referir ainda que, a imprecisão do conceito em apreciação – “prédio com afetação habitacional” - , foi alterado pelo Orçamento de Estado para 2014, aprovado pela Lei n.º 83-C/2013, 31.12, dando nova redação à verba 28 da TGIS, concretizando, agora, o seu âmbito de aplicação e incidência objetiva com a utilização de conceitos objetivos legalmente definidos no artigo 6.º do CIMI.

21.    Na verdade, esta alteração – a que o legislador não atribui caráter interpretativo – reforça o caráter inequívoco, para o futuro, de que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28 da TGIS (desde que o respetivo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00), nada referindo ou esclarecendo quanto às situações precedentes a esta alteração legislativa, nomeadamente a que se encontra sub judice, mas atendendo ao disposto no artigo 103.º, n.º 3 da CRP e do artigo 12.º da LGT, por respeito ao princípio na proibição da retroatividade dos impostos, é de concluir inequivocamente que, no ano de 2013, os terrenos para construção não se encontravam incluídos na previsão da verba 28 da TGIS.

22.    Ademais, invoca, ainda, a Requerida sustentando a sua posição, que “ a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação do imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.” Mormente, porque e “ conforme resulta da expressão «---valor das edificações autorizadas», constante do art.º 45.º, n.º2 do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação de prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI”.

23.    Concluindo, no sentido de que: “(…)para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada.”

24.    Ora, a verdade, é que também por aqui não nos parece ser de considerar e aceitar a legitimidade ou legalidade da liquidação de imposto do selo aos terrenos para construção nos termos aduzidos pela Requerida, porquanto, e conforme refere a decisão arbitral proferida no processo n.º 53/2013-T, à qual aderimos na integra, “No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção.”

 

25.  Sobre este assunto pronunciou-se já, no CAAD, o processo n.º 158/2013-T, com o qual concordamos e aderimos, no sentido de que: “É certo que o CIMI determina a aplicação, à avaliação dos terrenos para construção, da metodologia de avaliação aplicável aos edifícios construídos, incorporando para tal, no valor do terreno, o valor estimado do edifício a construir; e que este valor é determinado, por sua vez, pelo tipo de afetação prevista para os prédios a edificar. Posto em termos mais simples, a lei (CIMI) diz que para determinar o valor patrimonial dos terrenos para construção, incorpora-se neste uma parte do valor estimado dos edifícios a construir; e para estimar o valor dos edifícios a construir, tem-se em conta a afetação prevista para os mesmos. Ao contrário do que sustenta a AT, resulta precisamente da letra destes preceitos a inaplicabilidade do conceito de “afetação” aos terrenos para construção. A afetação que é tida em conta, para efeitos de avaliação, mesmo dos terrenos para construção, é sempre e apenas a afetação dos edifícios a construir. A afetação prevista para os edifícios a construir influencia o valor patrimonial tributável dos terrenos para construção, mas nada mais. Da norma relativa à determinação do valor dos imóveis que determina que, no valor dos terrenos para construção se incorpora o valor estimado dos edifícios a edificar, o qual, por sua vez, é influenciado pela afetação futura dos mesmos edifícios, não pode retirar-se que a afetação em causa é uma afetação dos próprios terrenos, e isto por duas razões: A primeira, porque esta interpretação seria contrária à própria literalidade dos preceitos que mandam ter em conta, na avaliação dos terrenos para construção, a afetação dos prédios a edificar; E a segunda, porque o modo como a lei manda avaliar uma determinada realidade patrimonial não pode ser determinante da natureza ou da qualificação jurídica da mesma realidade, tendo em vista, sobretudo, o princípio da tipicidade das normas de incidência tributária. O facto de a lei mandar aplicar a uma realidade patrimonial a mesma metodologia de avaliação que é aplicada a outra realidade diferente não faz que a primeira realidade passe a comungar da natureza da segunda. Assim, se é certo que o valor das edificações autorizadas ou previstas influenciam o valor real dos terrenos de construção, devendo por isso aquele valor ser refletido no valor patrimonial dos mesmos terrenos, daí não decorre que um terreno passe a ter afetação habitacional ao estar prevista a construção, nele, de prédios habitacionais, extraindo-se esta distinção de modo claro das próprias normas de avaliação do CIMI.”

 

26.  Assim sendo, o que importa para efeitos de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS é que o prédio seja urbano, que tenha um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 e que esteja efetivamente afeto a habitação, o que não sucede com os terrenos para construção, cuja liquidação se impugna nos presentes autos.

 

27.  É isto que resulta da jurisprudência dos tribunais arbitrais[1] e dos tribunais tributários superiores[2] que têm vindo a interpretar a verba n.º 28.1 do TGIS e os seus pressupostos de aplicação, e com os quais aderimos na integra.

 

28.  De referir, por último, a posição do Supremo Tribunal Administrativo, cujo sumário de um dos Acórdãos referenciados aqui se transcreve e que tem sido orientação nos diversos arestos proferidos naquele douto Tribunal, quanto à ilegalidade de imposto do selo ao abrigo da verba 28.1 da TGIS sobre terrenos para construção:

“Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI (subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba nº 28 da Tabela Geral) uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.”

 

29.    Assim sendo, nunca poderia a AT sujeitar a recorrente ao imposto do selo, ao abrigo da verba 28 da TGIS, do ano de 2013, que ora se impugna, devendo, deste modo, ser a mesma anulada, por ilegal.

 

DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

1.     Anular o ato de liquidação de Imposto do Selo impugnado pela Requerente, relativo ao ano de 2013.

2.     Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia que pagou.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo € 10.434,50 (dez mil, quatrocentos e trinta e quatro euros e cinquenta cêntimos) nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerida de acordo com o artigo 22.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 918,00.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de março de 2015

***

 

O Árbitro

(Jorge Carita)



[1] Acórdãos do CAAD proferidos nos processos n.º 50/2013-T, n.º 132/2013-T, n.º 181/2013-T, n.º 183/2013-T, n.º  185/2013-T,  n.º 248/2013 T, entre outros

[2] Acórdãos do STA proferidos nos processos n.º 046/14, de 14.05.2014; n.º 0271/14, de 14.05.2014; n.º 0395/14, de 28.05.2014, 01871/13, de 14.05.2014, 055/14, de 14.05.2014, entre outros.