Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 695/2014-T
Data da decisão: 2015-02-20  Selo  
Valor do pedido: € 10.352,80
Tema: Verba 28.1 TGIS – Propriedade vertical
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 695/2014-T

Tema: Imposto de Selo, Verba 28.01 TGIS28.1

·       RELATÓRIO

A..., sujeito passivo com o NIF ..., residente na ..., nº ..., ..., em Lisboa (doravante Requerente) vem, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013, relativas a treze divisões de ... freguesia de ..., concelho de Lisboa, no valor total de € 10 352,80, que constam dos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

A argumentação expendida pela Requerente é, resumidamente, a seguinte:

·       A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na Avenida ..., n.ºs ..., em Lisboa, freguesia do ..., concelho de Lisboa;

·       À data da produção do facto tributário, este prédio era composto por quatro lojas e treze andares com utilização independente, cujo valor foi determinado separadamente, nos termos do disposto no artigo 7º, nº 2, alínea b) do Código de Imposto Municipal sobre Imóveis;

·       O referido prédio não se encontrava então constituído no regime de propriedade horizontal;

·       Cada um dos andares independentes tinha um valor patrimonial tributário atribuído e próprio, determinado nos termos do disposto no Código de Imposto Municipal sobre Imóveis;

·       O valor patrimonial tributário do prédio perfazia € 1.514.060,00, correspondente à soma dos valores patrimoniais tributário atribuídos a cada andar de utilização independente;

·       Nenhum dos andares tinha um valor patrimonial tributário superior ou sequer igual a € 1.000.000,00;

·       Sobre o valor patrimonial dos andares mencionados (com exceção das lojas), a AT liquidou imposto de selo com referência ao ano de 2013, nos termos do artigo 4.º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro (imposto de selo da verba 28.1 da TGIS);

·       Daí que a requerente tenha recebido os respetivos documentos de cobrança, com aplicação da taxa de 1% sobre o valor patrimonial de cada andar;

·       Do ponto de vista da AT, para um prédio não constituído em propriedade horizontal, o critério para a determinação da incidência do imposto do selo, é o VPT global dos andares;

·       A questão jurídica essencial a decidir é a de saber, com referência a prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, integrados por diversos andares, qual o VPT relevante, se é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído aos diferentes andares (VPT global) ou o VPT atribuído a cada um desses andares;

·       A sujeição a imposto de selo dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da verba 28 da TGIS, efetuado pelo artigo 4.º da Lei nº 55-A/12, que tipificou os seguintes factos tributários:

“ – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%”;

·       Às matérias não reguladas no Código do Imposto do Selo, respeitantes à verba 28 da TGIS, aplica-se subsidiariamente o CIMI (artigo 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei nº 55-A/12);

·       Ora, considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes andares com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respetivo IMI, bem como o IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo;

·       Aliás, a própria AT admite que este é o critério, razão pela qual as próprias liquidações emitidas são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resultam os valores de incidência serem os correspondentes aos VPTs dos vários andares, cada um de per si, por isso temos liquidações individualizadas, enviadas à Requerente;

·       Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para os vários andares dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto;

·       Assim, só haveria lugar a incidência do novo imposto de selo se algum dos andares com utilização independente, apresentasse um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00;

·       Não pode, pois, a AT considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede do CIMI e este é o Código aplicável às matérias não reguladas no tocante à verba 28 da TGIS;

·       A própria lei estabelece expressamente, na parte final da verba nº 28 da TGIS, que o IS de 1% deve incidir, nos prédios com afetação habitacional, “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, quando este seja igual ou superior a € 1.000.000,00;

·       Além de contrário à letra da lei, o critério defendido pela AT viola os princípios de legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal;

·       Na verdade, o legislador, ao introduzir esta inovação legislativa, procurou claramente tributar as “habitações de luxo”, com valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre as quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo-se introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade de luxo com afetação habitacional;

·       Isso resulta, entre outras fontes, da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII, na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I Série, nº 9/XII, de 11 de outubro de 2012, onde expressamente se refere a incidência da nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”;

·       Claramente, o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal;

·       Deste modo, é ilegal considerar como valor de referência o somatório dos VPTs atribuídos a cada andar;

·       Por outro lado, o legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente. Se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto;

·       Por isso mesmo é que o artigo 12.º, n.º 3 do CIMI diz que “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente, é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual determina igualmente o respetivo valor patrimonial tributário”;

·       A discriminação operada pela AT traduz uma discriminação arbitrária e ilegal; nada na lei impõe, de resto, a constituição da propriedade horizontal;

·       Por tudo isto e ainda pelo que doutamente se suprirá, deve ser julgado procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando-se consequentemente os atos de liquidação impugnados, conforme, aliás, tem sido entendimento pacífico no CAAD em casos idênticos ao presente (a título de exemplo, a decisão arbitral recentemente proferida no proc.º nº 160/2014-T, num caso praticamente igual ao agora submetido a pronúncia arbitral).

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua resposta, nos seguintes termos:

·       A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., composto por um total de 6 pisos e 17 divisões suscetíveis de utilização independente, tendo-lhe sido atribuído um valor patrimonial tributário total de € 1.514.060,00;

·       Das 17 divisões suscetíveis de utilização independente, 12 destinam-se a habitação conforme se infere da respetiva caderneta predial;

·       O valor patrimonial tributário foi determinado separadamente, nos termos do artigo 7.°, n.º 2, alínea b), do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), sendo que (…) o valor patrimonial dos andares/partes com afetação habitacional nas liquidações foi de € 1.035.280,00;

·       (…) seria sobre este valor de €. 1.035.280,00 que a A.T. liquidou, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea f), subalínea i), o imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral, na redação dada pelo artigo 4º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, à taxa de 1 por cento; destas liquidações de imposto do selo resultou, relativamente às primeiras prestações, um valor global de € 10.352,80;

·       A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1, da Tabela Geral anexa ao CIS resulta da conjugação de dois factos, a saber, a afetação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00;

·       A situação do prédio da Requerente subsume-se literalmente na previsão da verba 28.1 da TGIS, que tem a seguinte redação:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI); seja igual ou superior a € 1 000 000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%”;

·       A Requerente é proprietária de um prédio em regime de propriedade total ou vertical, pelo que não existem frações autónomas a que a lei fiscal possa atribuir a qualificação de prédio (…) Assim decorrerá da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, de acordo com a qual só as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI;

·       (…) o que a Requerente pretenderá é que a AT considere, para efeitos de liquidação do presente imposto, que exista analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal, por ser ilegal existir discriminação no tratamento jurídico-fiscal dos dois regimes de propriedade;

·       Como é consabido, a propriedade horizontal é um regime jurídico específico da propriedade previsto no artigo 1414.º e seguintes do Código Civil, que prevê e regula o modo de constituição assim como as demais regras sobre direitos e encargos dos condóminos, reconhecendo-se-lhe um regime mais evoluído de propriedade;

·       Ora, pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal aplique, por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal será, no mínimo, abusivo e ilegal;

·       Ao intérprete da lei fiscal é vedado equiparar os dois regimes de propriedade, em consonância com a regra segundo a qual, os conceitos dos outros ramos de direito tem o sentido no direito tributário que lhes é dado nesses ramos de direito, ou como se refere no artigo 11.º, n.º 2 da LGT, sobre a interpretação da lei fiscal: “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei”;

·       Por outro lado, tendo em conta que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, conforme dispõe o artigo 11.º, n.º 1 da LGT que remete para o Código Civil que, no artigo 10.º sobre a aplicação da analogia, determina que esta só será aplicável em caso de lacunas da lei; porém, a lei fiscal não comporta qualquer lacuna;

·       Não se poderá aceitar que se considere, para efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao CIS, que as partes suscetíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das frações autónomas do regime da propriedade horizontal, sob pena de violação aberta do princípio da legalidade;

·       Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total (…), a lei fiscal atribuiu relevância a tal materialidade, avaliando individualmente, nos termos do artigo 12.º, n.º 3, do CIMI, cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente (…) são considerados separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina igualmente o respetivo valor patrimonial tributário sobre o qual é liquidado o IMI;

·       Tal norma legal não é inédita, tendo correspondência no corpo do artigo 232.º, regra 1.ª, do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (C.C.P.I.I.A.), que dispunha cada habitação ou parte de prédio ser tomada automaticamente para efeitos de determinação do rendimento coletável sobre o qual deva incidir a liquidação (…) no âmbito do C.C.P.I.I.A., o rendimento coletável tinha necessariamente de corresponder à soma da renda ou valor locativo de cada uma das componentes do prédio com autonomia económica;

·       Tal norma legal releva, deste modo, para efeitos da inscrição na matriz predial, a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes;

·       Nesse caso, a inscrição matricial deve fazer referência a cada uma das partes e também ao valor patrimonial correspondente a cada uma delas, apurado separadamente nos termos dos artigos 37.º e seguintes do CIMI;

·       A unidade do prédio urbano em propriedade vertical (…) não é, no entanto, afetada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suscetíveis de utilização económica independente; tal prédio não deixa de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às frações autónomas em regime de propriedade horizontal;

·       O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afeta igualmente a aplicação da verba 28, n.º 1, da Tabela Geral;

·       É o que resulta de o facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas;

·       Outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP);

·       Cabe à lei – Lei da Assembleia da República e Decreto-Lei autorizado – estabelecer os elementos essenciais da incidência dos impostos; (…) Um tipo de incidência de acordo com o qual o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos de que depende a aplicação da verba 28.1. da Tabela Geral é o valor patrimonial de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano com afetação habitacional não tem seguramente qualquer expressão na lei;

·       É, assim, inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado andar a andar ou divisão a divisão, e não globalmente;

·       Na verdade, a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados (…) O legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária;

·       (…) a inscrição matricial de cada parte suscetível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta da uma descrição na matriz do prédio na sua totalidade (…) estas normas procedimentais de avaliação, inscrição matricial e liquidação das partes suscetíveis de utilização independente não permitem afirmar que existe uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical (…);

·       O facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. ao consistir na propriedade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do C.I.M.I., seja igual ou superior a € 1,000 000,00, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando suscetíveis de utilização independente;

·       E esta interpretação da norma de incidência a imposto de selo resulta da conjugação da outra norma de incidência a IMI que é o artigo 1.º, segundo a qual o IMI incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos, atendendo à noção de prédio do artigo 2.º e de prédio urbano constante do artigo 4° e ainda das espécies de prédios urbanos descritas no artigo 6.º;

·       Os atos tributários impugnados, em termos de substância, não violaram qualquer preceito legal ou constitucional, devendo ser mantidos na ordem jurídica;

·       Termos em que, com o douto suprimento de V. Exa., deve o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações controvertidas ser julgado improcedente, absolvendo-se a AT do pedido.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral deu entrada em 25 de setembro de 2014, foi aceite pelo Ex.mº Senhor Presidente do CAAD no dia imediato e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 6 de outubro de 2014.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Ex.mº Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou a subscritora como árbitro, encargo aceite nos termos legais.

O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 4 de dezembro de 2014 e é materialmente competente para apreciar e decidir o litígio objeto dos presentes autos.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

As partes prescindiram da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como da produção de alegações, quer orais, quer escritas.

·       MATÉRIA DE FACTO

·       Factos que se consideram provados:

·       À data da produção do facto tributário, a Requerente era proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ... da freguesia do ..., concelho de Lisboa;

·       O referido prédio, de acordo com a caderneta predial emitida pelo Serviço de Finanças da área da sua localização (Serviço de Finanças de Lisboa ...) era constituído por dezassete andares ou divisões de utilização independente, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial total de € 1 514 060,00;

·       Treze dos referidos andares ou divisões de utilização independente encontravam-se afetos a habitação, variando os respetivos VPT entre € 72 440,00 e € 85.620,00, sendo o seu somatório da quantia de € 1.035.280,00;

·       As treze liquidações de Imposto do Selo foram emitidas pela AT, nos termos da Verba 28.1, da TGIS, à taxa de 1%, sobre o VPT de cada um dos andares ou divisões de utilização independente, afetos a habitação;

·       A Requerente foi notificada para efetuar o pagamento das seguintes liquidações de Imposto do Selo, por referência aos andares ou divisões de utilização independente, afetos a habitação, do prédio urbano antes identificado, em uma única prestação, durante o mês de Junho de 2014:

Andar ou divisão

VPT

Coleta

... ... U-... – R/C D

€ 72.440,00

€ 724,40

... ... U-... – 1.º

€ 78.960,00

€ 789,60

... ... U-... – 1.º DT

€ 75.780,00

€ 757,80

... ... U-... – 1.º ES

€ 84.770,00

€ 847,70

... ... U-... – 2.º

€ 78.960,00

€ 789,60

... ... U-... – 2.º DT

€ 75.780,00

€ 757,80

... ... U-... – 2.º ES

€ 84.770,00

€ 847,70

... ... U-... – 3.º

€ 79.750,00

€ 797,50

... ... U-... – 3.º DT

€ 76.540,00

€ 765,40

... ... U-... – 3.º ES

€ 85.620,00

€ 856,20

... ... U-... – 4.º

€ 79.750,00

€ 797,50

... ... U-... – 4.º DT

€ 76.540,00

€ 765,40

... ... U-... – 4.º ES

€ 85.620,00

€ 856,20

 

·       Ao pedido de pronúncia arbitral foram juntas cópias das notificações para pagamento das liquidações impugnadas, sem indicação do respetivo pagamento.

 

·       Fundamentação da matéria de facto provada

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da análise da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (cópia da caderneta predial do prédio urbano nele identificado e das notificações para pagamento de cada uma das liquidações impugnadas), bem como da referência que lhes é feita na resposta da AT.

 

·       Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

·       MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

As questões trazidas aos autos, quer por banda da Requerente, quer pela Requerida AT, são as de saber se, num prédio urbano não submetido ao regime da propriedade horizontal, a sujeição a imposto de selo, nos termos da verba n.º 28.1, da TGIS, é determinada pelo Valor Patrimonial Tributário (VPT) que corresponde a cada uma das partes do prédio, economicamente independentes e destinadas a habitação, como defende a Requerente ou se, pelo contrário, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório de todos os VPT dos andares ou divisões de utilização independente e afetos a habitação que o compõem, como sustenta a AT e se qualquer das interpretações em confronto é inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade e da igualdade fiscal.

Perante as posições em confronto e acima descritas, começar-se-á por notar que a AT tem razão ao referir que um prédio constituído em propriedade horizontal é uma realidade jurídico-tributária distinta de um prédio urbano em “propriedade total” ou “propriedade vertical”.

A tanto obrigam as regras da interpretação, que tem o texto como partida, cabendo-lhes a função negativa de eliminar qualquer sentido que não tenha qualquer apoio na letra da lei.

Desde logo, porque o n.º 4 do artigo 2.º do CIMI, estabelece a ficção legal de que cada uma das frações autónomas de um prédio constituído em propriedade horizontal consubstancia um prédio, enquanto uma parte de utilização independente de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal continua a ser apenas isso – uma parte de um prédio e não um prédio, como, aliás, a AT reconhece na sua resposta, ao afirmar que “a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados”.

Tanto bastaria para concluir que, tendo o legislador fixado qualificações tributárias distintas para realidades juridicamente diferenciadas (prédios e partes de prédios), não será legítimo que o aplicador da norma crie uma nova norma de incidência daquele imposto, determinando a tributação de partes de prédios, por se tratar de matéria submetida ao princípio da legalidade tributária, ínsito no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), segundo o qual os elementos essenciais dos impostos – a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes – são estabelecidos por lei da Assembleia da República, salvo autorização legislativa ao Governo (artigo 165.º, n.º 1, alínea i) e n.º 2, da CRP).

Ora, a verba 28 da TGIS, aditada pelo artigo 4.º da Lei nº 55-A/2012 de 29 de outubro, veio determinar, na sua redação originária, aplicável ao caso em apreço, a incidência objetiva do imposto de selo sobre prédios urbanos com afetação habitacional (e não, como entende a AT, sobre partes de prédios), cujo valor patrimonial tributário, para efeitos de IMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00, ao estabelecer que o imposto de selo incide sobre:

«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.».

Também aqui o elemento literal da norma há de ser o ponto de partida para a sua interpretação e, “na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exato) de que o legislador soube exprimir com correção o seu pensamento”.

 

Em abono da tese de que o VPT relevante para a incidência do Imposto de Selo da verba 28.1, da TGIS, é o VPT global do prédio não constituído em propriedade horizontal, argumenta a AT que todas e cada uma das suas divisões de utilização independente foram “avaliadas nos termos do artigo 12.º, n.º 3, do C. I. M. I”, norma que, segundo a Requerida, corresponde ao “corpo do artigo 232.º, regra 1.ª, do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (…), que dispunha cada habitação ou parte de prédio ser tomada automaticamente (sic) para efeitos de determinação do rendimento coletável sobre o qual deva incidir a liquidação”, caso em que “o rendimento coletável tinha necessariamente de corresponder à soma da renda ou valor locativo de cada uma das componentes do prédio com autonomia económica”.

Porém, a transposição da interpretação dada no âmbito do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (CCPISIA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45 104, de 1 de julho de 1963 e, na sua maior parte, revogado pelo Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de novembro, para o Código do IMI, em que não existe norma idêntica à do artigo 232.º, do Código primeiramente citado, não se afigura viável por diversas ordens de razões, em especial, porque a antiga Contribuição Predial se configurava como um imposto sobre o rendimento, real ou presumido, como decorre do respetivo preâmbulo, em que se afirmava que “Quanto aos prédios urbanos, tinha desde logo aplicação o princípio de tributar sempre que possível rendimentos reais, princípio que (…) no caso havia forçosamente que restringir aos prédios arrendados. (…) Quanto aos prédios não arrendados, (…) só havia que manter a tributação com base num rendimento estimado (…)”, enquanto o Imposto Municipal sobre Imóveis é um imposto sobre o património, cujas regras de avaliação se baseiam em critérios objetivos.

De facto, o § 1.º do artigo 232.º, do CCPISIA, dispunha que “Cada habitação ou parte de prédio novo suscetível de arrendamento separado será tomada autonomamente para efeito de determinação do rendimento coletável sobre que haja de incidir a liquidação” (sublinhado nosso), mas tal autonomia apenas relevava para efeitos de lançamento nos verbetes e respetiva liquidação unitária, e já não para efeitos de inscrição matricial, diferentemente do que atualmente determina o artigo 12.º, n.º 3, do CIMI.

No que respeita à determinação do valor dos prédios não constituídos em propriedade horizontal, rege o artigo 7.º, n.º 2, do CIMI, mas apenas para os “prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior”, caso em que, de acordo com a sua alínea b) “(…) cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes”.

Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º, do CIMI, os prédios urbanos classificam-se como: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros.

Da conjugação das normas do n.º 2 do artigo 7.º e n.º 1 do artigo 6.º, ambos do CIMI, decorre que, se um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal integrar, exclusivamente, partes ou divisões destinadas a habitação, o valor do prédio não equivale à soma das suas partes. O mesmo que é dizer-se que cada uma das partes é autónoma.

Aqui chegados, caberá questionar da sujeição a imposto de selo da verba 28.1, da TGIS, de uma parte ou divisão de utilização independente, destinada a habitação, de um prédio não constituído em propriedade horizontal, em que se integrem partes ou divisões de utilização independente, enquadráveis em outra das classificações do n.º 1 do artigo 6.º, do CIMI, por exemplo, divisões destinadas a comércio, indústria ou serviços, como é o caso em apreço, em que, dos 17 andares/divisões de utilização independente, apenas 13 se destinam a habitação.

Ora, a resposta há de ser negativa, não obstante a previsão da alínea b) do n.º 2, do artigo 7.º, do CIMI, segundo a qual o valor do prédio é a soma dos valores das suas partes ou divisões de utilização independente, enquadráveis em mais do que uma das classificações do n.º 1, do artigo 6.º, do mesmo Código.

É que aqui, repare-se, não se estão a cotejar duas realidades juridicamente distintas, como são as partes ou divisões de utilização independente de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal com as frações autónomas de prédios submetidos àquele regime, que, para efeitos de IMI, são elas próprias prédios.

Aqui, o que está em confronto são realidades em tudo idênticas, ou seja, partes ou divisões de utilização independente e destinadas a habitação, integradas em prédios urbanos não constituídos em propriedade horizontal.

E a resposta à questão há de ser negativa, pois nada justificaria que o legislador pretendesse tributar partes ou divisões de utilização independente e afetação habitacional de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, integrado por outras partes ou divisões de utilização independente destinadas a outros fins e não tributasse partes ou divisões de utilização independente e afetação habitacional de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, integrado, exclusivamente, por partes ou divisões de utilização independente destinadas a habitação. Caso o legislador pretendesse tratar de forma desigual realidades em tudo idênticas, teria, então, de se concluir por uma flagrante violação do princípio da igualdade.

Não se afigurando ser essa a intenção legislativa, não se poderá aceitar que a AT formule uma norma de incidência ex novo, diversa da que foi criada pelo legislador, pretendendo tributar partes de prédios, ainda que económica e funcionalmente independentes e, como tal, separadamente inscritas na matriz, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário (cfr. o n.º 3 do artigo 12.º, do CIMI), pois a lei é clara ao sujeitar a imposto de selo da verba 28.1, da TGIS, os prédios urbanos de afetação habitacional, cujo VPT, para efeitos de IMI, seja superior a € 1 000 000,00.

Para além do elemento gramatical, ou seja, do texto da lei, há no entanto a salientar que, na determinação do sentido e valor da norma, não pode o intérprete deixar de considerar o elemento lógico ou, de acordo com o n.º 1 do artigo 9.º, do Código Civil, deixar de “reconstituir (…) o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.

Efetivamente, tal como refere a Requerente na petição inicial e já serviu de fundamento a outras decisões arbitrais, “da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII/2, na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I Série, nº 9/XII, de 11 de Outubro de 2012, onde expressamente se refere a incidência da nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.

Temos pois que, para além do elemento gramatical da interpretação da norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS, também o seu elemento racional ou teleológico, a ratio legis ou fim visado pelo legislador ao elaborar aquela norma, aponta no sentido de a tributação incidir sobre prédios urbanos de elevado VPT e não sobre partes de prédios urbanos, ainda que de utilização independente, com VPT de valor inferior ao legalmente determinado.

 

·       Questões de conhecimento prejudicado

As questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Em face dos motivos expostos supra, fica prejudicado o conhecimento das questões relativas à alegada inconstitucionalidade das interpretações dadas pela Requerente e pela Requerida à norma da verba 28.1, da TGIS, por violação dos princípios da legalidade e da igualdade fiscal, uma vez que esta norma não comporta a interpretação que dela fez, no caso, a AT, ao emitir as liquidações objeto do pedido de pronúncia arbitral, que se não poderão manter na ordem jurídica.

·       DECISÃO

Com base nos fundamentos acima enunciados e, nos termos do artigo 2º do RJAT, decide-se:

·       Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação, com as demais consequências legais.

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 10 352,80 (dez mil, trezentos e cinquenta e dois euros e oitenta cêntimos).

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Lisboa, 20 de fevereiro de 2015.

O Árbitro,

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do D.L. n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.